Revista Cidade Sol
Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
terça-feira, 2 de setembro de 2025
Descaminhos, Prosa do Adorável Sílvio Neves
Descaminhos, Prosa do Adorável Sílvio Neves
(Descaminhos, Sempre-Viva, 2021) traz um Sílvio Neves mais translúcido, menos barroco do que o anterior Ecos de Não-Lucidez. Nesse temos a adorável prosa do adorável Sílvio Neves. Na trilha de Rosa, temos não a nonada, mas a “inopinada”. O primeiro conto é uma história de amor e nostalgia contada com muito estilo. A história de Nereu e Falésia tem ressonâncias mitológicas, uma história de amor com sabor grego de mar. Eu gosto de Sílvio líquido (Estranhez, seu livro de poemas), Silvio Sólido (música com Pablo Aquiles). As obras de Sílvio são como os ladrilhos alucinógenos em que ele vê, em cada uma das telas, uma imagem de sua vida, uma história, uma música, narrativas. Ele apresenta Nereu:
Nereu nasceu na proa do velho Aricó, o imemoriável barco de seu pai. Na margem, o povo via o velho pescador sacudir o menino vermelho, envolto em sangue, idêntico à cor da embarcação, vermelha como o peixe inspirador do nome de batismo do barco grafado em letras brancas. Ele bradava sorrindo: “É caguçu, cacuçu baixu!” (NEVES, 2021).
Olegário Maciel é a avenida adversativa, representa um passeio por essa avenida que representa um passeio pela mente do artista atormentado, do poeta lírico, boêmio e suas memórias doloridas, seus amores. Asegurada de Incêndios é bela uma carta fictícia da Espanha, num eu lírico feminino. O poeta, pelo contrário, não está seguro de incêndios, vive sua prosa e sua poesia plena deles. Em Olegário Maciel, Avenida Adversativa, ressurge a sensibilidade de Belo Horizonte num poeta, mas fazendo prosa:
No azo de a porta de a Casa Cabana sugerir o fim do expediente, loja de chapéus e afins, resolveu amainar com uma boina o frio que se anunciava. No balcão leu e se inteirou sobre o estabelecimento: chamara-se Casa Cubana, por receio da revolução na ilha teve o nome alterado” (NEVES, 2021, p. 45).
Lisboas, a Urbe Vitimada, é uma narrativa de viagem a Portugal, viagem apaixonante em que o artista reencontra-se consigo mesmo. É um deslocamento interior que corresponde a uma paixão interior, a um desabrochar literário e poético que termina em muito boa prosa. Aprendi até que uma forma de chamar Lisboa que achava absurda, “Lissabona”, é na verdade existente, com esse conto, que também tem a subdivisão “Belém, Belém”. Lisboas são parentes de viagem à Espanha.
O Óculos dos Defuntos parte inopinadamente de uma nonada, uma simples consulta oftalmológica que dá lugar a devaneios etílicos e cinematográficos. Nesse livro de contos Sílvio ocupa-se menos da lente com que vê o mundo do que em filmar, à sua maneira, com a prosa literária, a sua “escadaria do acaso”. O adorável Sílvio de Neves recolhe casos do Vale do Jequitinhonha, registra seu falar: é nessa toada que vão Sem-Graceza, Árvaro Andejo, Sétimo Dia, O Acordeão Adormecido e Descaminhos. A Minas de Sílvio é o sertão metafísico de Guimarães Rosa. Se E sua poesia dialoga até com o Clube da Esquina. Tanto dentre os poemas e os contos somos instados a perguntar se os sonhos envelhecem ou são raptados pela fortuna.
Na prosa de Sílvio ele esbate o regionalismo e a vida cotidiana no interior de Minas com a experiência sofisticada de viagens e influências artísticas internacionais, tem também um tempero de Belo Horizonte. Não acho que Sílvio esteja num descaminho. Esse Descaminhos é justamente o autor em busca de um caminho, muito além além da “escadaria do acaso”, o prosador é nem sempre seguro de incêndios, mas eles, como as bruxas, mesmo sem ser objeto de nossa crença, parece que existem.
segunda-feira, 1 de setembro de 2025
Sobre Cuba --2
Aleida Guevara no podcast Três Irmãos coloca dois pontos interessantes: 1) sobre os CDR, conselhos de defesa da revolução. Há relatos de que estão degenerados em locais de fofoca e delação. Mas ela não foi ouvida. 2) Ela alega que Che fuzilou legalmente em La Cabana, mas não foi, a Constituição de 40 não permitia a pena de morte.
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
Poemas para Pedro Moraleida
Como no quadro de um homem nu
Pintado por Pasolini
No quadro nenhum monstro de moral
Animal de enigma pintando
Um corpo luminoso, preto, laranja
Verde com pinça nos mamilos
Os traços são violentos
São fibras da carne viva
Da própria carne canibália
O poeta não está mais nem aí,
Nevermind
Shit’n’ walkin’ como na Revista Negócio
Showbizz!
Pop-fuckers
Separando o joyo do trygo
E publicando o joyo.
Réquiem para um peso-pesado
Para Jim Morrison Paris foi pouco
Mucho loco!
O amor fati é amar a dor
Para que haja o superómi é preciso MORTE!
Mas a morte é contra-revolucionária...
O nada é de direita...
Surgem novos valores,
Gabeira de tanga
John Travolta caindo na gandaia
Superação ou morte? Ou não!
A Internet é mar risonho & vagalhante
Tomo um banho de lua,
Fico branco como a neve,
Num protesto viril contra a própria impotência.
Mas há contradições:
Os mitos se orientaram contra o socialismo,
O colonizado se olhou com as lentes do colonizador.
& esqueceu o socialismo como doença superada.
A luta pelo mínimo estado
& clama contra o fantasma de Vargas, vox rouca
Na terra de sol: em todas as palavras do nórdico há um grão de desprezo
O Anticristo da Bahia retruca, gira os guizos do mundo girassol &
Deleuze: “Eu digo para mim mesmo: quem é hoje o jovem nietzschiano? (...)
Será aquele que produz enunciados nietzschianos no decorrer de uma ação,
Uma paixão, uma experiência?”
Quero ordenhar-vos, vacas das alturas!
Os nietzschianos brazyleyros TRANSBORDAM
Traficam pornografia com criança e fogem para a França!
O superómi pulará
& se for fraco, fenecerá
Como uma mariposa
Como mosca nas rosas secas
Como feto no Arrudas
Como na planície dos MORTOS
Cristo é que soube morrer, pois sim!
Madalena é que gozava com o pau do outro
Na última tentação de Cristo
O amor banal
O amor pungente dos animais
A virtuose perversa da linguagem
Feito Hamlet
Feito Paulo Martins/Caetano Veloso
Nos quadros de Bosch parece que vemos
Moraleyda parece que também viu
Caranguejos do sexo
É assim que se vive nesse mundo merda
“You don’t know me
Bet you never get to know me”
Dizia Rotten em Roliúde
m Poema para Moraleida
Mautner queria fazer os ditirambos de Dionísio
Em ritmo de rock
Será que Nietzsche gostaria?
