quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

O Inferno de Dante na Biblioteca do Quartel

 

O inferno de Dante na biblioteca do Quartel

 

            Em evento realizado em novembro último foi lançada mais uma obra que enriquece a memória histórica de nossa cidade e ajuda a consolidar a nossa cultura. Trata-se do livro O Homem e o Poeta, de Paulo Teixeira Campos. O autor escrevia crônicas sobre a vida cotidiana de Bom Despacho, em periódico do mesmo nome, naqueles anos de desenvolvimentismo, final da década de 1950.

            A crônica é um dos gêneros mais populares no jornalismo ao redor do mundo. Sua forma simples e direta permite abordar assuntos do cotidiano, sem a rigidez de dados matemáticos ou científicos, mas nem por isso menos exata.  Em uma dessas crônicas intitulada “Livros, não”, Paulo T. Campos lamenta que em Bom Despacho não existia ainda uma biblioteca pública. Segundo o cronista, em Bom Despacho havia três bibliotecas de acesso restrito: a do Clube Social, a do Ginásio e a do Quartel.  Lembra os esforços baldados do “jovem” Jacinto Guerra para criar uma biblioteca para a cidade. Os políticos de então não tinham sensibilidade para a questão. Denunciava o que ele julgava um abuso: “Os estabelecimentos de ensino, atendendo a interesses particulares, aos caprichos dos professores, cada ano adota um autor, e o pai de família se vê obrigado a despender vultosa quantia de dinheiro para educar os filhos, pois o livro usado este ano não servirá para o irmão menor, no ano vindouro.” Mal sabia ele que essa prática ainda continuaria por muitas décadas, com um agravante: livros didáticos são cadernos de exercício e são descartados no final de cada ano. Um dinheiro desperdiçado que poderia ser usado na manutenção de uma biblioteca pública.

            Militares e seus familiares, sócios do Clube Social e os poucos alunos do Ginásio podiam se dar ao luxo de ler obras célebres e os mais famosos clássicos da humanidade. Meu avô, Tenente Júlio do Espírito Santo, sempre levava para os filhos exemplares da rica biblioteca do Quartel. Meu pai lembra que, na sua infância, travou contato com a Divina Comédia, de Dante Alighieri, ricamente ilustrada, que descrevia a jornada do poeta, guiado por Virgílio, pelos caminhos do Céu, pelos horrores do Inferno e do Purgatório. Não dormiu à noite, impressionado com as cenas dantescas das profundezas do Inferno, mas nunca se esqueceu da obra e de seu autor, Dante. Teve contato com outras obras e autores da literatura universal, que ainda não podia entender, mas que ficaram na sua memória para o resto da vida, como Alexandre Herculano, Camões, Machado de Assis, a Ilíada e a Odisseia.

            Em crítica mordaz, diz Paulo T, Campos: “Enquanto na Inglaterra, setenta por cento da população lê um livro por mês, cada brasileiro talvez não leia uma palavra.” Naquela época como hoje, a questão da leitura já era posta em discussão. Bom Despacho hoje tem uma biblioteca pública, mas em compensação não tem nenhuma livraria, aqueles locais aprazíveis onde se pode adquirir os últimos produtos do mercado editorial brasileiro. Mas, convenhamos, é preciso considerar: qual o futuro do livro, diante das mais variadas e eficientes mídias, como TV, Internet, celular, que aos poucos vão engolindo toda a cultura universal? Mas nem tudo está perdido. Temos pelo menos uma editora, a Literatura em Cena, que produziu o livro do Paulo T. Campos, demonstrando que acredita, sim, que o livro impresso não sairá de cena tão cedo.

 

 

 

