domingo, 20 de setembro de 2020

Os Méritos de Stálin

 

Os Méritos de Stálin

 

                                                                                  Ludo Martens

 

Essa palestra busca falar algumas ideias sobre Stalin e seu período na União Soviética. O texto servirá de debate nas organizações. Começaremos com um dissidente bem conhecido na Alemanha, Alexander Zinoviev, que, embora fosse jovem, nos anos 30, preparou um atentado contra Stálin. E, depois de ver, em 91 a restauração capitalista na URSS, ele escreveu que Stálin foi o grande gênio político do século XX. Isso vindo de alguém que fez carreira como anticomunista.

A primeira questão que vemos é, observando a luta de classes internacional, Stálin representa a classe trabalhadora. A atitude contra Stálin é sempre uma posição de classe. Somos educados, quando jovens, para falar que Stálin é criminoso, é ditador. Tudo é permitido dizer sobre esse período.

O que é fato que o tratamento de Stálin é o mesmo dado a outros revolucionários, historicamente. Isso começa com a revolução francesa, isso acontece na Comuna de Paris. Isso começa com Marx. Vejamos uma ilustração anticomunista: vemos alguém com um machado, cortando cabeças, vê-se uma casa queimando. É um desenho antissocialista belga. Não se vê Stálin aqui, é Marx. O primeiro a ser chamado de Tzar Vermelho foi Lenine. O mesmo dito sobre Stálin foi dito sobre Lenin e Marx.

Na Bélgica, como é um país muito católico, foi a guerra espanhola que causou sensação na direita. Num desenho dos anos 30, é Stálin que é visto botando fogo nas casas, matando mulheres. É o mesmo discurso antissocialista. É Stálin que é visto interferindo na Espanha, não a Alemanha nazista.

Os nazistas mobilizaram, como se pode ver nesse desenho nazi, com o anticomunismo, principalmente. Então se vê o bolchevismo pondo fogo nas cidades, matando. O bolchevismo foi combatido nesses termos até 1944, depois o termo stalinismo veio substituir o termo bolchevismo.

Então Brzezinski, um polonês que trabalha para os norte-americanos, fala ainda em 1989 de trinta milhões de mortos. Os trinta milhões de mortos massacrados pelo bolchevismo estão aqui (mostra Minha Luta, de Hitler). Isso em 1925. Nessa época ainda não tinha acontecido nada, só a guerra civil, que levou uns 8 ou 9 milhões de mortes. Sendo assim, os nazis estiveram na vanguarda das correntes oportunistas e anticomunistas.

De lá para cá, a guerra da burguesia tem se sofisticado mais e mais. A guerra prepara-se nos períodos de paz, através da guerra psicológica. A guerra se faz através do controle da informação, da espionagem, da expulsão dos revolucionários. A guerra da burguesia sofisticou-se com os nazistas, como se pode ver nesse quadro que data da II Guerra Mundial, já é a guerra psicológica: Hitler mobiliza sobre dois temas durante a invasão (ele mostra outro desenho da época da invasão de Hitler na Bélgica): anticomunismo e terrorismo. Os partisans (resistentes) eram chamados terroristas. Note que há sempre um judeu intelectual ao lado de Stálin na propaganda nazista. Eles agitavam falando em judeu-bolchevismo.

Em 1989, houve um episódio interessante. Votaram uma moção anticomunista no parlamento. Ela foi aprovada por todos, mas um deputado fascista do VlaamsBlok falou: “há trinta anos,ninguém nos apoiaria nessa moção”. Os fascistas estavam na vanguarda da reação mais uma vez.

Então, teve a história da revolução antiburocrática que supostamente estaria acontecendo no Leste Europeu, segundo os trotsquistas. Para eles, se caíssem aqueles regimes, a social-democracia se desenvolveria. Mas mesmo para um cego, um imbecil, ficou bem claro que é, na prática, a revolução antiburocrática dos trotsquistas, existe um sentido de classe, é restauração burguesa, capitalista. Eles experimentaram a tal revolução antiburocrática e nós vimos o que era.

Resumindo: Lênin e Stálin construíram, Kruschev começou a destruir, Brejnev deu continuidade e Gorbachev completou o serviço.

Então, gritavam que a URSS estava em crise no tempo de Gorbachev porque a economia crescia apenas um por cento. Mas depois da queda do regime em 91, a produção caiu cinquenta por cento. Mas agora não, agora tá valendo, pois estamos respeitando a democracia, os direitos humanos. Isso tudo foi dito na cara dura, na BBC inglesa, por um repórter que foi à URSS. E o repórter disse que as empresas que funcionam estão dominada pela máfia. E isso se diz na cara dura! E isso na BBC, que sempre esteve na vanguarda da propaganda anticomunista.

