quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Memórias do Subdesenvolvimento

Memórias do Subdesenvolvimento Para Glauber Rocha, o filme Memórias é a execução do intelectual pequeno burguês. Vejamos o que ele diz: “o melhor filme cubano, e esta é a opinião mundial unânime, é Memórias, porque é a execução do intelectual burguês com o rigor antimoralista capaz de convencer os inimigos do comunismo à revolução” (ROCHA, 1997, P. 466). Lembremos, no entanto, que há uma ambiguidade em centralizar a narrativa em um contrarrevolucionário –ele não deixou de ser o herói do filme. Gutierrez Alea focalizou seu filme em um contrarrevolucionário, Sergio. E não foi o único filme em que ele fez isso: Os Sobreviventes também é focado em uma família de contrarrevolucionários; o filme mais famoso de Gutierrez Alea, Morango e Chocolate, nos anos 90, também tem como eixo a relação entre um militante e um gay religioso que lê Vargas Lhosa (rompido com Cuba por ocasião do caso Padilla, em 1971). Sergio também ressalta o subdesenvolvimento que, apesar da revolução, em Cuba continua existindo. “Nada mudou”, diz ele. “É uma Tegugigalpa do Caribe”, diz ele, ou seja, cidade pequena, provinciana, subdesenvolvida. E de fato continuou: mudou de caudilho (de Batista para Fidel) e mudou de amo (do imperialismo russo para o social-imperialismo soviético), mas continuou dependente, subdesenvolvida. Sarcasticamente, Sérgio comenta que é cômodo ser comunista em Paris, como Neruda. Esses comodistas deveriam “ir para Cuba” – lema hoje onipresente no Brasil. A queixa dos cubanos em relação ao discurso dos estrangeiros do esquerda é muito recorrente e também aparece nos textos de Alina Hernandez, professora de História de centro-esquerda, no Centro Cívico de Cuba. Essa consigna reapareceu depois com Reinaldo Arenas, o romancista de Antes que Anoiteça, no filme Conduta Impropria e, possivelmente, a partir daí ganhou o mundo. O filme Memórias passa das falas de Sergio sozinho vendo Havana à distância para uma fala mais alinhada com o castrismo a respeito do desembarque dos dissidentes em Playa Girón (Baía dos Porcos). Não eram os homens de Batista que chegaram ali e sim os liberais que se sentiam traídos por Fidel, com objetivo de ajudar a guerrilha liberal em Camaguey que começou em 1961 e foi até 1965, mais, inclusive, do que a guerrilha de Sierra Maestra. No filme, analisa-se que os homens que chegavam a Baía dos Porcos era uma miniatura de uma sociedade burguesa: havia um padre, um empresário, um filósofo e, finalmente, um torturador. Calvino, o torturador, traz a verdade do grupo: “sou parte de um grupo”, enquanto o padre diz: “não é porque fiz parte da conspiração que sou um conspirador, meu papel foi somente espiritual”. A verdade do grupo burguês estava no assassino. Vale ressaltar que a abordagem do desembarque em Playa Girón é engajada com a versão oficial. O que se pode dizer, no entanto, é que os camponeses de Camaguey e os camponeses em geral queriam terra, mas não foram atendidos, passaram a trabalhar em fazendas estatais ganhando pouco dinheiro. É muito importante esse ponto, pois comprova a teoria da revolução da nova democracia e nega as ideias trotskistas: a coletivização é um processo gradual, sem atender aos camponeses numa primeira etapa de nova democracia. O desembarque em Playa Girón era para dar força para a guerrilha liberal em Camaguey e, não obstante, essa guerrilha continuou até 1965. A abordagem dos acontecimentos de Playa Girón de forma a coincidir com a propaganda do castrismo a respeito foi uma passagem conflitante e inverossímil do filme. Um contrarrevolucionário não poderia dizer aquilo.

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