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

 MEU CARO AMIGO Peça em um ato Ramon Maia



 2019 Personagens Jovem homem velho homem homem bêbado professora jovem mulher 153 EM QUALQUER LUGAR: Um palco com duas mesas e cada uma delas com delas com duas cadeiras As luzes se acendem e Velho Homem já está em cena. Jovem homem entra e se depara com o amigo, o velho homem. JOVEM HOMEM Com licença. Por favor. Boa tarde. O senhor é... VELHO HOMEM Sim, sou eu! Se eu não estiver enganado, você deve ser quem eu estou esperando. Jovem homem balança as mãos de modo efusivo. JOVEM HOMEM Perdoe-me o atraso. Uma longa soneca no hotel. A viagem até aqui é muito longa. Velho homem parece tentar acalmar o jovem homem. VELHO HOMEM Dois de dias, certo? Está tudo bem. Não se incomode. Jovem homem permanece balançando as mãos efusivamente. JOVEM HOMEM É uma grande alegria encontrar o senhor pela primeira vez! Jamais poderia imaginar que isso pudesse acontecer em minha vida. Velho homem faz uma pausa, respira profundamente. 154 VELHO HOMEM Não imaginava receber uma visita de tão longe. A esta altura da vida, tudo é mais lento e repetido. Estou realmente impressionado. Jovem homem finalmente parece se acalmar. Começa a fitar o velho homem. Examina cuidadosamente seus olhos, sua barba, seus cabelos. JOVEM HOMEM Desde quando visitei este museu pela primeira vez, eu soube que o senhor ainda estava vivo. Velho homem coça a barba. VELHO HOMEM Fui submetido a um procedimento de um tal Dr. Fedórov, por isso estou ainda vivo. Eu me alimento somente de ovos fritos. Por conta disso tenho pesadelos com crocodilos todas as noites. Caminham lentamente pelo palco, tocando mutuamente os ombros de cada um. Jovem homem, em tom altivo, se volta subitamente para o velho homem. JOVEM HOMEM O senhor fala muito bem a minha língua. Velho homem leva a mão à cabeça. VELHO HOMEM Há muito tempo eu a aprendi com um sujeito muito ilustre de sua terra-natal que também sabia falar javanês. Jovem homem exaltado, efusivo, quase irado. JOVEM HOMEM O senhor ficaria abismado com minha terra-natal. Somos especialistas em copiar todas as modas. Tudo lá é de segunda mão. Velho Homem ri timidamente, tentando ser simpático e, ao mesmo tempo, manter uma certa distância. JOVEM HOMEM È muito interessante vê-lo sorrir. Sempre pensei que quando o encontrasse, o veria bastante sério. Velho homem coça a cabeça e arqueia a sobrancelha. VELHO HOMEM 155 Claro que sorrio. Talvez minhas cartas deem a impressão de que sou um sujeito solene, mas aquilo tudo é meia carta de um sujeito. Tenho meus momentos. Imagino que conheça pessoas capazes de grandes gargalhadas. Reconheço. O Jovem Homem se agita, balança as mãos, cofia o bigode. JOVEM HOMEM De onde venho, existem muitos bons comediantes. Os melhores são aqueles que levam tudo a sério. O Velho homem tosse, limpa um pigarro da garganta. Parece estar incomodado, balança a cabeça de um lado para outro lentamente. VELHO HOMEM Não entendo. Fale mais sobre isso. Jovem homem demonstra confiança, fica na ponta dos pés, inclina o peito para frente. JOVEM HOMEM A seriedade pode até ser um bom negócio desde que seja autêntica. O velho homem se agita, arrasta a bota direita pelo chão como se estivesse limpando-a. VELHO HOMEM E por que não seria? Jovem homem cofia o bigode, lança a mão esquerda para o alto como se estivesse apresentando um grande evento. Jovem homem se sente como um mestre de cerimônias. JOVEM HOMEM Porque de onde venho tudo é postiço, tudo é pose, tudo é falso, tudo é um meio para se conseguir o mais imediato. Velho homem arregala os olhos demonstrando espanto e compreensão do que foi falado pelo Jovem Homem. VELHO HOMEM Eu entendo. Eu entendo mesmo. Há muito tempo recebi uma carta de um amigo que contava algo semelhante sobre um certo inspetor geral de uma cidade pequena daqui. Jovem homem coloca a mão no queixo, circunspecto. JOVEM HOMEM Eu também li algo parecido sobre esses eventos acontecendo aqui. Mas acho que esse fenômeno se espalhou. Por onde andei, vi que o sério pode ser ridículo. Jovem homem tem olhos dirigidos ao infinito, a nenhum lugar. Velho homem inclina a cabeça para baixo. Seus olhos miram os assoalho do palco fixamente. 156 VELHO HOMEM Não estou por dentro de muitos assuntos. Meu último lance foi falar publicamente, um discurso. Desde então, me recolhi para uma vila, próxima daqui, uma cabana. Jovem homem também inclina a cabeça para a baixo, procurando o lugar para onde o Velho Homem está olhando. Toca levemente seu ombro. JOVEM HOMEM Veja, está tudo bem. Gosto do assunto das cartas que chegaram até mim. A maneira como cada um vive é questão de higiene pessoal. A propósito, quando trabalho muito, costumo falar línguas mortas e línguas futuras. As pessoas que me amam em minha terra-natal me levam para Barbacena, uma pequena cidade. Lá, fico numa uma casa muito bonita e limpa para eu descansar. Um tal Dr. Simão Bacamarte cuida de mim. Ele veste em mim um manto de profeta e me oferece pílulas mágicas que me fazem ficar mudo e sentado por seis meses. Depois, volto para casa mais calmo. Jovem homem toca o ombro do velho homem. Velho homem rapidamente levanta a cabeça se desfazendo do contato do jovem homem, afastando-se dele. VELHO HOMEM Este museu me traz muitas lembranças. Aqui estão guardadas memórias de um tempo que gostaria de esquecer. Velho homem coça a barba e jovem homem dá dois passos para trás, então, dois passos laterais para um lado e dois para outro. JOVEM HOMEM Posso imaginar o quanto é difícil ver tudo isto exposto. As correntes, os casacos, as cartas, os rascunhos. Velho homem limpa o pigarro da garganta. VELHO HOMEM Gosto de sua tentativa de empatia. Mas vamos deixar o sentimentalismo de lado. Nada no museu me machuca, nem as correntes, nem as cartas, os rascunhos, nada. A coisa aqui é outra. O museu me lembra não do que sofri, mas do que eu fiz. É a lembrança das cartas, da sua inutilidade. De qualquer forma, vejo que você leu todas elas, mas permanece sentimental. Jovem homem abaixa olhos em tom de respeito. Junta as mãos à altura do peito. JOVEM HOMEM Me perdoe, meu amigo. É um defeito congênito. De onde venho, nossas memórias são sentimentais ou póstumas. Não lembramos do que fizemos porque, na verdade, nunca fizemos nada. De onde venho, nossa maior obra é a escravidão dos negros. E, para nós, o problema não é lembrar ou esquecer porque a escravidão, de onde venho, não terminou. 157 Velho homem arqueia as sobrancelhas. Parece mais calmo. Respira fundo. Um silêncio se faz. VELHO HOMEM Ainda estou curioso. Por que você quis me ver pessoalmente? Não tenho mais nada a dizer. Tudo o que eu disse está em minhas cartas. E elas contém a mesma verdade para todos os tempos. O que está acontecendo agora? Não me interessa. Estar vivo agora, para mim, é inútil. Não sei qual o rumo terá nossa conversa. Jovem homem mexendo bolso à procura do maço de cigarro. JOVEM HOMEM Não se afobe, não, que nada é pra já. Não vim até aqui encontrar o senhor para decifrar o mistério do presente. Eu li suas cartas e elas me deram um sentido na vida. Agora, tudo mudou, estou perdido, pois a simples existência da minha terra-natal é o desmentido do que o senhor acredita ser a verdade para todos os tempos. Estou numa encruzilhada. Não sei se fico com a verdade eterna ou com minha terra-natal. Velho homem coça a barba. Passa as duas mãos no rosto. VELHO HOMEM Mas... Se... No entanto... Jovem homem tira o maço de cigarro do bolso e mostra para o velho homem. JOVEM HOMEM Vamos fumar um cigarro? Jovem Homem e velho fumam cigarros. Fumam vagarosamente lançando a fumaça para o alto. Vem se aproximando deles uma Jovem mulher. Ela anda rápido, mas retém o passo repentinamente. Ela se mantém próximo a eles. Ela retesa o corpo. Seu peito se inclina para a frente. A cabeça se lança para trás. Os joelhos ficam semi-dobrados. Ela fica paralisada nesta posição. A bolsa que levava nos braços cai no chão. Velho homem aponta o indicador para ela. VELHO HOMEM Veja: crocodilo. Jovem homem acena a cabeça positivamente. JOVEM HOMEM De onde venho, conhecemos como zumbis. Eles nunca morrem. Velho homem limpa o pigarro da garganta e cospe no chão. 158 VELHO HOMEM Acho que é mais um que foi submetido ao tratamento do Dr. Fedórov. No final, seremos todos crocodilos. Jovem lança cinzas do cigarro ao chão e ri ironicamente. JOVEM HOMEM É essa imortalidade de que o senhor falava nas cartas? Velho homem mostra irritação. Parece querer tiras as sujeiras da sola dos pés em um movimento frenético. VELHO HOMEM Não foi nada disso. Você parece que não entendeu nada do que eu disse nas cartas. O que fizeram comigo, com esta jovem e com milhões de pessoas, são consequências. Eu vi no Palácio de Cristal todas as promessas de futuro. E aqui estamos nós. Jovem homem e velho homem continuam fumando. Um silêncio se faz. Ambos jogam cinzas pelo chão. JOVEM HOMEM De onde eu venho, a gozação, a zombaria, a piada é mais importante que a amizade. Perdemos um amigo, mas não deixamos de fazer uma brincadeira. Como o senhor pode ver, sou muito ligado a minha terra-natal e conheço o teor de suas cartas. Elas tornaram possível que eu sobrevivesse à impostura. O velho homem dá uma profunda tragada no cigarro e lança a fumaça para o rosto do jovem homem. VELHO HOMEM Mas você insiste no riso. Isso é um traço seu. Jovem homem balança a mão esquerda efusivamente junto ao corpo. JOVEM HOMEM Reconheço. Mas não acho que seja apenas um caso simples. Não é apenas minha constituição. De onde eu venho, todos são assim. E eu lhe pergunto. Todos aqui são como o senhor? Nesse momento, um homem bêbado se aproxima com o cigarro na boca, como alguém que está pedindo que o velho acenda o cigarro dele. HOMEM BÊBADO Hum! Hum! Hum! Pazhalusta! Hum! Hum! Hum! O velho homem pega a caixa de fósforos no bolso e acende o cigarro do homem bêbado. Demonstra irritação e impaciência. Balança a cabeça lateralmente para os dois lados rapidamente. O homem bêbado sai cambaleando. 159 HOMEM BÊBADO Hum! Hum! Spasiba! Spasiba! Hum! Hum! Hum! Velho homem aponta o dedo para o jovem homem. VELHO HOMEM Veja, não é bem assim. Eu já não existo mais. E essas pessoas aqui também já não existem. Jovem homem esboça um sorriso mas se contém. JOVEM HOMEM Se é assim, então venho de lugar nenhum, já que, em minha terra-natal nunca se fez nada de positivo. Aliás, eu não existo também, nunca existi. O senhor, ao contrário, pelo menos, já existiu algum dia. Velho homem se mostra calmo, mas dá um grande baforada de fumaça no rosto do jovem homem. VELHO HOMEM Você é muito insolente, sabia? Jovem homem abaixa a cabeça. Ele dá uma tragada no cigarro. Um silêncio se faz. Jovem homem anda de um lado para o outro. Até que ele se volta para o velho homem. JOVEM HOMEM Eu sei que sou insolente. Na verdade, não tenho o menor respeito pelas autoridades. Eu lamento profundamente. Não é que não acredite em nada. Mas, lamento informar o senhor, agora tudo é assim. A jovem mulher cai no chão. Jovem homem se agita. Caminha em direção à jovem mulher caída e se ajoelha diante dela. JOVEM HOMEM O que fazemos? Velho homem permanece impassível, continua fumando seu cigarro. VELHO HOMEM Nada. Agora, está definitivamente morta. Daqui a pouco, eles vêm recolher o cadáver que terá um bom uso para os estudos da equipe Fedórov. Jovem homem se levanta, se afasta do cadáver da jovem mulher. Ele dispensa o toco de cigarro e começa a procurar freneticamente o maço de cigarros nos bolsos. Ele encontra o maço de cigarros, deixa-o cair, apanha o maço de cigarros, tenta retirar um cigarro, caem vários cigarros, recolhe os cigarros. Ele acende o cigarro e fuma vorazmente. Em seguida dá uma