Podemos dizer, então, existe agora onde antes havia a URSS uma nova ditadura de uma nova burguesia que é absolutamente bárbara! Uma burguesia mafiosa!

Então todos os oportunistas e anticomunistas sempre formam uma grande conjuração contra Stálin. Stálin foi o grande organizador que permaneceu na Rússia, na clandestinidade, antes e durante a I Guerra Mundial. A experiência muito lhe valeu durante as batalhas posteriores.

Depois que o czarismo mostrou-se frágil e caiu, começou a guerra civil, que só foi sangrenta devido à intervenção de vários países, devido ao fato de que os czaristas e social-democratas foram pedir ajuda ao império britânico. E aí vieram os japoneses, tchecos, vieram várias nações invadindo o país, mas eles perderam, pois ainda havia um clima revolucionário em seus países. Eles tiveram, então, que voltar.

Se os bolcheviques não tivessem mobilizado os camponeses, se eles não tivessem visto que na prática quem queria dar a terra a eles eram os comunistas, os bolcheviques teriam sido derrotados. Isso foi decisivo na guerra civil.

No período que se sucedeu à guerra civil, foi Stálin quem defendeu que a Rússia podia construir a teoria de que era possível construir o socialismo em um só país. Trotsky defendeu outra tese: uma revolução sozinha degeneraria, a revolução tinha que ser exportada pela Europa para países mais modernos.

Então, para Trotsky, era aventureirismo ou derrotismo. Para ele, eles estavam sós, então era hora de dizer aos operários e camponeses que lutaram e deram sangue: estamos sós, fica para outra.

Foi graças à capacidade organizativa de Stálin que o partido foi organizado, numa situação extremamente complexa. Stálin era um grande teórico, ao contrário do que dizem os burgueses. Os textos de Lenin são para os dirigentes, há discussões sofisticadas. Mas Stálin está noutro momento histórico e precisava educar milhões de camponeses e operários.

Fundamentos do Leninismo é um curso de Stálin na universidade Sverdlov. Esse livro brilhante, pois sintetiza as ideias de Lenin. Mesmo um operário pode lê-lo hoje em dia. É uma forma clara de sintetizar as discussões entre Lênin e os oportunistas. Um operário deve ler, como iniciação: O Manifesto Comunista, O Estado e a Revolução de Lenin e Os Fundamentos do Leninismo, de Stálin. São livros que o iniciante deve ler.

A URSS lançou a economia planejada para o mundo e foi muito bem sucedida.

Igualmente, a industrialização da URSS também devido aos méritos de Stálin enquanto líder. Foi também, claro, graças ao espírito de sacrifício da classe operária e camponesa. A industrialização foi realizada graças à eletrificação. Lenin previa a eletrificação em 15 anos, até 1935. E ela foi um sucesso, sucesso absoluto: chegou a 230 por cento.

Outra grande conquista foi a coletivização. A Nova Política Econômica criou pequenas e médias empresas. Havia fazendeiros ricos, por um lado e por outro camponeses sem terra, sem um arado. E por isso existia polarização espontânea, uma polarização entre ricos e pobres, como em qualquer economia de mercado. Os ricos acumulavam muito, podia-se comprar e vender terras. Então, surgiu uma burguesia agrária que muito bem poderia desafiar e derrotar o poder soviético. Por isso o partido desenvolveu a coletivização, em 1927 ainda havia muito poucos. A coletivização foi decidida pelo partido e a ideia foi eliminar os camponeses ricos, os burgueses agrários (kulaks), pois eram uma ameaça, pois uma vez sendo ricos, poderiam dirigir as massas agrárias contra o poder soviético. O país ainda era rural, havia massas no campo.

Pode-se dizer que foi preciso colocar todo mundo alfabetizado e que estava no campo dentro do partido. Era fácil entrar. O partido teve que aceitar até guardas brancos, ex-czaristas. Foi necessário, diante das dificuldades, trazer gente da cidade para o campo, trazer quadros mais preparados. Pois o partido não era fraco no campo só em termos numéricos, mas também em termos de consciência.

A classe kulak podia facilmente mobilizar as tradições reacionárias que ainda eram fortes no campo. Ao saberem que começava a coletivização, lançaram praticamente uma guerra civil. A grande diferença entre ser camponês pobre ou camponês médio era ter um cavalo. Os camponeses médios foram iludidos pelos kulaks e mataram os cavalos. Foi uma luta selvagem, a ideologia reacionária era muito enraizada. Os kulaks lutaram como se fosse uma luta de extermínio.