O artista botando frutos envenenados
Para matar as gralhas do jardim plantado
À beira-mar.
Todo mundo tem Jesus Cristo demais
Inclusive quem estava falando que seu sangue era nobre demais
& se limpou na carne de Dionísios
E não na lamacenta água de Jesus Cristo pensante
Sem pensar, pirando e engolindo a tragédia
Aos pedaços
Pensando aos pedaços
Amando aos pedaços
O pulo é a morte
O pulo é a trama do Superman
Que não trepa com a Mulher Maravilha
A elite planetária aparece no desenho animado
Colonizado & colorizado por computador
& com puta dor
A dor do parto póstumo
A virgem recebeu o anjo
Tendo entre as pernas o amor fati!
A verdade é como uma vaca!
segunda-feira, 18 de agosto de 2025
Lúcio Júnior — Efeitos Especiais de Georg Lukács
Lúcio Júnior — Efeitos Especiais de Georg Lukács
Publicado em 13/07/2012 por Marcio
Lukács é um autor interessante. Tido por stalinista por alguns, é um dos grandes inspiradores do marxismo ocidental, juntamente com Trotsky e Gramsci. Em um artigo recente de Brian Williams na revista Socialist Action, Williams explicou bem as diferenças entre Lenin e Lukács. Resumindo, são as seguintes: para Lukács, o importante é que o sujeito conheça o objeto, ou seja, que a classe proletária tome consciência de si mesma: aí ela está pronta para a revolução. Para Lenin, a revolução não depende somente da própria classe operária e sim da correlação das classes, massas, partidos e forças, assim como, num dado país, a revolução só irá acontecer quando a classe superior não puder levar as coisas da mesma maneira e quando a classe operária não puder mais viver da antiga maneira. Além disso, é preciso estudar e levar em conta todas as forças e classes que estão em jogo – e não somente se trata de uma identificação entre a classe operária consigo mesma, numa tomada de consciência iluminadora que enche o seu ser de poder. O poder é exterior, não está na consciência. Lukács tende ao idealismo subjetivo, a pensar que a consciência da revolução gera a revolução, a ideia gera a matéria.
Lenin escreve: “O Partido Comunista (…) deve agir segundo princípios científicos. Ciência…demanda que se tome conta de todas as forças, grupos, partidos, classes e massas operando num dado país”. (Lenin V. I., 1920, p. 81, apud: WILLIAMS, 2011).
Para Brian Williams, é Lenin que está de acordo com Marx e é bem claro. Por seu turno, Lukács escreve uma teoria diferente em um ensaio sobre o Oportunismo e o Golpismo:
“Por causa de sua noção de mecânica da luta de classes, oportunistas e golpistas são igualmente obrigados a ter um conceito estático da classe, vendo-a como algo que é para sempre, algo invariável numa dada realidade, e não como o que emerge, cresce e é trazido à vida no curso da luta. No entanto, é somente quando a constituição do proletariado como classe é considerada como o objetivo e a tendência da revolução que podemos descobrir uma base firme para as táticas em constante mudança de atividade comunista. A realidade econômica e científica da classe [trabalhadora] é, naturalmente, o ponto de partida para considerações táticas. Mas a outra realidade, a realidade de vida da classe afetada pelo proletariado – só é interessante como um alvo da ação revolucionária. Todo verdadeiro ato revolucionário diminui a tensão, o abismo entre o ser econômico e consciência ativa do proletariado. Uma vez que essa consciência atingiu, penetrou e iluminou o ser [do proletário], ele é imediatamente possuído do poder de superar todos os obstáculos e de completar o processo da revolução”. (Lukács, 1920a, p.79, apud: WILIAMS, 2011).
Como se pode ler acima, muito embora Lukács tenha até um livro sobre o pensamento de Lenin, eles divergem num determinado ponto, claramente. Lenin refutou Lukács em termos duros:
“Seu marxismo é puramente verbal; sua distinção entre táticas ‘ofensivas’ e ‘defensivas’ é artificial; ele não fornece uma análise concreta, precisa e definida das situações históricas; não leva em conta o que é essencial”. (Lenin V. I., Kommunismus, 1920b, p.165, apud: WILLIAMS, 2011).
E numa questão que Lukács atacará em Stalin: a questão das táticas. Em 1951, ele ainda tinha certeza de que Lenin e Stalin eram a mesma linha de pensamento, o que ele irá negar depois:
“É um grande mérito de Lenin e Stalin de haver concretizado também as doutrinas do marxismo e ter-las desenvolvido nas circunstâncias do imperialismo, nas vésperas das guerras mundiais e revoluções”. (LUKÁCS, 1966, p. 486).
Como a proposição de Lenin em questão acima é bem mais próxima da de Marx, portanto, para Williams toda a moldura teórica de História e Consciência de Classe está errada, pois parte desse pressuposto. Williams vê nas posições do jovem Lukács um ultra-esquerdismo tal como o de Karl Korsch, Pannekoek e de outros. Lenin percebeu que Lukács estava em desacordo com ele. Já o Lukács maduro parece dado, em seus próprios termos, a fazer mimetismo teórico. O que seria isso? Mudar algo em sua aparência conforme uma situação exterior desfavorável, permanecendo o mesmo e ficando a salvo de transtornos. Vejamos como ele faz esse movimento, que tem desdobramentos sérios devido à sua associação com Kruschev. Na introdução à edição italiana de 1957 de seu trabalho Introdução a uma Estética Marxista, Lukács escreve que:
“Muitas coisas aconteceram no mundo, e também no âmbito da teoria marxista, desde 1954, ano no qual o presente volume apareceu nas línguas alemã e húngara (…). O leitor atento comprovará sem dificuldade que minha conferência refuta diretamente –ou corrige, pelo menos, de um ponto substancial – as afirmações de Stalin em dois pontos importantes (…). Essa polêmica contra Stalin não podia expressar-se mais que sob: 1) uma superestrutura pode também atacar a base existente, e, até pode tentar desagregá-la e destruí-la, mas não somente servir a uma base determinada e somente a uma. 2) Para Stalin, ao desaparecer a base, tem que desaparecer a superestrutura inteira. Eu, ao contrário, quero demonstrar que esse destino não afeta em absoluto a toda a superestrutura”. (LUKÁCS, 1966).
Ele fala que foi obrigado a fazer “mimetismo teórico”, mas o artigo não trata em absoluto disso. Entender o que ele afirma acima foi absolutamente impossível para mim, como leitor. O artigo em questão é sobre a língua como superestrutura, foi pronunciado na Hungria e é de 1951, ou seja, antes da morte de Stalin e da subida de Kruschev, com quem Lukács se alinhou, renegando Stalin e dissociando Stalin de Lenin.