 grande gargalhada. JOVEM HOMEM


perdoe, meu amigo, mas não pude resistir. Existe nisso tudo muita coisa patética. Velho homem arrasta os pés no chão. VELHO HOMEM Eu só vejo tragédia. Jovem homem estufa o peito, balança a mão esquerda em frenesi. JOVEM HOMEM Mas esse é o ponto. Uma tragédia que se repete. Não há nada o que fazer. É engraçado. A única saída é rir. Velho homem abre os braços. VELHO HOMEM Rir do quê? Jovem homem fica na ponta dos pés. JOVEM HOMEM Rir de nós mesmos, do quanto é trágica a nossa situação sem saída. Velho homem se agita, balança a cabeça para os lados. VELHO HOMEM Mas você riria de uma criança sofrendo? O rosto de jovem homem parece se iluminar. Ele inclina a cabeça para o lado. JOVEM HOMEM Claro que não. Mas, veja, a própria criança que sofre quer sorrir, brincar. E há aquelas que, mesmo sofrendo, são capazes disso. Um grande silêncio entre eles se faz. O velho homem se mostra incomodado por estar próximo de um cadáver. Ele se mostra inquieto, se agita. O jovem homem fuma o cigarro como se estivesse completamente acostumado como uma situação daquela. Jovem homem olha ao redor. JOVEM HOMEM É uma linda cidade. Velho homem limpa o pigarro da garganta e cospe no chão. VELHO HOMEM Vocês não têm neve por lá, têm? Jovem homem balança a cabeça para um lado e para o outro, indicando concordância. 161 JOVEM HOMEM Não, não temos. Às vezes, podemos experimentá-la bem mais ao sul. Mas é diferente. Velho homem inclina a cabeça para a frente, demonstrando curiosidade. VELHO HOMEM. Em que sentido? Jovem homem estende o braço sobre a paisagem e olha ao redor. JOVEM HOMEM Veja tudo isso. Quando vi pela primeira vez, achei que estava acontecendo alguma tragédia. Eu pensava: "as pessoas estão bem?", "está tudo bem por aqui?". Velho homem abaixa a cabeça. VELHO HOMEM Você tem um jeito de pensar muito curioso. Velho homem estende o braço sobre a paisagem. VELHO HOMEM Para nós, a vida é assim. Jovem homem traga profundamente o cigarro. JOVEM HOMEM Eu entendo. Talvez. De onde venho, estamos mais adaptados à mentira. Velho homem traga profundamente o cigarro e joga o toco no chão. VELHO HOMEM Nós temos também nossos dias ensolarados. Jovem homem joga o resto de cigarro no chão. JOVEM HOMEM Vamos tomar um chá? Jovem Homem e Velho Homem se sentam em duas cadeiras diante de uma mesa. Ambos tomam um chá invisível. O jovem homem faz ruídos com a boca. Parece estar saboreando o chá. JOVEM HOMEM Ah!Ah!Gosto muito de chá preto. Muito bom. Ah! Muito bom. 162 O velho homem tem a xícara invisível diante de si e tem, também, no colo, um gato invisível. Ele acaricia alternadamente o dorso, o peito e a cabeça do gato. VELHO HOMEM De onde você vem, tomar chá é um hábito também? O jovem homem passa um guardanapo invisível na boca. JOVEM HOMEM Tomamos mais café. Temos chá preto, não tão bons como os daqui. Lá temos erva-mate. Fazemos infusão dessa erva. Velho homem balança a cabeça acenando positivamente. VELHO HOMEM Sei. Mas, enfim. Qual a sua ligação com este lugar e por que me procurou? Jovem homem passas as mãos nas roupas como quem as limpasse. JOVEM HOMEM Bem, a ligação com esse lugar. É simples. Meu disjuntor desarmou. Estava tudo ligado no meu cérebro: geladeira, televisão, chuveiro, liquidificador. Tive um curto-circuito. Então precisava de um gerador, de uma fonte de energia alternativa. Encontrei este lugar. Velho homem arqueia as sobrancelhas. VELHO HOMEM Não entendo bem o que você diz. Só me parece que encontrar um lugar é uma coisa boa. Mas, o que quer de mim? Jovem homem esfrega as mãos em círculos. JOVEM HOMEM Estou tentando escrever uma peça de teatro. E você é o personagem central. Um monólogo. Gostaria de encenar a peça. Para isso preciso de sua autorização. Velho homem se agita, bate os pés contra o chão. Ele lança as mãos contra a barba. Ele coça a barba, o cabelo. VELHO HOMEM Preciso saber do que se trata. Jovem homem inclina a cabeça para o lado. JOVEM HOMEM Bem, a história... 163 Velho homem interrompe o jovem homem bruscamente pigarreando. VELHO HOMEM Não. Não. Não quero saber da história. Quero saber por que eu seria um personagem, logo eu que não tenho nada mais para dizer. Jovem homem inclina a cabeça para o outro lado. JOVEM HOMEM Veja bem. Os motivos são vários. Eu posso dizer, por exemplo, que o senhor é uma das poucas pessoas sérias no mundo e que, de onde eu venho, não existem pessoas assim. Posso dizer que aqui é um lugar onde as pessoas têm esperança no futuro e que, de onde venho, isto não existe. Velho homem bate os pés no chão novamente, se mostrando inquieto. VELHO HOMEM Certo, certo, certo. Mas você está fazendo rodeios. Eu quero saber o que te motiva a me procurar para que eu banque, faça o papel de idiota. Velho homem demonstra irritação, coçando os cabelos de forma a quase arrancar os fios. Jovem homem permanece calmo. Ele respira profundamente. Ele solta um suspiro. JOVEM HOMEM Bem. Depois que li suas cartas e seus panfletos pensei que tinha encontrado um sentido para a vida. Isto foi logo depois daquele curto-circuito. Parecia que havia encontrado explicação para tudo. Velho homem aparentando mais calmo. Não coça mais os cabelos. Agora, coça levemente a barba. VELHO HOMEM Nunca pretendi oferecer algo assim para ninguém. Jovem homem balança a cabeça como quem concorda com o que foi dito. JOVEM HOMEM Depois eu percebi que o sentido era ficar atarefado com o estudo das cartas e dos panfletos. A ocupação me deu um sentido. Descobrir o que diziam. A tarefa era o sentido. Essa foi a primeira grande descoberta: mantenha-se ocupado no caso do disjuntor desarmar. Velho homem arqueia as sobrancelhas e arregala os olhos. VELHO HOMEM E o que isso me diz? Jovem homem inclina a cabeça para o lado. 164 JOVEM HOMEM Tudo isso diz duas coisas. Primeiro, a peça de teatro é um agradecimento pela companhia em tempos difíceis. Segundo, uma despedida. Velho homem abre os braços em sinal de dúvida, como se não estivesse entendendo. VELHO HOMEM Você é um sujeito diferente. Vem até aqui. Viaja longamente, me encontra quando quase ninguém consegue me encontrar, já que não existo mais, e, agora, fala em despedida? Veja, dispenso o agradecimento. Só o conhecia por carta e não fiz nada para te ajudar. Só agora te conheço pessoalmente. Um silêncio se faz. Jovem homem cofia o bigode. JOVEM HOMEM Eu só queria pôr um fim no sério. Todas as cartas são muito sérias. Talvez, pudéssemos falar em recomeço. Em fim da seriedade e começo da vida. E a peça mostraria que o senhor acreditava em uma missão. Velho homem balança a cabeça para um lado e para o outro como se respondesse negativamente. VELHO HOMEM Eu agradeço, mas não. Eu sei que você tem um gosto pela zombaria. Também sei que você quer me dar uma chance para falar depois de tanto banho de sangue. Mas o que está feito está feito. Que o meu lugar, a minha terra-natal tenha uma missão é minha última palavra. Jovem homem abaixa a cabeça. Ele levanta a cabeça lentamente. JOVEM HOMEM Não veja em mim nenhuma reprovação moral em ter um missão. De onde venho, as pessoas se fazem de espertas, sabidas, desconfiadas mas estão sempre prontas para acreditar em qualquer coisa. Em todo caso, eu sempre vou observar a distância entre o grande e nobre ideal e a miserável realidade. Velho homem aponta o indicador para o jovem homem. VELHO HOMEM Você pode ser de uma dureza muito grande com as pessoas. O rosto do Jovem Homem se ilumina. Ele entreabre um sorriso. JOVEM HOMEM Não, não. A questão não é o vizinho, o cunhado ou a sogra. A questão nem é de onde venho, mas onde acho que estou diante de onde realmente estou. Um breve silêncio se faz. Jovem franze a testa como quem está tentando ouvir alguma coisa. 165 JOVEM HOMEM Que barulho é esse? Velho homem ameaça abrir um sorriso. VELHO HOMEM É meu estômago. Jovem homem dá uma gargalhada. JOVEM HOMEM Está com fome? Velho homem move a cabeça acenando positivamente. VELHO HOMEM Já está na hora de eu comer meus ovos fritos. Mas não parece que aqui tem alguma coisa deste tipo. Jovem homem se volta para sua bolsa, procura alguma coisa e retira uma banana. JOVEM HOMEM Coma uma banana. Velho homem move a cabeça acenando negativamente. VELHO HOMEM Não, não devo. Desde o tratamento Fedórov, que me possibilitou não morrer, só como ovos fritos. Aliás, nunca comi uma banana. Jovem homem se excita, se agita. Ele coloca a banana bem próximo, diante do rosto do Velho Homem. JOVEM HOMEM Oh, meu amigo. Não perca essa oportunidade. Me sinto lisonjeado. Sua primeira vez. E banana não faz mal. Vamos, coma. O Velho homem pega a banana. Ele começa a descascar a banana. Ele come o primeiro pedaço. VELHO HOMEM Muito bom. Estou gostando bastante. O Velho homem continua a comer. Mais um pedaço. Outro pedaço. Mas, de repente, uma tosse. Outra tosse. Outra tosse. O velho homem se engasga. Não consegue respirar. Ele tosse mais uma vez, tosse de novo, mais uma vez. Ele está engasgado. Ele tosse de novo. O jovem homem se desespera. 166 JOVEM HOMEM Me ajudem! Me ajudem! Socorro! Socorro! Socorro! Me ajudem! Velho homem sai de cena tossindo e jovem homem o acompanha. Professora entra em cena. Em seguida, Jovem Homem entra em cena fumando. Ele está com a cabeça baixa. De repente, ele é surpreendido. JOVEM HOMEM Professora, o que está fazendo aqui? A Professora se ajeita para que os livros invisíveis não caírem do seu colo. PROFESSORA Me desculpe por ter vindo até aqui sem avisar. Mas você não foi à aula. Fiquei preocupada. Aconteceu alguma coisa? É nosso primeiro dia. Jovem homem abre os braços lateralmente com as palmas da mão voltadas para cima. JOVEM HOMEM Eu achei que nosso primeiro dia seria amanhã. Desculpe-me pelo equívoco. E hoje vim encontrar meu amigo. Professora arqueia as sobrancelhas por detrás dos óculos demonstrando interesse. PROFESSORA Ah, você tem um amigo aqui? Não sabia disso. Isto será muito bom para o seu aprendizado da língua. Jovem homem abre um leve sorriso. JOVEM HOMEM Pode ser, mas nós conversamos em minha língua, como nós estamos fazendo agora. Professora toca os óculos em sua parte central, como quem colocasse de volta depois de ele escorregar pelo nariz. PROFESSORA Não entendo. Ele é de onde você vem? Jovem homem continua sorrindo. Agora, parece demonstrar uma grande presunção. Ele inclina o peito para frente. JOVEM HOMEM 167 Não, não. Ele é daqui, mas aprendeu a minha língua com um homem muito ilustre que sabia falar javanês. Este meu amigo foi um escritor muito importante aqui. Poucas pessoas sabem que ele ainda está vivo. Professora também sorri. Ela se agita demonstrando curiosidade. PROFESSORA Talvez, eu também o conheça. Onde vocês se encontraram? Jovem homem traga profundamente o cigarro. JOVEM HOMEM Ali, no museu que construíram em homenagem a ele. Professora franze a testa. Ela cerra os olhos. PROFESSORA Museu? Museu... Aqui não nenhum tem construído em homenagem a nenhum escritor. Jovem homem inclina a cabeça para o lado. JOVEM HOMEM Como não? Eu estive ali com ele! Professora respira fundo. PROFESSORA Onde fica este museu? Em que rua? Jovem homem demonstra calma, segurança. JOVEM HOMEM Na rua Liudmila Petrushévskaia. Professora fica pensativa, coloca os dedos na cabeça como se estivesse tentando lembrar do lugar ou visualizar uma paisagem. PROFESSORA Mas neste lugar só existem casas e um sanatório.