O apoio dos camponeses pobres foi decisivo para derrotar a classe kulak. Durante muito tempo, os camponeses sem terra e que viviam na pobreza tinham se revoltado, mas agora eles tinham a seu lado o exército, o estado, o partido.

A comparação realizada pela CIA é que o extermínio dos kulaks é como o extermínio dos judeus pelos nazis. Uma parte dos kulaksforam deportados. Podemos discutir sobre os números. Robert Conquest era o grande especialista na URSS. Em 1989, Conquest e Soljenitsinforam citados como os dois autores que era preciso ler para entender o stalinismo. Então, os números são de 3 milhões de mortos na deskulakização. No entanto, uma outra análise alternativa acadêmica calculou que foram por volta de 200 mil ou no máximo 300 mil mortos, no máximo, durante todo o período.

Outro ponto a ressaltar são os expurgos dos anos 30. Stálin leu Minha Luta muito bem e sabia que a Alemanha queria espaço vital a Leste. Então, a guerra viria mais cedo ou tarde. Quando a URSS ficou ameaçada, todos os oportunistas se uniram contra Stálin, esperando tomar o poder. Daí a necessidade dos expurgos, dos processos de Moscou. A burguesia ainda estava lá, havia alguns kulaks que sobreviveram, havia a igreja, tudo isso influenciava decisivamente. A influência da social-democracia era grande no partido. Mencheviques e bolcheviques coexistiram durante muito tempo no mesmo partido. Zinoviev e Kamenev, em 17, líderes bolcheviques, entregaram para a imprensa menchevique a informação de que havia uma insurreição em curso. Houve mesmo nos anos 20 um líder que se chamava George Salomon que era vice-ministro da indústria e disse, no início dos anos 20, que Lenin exagerava e que era preciso uma fase capitalista, que o capitalismo ainda tinha um papel a jogar. Ele continuou sendo vice-ministro com essas ideias. Esse líder passou para o outro lado nos anos 50. Então a influência social-democrata era muito grande, muito além de Trotsky.

Trotsky, depois de sair do partido, degenerou rapidamente. Em 1934 ele já começou a dizer que foi Stálin o grande culpado da vitória de Hitler. Para tirar Hitler, era preciso acabar com a Internacional Comunista. Dois anos depois, a guerra se aproxima. E ele fala que a burocracia stalinista sabe mais do que ninguém que a guerra representará sua queda. Berlim sabe, dizia Trotsky, que o pais estava solapando moralmente o país. Ele faz propaganda para dizer que o país estava desmoralizado, ou seja, estimulou os alemães a invadir a URSS. Trotsky diz que Stálin, um carreirista, chamava para si o terror individual, segundo as leis da história. Aqui está na verdade fazendo propaganda do terror individual contra o partido bolchevique. Ele fala que só uma revolta política poderia derrubar a nova casta burocrática, apelando ao exército. Na prática, ele age como um provocador a serviço dos nazis.

Então, houve o caso de um anticomunista, Boris Bojanov, que entrou no partido para destruí-lo, ele chegou a escrever isso. Ele entendeu aos 19 anos que não havia como combater o comunismo a não ser entrando no partido e destruindo-o poder dentro. E que em quatro anos estava no comitê político de sua cidade. Há também um caso citado no livro de um norte-americano. Era o caso de Chevchenko (citado como modelo por Zizek) que posteriormente fugiu para o Ocidente e explicou seu papel de infiltração contrarrevolucionário em um livro. Ele foi branco e depois virou operário, entrou na universidade e virou diretor de empresa socialista. Havia o caso de Tokaev, havia uma organização agindo dentro do partido. Há também o caso de um militar que chegou a um alto posto, sempre organizando complôs. Boa parte dessas pessoas foram fuziladas. Então, não se deve dizer que Stálin exagerou ao fazer o expurgo.

Bukharin foi parte dos oportunistas dentro do partido. Ele divergia da coletivização, mas continuou no centro do partido. Stálin não se opunha a qualquer um que o contrariava, isso é besteira. Ele se ligou aos conspiradores nos anos 30. Então era uma coalizão de forças, estavam no exército, nas empresas, no partido, no campo, nas universidades. Se essa quinta-coluna não tivesse sido exterminada, o poder soviético poderia ser derrotado numa situação de ataque externo.

