Sistematizo aqui, de forma didática, alguns conceitos de Nietzsche. Considero Nietzsche um pensador sistemático. Pode-se supor que sua filosofia se origina de sua perda de crença em Deus na adolescência. A partir daí, ele elabora todo um sistema de pensamento para substituir a visão de mundo anterior.
Eterno retorno: Era um ensinamento ilustrativo, no fundo, moral: deve-se viver cada momento da vida como se ele tivesse que ser vivido infinitas outras vezes, até a eternidade. Pensado como uma imagem ilustrativa de um novo sistema valorativo, o conceito dá um sentido à vida, acabando com a sensação de vazio, de falta de sentido. Passa a haver o sentimento de continuidade que a religião busca na vida eterna, mas numa perspectiva valorativa diferente. Se no sistema judaico-cristão a promessa de um mundo perfeito (céu) onde se vive a vida eterna degradava esse mundo (“vale de lágrimas”), essa inversão de perspectivas inverte e valoriza essa vida presente, aqui e agora.
Ressentimento: Seria o rancor destrutivo que aquele que segue a moral da coletividade sente por quem se desvia dele. Quando colocado numa situação desfavorável, o espírito livre não fica ressentido, aceita o seu destino com amor à fatalidade, pois acredita, inclusive, que poderá ter que repetir essa fatalidade.
Amor fati: é o nome da aceitação de seu destino que o espírito livre deve ter. Se o crente aceita seu destino em nome da vontade de Deus, o espírito livre o aceita em nome de dizer sim à vida. Negar o sofrimento seria tentar fugir da vida. O certo seria buscar ser espectador de sua própria tragédia (criar arte) e divertir-se com ela.
Niilismo: É o estado de espírito do dogmático ou do fanático religioso, é o oposto do espírito livre. Para Nietzsche, o niilista é quem sacrifica a vida em nome do nada (preceitos religosos), de cultos onde o que a verdadeira divindade é a morte. A acepção de Nietzsche é o contrário do senso comum, que chama de niilista quem não acredita em nada. Duvidar do que é dito, colocar tudo em perspectiva, ou seja, contextualizar tudo, é a atitude do espírito livre para Nietzsche.
Vida: Fenômeno marcado pela moral como doutrina das relações de poder.
Gaia Ciência: Seria o verdadeiro saber. A verdadeira ciência seria alegre, gaiata, brincalhona, erótica, lúdica. Seria uma ciência integrada com a arte e com a religião. Deve-se rir de todo mestre e de si também. Seria a ciência que prevaleceria junto ao novo sistema valorativo, superando a ciência positivista. O humanismo, para ele ligado ao sistema valorativo judaico-cristão, estaria obsoleto, pois o homem diria sim à vida e teria um novo sistema valorativo.
Super-homem: É uma imagem claramente inspirada em Cristo. Esse termo é melhor justamente por possibilitar um contraste com o mito do super-homem de massa, que é um problema a ser enfrentado. O mito do super-homem de massa responde à indagação que fica na filosofia de Nietzsche sobre o que seria o super-homem: apresenta então uma raça de guardiães policialescos e super-poderosos do sistema social e político atual que mantém de forma subalterna os humanos. Trata-se de uma leitura oportunista que o poder fez do pensamento nietzschiano. O sistema de Nietzsche funciona assim: Nietzsche produziu o seu profeta (Zaratustra) para que os novos valores (que são os valores pagãos “tresvalorados”, ou seja, repensados) sejam transmitidos por experimentadores desses novos valores (novos filósofos) e então esses valores mudem o mundo para então redimir o mundo, fazendo com que homens redescubram a vida e até o estado funde uma ordem social na qual a idéia do Deus cristão não seria necessária, mas os deuses até então mortos, como Dionísio e Apolo, seriam novamente cultuados e repensados, mas principalmente na forma de um sistema valorativo e não de uma metafísica tratando de uma outra vida. O sistema do cristianismo funciona assim: Deus enviou o seu filho, Jesus, e ele, com poderes sobrenaturais, veio ao mundo e voltará no final dos tempos para julgar quem seguiu os seus ensinamentos, no fim da história. Por desconhecer economia e por elaborar seu pensamento a partir de um prisma aristocrático, Nietzsche imagina que o que está errado em nosso sistema social e político é apenas a não-criação de um sistema moral e ético alternativo ao cristianismo e que, se outro sistema alternativo entrar em cena, a história da humanidade se dividirá em antes e depois da filosofia de Nietzsche, fazendo com que a humanidade viva uma vida muito melhor.