É um artigo totalmente elogioso e que de forma alguma apresenta as posições que Lukács escreve acima. Na verdade, pelo que pude observar lendo o texto, ele afirma exatamente o contrário do que escreve nessa introdução. Tanto que, na edição, o texto dele sobre Stalin ficou sendo o último texto, provavelmente devido a oportunismos miméticos. Provavelmente foi pouco lido, porque nele Lukács elogia desvairadamente as posições de Stalin:
“Não faz mais do que um ano que apareceram os trabalhos de Stalin sobre as questões de linguística, mas já agora podemos dizer que essas introduções têm uma importância histórica (….). E aqui precisamente se manifesta o caráter superestrutural da linguagem, definido por Stalin (…). Com apoio das importantes afirmações de Stalin (…). As tradições do marxismo se concretizam e se desenvolvem com as afirmações de Stalin sobre o seu caráter superestrutural (…). Nosso exemplo confirma inclusive e sublinha a correção da afirmação de Stalin”. (LUKÁCS, 1966, p. 488, 489, 491).
Donde subentende-se que as posições apresentadas na introdução são uma revisão completa, uma volta em torno de si mesmo (possivelmente para aliar-se com o poder) que Lukács elaborou. Stalin argumentou – e Lukács concordou –que a literatura e a arte pertencem à superestrutura, mas a língua não. Já a respeito da superestrutura, ele apenas concorda com Stalin:
“Tudo isto confirma de outro ponto de vista uma velha afirmação de Stalin, por todos conhecida: uma superestrutura não somente reflete a realidade, senão toma ativamente posição a favor ou contra a velha ou nova base, e quando a superestrutura deixa de exercer esta função, deixa também de ser superestrutura”. (LUKÁCS, 1966, p. 505).
Essa é apenas uma das afirmações totalmente positivas que ele volta e meia faz a favor de Stalin no artigo. Lukács sempre mostrou divergências, fez autocrítica, voltou a elas de maneira transformada. Segundo um “marxiano” como Chasin, Lukács teria feito apenas um despiste, agregando palavras críticas a elogios apenas formais de Stalin, mas pelo visto é algo mais grave. No entanto, há uma grande riqueza em Lukács.
O problema é que passa por um filósofo exemplarmente marxista-leninista, senão “stalinista”, o que é falso. Ele é sempre um filósofo que tenta conciliar sua formação hegeliana com a teoria marxista-leninista, e também ambiciona associar-se ao poder: é um camaleão fazendo mimetismo teórico
Nietzsche Sobre os Judeus
Nietzsche sobre os Judeus
(...) Por exemplo, sobre os judeus: ouçam. –Ainda não encontrei nenhum alemão que tivesse afeição pelos judeus; e por mais incondicional que possa ser repúdio ao antissemitismo propriamente dito da parte de todos os cautelosos e políticos, essa cautela e política não se dirige, no entanto, contra o gênero do próprio sentimento, mas somente contra seu perigoso descomedimento, em particular contra a repugnante e vergonhosa expressão desse sentimento descomedido –sobre isso não nos podemos iludir.
Se é para falar do “eu”, Nietzsche tinha como amigo Paul Rée. Rée fez o livro Origem das Sensações Morais, no qual está inspirado o livro Genealogia da Moral, um dos mais importantes do próprio Nietzsche. E sobre a expressão descarada do antissemitismo, ele parece estar falando sobre ele mesmo, afinal, não fica bem para um filósofo trabalhar com ideias preconcebidas, tal como dizer que “todo alemão gosta de comer chucrute” e colocar isso em meio aos seus textos.
Que a Alemanha tem judeus mais que o bastante, que o estômago alemão, o sangue alemão tem dificuldade (e ainda por muito tempo terá dificuldade) para dar conta desse quantum de ‘judeu’ –como deram conta o italiano, o francês, o inglês graças a uma digestão mais vigorosa--:tal é o claro enunciado e linguagem de um instinto geral, ao qual é preciso dar ouvidos, pelo qual é preciso agir. `Não deixar entrar mais judeus! E em especial ao Oriente (e mesmo à Áustria) aferrolhar os portões!” –Assim ordena o instinto de um povo cuja espécie ainda é fraca e indeterminada, de modo que poderia facilmente ser extinguida por uma raça mais forte.
Lendo isso eu entendo porque o nacionalista judeu Theodore Herzl gostava de ser Nietzsche: judeu é raça mais forte e poderia, então, extinguir os alemães, que tornaria todos judeus (!). Retomando: judeus nem são raça, são um grupo religioso. Mas creio que isso é simplesmente um preconceito religioso disfarçado de raciocínio sobre raça. E por trás disso, está a cobiça da burguesia alemã de expropriar os judeus, que eram um grupo desde a Idade Média bem estabelecido como comerciantes, ou seja, burgueses. Os pressupostos raciais e nacionais só escondem a ambição de uma classe.
E os judeus são, sem dúvida nenhuma, a raça mais forte, mais tenaz e mais pura que vive agora na Europa; eles sabem impor-se, mesmo sobre as piores condições (e é até mesmo melhor do que sob as favoráveis), graças a algumas virtudes que hoje em dia se prefere taxar de vícios –graças, antes de tudo, a uma resoluta crença, que não precisa envergonhar-se, diante das ´ideias modernas´; eles só se modificam, quando se modificam, do mesmo modo que o império russo faz suas conquistas –como um império, que não tem tempo e não é de ontem --: ou seja, segundo o princípio: ´o mais lentamente possível!´ Um pensador, que tem na consciência o futuro da Europa, contará, em todos os projetos que faz consigo sobre esse futuro, com os judeus assim como com os russos, como os fatores que, de imediato, se apresentam como os mais seguros e prováveis no grande jogo e combate de forças (...). Para além de Bem e de Mal, parágrafo 251.
Aqui, a respeito dos russos tudo bem, fez a maior diferença a revolução russa porque a Rússia czarista era um peso enorme a favor da reação na Europa. Só que vamos lembrar: os russos eram muito ruins justamente na adoção das tais “ideias modernas”. Foram uma autocracia absolutista até 1905. Já judeus só tiveram esse peso para a Europa depois da criação do estado sionista de Israel.
domingo, 17 de agosto de 2025
O Vietnã de Jones Manoel: Elogio da Fábrica Exploradora Global
O Vietnã de Jones Manoel: Elogio da Fábrica Exploradora Global
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
Resumo
Esse artigo debate o revisionismo vietnamita e suas características, conforme apresentado de forma apologética em textos de Jones Manoel e Breno Altman. O Vietnã gerou muita esperança internacionalmente, no período de sua guerra com o imperialismo estadunidense, mas logo em seguida, de forma frustrante, passou a agressor, ao atacar o vizinho Cambodja. Os dois comentadores, que são de esquerda, tendem a fazer o elogio da “fábrica exploradora global” que é o Vietnã hoje. Nesse artigo tentamos investigar como esses autores fazem uma leitura propagandística do capitalismo desse “tigre asiático”.