Um outro ponto importante é o papel militar de Stálin durante a guerra, o papel diplomático. Para isso temos o debate de Kruschov. Nessas memórias de um antistalinista, pois Zukov deu um golpe de estado a favor de Kruschov, ele afirma que Stálin fez opossível.Zukov afirma que, quando a Alemanha invadiu a Austria, em 34, França e Inglaterra foram coniventes. Em 38, o mesmo aconteceu, a ideia era dirigir o expansionismo alemão contra a URSS, para o leste. Elas deixaram de lado todos os acordos do pré-guerra que garantiam esses dois países. A URSS tentou ao máximo um acordo, mas a ideia era um complô para destruir, antes de mais nada, a URSS. Só depois que Hitler as atacasse era possível um acordo anti-hitlerista. O pacto com os nazistas foi para isso, para que fosse quebrada essa jogada de França e Inglaterra, pois o Japão estava ameaçando a URSS e uma guerra de duas frentes a URSS não aguentaria.

Quando estourou uma guerra da Finlândia contra a URSS, franceses e ingleses, que quase nada tinham feito para combater a Alemanha, embora existisse uma guerra, ficaram novamente estimulados a combater conjuntamente ao lado da Alemanha contra a URSS. Enviaram apoio militar para a Finlândia. A URSS tentou negociar com a Finlândia, pois sabia que sem conseguir alguns territórios que estavam na mão desse país, Leningrado não era defensável. Então o objetivo da guerra foi defender-se.

Sem a direção de Stalin, não seria possível vencer a guerra, isso foi escrito por Zukov. Stálin, segundo esse inimigo, era mais realista que Churchill, era mais bem informado que Roosevelt.

Stalin também teve um papel fundamental para estimular novas revoluções socialistas: ele deu grande impulso para a revolução na Tchecoslováquia, ajudou decisivamente Mao TséTung na China, na Coreia, no Vietnã. Levou adiante uma luta anti-imperialista contra o imperialismo norte-americano. Os norte-americanos continuavam o trabalho dos nazistas, explicou ele. Muitos fascistas croatas e ucranianos foram reaproveitados pelos norte-americanos. Reinhard Gelen era um agente secreto que dirigiu atividade alemãs na URSS e fugiu para o lado deles e levado a Washington. Gelen, que deveria ser entregue e fuzilado, voltou à Alemanha e trabalhou para os norte-americanos. Então, quando os americanos falam que desnazificaram a Alemanha, é uma piada. A lista é infinita, há muitos nazistas que foram reaproveitados e treinados para a luta anticomunista após a guerra. Há os lutadores do terceiro-mundo que lutam hoje contra um imperialismo tão feroz quanto o nazismo. O imperialismo norte-americano tem que ser combatido. Para combater esse imperialismo, há uma só saída: Stálin.

Para Martens, Kruschev reabilitouBukharin, pois Kruschev reaproveitou todas as teses de Bukharin. Essa é a razão da reabilitação, ele é bukhariniano.

 

 

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Gramsci e Gonzalo

 Gramsci e Gonzalo: Considerações na conquista do combate das paredes internas da hegemonia