Um silêncio se faz. A professora olha ao redor, parece procurar um ponto para onde fixar os olhos. O jovem homem continua fumando, lançando fumaça para o alto. JOVEM HOMEM Você gosta de gatos? Professora balança a cabeça como quem afirma positivamente. 168 PROFESSORA Sim, sim. Gosto muito de gatos. Jovem homem joga fora o cigarro. JOVEM HOMEM Eu também gosto, mas o meu gato é invisível. Professora abre um sorriso levemente. PROFESSORA O meu também é invisível. Mas ainda assim ele me arranha. Jovem homem sorri também levemente. JOVEM HOMEM Mas há uma vantagem nisso tudo. Quando eles saem para passear a gente não sente a falta deles. Professora não sorri mais. Parece ter o semblante triste. PROFESSORA Mas o meu morreu. Jovem homem curva os ombros. Seu semblante também é triste. JOVEM HOMEM Parece que o meu também. Professora arregala levemente os olhos demonstrando surpresa. PROFESSORA O seu gato também morreu? Jovem homem ainda triste. JOVEM HOMEM Não. Meu amigo. Talvez, não. Não sei. Professora toca os ombros do jovem homem. PROFESSORA Me diga uma coisa. Você não veio ate aqui pela segunda vez somente para aprender a língua da minha terra-natal. Você veio para encontrar este seu amigo. É isso? Jovem homem procura o maço de cigarros no bolso. JOVEM HOMEM 169 Sim, é isso. Nós conversamos um pouco. Eu propus algo para ele. Ele não aceitou. Então eu quis me despedir dele, a conversa não andou bem e ele passou mal. Professora faz cara de espanto. PROFESSORA A conversa, então... Jovem homem balança de um lado para o outro demonstrando reprovação. JOVEM HOMEM Não foi a conversa, foi a banana. Professora franze a testa. PROFESSORA E você não sabe se ele está vivo? Jovem homem retira um cigarro do maço e o acende. JOVEM HOMEM Não. Parece que a vida e a morte dele são assuntos do Governo. Professora ergue o braça direito e coloca a mão direita sobre o ombro esquerdo do Jovem Homem. PROFESSORA É melhor você não se meter nisso. Jovem homem acena com a cabeça positivamente. JOVEM HOMEM Eu sei, eu sei. Mas agora eu tenho duas pendências. Perdi um personagem para minha peça e não poço colocar um final em minha história com este lugar. Professora coloca a mão direita sob o queixo. PROFESSORA Não entendo muito bem, mas vamos arranjar isto. Jovem homem abre os braços com o cigarro na mão direita, com quem indaga alguém. JOVEM HOMEM Como isso seria possível? Não vejo nenhuma saída. Professora abre um leve sorriso com os lábios sem abrir a boca


PROFESSORA É você quem vai encontrar a saída. Você não pode permanecer onde está. Jovem homem cerra levemente os olhos, insinuando um certo desprezo. JOVEM HOMEM E o que eu precisaria fazer? Se é que você sabe. Professora assume um tom sério. Fecha o semblante. PROFESSORA O que você vai fazer eu realmente não sei. Mas estou aqui. Podemos conversar. Jovem homem arqueia as sobrancelhas, arregala os olhos. JOVEM HOMEM E sobre o quê exatamente seria a nossa conversa? Professora abre os braços em direção ao jovem como se estivesse apresentando ou oferecendo algo, com as palmas da mãos voltadas para cima. PROFESSORA Parece que você tem duas coisas para resolver. A peça e a despedida. Por enquanto, você não sabe o que fazer com isso. Jovem homem balança a cabeça vagarosamente para cima e para baixo, vagarosamente em sinal de aprovação. JOVEM HOMEM É verdade. Sei de onde venho. Não sei para onde ir. Não imagino o quê mais possa me acontecer Um breve silêncio se faz. Jovem fuma o cigarro. Professora mexe nos óculos e fita o Jovem Homem. JOVEM HOMEM Mas, veja, considere que estou confuso no momento. Professora sorri. PROFESSORA Não vejo problema nisso. Você é só um homem fraco. Estou acostumada com isso. Sou capaz de apostar que você nunca comeu o cérebro de um macaco. Ambos se encaminham para a mesa. Eles se sentam. Professora ajeita os óculos. 171 PROFESSORA Você tem sonhos? Quero dizer, você se lembra dos seus sonhos? Jovem homem se ajeita na cadeira. JOVEM HOMEM Veja, não costumo me lembrar. Às vezes, me lembro, outras vezes, não. Mas, desde que cheguei aqui tem acontecido uma coisa estranha. Professora cerra os olhos quase os fechando. PROFESSORA Que tipo de coisa? Estou curiosa. Jovem homem cofia o bigode. JOVEM HOMEM Estou sonhando acordado. Professora franze a testa. PROFESSORA Isto é muito comum por aqui. Jovem homem pisca os olhos várias vezes. JOVEM HOMEM É mesmo? Será o frio ou a distância? Professora inclina a cabeça para o lado. PROFESSORA Não sei se é bem isso. Mas algumas pessoas dizem que quando isso acontece significa que você está prestes a conhecer o seu duplo, o outro de você mesmo. Um breve silêncio se faz. Jovem homem passa a mão direita nos cabelos. Professora ajeita os óculos. PROFESSORA Você está sonhando com o quê? Jovem homem fica irrequieto. Ele parece tentar encontrar uma posição confortável na cadeira, embora não consiga. JOVEM HOMEM Com almas mortas. 172 O silêncio entre eles se aprofunda. Jovem homem olha ao redor procurando um ponto para fixar o olhar. Professora sorve a xícara de chá invisível. PROFESSORA Mas me diga. Por que o teatro? Jovem homem franze a testa e balança a cabeça como se não estivesse entendendo a pergunta. JOVEM HOMEM O teatro? Como assim? Professora inclina a cabeça para o lado. PROFESSORA Sim, sim. Você não disse que queria fazer um monólogo com seu amigo? Jovem homem inclina o queixo para o frente e para o alto como se agora estivesse entendendo a pergunta. JOVEM HOMEM Ah, sim. O teatro. Professora fica ereta na cadeira. Ela assume um tom solene. PROFESSORA Por que o teatro? Por que não um romance, um ensaio? Jovem homem acena a cabeça para cima e baixo. JOVEM HOMEM O teatro é arte dos vivos, inteiramente, de corpo e alma. No palco, nas ruas, até os mortos têm vida. No ensaio, no romance, também, talvez, mas só na imaginação. No teatro, o corpo inteiro - vivo! - está presente. De todos, do personagem e do público. Professora inclina a cabeça para o lado, franze a testa e arregala os olhos. PROFESSORA Eu tenho minhas dúvidas. Você parece estar certo de que o seu personagem está vivo. Jovem homem abaixa a cabeça. JOVEM HOMEM Na verdade, não tenho. Depois do episódio da banana não sei