Palavras-chave: Vietnã, revisionismo, Jones Manoel, vídeos, maoismo
Introdução
Em vídeo recente, o ativista, professor e historiador Jones Manoel informou que vai ao Vietnã em novembro de 2025 e expôs sua análise a respeito desse país. A seguir, em uma série de três vídeos, baseado principalmente em reportagens liberais do jornalista Breno Altman sobre o Vietnã, teceu uma imagem predominantemente favorável a esse país autointitulado socialista. Embora não trabalhe diretamente com a hipótese de que o Vietnã é socialista, Jones Manoel deixa essa ideia implícita em suas considerações. Ele caminhou, então, para a apologia disfarçada desse revisionismo em específico e do revisionismo como um todo, bem como do caminho burguês burocrático-latifundiário. Nesse artigo vamos analisar esse debate sobre o socialismo vietnamita à luz do marxismo e, para tanto, buscaremos um enfoque alternativo, na linha do marxismo-leninismo-maoismo.
1.Jones, Que Socialismo é Esse? Tanto Sangue Para Quê?
Jones Manoel começou sua abordagem do Vietnã sem definir o que ele considera socialismo. Suas análises são baseadas, nos três vídeos, não em um autor marxista-leninista, mas em reportagens elogiosas a “fábrica exploradora global” que se tornou o Vietnã por parte do jornalista liberal Breno Altman. Em certa altura, Jones comentou que:
(...) Na realidade a reforma em abertura começa no campo a partir de uma descentralização da estrutura produtiva comunas são desmontadas e surgem milhares de pequenas propriedades familiares com responsabilidade familiar com obrigações ainda de cotas de produção e tal não sei o quê mas com liberdade para negociar o excedente como as famílias quiserem o Vietnã seguiu um caminho parecido e segue um caminho parecido dentro de uma lógica bem errada que o Vietnã adotou que era eh no período por assim dizer de economia centralmente comandada os agricultores no Vietnã eram meio que obrigados a entrarem nas cooperativas né e nas fazendas públicas só que não existia incentivos econômicos para entrar nas cooperativas e fazendas públicas né então do ponto de vista de acesso a crédito do ponto de vista de acesso a maquinário do ponto de vista de apoio técnico não existia diferença para o agricultor está numa cooperativa ou não isso foi imposto meio que juridicamente politicamente o que prejudicou bastante a produtividade no campo isso remete inclusive ao clássico debate da União Soviética que veja você pode achar o Bukharin ruim revisionista traidor não sei o quê enfim não tô entrando nesse mérito mas assim Bukharin tinha uma razão quando ele fazia o debate de que a coletivização forçada ia criar um problema porque ia antagonizar o camponês soviético com o estado soviético e que o caminho mais adequado seria buscar uma coletivização progressiva a partir das cooperativas em que o Estado soviético ia garantir incentivos econômicos para se cooperativizar evitando traumas políticos e violência o Bukharin tinha razão do ponto de vista de princípio geral (MANOEL, 2025).
Nessa passagem Jones Manoel apresentou oposição justamente a uma política que podemos definir como socialismo: cooperativas socialistas no campo. E ele deu razão a Bukharin em querer uma diferente coletivização, mas não foi isso o que o teórico russo propôs, que era, sutilmente, apoiar os grandes fazendeiros (kulaks) que, enquanto classe, deixaram bem claro que se opunham ao poder soviético durante a guerra civil, fato registrado por Lênin. No entanto, para Lênin, a pequena propriedade sempre gera e gerou capitalismo. No Vietnã não tinha como ser diferente. Bukharin já foi consagrado como um inspirador da restauração do capitalismo na União Soviética e na China e um revisionista, no sentido em que o revisionismo é a burguesia dentro do partido. Isso aniquila as inquietações em que Jones e Jabbour pensam que, apenas porque formalmente não há partidos burgueses no poder, um partido formalmente comunista está ali, mas, como aliado das multinacionais chinesas e yankees, dos bilionários (burguesia imperialista), no caso da China. Bukharin dizia que era preciso “desenvolver forças produtivas” primeiro, posição revisionista clássica. Os maoistas do Vietnã comentaram a respeito:
Os revisionistas assumem a teoria das forças produtivas, semelhantes a Deng Xiaoping em todos os lados. Isso liquidou o Partido, transformando-o num cãozinho de estimação dos imperialistas estrangeiros. O Vietnã atualmente é um Estado policial, uma ditadura burguesa. A economia é fortemente controlada pelos imperialistas ianques e chineses, o estado também possui uma relação de camaradagem com corporações e imperialistas estrangeiros, pois cooperam com eles contra o povo em geral e o proletariado em particular (GRUPO VALE DOS PALMARES, 2025).
Ao observar o Vietnã com um olhar marxista, verificamos que depois de uma guerra tão dura contra o imperialismo francês e o arquiimperialismo estadunidense, os que tomaram o poder no Vietnã era mais nacionalistas do que marxistas-leninistas. Aliaram-se a União Soviética e, depois de vitoriosos, criaram o que a URSS propunha para eles: o mesmo modelo soviético a partir de 56, um capitalismo de estado, onde a sociedade torna-se uma grande corporação. É muito diferente tomar como referência um marxista para falar do Vietnã e tomar Breno Altman, Bukharin ou algum pensador vietnamita revisionista como Dai Luoc. O marxismo que deveria ser o ponto de partida sempre esteve no que o presidente Gonzalo disse em 1988:
Se olharmos para o Vietnã, o caminho que ele segue é o de um instrumento da União Soviética, que hoje clama por socorro ao imperialismo, com uma economia em crise e ruína; tanto sangue, para quê? Havia um Ho Chi Minh lá, um homem indefinido, como evidenciado em seu famoso testamento, onde ele diz que lhe dói ver a luta dentro do Movimento Comunista Internacional, quando o problema era qual lado tomar na luta entre o marxismo e o revisionismo, e um comunista só tem uma solução: ficar do lado do marxismo; Ho Chi Minh nunca ficou. Então veio Le Duan, um revisionista podre. Daí a situação atual no Vietnã (GONZALO, 2025).