Com seu artigo “Rumo à guerra da posição: Gramsci em continuidade e ruptura com o marxismo-leninismo”, Amil iniciou o processo — muito atrasado no movimento comunista internacional — de resgatar Gramsci do domínio da academia liberal e colocar seus desenvolvimentos teóricos em serviço de elaboração de estratégias para a revolução. O fato de demorar tanto tempo para Gramsci ser considerado sob essa luz é prova de dois problemas:
1 — A verdade da teoria da hegemonia de Gramsci — nesse caso expressa na capacidade aparentemente interminável da academia liberal de interpretar e distorcer mal as ideias revolucionárias para ajustar-se a suas visões estreitas e reformismo mesquinho, ajudadas aqui pela autocensura necessária de Gramsci ao escrever em uma cela de prisão.
2 — O circuito intelectual doutrinário e fechado que definiu praticamente todo o movimento comunista internacional (MCI) nas últimas décadas.
No interesse de abordar o segundo problema e postular considerações, este texto analisa a noção de Gramsci da guerra de posição à luz de experiências recentes no lançamento de guerras populares. Enquanto no MCI tem havido muita energia e pouco intelecto gasto defendendo a necessidade e a estratégia da prolongada guerra popular, as tentativas de entender como as guerras das últimas décadas foram lançadas em primeiro lugar têm faltado. O resultado foi que aqueles ocupados pontífices para a guerra popular não conseguiram iniciar suas próprias.
Gramsci, como Mao, enfatizou o papel decisivo do fator subjetivo na revolução. Ele chamou a atenção para a necessidade de construção à longo prazo de uma força comunista, consistindo de quadros intelectualmente astutos e uma grande base de massa organizada, “que pode ser colocada em campo quando se julga que uma situação é favorável” ao invés de ver a emergência da possibilidade de uma revolução, pela maioria, dos desenvolvimentos da situação objetiva, Gramsci viu o desenvolvimento do fator subjetivo como chave para criar uma situação favorável à tomada do poder, que ele escreveu “só pode ser favorável na medida em que tal força [o fator subjetivo] existe, e está cheia de espírito de luta”.
A questão que nos confronta é a de como desenvolver o fator subjetivo na maneira qual Gramsci argumenta ser necessário. Fazer isso exige confrontar o poder burguês não apenas em seus aparatos repressivos, mas também em seus aparatos de hegemonia intelectual e cultural — o que Althusser chamou de Aparato Ideológico do Estado (AIE).
Este é um aspecto crucial da guerra de posição e tem a ver tanto com a acumulação de um número crescente de pessoas revolucionárias, quanto com a preparação dessas pessoas para administrar a sociedade após a revolução. Ao sistematizar a teoria da hegemonia de Gramsci, Althusser observa que, embora não haja praticamente espaço para a luta das classes exploradas nos aparelhos repressivos, nos aparatos ideológicos do estado “a resistência das classes oprimidas é capaz de encontrar meios e ocasiões para se expressar lá. , seja pela utilização de suas contradições, seja pela conquista de posições de combate neles na luta. ”
Dia de Pré-Iniciação no Peru
Muito ignorado no MCI é o método do Professor Abimael Gúzman de acumular e organizar forças revolucionárias antes do lançamento da guerra popular no Peru, em 1980. Gúzman (conhecido pela maioria de nós como Presidente Gonzalo) foi professor de filosofia na Universidade Nacional de San Cristóbal de Huamanga em Ayacucho em 1962. A então recém-criada universidade fazia parte do programa de modernização nacionalista do governo peruano, que atribuía uma importância crucial à educação. Tanto os partidos eleitorais de esquerda quanto as ditaduras militares de 1968 a 1980 viram a criação de universidades e a educação em geral como uma forma de lidar com a instabilidade e o empobrecimento da periferia. No Peru, o poder estatal e o desenvolvimento econômico estavam concentrados em algumas cidades, especialmente em Lima. A região de Ayacucho era a epítome da negligência do governo, e sua população indígena de língua quéchua não podia ser tão facilmente integrada às estruturas hegemônicas da sociedade peruana. Para os que estão no centro do poder, a expansão da educação na periferia foi uma maneira de incorporar essa população à hegemonia ideológica burguesa. Nisto existiu um elemento da classe dominante branca e mestiça continuando aquilo que os conquistadores espanhóis pararam na sua missão de “civilizar” os índios.
A recém-criada universidade ofereceu a Gúzman e seus companheiros a chance de definir os termos e usar a universidade como um centro de recrutamento para o Sendero Luminoso. A promessa da educação era oferecer uma oportunidade aos jovens camponeses de criarem suas comunidades, mas, após a formatura, a grande maioria destes alunos se via na mesma pobreza, sem os meios de melhorar as condições de suas comunidades. Essa contradição inerente estrutural — que Gramsci chamaria de orgânica, em vez de conjuntural — forneceu amplo terreno, a partir do qual o Sendero Luminoso poderia atrair membros cujas esperanças no sistema haviam sido frustradas pelas falsas promessas da educação. As animadas palestras de filosofia de Gúzman, que ofereciam uma explicação materialista histórica das contradições que os estudantes camponeses estavam enfrentando e encaixavam essas contradições nos maiores antagonismos do capitalismo em escala mundial, atraíram os recrutas iniciais que realizariam o trabalho de base para a iniciação da guerra popular.