ão sei se ele irá sobreviver. Professora inclina a cabeça para o outro lado. PROFESSORA 173 Não estou dizendo isso. Estou dizendo que você está muito certo dos limites entre vida e morte, arte e vida, aqui e lá. Nesse momento, entra em cena o homem bêbado. Ele se dirige ao jovem homem. HOMEM BÊBADO O senhor pode me dar um cigarro? Jovem homem retira o maço de cigarros do bolso e dá um cigarro ao homem bêbado. HOMEM BÊBADO Obrigado! Homem bêbado sai. Jovem homem arregala os olhos fazendo cara de espanto. JOVEM HOMEM Ele fala a minha língua! Que lugar incrível é aqui. Professora faz uma cara de enfado. Ela demonstra tédio. PROFESSORA Sim. Aqui é mesmo um lugar incrível. Jovem homem se mostra incomodado, ele se agita na cadeira. JOVEM HOMEM O que foi? Você acha que a ideia da peça é tão ruim assim? Professora ajeita os óculos. PROFESSORA Não, não é isso. Ensaio, teatro, romance, poesia, a questão não é essa. Você tem coisas por resolver ainda, antes de decidir o que fazer. Jovem homem morde os lábios, cerra os olhos sem os fechar. JOVEM HOMEM Não entendi. Explique melhor. Professora põe as duas mãos em cima da mesa com as palmas voltadas para baixo. PROFESSORA Você não disse que anda sonhando acordado? E que anda sonhando com almas mortas? Jovem homem se mostra impaciente, ele bate os calcanhares no chão. JOVEM HOMEM 174 Sim, eu disse. Mas o que isso tem a ver com a peça? Ou com a despedida do meu amigo? Professora alisa a mesa com as duas mãos. PROFESSORA Veja. Algumas coisas precisam ser reveladas. Você não conhece um eu misterioso que mora dentro de você mesmo. Ele está querendo sair. E você não sabe quem ele é. Jovem homem ergue o queixo para frente e para o alto. JOVEM HOMEM Não seria melhor impedir esse eu de sair? Talvez eu possa conter esses sonhos. Talvez fazendo a peça e me despedindo do meu amigo, tudo isso desapareça. Professora inclina a cabeça para o lado. PROFESSORA Não seja idiota. Não depende de você querer ou não querer. Esse eu que está escondido em você vai sair. Ele é uma força da natureza. Você o escondeu por muito tempo. Se tentar impedir sua saída, ele vai sair todo deformado. Então você provará consequências terríveis. Jovem arregala os olhos fazendo cara de espanto. JOVEM HOMEM Como você sabe dessas coisas? Nós nos conhecemos há dois anos! Como pode saber tudo isso? Professora ajeita os óculos e o cachecol invisível. PROFESSORA Na verdade, é você quem sabe disso há muito tempo. Jovem homem coloca as duas mãos no rosto cobrindo-o. Em seguida, ele leva as mãos aos cabelos. JOVEM HOMEM O que devo fazer então? De mais imediato. Professora ajeita os óculos. PROFESSORA Vamos conversar sobre o teatro ainda. Mas acho que você não deveria pensar em se despedir do seu amigo. E fique por um tempo aqui, em minha terra-natal. Jovem homem ergue a cabeça. Ele respira fundo. Ele parece demonstrar alívio. Ao mesmo tempo, ele arqueia as sobrancelhas demonstrando preocupação. JOVEM HOMEM 175 Nos ringues, a gente aprende que é necessário um bom plano de luta. Mas um bom plano de luta dura até você tomar o primeiro soco. Professora toca com sua mão direita a mão esquerda do Jovem Homem colocada sobre a mesa. PROFESSORA Ninguém está a salvo. Não há garantia de nada. Mas você pode escolher, ou ser um homem ou ser um crocodilo. Jovem cofia o bigode. JOVEM HOMEM Por enquanto, só penso em me deitar um pouco. Os lobos estão uivando muito alto. Professora ajeita os óculos. PROFESSORA Eu não entendo por que dois pés. Acho que deve ter alguma explicação oculta para tudo isso. Ambos se levantam. Professora está diante do Jovem Homem. Ele fuma um cigarro. JOVEM HOMEM Por que você é tão acolhedora com os estrangeiros? Professora ajeita o cachecol invisível. PROFESSORA É meu ofício. Sou assim. Não sei. Jovem homem lança a fumaça do cigarro para o alto. JOVEM HOMEM Você é uma jovem muito promissora. Professora tem a coluna em posição ereta, as pernas juntas. PROFESSORA É preciso trabalhar. Gosto do que faço. Gosto de pessoas. Gosto de ensinar. Jovem homem abre um sorriso. JOVEM HOMEM É interessante. De onde eu venho, os professores querem prestígio, fama, favores. Não gostam de ensinar, não gostam de pessoas. Professora arregala os olhos. 176 PROFESSORA E por que são professores? Jovem homem traga o cigarro profundamente. JOVEM HOMEM É um paradoxo. Eles se dão por satisfeitos com uma fama e um prestígio entre eles, minúscula. Eles são uma espécie de sub-celebridades sem dinheiro. Professora lança a mão direita para a frente, estendendo a palma da mão para cima. PROFESSORA É por isso que quer fazer a peça de teatro? Para dar uma lição? Jovem homem acena a cabeça para um lado e para o outro, mostrando desacordo. JOVEM HOMEM Não, não. Não estava pensando nos professores quando pensei nisso. A história é bem outra. Professora ajeita os óculos. PROFESSORA E do que se trata então? Vai me contar? Jovem homem traga o cigarro profundamente e lança a fumaça para o alto. JOVEM HOMEM É preciso que você saiba que a história do duplo, do outro eu, querendo aparecer não é estranha para mim. Professora se agita, parece demonstrar certa irritação. PROFESSORA Então quer dizer que a surpresa que você demonstrou quando eu toquei no assunto era falsa. Jovem homem acena a cabeça para um lado e para o outro discordando. JOVEM HOMEM Não, não, a surpresa era verdadeira. Fiquei surpreso com o fato de você estar percebendo o que está acontecendo. Professora inclina a cabeça para o lado. PROFESSORA Não exatamente. Eu só tive uma intuição de algumas  coisas depois que você me falou do seu sonho acordado. 177 Jovem homem lança o braço direito para frente com o cigarro entre os dedos da mão direita. JOVEM HOMEM Tudo bem. Que seja assim. Mas o fato é que há alguns anos um pedaço de mim saiu. E ele ficou bem aqui, ao lado da minha cabeça. Jovem homem explica o que houve colocando as duas mãos ao lado direito da cabeça, fazendo um semi-círculo. Professora ajeita os óculos. Ela demonstra interesse dando um passo adiante. PROFESSORA E como era esse eu? Você o via? Jovem homem traga o cigarro. JOVEM HOMEM Eu o via de soslaio. Era branco. Estava todo de branco. Professora fica na ponta dos pés. PROFESSORA E ele dizia alguma coisa para você? Jovem homem respira fundo. JOVEM HOMEM Não. Não dizia nada. Só me acompanhava para todos os lugares onde eu ia. Professora continua agitada, excitada. PROFESSORA Onde ele está agora? Jovem homem abaixa a cabeça. JOVEM HOMEM Ele se foi. Professora acena a cabeça positivamente. PROFESSORA Então quer dizer que você espera reencontrar esse eu perdido com o teatro... Jovem homem inclina o queixo para cima e para frente. JOVEM HOMEM 178 Isso não estava claro para mim. Agora vejo melhor. É que meu eu perdido se parece muito com meu velho amigo. Professora inclina a cabeça para o lado. PROFESSORA Seria preciso saber primeiro quem está vivo e quem está morto antes de tentar fazer a peça de teatro. Um silêncio se faz entre eles. Professora olha ao redor e Jovem Homem continua fumando e jogando fumaça para o alto. De repente, se levanta a Jovem Mulher que estaria morta no começo da peça. Muito elegante, bem vestida, muito bonita. Ela vem caminhando e, de repente, se detém. O peito arqueado para frente, a cabeça lançada para trás e os joelhos quase dobrados. Sua bolsa cai ao chão. Jovem homem balança a cabeça para um lado e para outro. JOVEM HOMEM Acho que estou confuso. Professora toca os ombros do Jovem Homem levemente. PROFESSORA Acho que você está levando muito a sério a separação entre palco e plateia. Jovem homem leva as mãos aos ouvidos. JOVEM HOMEM Mas esses malditos lobos! Professora ajeita os óculos. PROFESSORA Eu só conheço o caminho que leva ao cerejal. Jovem homem passa as mãos nos cabelos. JOVEM HOMEM Talvez, o melhor é deixar o meu caro amigo falar. Professora acena positivamente com a cabeça. PROFESSORA Concordo com você. Você tem que deixar falar o que está transbordando em você. Jovem homem cofia o bigode.