A diferença, então, é muito grande para o ponto de vista de Altman e Manoel, que converge para fazer o elogio do Vietnã depois do revisionismo e da “reforma” de Doi Moi, que na realidade transformou o Vietnã, de uma semi-colônia soviética, em uma semi-colônia dos chineses e dos estadunidenses. Igualmente, Jones Manoel, outrora apoiador do ataque do Vietnã contra o Cambodja democrático, parece ter silenciado esse tema intencionalmente, dado o evidente drama humanitário causado por esse ataque, claramente a mando do social-imperialismo soviético –e também pelo fato de nós o termos denunciado com contundência nesse ponto. O que na realidade Altman e Manoel estão elogiando é um capitalismo burocrático pintado de vermelho. Essa hipótese não é sequer aventada por Jones e Altman, o que é exaltado é seu suposto crescimento econômico (mesmo dependente ou explorador da classe operária sob forma de ditadura burguesa). Como explicou o professor César Aprile:
Por outro lado, países de capitalismo burocrático “vermelho” como Vietnã e Laos, que não são considerados ameaças diplomáticas ou possuem maior abertura ao capital ocidental, enfrentam menos agressões do arquiimperialismo estadunidense (APRILE, 2023, p. 94).
De fato, parece-nos que há um diferente tratamento dado a Cuba e Coreia do Norte e China e Vietnã: esses dois últimos estão incluídos no sistema swift (sistema financeiro internacional) e recebem investimentos dos Estados Unidos e seus aliados.
Podemos supor que o Vietnã nem sequer completou a revolução democrática (como Cuba, Laos e, possivelmente, até Coreia do Norte) e todos esses caíram nas garras de um outro imperialismo. Como se lê no texto O Aborto da Revolução:
[A ] experiência no Vietnã e em outros lugares demonstrou que o processo de desenvolvimento da revolução democrática burguesa e da revolução socialista envolve tarefas extremamente complexas e difíceis, e que existem muitas armadilhas e obstáculos. Como a luta deve passar pela primeira etapa da luta pela libertação nacional e como a classe trabalhadora e o partido comunista devem tentar unir todos os setores da nação, incluindo muitos elementos capitalistas, que lutarão por esse objetivo, há uma tremenda atração espontânea pela ideologia do nacionalismo, para ver as coisas do ponto de vista dos interesses da nação (na verdade, dos capitalistas da nação), em vez do ponto de vista da classe trabalhadora e seu objetivo final de erradicar a exploração e a opressão em todo o mundo e construir um mundo sem classes. O nacionalismo é uma forma de ideologia burguesa, a perspectiva da classe capitalista. E foi essa ideologia burguesa, primeiro na forma de nacionalismo e depois como revisionismo descarado, que infectou e, por fim, levou a liderança da revolução vietnamita a um beco sem saída — com a consequência de que nem mesmo o primeiro estágio da revolução foi concluído, e o Vietnã caiu nos braços dispostos de mais uma potência imperialista (PCSUA, 2025).
E, como podemos ver acima, foi no interesse de uma potência social-imperialista (URSS), no caso, que o Vietnã atacou o Cambodja, ao contrário do que postula uma youtuber governista como Luna Oi, que alinhada ao revisionismo soviético e ao nacionalismo vietnamita, utilizando os piores clichês idênticos aos chavões ocidentais anticomunistas contra Pol Pot e o partido comunista do Cambodja. Podemos definir que socialismo ocorre quando existe economia planificada, cooperativas socialistas no campo e a democracia popular no campo da política. E no campo da política, o que temos? Veja o que diz um pensador do Vietnã citado pelo próprio Jones:
O velho socialismo morreu, afirma Dai Luoc não existe mais nenhum país socialista no mundo, apenas nações que estão em transição para esse sistema, o Vietnã é uma delas, mas esse objetivo só é possível com o desenvolvimento riqueza e prosperidade, a garantia de que seguiremos esse processo é o poder político dos trabalhadores (ALTMAN, apud: MANOEL, 2025).
O ponto é justamente esse da última linha: não existe mais o poder político dos trabalhadores e sim o oposto, o estado revisionista servindo as corporações sob a forma de capitalismo de estado, uma grande corporação (o que Jones chama de sociedade de comando). Essa reflexão acima nos pareceu ilustrativa e deveria ser levada a sério. Se Jones Manoel a levasse realmente a sério, partiria da hipótese de que Cuba e Coreia Popular estão incluídos nos países que não são socialistas e estão apenas em processo de transição, logo vale debater, sim:
(...) E o Vietnã ainda for uma experiência socialista considerando que para mim Cuba e Coreia Popular não existe debate viu assim para mim quem não considera Cuba e Coreia Popular experiências socialistas é isso enfim dá pra gente conversar e tal mas eu acho meio absurdo (MANOEL, 2025).
Jones deveria levar em conta que, se não existe mais país socialista no mundo, conforme o pensador vietnamita, então Cuba e Vietnã não são experiências socialistas e sim capitalismos que se dizem em transição ao socialismo –mas notem: são capitalismos, existe burguesia, ainda existe exploração assalariada, então estão “preparando” e não experimentando o socialismo. Ou seja, o debate sobre Cuba e Coreia Popular serem países socialistas hoje não é fora de cogitação, conforme Dai Luoc. O próprio Jones Manoel postou em seu blog um artigo sobre a China chamando “Neoliberalismo com Características Chinesas”? que, ainda que nessa posição errônea e de apologia ao revisionismo como a de agora, ao menos deixa entrever a hipótese, ao nosso ver correta, de que Deng Siaoping e seu regime são apenas capitalismo (neoliberalismo) com características chinesas. A cegueira de Jones quanto ao drama da invasão do Cambodja democrático, no entanto, parece ter diminuído devido a uma série de vídeos nossos direcionados a ele, alguns com audiência bastante significativa.
Sendo assim, temos: negação das cooperativas no campo em prol da pequena propriedade, que é a base do capitalismo no campo em um país capitalista desenvolvido. E nega-se, acima, que exista socialismo no Vietnã e sim, possivelmente, assume que existe escravidão assalariada e o capitalismo de estado na atualidade. Na realidade, a Doi Moi representou o final de um processo de vitória da linha oportunista de direita do partido começada com a morte de Ho Chi Minh em 1969 e, com ela, a restauração total do capitalismo no Vietnã. O centrismo de Ho Chi Minh no grande debate e sua negação do marxismo quando da luta do marxismo contra o revisionismo preparou o caminho para a vitória do oportunismo e do revisionismo. O imperialismo estadunidense conciliou-se em grande parte com o país e colocou-o no sistema financeiro internacional, passando também a investir capital no Vietnã.
Mas por que tanta conivência de Jones Manoel, professor e ativista comunista com a “fábrica exploradora global” que é o Vietnã e ainda alguém que se diz comunista ficar exaltando um crescimento econômico semi-colonial? Pela simples razão que tanto Breno Altman quanto Jones preconizam o mesmo caminho para o Brasil: o caminho do desenvolvimento burocrático-latifundiário feudal. Breno Altman e Jones apenas imaginam que poderiam fazer parte dessa burocracia gestora, na prática capitalista, conciliadora com o imperialismo yankee, o social-imperialismo chinês e até o imperialismo russo, mas com disfarce eficaz de “comunista”. Querem posições confortáveis na gerência desse capitalismo burocrático pintado de vermelho. E pior: para os maoistas vietnamitas, mesmo a semifeudalidade não foi superada no país. E isso converge com a opinião de Elias Jabbour a respeito: em seu livro sobre China, ele argumentou, discretamente, que existem resíduos “pré-capitalistas” em “áreas rurais atrasadas” no Vietnã e na China.
