por Pedro Rogério Moreira
*Jornalista e escritor - pedrorog@senado.gov.br
Um aviãozinho amarelo voava pelo reino encantado do Oeste de Minas no tempo em que vestíamos calças curtas e nos assombrávamos com as histórias da moça bonita que o pilotava num céu azul-feliz. Na carenagem do motor havia a inscrição: 'Cesarion'. A aviadora arrebatava as emoções do mundo com as piruetas que realizava tanto no ar quanto
O destino me pregou uma peça com Cesarion. Somos contemporâneos, ele na sua terra natal, São Gonçalo do Abaeté, o Pedrim
Desde que mudei-me para Brasília, há vinte anos, não via o Cesarion. Mas falávamos ao telefone. Um dia fui lhe contar que a Princesa, personagem de meu romance 'Bela noite para voar', era sua mãe Maura Lopes Cançado. 'Olha, Cesarion', disse-lhe eu, cheio de dedos, 'no livro a Maura vai namorar o presidente Juscelino Kubitschek, está bem?' Respondeu-me: 'Trate-a com ternura'. E contou-me passagens desconhecidas da vida sensacional, embora de grande sofrimento, da sedutora e explosiva Maura, poeta, romancista, memorialista, contista premiada de 1958 pelo Jornal do Brasil.
Maura, uma das mais inquietantes inteligências de sua geração, e, por isso mesmo, desde cedo incompreendida, o que certamente a levou aos paroxismos, esteve internada muitas vezes; numa dessas internações, matou uma paciente. Em 1993, morreu num hospital psiquiátrico do Rio. Precisa urgentemente ser retirada do esquecimento a que são relegados os loucos varridos. Nas antigas fazendas de Minas havia isso: o quarto de doido. O corpo de Maura continua num deles, junto com sua obra literária audaciosa. Como também permanece no quarto de doido outra menina que saiu de Minas para o Rio, antes de Maura, e teve igualmente uma vida trepidante e infeliz: Dora Vivacqua, nossa 'Luz del Fuego'. Vidas paralelas com conexões que só Deus sabe! Essas meninas tinham mesmo de vir de Minas...
Cesarion foi testemunha do sofrimento. O pai era o tenente Jair, filho do eminente coronel Praxedes, um dos pró-homens do antigo Bom Despacho. Jair deixou a Polícia Militar e se tornou aviador. Praticava num táxi-aéreo aquela aviação romântica que ainda sobrevive no interior. Era tido como um ás no sertão do São Francisco. Nos anos 60, num pouso de emergência, no Abaeté, sacrificou sua vida para salvar a do menino que o acompanhava. Belo final para um filme romântico de aventura, como foi a vida de Jair, me disse o filho.
Agora, a vez de Cesarion. Tinha 58 anos, deixa um filho, César, do casamento com a mulher que ele sempre amou, a jornalista Míriam Lage. Sofreu uma hemorragia no esôfago e acabou morrendo no hospital, no dia 7 passado. Ainda outro dia mesmo nos falamos. Ele me contou, feliz, que resolvera escrever um romance autobiográfico. Acumulara uma diversificada experiência em sua carreira profissional. Sabia 'lidar com as pretinhas', como classificávamos os bons redatores no tempo das máquinas de escrever. No mesmo passo em que desenvolveu sua intensa atividade de jornalista, especialmente na revista Manchete, Jornal do Brasil e Rádio JB, Cesarion trabalhou na Nuclebrás e em Furnas, transformando-se num craque em energia nuclear. Era poeta publicado, denso poeta.
Mais importante do que tudo isso, porém, é que Cesarion Praxedes, mesmo tendo convivido pouco com o pai e a mãe, jamais deixou de ser o menino cujo nome batizou o aviãozinho de minha infância. Menino no pomar disposto a ajudar aqueles que chegam para a comunhão da manga-espada, da jabuticaba, do jambo. Pronto para estender a mão amiga, como ele sempre estendeu, do alto da árvore, aos pequenos que não conseguiam pegar o fruto desejado.
Cesarion foi encontrar-se com Maura e Jair no céu azul-feliz daquele reino encantado que outrora povoou o Oeste de Minas e que teima em morar em nossos corações e mentes. Porque só a infância nos redime das besteiras de adulto. O exagerado Nelson Rodrigues dizia que o homem só é feliz até os 12 anos. Tá bom. Mas se você ficar para sempre com essa idade será feliz até à hora derradeira.
Vivi um pedaço da minha infancia/adolescência com Cesarion, em São Gonçalo do Abaeté, minha terra também... Só agora vim a ler isso tudo!... Acabei de ler Hospício é Deus, estou extasiada!... Catarina
ResponderExcluirJóia, que bom saber!
ResponderExcluirTrabalhei no JB de 1967 a 1970. Tornei-me amigo do Cesarion nos inúmeros almoços que tínhamos no restaurante do jornal. Deixei o Brasil em 1983 e nunca mais vi o Cesarion. Este texto o coloca aqui, de novo ao meu lado na mesa. Obrigado, Marcus Cremonese
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