JOVEM HOMEM Mas não sei onde ele está agora. Professora aponta o dedo indicador para o Jovem Homem. PROFESSORA Você sempre o perde de vista. Na maioria das vezes, parece que você sabota os encontros com ele. Aliás, você não estava falando em despedida? Jovem homem procura o maço de cigarros no bolso do casaco. JOVEM HOMEM Eu sempre fugi das aberrações, dos monstros, dos fantasmas... De mim mesmo. Professora ajeita os óculos e o cachecol invisível. PROFESSORA Não sei se é coisa boa descer aos infernos. Você acaba encontrando alguma coisa. Jovem homem acende o cigarro depois de brincar com ele entre os dedos. JOVEM HOMEM Nessa viagem, estou encontrando o que eu mais temia. A Jovem Mulher cai no chão. Professora olha para o cadáver da Jovem Mulher PROFESSORA Poucos sobrevivem a esta viagem. Jovem homem traga profundamente o cigarro. JOVEM HOMEM É por isso que batem palmas quando o piloto consegue aterrissar. Professora inclina a cabeça para o lado. PROFESSORA É por isso que seu destino é a descida. Jovem homem se agita, se mostra aturdido. JOVEM HOMEM Mas o que vou fazer com isso? Professora se esforça por manter a coluna ereta, assumindo um tom solene. 180 PROFESSORA Nem imagino o que vai fazer. Mas somos assim. A vida é assim para nós. E, estamos aqui. Jovem homem joga o cigarro fora. JOVEM HOMEM E os lobos continuam uivando. Professora ajeita os óculos, o cachecol invisível e olha ao redor. PROFESSORA É o vento. Velho homem, homem bêbado entram em cena. Jovem mulher já está em cena. Todos os personagens estão em cena. Cada um deles estão em um canto do palco. Velho homem e homem bêbado estão andando andando vagarosamente. Jovem mulher está parada. Jovem homem anda pelo palco. JOVEM HOMEM De onde venho, todos são indígenas, mas todos querem ser caciques. São todos da ralé, mas todos querem ser chefes de almoxarifado. Só não fui um capitão-do-mato porque me faltou força, me faltou energia. Enfim, nunca matei ninguém por preguiça. Homem bêbado anda pelo palco e fala sozinho. HOMEM BÊBADO Hum! Hum! Pazhalusta! Hum! Hum! Hum! Hum! Velho homem anda pelo palco, coça a barba e fala sozinho. VELHO HOMEM Lázaro! Tudo está em Lázaro! Lázaro! Tudo está em Lázaro! Jovem homem agora parado, balança os braços freneticamente e fala sozinho. JOVEM HOMEM Era preciso decidir. E eu não estava lá. Estava, mas não estava. Se eu pudesse ver agora ao

que renunciei, teria feito alguma coisa. Mas, não. Agora é tarde. O que resta por fazer não é real, é apenas purpurina. Os cavalos roçando o pasto e as azaléas pedindo a noite. Jovem mulher anda rapidamente pelo palco e se detém. Em seguida, ela anda rapidamente e, novamente, se detém. Professora anda lentamente pelo palco. Ele ajeita os óculos. PROFESSORA 181 Os meus meninos. Os meus meninos. O que será feito deles? Jovem homem ainda com os braços balançando freneticamente, mas, agora, parado. JOVEM HOMEM Vai ver nada daquilo era real. E nada hoje é purpurina. São meus olhos em busca do horizonte. Mas sinto que alguma coisa se perdeu, que não pode mais. De onde venho, o melhor fruto apodreceu sem que o tivéssemos plantado. E o que foi plantado, hoje é veneno. Por isso, atrás da cortinas, só vejo infinitas cortinas. Lá atrás, um grito. Mas não há ninguém lá. Velho homem anda em círculos e coça os cabelos. VELHO HOMEM Lázaro! É ele! Lázaro! Lázaro! É ele! É ele! Lázaro! Lázaro! Jovem mulher anda rapidamente e, de repente, se detém. Ela arqueia o corpo para a frente. Ela tem o peito inclinado para frente e a cabeça totalmente lançada para trás. Os joelhos estão semi-dobrados. O homem bêbado anda vagarosamente e fala sozinho. HOMEM BÊBADO Hum! Hum! Spasiba! Spasiba! Hum! Hum! Hum! Jovem homem ainda parado, balança freneticamente seus braços. JOVEM HOMEM Não havia nada escondido. Em todo este tempo, meus duzentos demônios lutavam entre si. Depois de uma batalha infernal entre eles, o vitorioso colocava a cabeça para fora. Mas a guerra não tinha acabado. Então percebi que todo o barulho que eu ouvia era provocado pela lamúria dos demônios vencidos. Eu o segui a trilha desse barulho e hoje estou aqui. A artimanha do demônio vencedor era o silêncio. Sua vitória era a minha derrota. E ele me serviu no jantar um pedaço de mim como prêmio pela lembrança. Professora ajeita o cachecol invisível. Ela anda de um lado para o outro do palco. PROFESSORA Eles não têm culpa de nada. Meus meninos. Meus meninos. Eles não têm culpa de nada. Jovem mulher cai ao chão. Velho homem anda de um lado para outro do palco. Ele cofia a barba. VELHO HOMEM Eu disse, eu disse. É Lázaro! Lázaro! Eu disse, eu disse! Lázaro! É ele! Jovem homem ainda parado. 182 JOVEM HOMEM Por esta via. (Aponta com o braço esquerdo) Posso seguir o caminho dos confetes e das serpentinas. Por esta via (Aponta com o braço direito) O caminho do arremedo. Será minha última decisão porque esta é uma decisão última. De onde venho, ninguém nasce para mastigar ferros com os próprios dentes. Estamos entre o macaco e o artista. Poucos são os dilacerados por um curto-circuito. O curto-circuito interrompe fluxo. Quanto aos muitos, eles são escolhidos para uma vida de arremedo. Decidir não ser macaco é o fardo da alforria. Homem bêbado anda vagarosamente e fala sozinho. HOMEM BÊBADO O senhor pode me dar um cigarro? Pode? Pode? Hum! Hum! Pode me dar um cigarro? Pode? Pode? Hum? Hum? Professora ajeita os óculos. Ela anda vagarosamente pelo palco. PROFESSORA Meus meninos, meus meninos, não. Eles não têm o que comer. Meus meninos, não, não. Meus meninos. Velho homem coloca as mãos diante do rosto. Ele anda vagarosamente pelo palco. VELHO HOMEM Não se engane. Não se engane. É ele! É ele! Lázaro! É ele! Lázaro! Jovem homem anda vagarosamente pelo palco, balançando os braços freneticamente. JOVEM HOMEM As últimas coisas dirão se me consagrei a um ídolo ou a um deus. Na batalha dos demônios, confiei na memória. Agora, não. Quero o futuro. E não vejo nada, a não ser um abismo. Talvez, eu possa ser um pássaro, uma ponte, um galho, um rio lá embaixo. Eu não sou trezentos, nem trezentos e cinquenta. Eu não sou nada. Tenho na mão uma máscara e um pacote de confete. Hoje, Paris, Texas, amanhã, Doha, depois de amanhã, Magé. Não é que tudo valha a pena. É que depois de tudo perder o brilho, a gente faz o possível, somente o possível. E o possível, neste momento, é o delírio. Jovem mulher se levanta. Ela ajeita as roupas, se recompõe e anda rapidamente pelo palco. Professora ajeita o cachecol invisível. Ela anda vagarosamente pelo palco. PROFESSORA Ainda podemos fazer muito. Meus meninos, meus meninos. Não os levem. Não os levem. Ainda podemos fazer muito. Meus meninos, meus meninos. 183 Homem bêbado tem o cigarro na boca e sorri. Ele anda vagarosamente pelo palco. HOMEM BÊBADO Hum! Hum! Um cigarrinho! Hum! Hum! Sempre bom! Hum! Hum! Um cigarrinho! Sempre bom! Hum! Hum! Velho homem lança as mãos para o alto, como se rezasse. Ele fica parado. VELHO HOMEM Ele levantou e andou! É ele! É ele! Levantou e andou! Lázaro! É ele! É ele! Jovem homem está parado. Seus braços ainda balançam freneticamente. JOVEM HOMEM Porque depois do curto-circuito o curso das águas deixa de ser espontâneo. Eu não perguntava "o que fazer?", mas "por que fazer?". As chuvas, as ondas do mar, trovões e raios sempre novos, a cada vez causando espanto. Tudo como se fosse pela primeira vez. E, de repente, o gosto amargo, afinal, tudo se repetia. E, enfim, o consolo, tudo se repetia. Quer dizer, no planeta dos macacos, tudo se repete. Na verdade, eu sou macaco, zumbi, crocodilo, depende do momento e do lugar. Não hã um "por detrás" nem um "pela frente". O que se vê é tudo. E nada que é visto merece ser levado a sério. Professora ajeita os óculos. Ela está parada. PROFESSORA O que será feito deles? Meus meninos, meus meninos. Para onde irão? Meus meninos, meus meninos. Velho homem leva as mãos ao rosto novamente. Ele está parado. VELHO HOMEM É um milagre! Lázaro! Eu vi! É ele! Milagre! Lázaro! Eu vi! Eu vi! É ele! Jovem mulher andando rapidamente, se detém, arqueia o corpo, lança a cabeça totalmente para trás. O peito está lançado para frente e os joelhos semi-dobrados. Homem bêbado sorri sorrateiramente. Ele anda pelo palco. HOMEM BÊBADO Hum! Hum! Mais um cigarrinho. Quero outro! Hum! Hum! Mais um. Hum! Hum! Jovem homem está imóvel, parado. JOVEM HOMEM O problema não é mais valer a pena ou não. O problema é que, depois do primeiro susto na vida, a pedra não é mais uma coisa morta. E mesmo assim, só restarão ruínas e esquecimento. Talvez, um álbum de retratos. Talvez, nem que seja por um instante, eu seja pássaro, ponte, 184 galho ou um rio lá embaixo. Só assim poderei dizer que tudo foi um sonho, que os crocodilos, os zumbis e os macacos foram tudo o que eu poderia ser. Professora tem a voz embargada, lacrimosa. PROFESSORA Meu menino poderia ser alguém. Meu menino. Meu menino se foi. Ele poderia ser. Homem bêbado dá uma risada sarcástica. HOMEM BÊBADO Agora quero um golezinho. Hum! Hum! Um golezinho! Hum! Hum! E um cigarrinho! Hum! Hum! Jovem mulher cai de novo no chão. Jovem homem fica no ponta dos pés, enche o peito. JOVEM HOMEM Melhor não fazer nada. Dá muita dor de cabeça. Gosto muito de paisagens. De onde venho, assistimos a tudo, de preferência, de maneira bem confortável. É isso, uma sala de estar, um casamento e uma janela. Não posso fundar uma cidade nem defender um castelo. Quem sabe fingir um papel? Nem isso! (Faz um grunhido) Só me resta a bravata! Digo, a bravura! Ou seria, a bravata? Bem... Vou conclamar a paz universal entre os macacos de boa vontade. Que todos possam reconhecer no outro o crocodilo que mora em si mesmo. Que o brilho do olhar se manifeste em cada um dos zumbis. Velho homem se ajoelha no chão, coloca as mãos para o alto. VELHO HOMEM Lázaro! Ele voltou! A tumba! Lázaro! Eu vi! Lázaro! A tumba! Professora ajeita os óculos, agora, chorando. PROFESSORA O meu menino. Eu tive que comê-lo. Meu menino. Meu menino. Não pude evitar. Eu tive que comê-lo. Meu menino. Meu menino. Jovem mulher tenta se levantar e cai. HOMEM BÊBADO Hum! Hum! (Dá uma grande gargalhada) Hum! Hum! As luzes se apagam.




quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Jenipapo, Canadá, Petkovic e a Copa do Mundo em Bom Despacho

 

 

Jenipapo, Canadá, Petkovic e a Copa do Mundo em Bom Despacho

 

                       Essa semana ocorreram os preparativos para a Mostra Cultural ou Feira Cultural da Escola Wilson Lopes do Couto. A Feira aconteceu no sábado de manhã do dia 05/11/2022. O tema era a Copa do Mundo no Catar. Esse pequeno país é muito famoso pelas imagens de riqueza, embora, para além de sua capital, Doha, existam cidades-dormitório onde vivem trabalhadores estrangeiros da Índia e de outros países vizinhos (assim ensinaram os alunos do nono ano, que estiveram na sala junto da sala do Canadá). O gentílico dos habitantes do Catar é “catares”. O Catar é uma pontinha da península arábica, mas devido ao petróleo é um dos países mais ricos do mundo. A ideia, muito bem sucedida, era trazer a cultura dos países participantes para a escola e para a comunidade. Muitos ex-alunos, pais e comunidade em peso participaram.

                       A turma 1001, que ficou responsável pelo Canadá, montou uma maquete com os jogadores do time do Canadá e foram bem sinceros: o time não é lá essas coisas. Os canadenses são bons em hóquei e lacrosse (ou seja, em esportes de inverno). Trouxeram também inúmeras curiosidades do país: a temperatura mais fria já registrada lá foi de quarenta e sete graus abaixo de zero, na cidade de Sang, estado de Yukon. Outras curiosidades: festival de cinema de Toronto é o segundo maior do mundo, o “Cabral” do Canadá, ou seja, o primeiro europeu a explorar o território do que seria o Canadá foi Giovanni Caboto.       Igualmente, eu participei de um jogo de perguntas e respostas que é muito popular no Canadá, um jogo estilo “quizz”. Não consegui, no entanto, lembrar-me quando esse país ficou independente, pensei na data de 1812. Na verdade, até hoje há uma forte relação com a Inglaterra. O Canadá é muito descentralizado, comemora-se o ano de 1867, mas em Quebec, Canadá francês, a data já é outra. O Canadá partilha, ainda, a mesma rainha que a Inglaterra (!) e só teve uma constituição em 1982.

                       Junto ao Segundo Ano do Ensino Médio, eu quis muito experimentar o “fritule”, uma espécie de bolinho de chuva da Croácia, mas os últimos eram apenas para exposição. Que pena! Mas é reconfortante saber que podemos viajar para esse pequeno país na Europa Central e encontrar algo tão gostoso e familiar. Eu sou do tempo em que existia a Iugoslávia. Agora existe, como lembrança daquele país que despedaçou-se em meio à guerra nos anos 90, tempo de minha juventude. Os frutos dessa separação, que competem separadamente na Copa. A Sérvia nos deu o Dejan Petkovic, ídolo do Flamengo, o “Pet” um famoso e muito querido jogador, que curiosamente pautou também nosso debate político, partilhando com o Brasil suas surpreendentes lembranças agradáveis de sua juventude em um país socialista. Petkovic falou: “o país tinha investimento esportivo, a minha cidade era pequena, quatorze mil habitantes, era cidade de mineração, construída sob um antigo vulcão, tinha parques, o estádio era perto do apartamento. Eu não tinha preocupações, no socialismo tinha abundância, salários dignos, segurança total, eu ficava muito na rua, aprendi a jogar todos os esportes, foi a melhor infância que poderia ter”.

                       Na sala que tratava do México, consegui alguns pequenos churros, comida que aprecio muito desde a infância. São pequenos pãezinhos recheados de doce. Pode ser doce de leite ou doce de goiaba ou outros. Portugal também estava representado e tinha notáveis broinhas, delícias que acabaram rapidamente, antes que eu conseguisse prová-las.

                       Muito interessantes foram as comidas típicas, que acabaram muito rapidamente em todas as salas. Ao menos, eu consegui comer os doces de coco, goiaba e figo que são típicos do Senegal, país da África Ocidental onde as pessoas comem muitas frutas. A alimentação deles, comentou a aluna, é muito saudável. Eles apreciam arroz com frango, frutas e doces. Uma das frutas que pouca gente conhece e que ali é apreciada é o jenipapo. Os alunos conseguiram trazer um exemplar da fruta. Lembra uma pequena pera, verde e redonda. Curiosamente, é originária da América, mas foi levada para a África.

            Foi deliciosa essa minha saga gastronômica em torno do mundo e os alunos participantes estão todos de parabéns! E, como disse o escritor russo Tolstói, é através de nossa aldeia que conseguimos chegar ao mundo.

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

CUIDADO, “GENERAL”

 

CUIDADO, “GENERAL”

 

            Ele chegou aqui moço e forte. Carregado de sonhos e esperanças. Trazia na mão o pergaminho da ciência e na mente a certeza de um futuro grandioso. Começou a executar a obra que idealizara. Fez dessa cidade o seu campo de luta. Edificou o seu quartel geral. E, aproveitando-se da incapacidade de uns e da ociosidade de outros, hasteou, finalmente, a bandeira da vitória.

            Triunfou, mas no seu triunfo está implicado o sacrifício de um povo. De um povo pacato, submisso, que já começou a se rebelar contra os abusos de que está sendo vítima. Guerrilheiros começam a aparecer aqui e ali. Fabricam armas próprias, como o berimbau. E a revolta vai se fermentando lenta e silenciosamente no selo da população. Até que nós temos pedido o que nos compete exigir. E o general permanece irredutível no seu castelo de ouro e de fios.