Gúzman organizou esses apaixonados estudantes revolucionários para realizar censos de bairros pobres e organizar seus residentes. O jornalista Gustavo Gorriti descreveu os esforços de Gúzman na universidade nestes termos:
“Seu objetivo era claro: usar a universidade para recrutar, educar, organizar e subsidiar o crescimento de quadros comunistas. Guzmán fez com que a universidade criasse uma escola de treinamento para professores, composta principalmente por membros do Partido Comunista ou simpatizantes. Aqueles estudantes que se tornaram primeiros recrutas forneceram uma maneira ideal de forjar um relacionamento com suas cidades e comunidades. Muitos voltariam para casa para lançar as bases para o trabalho revolucionário.”
Os esforços de Gúzman na Universidade Nacional de San Cristobol de Huamanga não resultaram simplesmente em uma influência ideológica comunista geral. Dentro de um aparato ideológico estatal(AIE) que ainda não estava totalmente formado e longe dos centros de poder, os comunistas conseguiram se firmar e finalmente, nas palavras de Althusser, “conquistar posições de combate”. Gorriti caracteriza a Universidade de Huamanga como virtualmente sob o controle do Sendero Luminoso no final dos anos 60 e início dos anos 70. O Sendero estava envolvido no dia-a-dia dos alunos, incluindo sala e diretoria e controle administrativo, e a maior parte da liderança do Partido ensinava na universidade. Assim, uma combinação de controle organizacional e influência ideológica trouxe ao Sendero seus membros. Estrategicamente e taticamente, o saudável desrespeito de Gúzman pelos procedimentos da política e das organizações burguesas permitiu que Sendero aproveitasse ao máximo as situações em que ganhava vantagem. Gorriti afirma que o Sendero usou seu controle organizacional para purgar seus adversários ideológicos da universidade, e cita Gúzman que, “ou você usa o poder ou eles o usarão contra você”.
Além disso, Gúzman reconheceu a maneira pela qual a ambição do estado burguês peruano de enviar um número crescente de professores para a periferia poderia ser usada contra ele. Aqueles treinados pelo Sendero na escola de treinamento de professores da Universidade de Huamanga foram enviados para cargos de ensino em cidades e aldeias em todo o campo, fornecendo ao Sendero um meio crucial de organização de camponeses ao redor de Ayacucho. O Sendero reconheceu a importância das posições de autoridade em influenciar e conquistar as pessoas ao seu lado, e assim tirou proveito do respeito que os camponeses Ayacucho tinham pelos professores que chegavam às suas comunidades. Além disso, os estudantes universitários fizeram o trabalho de investigação social e estabeleceram laços com as massas. Tudo isso permitiu ao Sendero lançar uma guerra popular com quadros treinados, uma sólida base de massa e uma organização clandestina.
O controle do Sendero sobre a Universidade de Huamanga foi, obviamente, tênue e chegou ao fim em meados da década de 1970, em grande parte devido a organizações rivais de esquerda ganharem a vantagem. O objetivo dos comunistas, entretanto, não é manter algumas posições dentro dos aparatos burgueses de estado ideológico, mas usar instâncias em que essas posições possam ser temporariamente obtidas para acumular forças para a revolução. Fazer este último, mais cedo ou mais tarde, resultará na perda dessas posições, mas ganhará na organização revolucionária, ao passo que fazer o primeiro resultará em tornar-se um apêndice à esquerda da hegemonia burguesa, da qual há uma grande quantidade nos dias de hoje.
No entanto, mesmo após o lançamento de uma guerra popular, o Sendero continuou a utilizar oportunidades para se infiltrar nos AIE e, de maneira mais geral, para criar uma contra-hegemonia ideológica duradoura. O jornalista Michael Smith assinalou que “apenas no último ano do governo Garcia [1989–1990], o Sendero colocou cem professores nas isoladas favelas da Rodovia Central” de Lima. A ex-promotora Gabriela Tarazona-Sevillano observou que “as crianças são o foco principal dos esforços de doutrinação da insurgência, o que dá ao Sendero uma oportunidade de preparar a próxima geração de quadros e ilustra a perspectiva de longo prazo da organização”.
O “fator subjetivo”
As pessoas não simplesmente pegam em armas. Elas fazem isso conscientemente, com uma explicação coerente do por que eles tem sofrido por tanto tempo, com uma consciência aguçada dos inimigos de suas classes, com um plano de como vencer esses inimigos e com uma visão da nova sociedade.
Esses são alguns dos componentes do Fator Subjetivo e desenvolver os fatores subjetivos é uma necessidade para desenvolver e lançar uma guerra popular.
Implicações