2.Lógica de mercado e sem planejamento soviético
Jones, em outros vídeos, deixa bem claro alguns pontos acima expostos. Ele se nega a comentar sobre o Cambodja, como fez anteriormente, mas se opõe ao ataque da China ao Vietnã –mas uma coisa só aconteceu devido a outra. Jones acredita no revisionismo vietnamita, mas não considera a invasão de Cambodja algo desastroso ou reacionário, uma guerra de agressão inspirada pelo social-imperialismo soviético. Ele, que já falou sobre o assunto, agora a omite. Igualmente, Jones mesmo comentou que mesmo o setor estatal do Vietnã “segue a lógica do mercado”. Mas não há, nesse estágio da economia capitalista, livre mercado: existe a economia mundial dominada por grandes monopólios, uma boa parte associada ao arquiiimperialismo americano, um imperialismo que dominou os demais, outros nem tanto. O que se chama “Brics”, para um marxista, é associação entre dois imperialismos, o imperialismo russo e o social-imperialismo chinês (esse seria seu núcleo, os demais países são semicoloniais). O que não quer dizer que ambos não estejam, até certo ponto, ainda tendo que negociar e se dobrar ao arquiimperialismo estadunidense.
Ou seja: o setor estatal segue a lógica capitalista e logo, burguesa e com selo de classe contra o proletariado. Ao mesmo tempo Jones mostra-se seguro de que no Vietnã existe socialismo afirmando ter certeza de que “a burguesia não tem influência no partido”. Se as estatais seguem a lógica do mercado, é um indício claro de que as estatais já comportam-se abertamente como burguesas e os dirigentes estatais, como parte das classes dirigentes e dos patrões. Na União Soviética esta tendência já foi estudada:
Ainda que a organização empresarial seja uma organização monopolista, a empresa estatal do revisionismo soviético tem sido desde muito tempo uma empresa capitalista. Nas em presas do revisionismo soviético, as massas trabalhadoras tem sido rebaixadas de donas das empresas a escravos da burguesia monopolista burocrática. Os diretores das empresas são agentes do grupo dirigente do revisionismo soviético. De acordo com as normas de “Regulação das Empresas de Produção do Estado Socialista”, o diretor da empresa exerce a “faculdade de contratar e demitir pessoas e toma decisões quanto aos prêmios e castigos para os funcionários da empresa”. Tem a autoridade para fixar os salários e as bonificações da organização e dos trabalhadores, e também para vender ou alugar os meios de produção da empresa. Em suma, ainda que sem o truste, o diretor e chefe de planta são já patrões que tem todas as faculdades nas empresas estatais, enquanto as massas trabalhadoras são já escravas da burguesia monopolista burocrática. Agora, com o truste como organização monopolista, a burguesia monopolista burocrática pode fortalecer seu controle sobre o pulso da economia nacional da União Soviética. Esta grande burguesia de novo tipo, fazendo uso das empresas do Estado e dos trustes, controla e se aproveita do Estado, utiliza a arrecadação tributária e os ganhos recebidos para roubar sem medida os frutos do trabalho do trabalhador soviético, para financiar o extravagante estilo de vida dos poucos capitalistas monopolistas, reprimindo o povo soviético, levando a agressões e seguindo uma política social-imperialista (PCCH, 2025).
Sendo assim, foi esse o modelo de empresas estatais acima que a URSS exportou depois de 1956 para o Vietnã, mas numa conjuntura em que o Vietnã caiu no domínio de outro imperialismo. Podemos supor, então, que a transição da revolução democrática para a socialista é acidentada e cheia de obstáculos e recuos. Um obstáculo é o nacionalismo, que tem de ser entendido como ideologia burguesa e que acabou, no final desse processo, facilitando o revisionismo e a exploração da classe trabalhadora. E quando ouvimos a youtuber vietnamita Luna Oi, observamos o quanto é difícil enfrentar e desmentir todas essas propagandas do governo e outros tópicos falaciosos. Luna Oi é uma youtuber que produz conteúdo governista é bastante diferente, implica em censura, cerceamento, processos e prisão. A liberdade de imprensa no Vietnã é muito cerceada. Ao contrário de Jones Manoel, é bastante descarada a defesa que Luna Oi faz da invasão do Cambodja aliado do social-imperialismo russo, indicando, inclusive, o filme Primeiro Mataram Meu Pai, filme que toma o partido escancarado do imperialismo yankee no episódio. Luna Oi, youtuber governista, faz apologia de anticomunismo mais gritante. A posição de Jones foi também de apoio obsceno às agressões do social-imperialismo russo:
É nesse contexto que surge Pol Pot e o Khmer Vermelho. Não temos a mínima intenção defendê-lo. Seu governo foi genocida e autoritário. Mas não foi uma deriva necessária da ideologia comunista. A lunática idéia de Pol Pot de deportação em massa da cidade para o campo foi resultado de fugas em massa do campo para a cidade para fugir dos bombardeios dos EUA. Uma sociedade destruída, arrasada e com a imensa maioria do seu povo vítima de violências brutais produz fenômenos aberrantes como Pol Pot. O Khmer Vermelho também comprava armas do governo neoliberal de Margaret Thatcher (que não tinha quaisquer problemas em vender). O presidente do EUA Ronald Reagan, outro neoliberal, também apoiou nas sombras o Khmer Vermelho, pois ele em seu confronto com o Vietnã enfraquecia o campo socialista na Ásia (MANOEL, 2014).
Ao mesmo tempo, Jones Manoel afirmou também que no Vietnã “nunca teve o planejamento soviético” e sim “economia de comando”. Mas o que seria essa “economia de comando”, senão um capitalismo de estado, um sistema corporativista? E o pior: na conjuntura de um capitalismo burocrático pintado de vermelho, conforme muito bem explicou o professor Aprile. Em dado momento de outro vídeo, Jones Manoel admitiu que o Vietnã não segue o que Marx previu como sendo a transição para o socialismo em Crítica do Programa de Gotha. O que Marx falava para a transição era estatizar os meios de produção – e é evidente que o Vietnã está privatizando e não estatizando. E tampouco tem ditadura do proletariado –Jones evita cuidadosamente esse termo, utilizando, na melhor das hipóteses, o termo “poder popular”, utilizado usualmente em Cuba.