Genealogia: Para poder criar novos valores, é preciso investigar como os valores são gerados. Por isso o filósofo dedica-se a estudar a ética e a moral, para superá-las e criar novos valores éticos e morais. Exemplificando a crítica genealógica, diante da frase: “Caio Blinder, judeu que vive em Nova York, se diz generoso”. A leitura genealógica deixa de lado a pergunta sobre a verdade da frase: será que ele é generoso mesmo? Ela se volta para outra questão: quem fala? Alguém que teme o estereótipo do judeu sovina, avarento. E por isso produz um enunciado afirmando o contrário. Colocando em perspectiva, a generosidade nasce da avareza, numa relação dialética que, no sistema de Nietzsche, assume o nome de perspectivismo.
Vontade de poder: vontade de renovar os valores do mundo, que são meros jogos de forças. O mundo é vontade corporificada, a música é expressão pura da vontade.
Morte de Deus: Seria a morte de um determinado sistema valorativo, o judaico-cristão. O sistema de valores do Deus cristão seria substituído por outro sistema de valores que diria sim à vida, sistema esse advindo de Dionísio, dentre outros deuses pré-cristãos.
Apolíneo: Ao inventar esses conceitos (apolíneo e dionisíaco), Nietzsche adianta um pouco do novo sistema valorativo que ele propõe, como escreve Lou, “lutando pelos deuses agonizantes”. Ser apolíneo é bom, dionisíaco também, conforme a perspectiva (contexto). Apolo é o deus da ordem, serenidade, harmonia, resplandecente, princípio da individuação, primado da forma e dos limites, bela aparência e sonho. O natal seria uma festa apolínea, pela reunião da família, ligada à ordem e à harmonia.
Diosiníaco: Dionísio ou Dioniso (Baco em Roma) era o deus do vinho, do sexo, da embriaguez. Festa, música, plenitude, dança, uno primordial, existindo uma busca de superar as formas e os limites, primado da desmedida, do domínio subterrâneo, da indiferenciação e da essência. O carnaval seria a festa dionisíaca por excelência.
Decadência: é o período em que acontece decadência do sistema de valores cristão, mas onde o novo sistema ainda não foi sistematizado e nem divulgado. O novo filósofo, do futuro, é quem supera o tempo onde prevalece o sistema de valores cristão e divulga esse novo sistema de valores, marcado por conceitos como apolíneo e dionisíaco.
Perspectivismo: Nome que a dialética assumiu no sistema de Nietzsche. Perspectivar algo é contextualizar esse algo. Conforme o contexto, ou seja, a perspectiva, a generosidade pode se transformar em avareza, ou seja, uma coisa pode se transformar em seu contrário.
Transvaloração dos valores: Grande transformação de valores anunciada por Nietzsche através de seu profeta Zaratustra, a ser realizada pela ação dos novos filósofos. Um novo sistema valorativo terá lugar a partir de Dionísio, Apolo, o budismo, os valores aristocráticos dos nobres europeus, dentre outros sistemas valorativos que forjarão esse novo sistema.
Muito bom companheiro. Estes tópicos parece mais um pequeno opúsculo de verbetes Nietzsche. Explicitar os conceitos deste filósofo ajuda a todos a entenderem melhor a suas ideias. A Sessão Nietzsche está terminando. Faltam apenas duas postagens. Estou trabalhando agora em dois filmes. Um abraço e muita paz. Até...
ResponderExcluirOi, Maxwell.
ResponderExcluirRealmente, são um "opúsculo de verbetes Nietzsche".
Abs do Lúcio Jr.