A experiência do Sendero na construção, antes do início da guerra popular, indica a maneira pela qual a infiltração e o uso adequado das AIE da burguesia é um método crucial para acumular forças revolucionárias. Além disso, três das quatro guerras populares que reuniram uma massa substancial de seguidores e se tornaram uma ameaça significativa ao poder do Estado burguês nas últimas décadas construíram pelo menos algumas de suas forças iniciais através de posições em instituições educacionais burguesas. Além do exemplo do Sendero, Jose Maria Sison lecionou na Universidade das Filipinas nos anos 1960 e recrutou grande parte do núcleo de liderança inicial do PCP entre seus alunos, e Prachanda e outros membros proeminentes do PCN (maoísta) eram professores em distritos dos quais a guerra das pessoas no Nepal foi iniciada.
A situação na Universidade de Huamanga, na década de 1960, talvez tenha sido um evento excepcional e unicamente favorável e não possa ser replicado, mas nos fornece várias lições importantes. Em primeiro lugar, Althusser estava inteiramente certo em apontar a natureza mais contraditória das AIEs. Uma maneira pela qual essa natureza contraditória é expressa é quando as classes dominantes procuram criar novas instituições e ainda não estabeleceram firmemente como essas novas instituições serão operadas ou treinadas para fazê-lo. A Universidade de Huamanga, na década de 1960, era exatamente uma dessas instituições e, assim, o Sendero pôde se infiltrar e até controlá-la por algum tempo. Sua distância dos centros de poder no Peru fez com que o estado, assim como outras organizações de esquerda, que tendiam a concentrar seus esforços em Lima, fossem um tanto quanto ignorantes e impotentes diante da presença do Sendero na Universidade de Huamanga.
A descrição de Althusser da natureza contraditória dos AIEs aponta para o fato de que a hegemonia deve ser continuamente reformulada e restabelecida em meio ao constante movimento e desenvolvimento do capitalismo. Embora possamos identificar os princípios centrais da filosofia burguesa que persistiram ao longo do tempo, não há uma ideologia dominante imutável que seja congelada e atirada às massas através dos AIEs, mas sim uma que vai constantemente mudando seus discursos forjados e reforjados em relação às necessidades das classes dominantes. Isso tem incluído, cada vez mais, a capacidade de incorporar desafios ao governo burguês no próprio exercício da hegemonia. Por exemplo, a revolta cultural dos anos 60 nos Estados Unidos foi amplamente cooptada e incorporada à cultura capitalista. Além disso, em suas impressionante histórias no Partido dos Panteras Negras, Joshua Bloom e Waldo Martin argumentam que as concessões da classe dominante foram, na verdade, muito mais responsáveis ​​pelo desaparecimento dos Panteras do que foi a própria repressão. Eles falavam em como os departamentos de Estudos Negros foram criados nas universidades dos EUA e uma ação afirmativa, uma política de contratação pelo governo e o aumento de representantes negros eleitos deram à pequena e média burguesia negra um maior acesso as posições de poder no início dos anos 70 (sob o governo Nixon, curiosamente) e fizeram com que os Panteras perdessem cada vez mais aliados da pequena e média burguesias e, assim também, perdessem o amplo apoio das massas. Aquilo que a repressão não conseguiu destruir, porém, na verdade, auxiliou a ampliar a estrutura e nível de apoio popular dos Panteras Negras, as concessões e a cooptação funcionou para derruba-los.
Muitos, então, consideram que a crescente capacidade do capitalismo de incorporar os desafios à sua dominação para a sua hegemonia, torna a oposição (à sua dominação) impotente. Essa visão unilateral, geralmente voltada exclusivamente para a pequena e média burguesia, que são muito mais suscetíveis a concessões e cooptação, deixa de reconhecer o outro lado da contradição. É, na verdade, justamente porque a hegemonia precisa ser continuamente remodelada que existem aberturas para os comunistas conquistarem posições de combate dentro das AIEs. Realmente, é nesses momentos em que o conteúdo e as formas de hegemonia estão sendo restabelecidos que a parede interna da hegemonia é mais penetrável. Aqui vale a pena notar que o período de preparação, iniciação e expansão da guerra popular do Sendero Luminoso na década de 70 e no início da década de 80 coincidiu com os governos esquerdistas no poder enquanto eles promulgavam reformas sociais.
Em segundo lugar, e relacionado a este último ponto: é quando a anarquia do capital e, as tentativas da classe dominante de reconfigurações estruturais na sociedade de colocarem seções das massas básicas em estados transitórios, em relação à sua classe e posição social, que as condições se tornam, muitas vezes, mais maduras para estes seções de massas básicas serem receptivas à ideologia contra-hegemônica comunista. Na Universidade de Huamanga, jovens camponeses estavam sendo criados para esperar um futuro melhor através da educação, mas a realidade das relações capitalistas significava que, até mesmo, essas baixas expectativas seriam frustradas. Não obstante, a experiência universitária mudaria significativamente sua perspectiva social e, se não, sua posição de classe. Ofereceria, assim, uma oportunidade para a ideologia comunista ganhar uma posição segura. Além disso, a base de apoio mais forte (do Sendero) estava nos centros urbanos, entre os moradores das favelas, que eram, na maior parte, camponeses da periferia sendo proletarizados e passando pelo processo de urbanização com toda a sua pobreza e miséria. Foi exatamente nesses estados transitórios que o Sendero encontrou maior receptividade aos seus esforços. A cientista política Cynthia McClintoch afirmou que:
O estereótipo de um militante do Sendero Luminoso é um filho ou filha de camponeses do planalto, ele é um dos primeiros membros de sua família a terminar o ensino médio e talvez até frequentar uma universidade; subsequentemente, suas expectativas são bloqueadas e elas se sentem frustradas pelas desigualdades na sociedade peruana e desconfortáveis ​​tanto no mundo andino tradicional de seus pais, quanto no mundo urbano “ocidental”.
Às vezes, esses dois fatores se combinam, como no caso do Peru, para criar um mix ainda mais volátil, que as classes dominantes não têm facilidade em controlar. Estes são os tipos de situações que os comunistas devem procurar ativamente e procurar fazer o trabalho de longo prazo para aproveitar. Nos EUA de hoje, uma reforma abrangente da imigração provavelmente envolveria a exigência de que imigrantes ilegais fizessem aulas de inglês e cidadania (ou seja, de “americanização”) para legalizar seu status de imigração. “Escolas charter”* decolaram em bairros oprimidos e, embora elas tenham tudo a ver com a privatização da educação e com deixar grandes seções das massas nos guetos urbanos para que, essas massas, frequentem escolas públicas cada vez mais deterioradas, ao invés disso elas poderiam ser utilizadas com sutileza para conseguir uma maior independência e financiamento do estado. Os programas de educação de dentro das prisões, bem como programas de treinamento e educação profissional para ex-prisioneiros são exemplos em que as massas básicas têm uma chance limitada de atividade intelectual e educacional institucionalizada. Esses são apenas exemplos de possibilidades em que os comunistas poderiam se infiltrar em instituições educacionais burguesas e usá-las para treinar e recrutar massas básicas.
Terceiro, as tentativas de usar aparatos burgueses de estado ideológico para acumular forças revolucionárias não podem ser executadas com sucesso por indivíduos díspares, mas esses indivíduos precisam fazer parte de uma estratégia geral sob uma liderança comunista que esteja estrategicamente e taticamente conectada à construção do fator subjetivo, a fim de aproveitar o poder do Estado. Houve uma série de tentativas frustradas, de intelectuais radicais, de usar suas posições institucionais nas universidades para criar, nas suas próprias concepções, algum tipo de “intelectual orgânico”, a partir de estudantes da classe trabalhadora. O Centro de Estudos Culturais de Birmingham foi um desses exemplos e, embora a bolsa de estudo e a análise produzidas sejam de alta qualidade e, provavelmente, tenham algum impacto positivo nos estudantes universitários, sua desconexão de qualquer estratégia ou organização revolucionária fez com que essa sua posição desafiante ao governo capitalista fosse insignificante.
Além disso, numerosos radicais e ativistas de mentalidade revolucionária nos EUA se voltaram, nas últimas décadas, para atividades culturais e educacionais em comunidades oprimidas. Se estas fossem tratadas como servindo à construção da organização revolucionária em vez de como coisas em-si e colocadas em disputa com o estado burguês, elas poderiam ser empreendimentos qualitativamente diferentes, mas como estão no momento, elas são um recuo para o reformismo.
Realmente, sem fazer parte de uma estratégia revolucionária global e sem que os envolvidos estejam conectados à liderança comunista de vanguarda e às massas básicas que formam a espinha dorsal da revolução, qualquer tentativa de penetrar nas paredes internas da hegemonia está fadada ao fracasso. Os esforços do Sendero na Universidade de Huamanga sempre foram tratados como um meio para um fim. O objetivo nunca era manter posições de ensino ou administrativas ou elevar os oprimidos dentro dos limites do presente, mas sim usar essas posições para recrutar os quadros e, através deles, organizar a base de massa que seria necessária para lançar a guerra das pessoas.
A infiltração das AIEs da burguesia é a adoção de uma abordagem demorada e a necessária devoção adequada de pessoal para que se concentre em contradições orgânicas (estruturais), ao invés de apenas focarem na construção de um movimento de agitação e propaganda, ou deslocando forças limitadas de uma situação conjuntural para a próxima. Isso envolveria uma reconfiguração na estratégia, nas táticas e na mobilização dos comunistas, o que seria um desvio substancial das atividades do MCI na China pós-socialista.
*NT: Na América do Norte é uma escola independente financiada com fundos públicos e privados, estabelecida por professores, pais ou grupos comunitários sob os termos de uma carta com uma autoridade local ou nacional.
Lucasz
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