Mas o que efetivamente o Vietnã não segue e está nesse texto? Com certeza não segue a ditadura do proletariado; se não segue, é ditadura da burguesia. Não há outra alternativa, não há outros “socialismos”, os outros são a burguesia em evolução. O próprio Jones admite que o Vietnã não tem nem planejamento econômico ao estilo soviético e nem as cooperativas socialistas, substituídas desde 1986 pelo minifúndio. E podemos colocar em dúvida se mesmo antes essas cooperativas não eram meramente fazendas estatais capitalistas e, antes de privatizadas depois de 1986, muitas empresas não eram apenas parte de um capitalismo de estado em país de capitalismo associado a algum imperialismo, ou seja, capitalismo burocrático.
3.Conclusão
Jones, em seus textos e vídeos sobre Vietnã, não definiu o que ele chamou de socialismo e seu ponto de partida teórico. O que se tem são as reflexões de um liberal conivente (Breno Altman) com a transformação do país na “fábrica exploradora global”, caminho do capitalismo burocrático e latifundiário que Jones seguiu e desenvolveu de forma conivente. Enquanto Jones e Altman exaltam o capitalismo burocrático pintado de vermelho, sonhando em um dia gerenciar algo semelhante no Brasil, verificamos o quanto o nacionalismo é uma ideologia burguesa e que complica a transição da revolução democrática para a revolução socialista. A experiência vietnamita mostra o quanto essa transição tem idas e vindas, tendo o nacionalismo como um ingrediente complicador, uma vez que é ideologia burguesa. Podemos dizer, então, que o Vietnã nem sequer completou a revolução democrática e caiu nas garras do social-imperialismo soviético (o Cambodja e o Laos seria uma situação semelhante). Tivemos, então, a tragédia: o Vietnã, de guerra de libertadora em tudo semelhante a uma guerra popular maoista, transformou-se em um agressor contra o Cambodja apoiado por uma potência imperialista de fato e socialista de boca –ou seja, uma enorme tragédia e um retrocesso que buscamos entender aqui como foi possível.
Podemos dizer que, então, ao não definir socialismo, Jones Manoel abriu para que o critério para conceituar socialista seja chamar os seus aliados de socialistas por critérios obscuros, ou seja, critérios oportunistas. Não se importou, portanto, que o Vietnã não tenha tanto o planejamento econômico, a ditadura do proletariado e as cooperativas socialistas no campo. E nem levou em conta a reflexão do próprio pensador vietnamita citado: não existem países socialistas hoje, apenas países capitalistas que afirmam estar em transição ao socialismo, o que é uma hipótese para ser posta em dúvida. Se Cuba e Coreia Popular estão somente em transição, abre-se a necessidade de debater o fato de que ainda não são experiências socialitas. De acordo com nossas reflexões, essas transições são apenas promessas vãs realizadas por partidos revisionistas que, ao lado de grandes corporações imperialistas, impõem uma ditadura capitalista aos seus povos.
4.Bibliografia:
APRILE, César Alexandre da Silva. O Novo Paradigma do Imperialismo. São Paulo: SP, 2023.
CAP Chu Van; Tạp chí Cộng Sản. Tradução de Gabriel Deslandes. Consenso sobre a economia ‘socialista de mercado’ do Vietnã <>.
ESPÍRITO SANTO JÚNIOR. Lúcio Emílio. >>. <>.
__________________________________.<>. <>.
GONZALO. Entrevista do Século. São Paulo: Ciências Revolucionárias, 2023.
GRUPO VALE DOS PALMARES. Entrevista com o Servir ao Povo (Vietnã): Comunistas em um País Revisionista. >.
PCCH. O Capitalismo Monopolista de Estado é a Principal Base Econômica do Social-Imperialismo. <>
PCUSA. Vietnam, Miscarriage of Revolution. The magazine Revolution, vol. 4, #7 8, July/August 1979, published by the Revolutionary Communist Party, USA. <>.
LUNA OI. < >. <>.
MANOEL, Jones. Chegou o momento de falar do Vietnã. <>.
________________. Vietnã: um país forjado na guerra e na luta anticolonial. <>.
MANOEL, Jones. SONNENBERG, Victória Hissa Hirosue. Neoliberalismo com características chinesas? Notas sobre a estratégia de desenvolvimento chinês. <>
quarta-feira, 16 de julho de 2025
O Náufrago do Socialismo
O livro Náufrago da Utopia (editora Geração Editorial), publicado em 2005 pelo ex-integrante da Vanguarda Popular Revolucionária de Lamarca, Celso Lungaretti não tem um título muito bom, pois ele não é um náufrago do socialismo utópico, não é “utopia” e sim ciência, mas do socialismo cientifico. Os pontos mais interessantes do livro estão na parte especificamente da militância revolucionária do autor, bem como suas considerações sobre teoria e prática. Se sua reconstrução como jornalista dos monopólios é pouco interessante, sem dúvida nesse livro ele provou um ponto, uma obsessão: a área da guerrilha rural teria sido entregue para ele, enquanto ele entregou aos militares, sob tortura, apenas uma área desativada, mas que, por azar, tinha voltado a ser utilizada por Lamarca. Por mais que Celso tenha fraquejado ao passar informações e aceitar o arrependimento público, de forma alguma creio que é justificável a atitude de Lamarca de dar entrevista para a imprensa estrangeira condenando a ele e a Massafumi. Trata-se de uma grotesca confusão entre frustrações pessoais e os interesses do grupo revolucionário. O fato é que há lições históricas a tirar dessa situação. Justiça seja feita, Lungaretti acertou ao prever nos anos 90 que Lula no poder desembocaria em um golpe militar (ainda que frustrado, por hora). Lungaretti tem o mérito de ter continuado na esquerda, o que não aconteceu com muitos de seus contemporâneos, como, por exemplo, o economista burguês Pérsio Arida.
Depois da fase revolucionária, a voltagem do livro baixa e Celso passou a trabalhar em antros como O Estado de São Paulo, foi chamado de “traidor da revolução” em partidos oportunistas e eleitoreiros, esteve em agências de publicidade vendendo porcarias, perdeu-se nas drogas em comunidades alternativas onde delirava com conspirações contra ele por parte de um “Stálin” imaginário, entre outras trapalhadas e desastres. Altamente desastroso é Lungaretti, além de defender sua inocência, defender a de Trotsky (conforme pesquisas do professor Grover Furr, comprovadamente um traidor). Em outros textos, ele vai além, elogiando um Hermínio Sachetta, figura suspeita e elogiada até por Boris Casoy (que na revista O Cruzeiro saiu como um integrante do Comando de Caça aos Comunistas, mau jornalismo, segundo Casoy, que processo Lungaretti por bafejar essa matéria ainda hoje). A parte mais valiosa e atual, que são as discussões numa organização revolucionária, é importante porque apresenta dilemas que até hoje não enfrentamos e resolvemos.
Em determinado momento, Lungaretti queixa-se de que Lamarca “não sabia o beabá do marxismo”. Mas será que Lungaretti não falha nesse mesmo ponto, exatamente? Leia-se o seguinte:
Se percebesse onde desemboca o conceito de ditadura do proletariado, decerto ficaria conflitado. Mas, acredita que a posição marxista seja exatamente a defendida por Lênin no mais libertário dos seus textos, sem imaginar que a prática do mestre tenha sido bem diferente nos primeiros anos da URSS (LUNGARETTI, 2008, p. 67).
Lungaretti, como Gabeira, parece o tempo todo investir na ideia de ter tido uma “visão” de que a luta armada estava perdida, o marxismo ortodoxo era apenas a saída disponível, etc. Mas onde desemboca esse conceito de ditadura do proletariado? Lungaretti parece pensar que camarilhas como a de Castro, Kruschev e Brejnev são na verdade produto do conceito de ditadura do proletariado. Aí existe a ideia de que: 1) Lênin seria contra a ditadura do proletariado em O Estado e a Revolução e que esse texto seria passível de uma leitura anarquista, propondo o fim do estado após a revolução; 2) a prática de Lênin nos primeiros anos da URSS (1917-24) seria diferente de sua teoria (no mau sentido, no sentido de traí-la). Lungaretti elencou O Estado e a Revolução ao lado de Fantasma de Stálin de Sartre e A Rússia Depois de Stalin, de Isaac Deutscher, dois livros trotskistas e antileninistas, misturando alhos e bugalhos. Sartre tinha acabado de voltar da URSS, onde diz ter experimentado “total liberdade de expressão”, mas por oportunismo, dizendo que sua filosofia é situacional, escreveu um livro trotskista e rompeu com o PC francês. E a partir daí ele prosseguiu: “De Deutscher a Sartre vem a visão de como o Estado se desvirtuara na União Soviética, subjugando a classe operária em vez de libertá-la. Júlio percebe que a URSS antevista nesses livros é tão odiosa quanto o ogro norte-americano” (LUNGARETTI, 2008, p. 67).
O erro acima é situar em que momento histórico o estado tornou-se estado burguês; Lungaretti erra ao situar no período Stálin, pois foi a partir do revisionismo de 56 com Kruschev; só que justamente quando isso aconteceu o discurso antistalinista de Deutscher e Sartre chegou ao poder, ainda que não atribuído a eles; um discurso bastante semelhante. Lungaretti afirma que a VPR foi a primeira organização brasileira a considerar a União Soviética uma potência imperialista. No entanto, não avançou na compreensão de que Cuba era linha soviética também.
Lamarca adaptou o foquismo, mas não fez a crítica necessária da teoria cubana original. Os quadros permaneceram nas cidades, onde a repressão é sempre maior. Sem essa guerrilha, talvez não tivéssemos nem o efêmero milagre brasileiro. Sem resistência, o neoliberalismo veio nos anos 90 e enraizou-se no poder, estando até hoje.
Ele demonstrou saber que a vitória não advém de um grupo de guerrilheiros armados, salvadores da pátria, mas da convergência de todas as lutas, não da guerrilha rural em si, que ele pensava como algo móvel tal como o cangaço ou coluna Prestes. No entanto, surgem vários problemas, tais como qual seria a base de apoio dessa coluna, já que ele não pensa em “embasamento na região” –ele menosprezou, então, como no foquismo, as bases de apoio. Outros erros estão em pensar que o Brasil é país capitalista avançado e não existem relações feudais no campo. São erros fatais inspirados por um não- marxista chamado Gunder Frank e outros da nociva “teoria da dependência”, pois levaram a deixar os quadros nas cidades, não atacando o já doente semifeudalismo, a serem esmagados onde a repressão sempre era maior. Esse debate não deixou de ser atual, pois o país mais e mais se reprimarizou e está nas mãos de latifundiários, fazendo nascer reflexos macabros como o oito de janeiro. Outro momento rico é o debate entre militaristas e massistas, no qual ocorre o péssimo manejo da luta das duas linhas, resolvida com o racha. Lungaretti associou-se aos militaristas, os que desejam fazer a guerrilha rural e abandonar o trabalho de massas, trabalho esse bastante fraco e que poderia fazer cair todo o restante da organização. Não entregou comida de nenhum supermercado sequer, nem lutou ao lado dos que lutavam pela terra no campo. Seus gestos eram espetaculares, mas sem resultados efetivos para a continuidade da luta.
O debate das Teses do Jamil, de autoria do professor Ladislau Dowbor, levantou um ponto interessante: mesmo a luta por nacional-desenvolvimentismo no Brasil sempre será barrada e será colocada a questão do desenvolvimento no socialismo. Em suma, estado de bem-estar social brasileiro, seja inspirado em Vargas ou Saint-Simon, sempre será um fracasso e ficará numa encruzilhada: ou radicaliza para o socialismo ou retrocede aderindo a perspectiva de apenas gerenciar a situação colonial, negando sua natureza reformista em ambos os casos. Uma vez ao assumir como gerente semicolonial, o nacional-desenvolvimento será barrado; o período Vargas foi uma exceção histórica com data de vencimento.
O texto de Lungaretti valeu, então, por trazer à luz pontos ainda hoje não resolvidos no pensamento marxista brasileiro: a inviabilidade do nacional-desenvolvimentismo, que fatalmente evoluirá, diante das circunstâncias, para um socialismo ou abrirá mão de seu programa por inaplicável. Lungaretti confunde leninismo com trotskismo, sem saber que mesmo Sartre também mudou de uma posição simpática à URSS para uma próxima dos trotskistas; ele jamais chega a avaliar que trotskismo é errôneo e o faz descrer do marxismo e o levou a um anarquismo muito ultrapassado. A teorização equivocada de “Brasil feudal” e “capitalista completo” é equivocada, mas o debate que introduz, de militaristas (que queriam guerrilha rural) e massistas (queriam luta de massa nas cidades), trouxe uma questão chave, fora a necessidade de manejo da luta entre duas linhas. Igualmente importante é assinalar a desconfiança que Brizola deve sempre inspirar na esquerda revolucionária, nunca se iludindo que o trabalhismo possa ser vanguarda numa luta da esquerda revolucionária, nunca se deve acreditar neles tomando a dianteira. A formulação da guerrilha rural, ao ser abordada por Lungaretti, deixou totalmente de lado a questão do latifúndio e da condição semifeudal. O foquismo foi criticado de forma insuficiente: não se sabia que era a linha soviética mesmo assim que se estava seguindo, acreditou-se ingenuamente numa “linha cubana” — e estava-se também ligando-se a uma potência capitalista tão detestável quanto o imperialismo yankee. Os métodos de Lamarca eram ruins, como dar entrevistas expondo chagas internas da guerrilha, seu manejo da luta de duas linhas, insuficiente.
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