            Sr, General: não sei se você lê O Bom Despacho. Ele é tão humilde e tão simples que talvez não chegue às suas mãos, sempre ocupadas com algo importante. As cifras, os cálculos, a inúmeras atribulações da vida, lhe não permitem, provavelmente, a leitura desta e de outras folhas, além disso este jornal já o criticou por diversas vezes. Você se sentiu ofendido e magoado no seu orgulho de homem. E ofendido e magoado, você se concentrou mais no escritório. Passou a ter menos amigos a sentir falta de um cigarro, a falar pouco, a não sorrir nunca, para resistir ao impacto da crítica, você se fechou mais consigo mesmo. Tornou-se mais duro, mais austero, mais solitário, não há nada pior do que viver na solidão quando o mundo está cheio de gente.

            No orgulho, no amor próprio, no laconismo, na diferença está o seu erro. General. Hábil no campo de luta, exímio guerreiro, você é um fracasso no tratar com as pessoas. Você não tem conversa, não tem demagogia. Você não sabe abraçar, nem sorrir. Nem prometer. E isso é muito importante para o povo. Isso é muito importante para quem não pode dar ao povo, o que o povo precisa. Prive a população de energia elétrica aos domingos, à noite, a qualquer hora, mas não lhe negue, Sr. General, o sorriso, um cumprimento, uma promessa, castigue os habitantes dessa cidade com uma das mãos, mas afague-os com outra.

 Aos domingos, a gente para onde ir. Não tem Praça de Esportes, não tem cinema. Não temos onde nos divertir. Ligamos o rádio. O rádio não funciona. Saímos. Entramos no bar. Pedimos um sorvete. Não tem. Pedimos alguma coisa gelada. Não tem. Não tem café. Não tem água. Por que? Porque a cidade está o dia inteiro sem energia elétrica.

Sem saber o que fazer, para onde ir. Ficamos perambulando pelas ruas, enquanto passa a caminhonete nova, bonita, fazemos barulho no calçamento, ou levantando poeira do chão. E no seu interior, imponente, e esbelto como um general prussiano, vai o homem que nos maltrata, que nos priva até mesmo de um pouco d´água.

Sr. General, não seja tão cruel. Prive-nos da água, da luz, mas nos dê pelo um cumprimento, um sorriso. De nós a ilusão de uma promessa, o autor do berimbau poderá voltar. Se já não voltou, cuidado, Sr. General.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 20 de novembro de 2022

Jenipapo, Canadá, Petkovic e a Copa do Mundo do Mundo em Bom Despacho

 

Jenipapo, Canadá, Petkovic e a Copa do Mundo do Mundo em Bom Despacho

 

                       Essa semana ocorreram os preparativos para a Mostra Cultural, a  Feira da escola Wilson Lopes do Couto. Ela aconteceu no sábado de manhã (05/11). O tema era a Copa do Mundo no Catar. Esse pequeno país é muito famoso pelas imagens de riqueza, embora, para além de sua capital, Doha, existam cidades-dormitório onde vivem trabalhadores estrangeiros da Índia e de outros países vizinhos, como bem ensinaram os alunos da 702. O Catar é uma pontinha da península arábica, mas devido ao petróleo é um dos países mais ricos do mundo. A ideia, muito bem sucedida, era trazer a cultura dos países participantes para a escola. Muitos ex-alunos, pais e comunidade em peso participaram. Bom Despacho é como o mundo todo, como já dizia um velho e bom baiano.

                       A turma 1001, que ficou responsável pelo Canadá, montou uma maquete com os jogadores do time e foram bem sinceros: não é lá essas coisas. Os canadenses são bons em hóquei e lacrosse (ou seja, em esportes de inverno). Trouxeram também inúmeras curiosidades do país: a temperatura mais fria já registrada lá foi de quarenta e sete graus abaixo de zero, na cidade de Sang, estado de Yukon. Outras curiosidades: o festival de cinema de Toronto é o segundo maior do mundo (o que me fez lembrar que minha querida Luciene Guimarães estudou o cinema de Marguerite Duras lá em Quebec). O “Cabral” do Canadá, ou seja, o primeiro europeu a explorar o território foi Giovanni Caboto. Igualmente, eu participei de um jogo de perguntas e respostas que é muito popular lá, um jogo estilo “quizz”.

                       Maratonando as salas, eu quis muito experimentar o “fritule” realizado pela sala 2002, uma espécie de bolinho de chuva feito de iogurte, típico da Croácia, mas os últimos exemplares não estavam disponíveis para degustação. Mas é reconfortante saber que podemos viajar para esse pequeno país na Europa Central e encontrar algo tão gostoso e familiar. Eu sou do tempo em que existia a Iugoslávia. Aquele país despedaçou-se nos anos 90, tempo de minha juventude. Alguns frutos dessa separação competem separadamente na Copa, Sérvia e Croácia. Quando fala-se em Sérvia, o mais lembrado é Dejan Petkovic, ídolo do Flamengo, o “Pet”, um famoso e muito querido jogador, que surpreendeu o Brasil suas lembranças agradáveis de sua juventude em um país socialista. Petkovic, que já defendeu até Stálin, falou: “o país tinha investimento esportivo, a  minha cidade era pequena, quatorze mil habitantes, construída em um antigo vulcão, vivia de mineração, mas tinha parques, o estádio era perto do apartamento, eu não tinha preocupações, minha família tinha abundância, salários dignos, segurança total, eu ficava muito na rua jogando, sei jogar todos os esportes, mas futebol foi sempre minha paixão, tive a melhor infância que poderia ter”. Ao tratar do Marrocos, os alunos da noite lembraram-se da jornalista bom-despachense Kívia Mendonça Costa, que escreveu o livro Diários Marroquinos, depois de, em suas palavras, dar um loop (“giro”) por todo esse país, usando véu e pegando carona, levando apenas mil reais.

                       Na sala 801, que tratava do México, consegui alguns pequenos churros, comida que aprecio muito desde a infância. São pequenos pãezinhos recheados de doce. Pode ser doce de leite ou doce de goiaba ou outros. Portugal (sala 2001) também estava representado e tinha notáveis broinhas, delícias que acabaram rapidamente, antes que eu conseguisse prová-las.

                       Vocês podem imaginar que sucesso foram as comidas típicas, muito cobiçadas por todos. Eu consegui comer os doces de coco, goiaba e figo que são típicos do Senegal, país da África onde as pessoas comem muitas frutas e doces. A alimentação deles, comentou a aluna da 701, é muito saudável. Uma das frutas que pouca gente conhece e que ali é apreciada é o jenipapo. Os alunos conseguiram trazer um exemplar da fruta. Lembra uma pequena pera, verde e redonda. Curiosamente, é originária da América, mas foi levada para a África.

            Foi deliciosa essa minha saga gastronômica em torno do globo a propósito da copa e os alunos participantes estão todos de parabéns! E, como disse o escritor russo Tolstói, é através de nossa aldeia que conseguimos chegar ao mundo.

 

 

 

 

 

 

sábado, 19 de novembro de 2022

A RECEPÇÃO DE DOSTOIÉVSKI NO ORKUT

 

FACULDADE INTERNACIONAL DE CURITIBA – Facinter

 

 

MARA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A RECEPÇÃO DE DOSTOIÉVSKI NO ORKUT

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CURITIBA

2010

 

 

MARA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A RECEPÇÃO DE DOSTOIÉVSKI NO ORKUT

 

 

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do título de Especialista no Curso de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Estrangeira da Faculdade Internacional de Curitiba – Facinter.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CURITIBA

2010

 

 

FOLHA DE APROVAÇÃO

 

 

 

MARA

 

 

 

A RECEPÇÃO DE DOSTOIÉVSKI NO ORKUT

 

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do título de Especialista no Curso de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Estrangeira da Faculdade Internacional de Curitiba – Facinter.

 

 

 

Aprovada em ______ / ______ / ______

 

 

 

Componentes da banca examinadora:

 

 

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CURITIBA

2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dedico este trabalho aos meus pais, Raimundo Muniz de Lima, sempre presente, e Amélia Alves de Lima, minha filha Sara Cristina, meu marido Herivelto , pessoas muito especiais que Deus colocou no meu caminho.

 

AGRADECIMENTO

 

 

Agradeço a Deus pela minha vida.

 

Aos meus familiares pelas palavras de otimismo.

 

A amiga e sábia pedagoga, Leda Pardo Casas Dias.

 

As instrutoras Shirley e Gleiciane, pelas instruções preciosas, paciência e competência.

 

Aos meus colegas do curso, pela amizade e incentivo.

 

A todos que contribuíram para que mais esta etapa fosse vencida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Só a beleza salvará o mundo” Dostoiévski

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO

 

 

 

Esse trabalho estuda a recepção de um escritor clássico, Fiódor Dostoiévski, num ambiente muito atual, a rede social Orkut. Pode-se verificar o bom nível de entendimento da obra por parte dos participantes, assim como o aprofundamento das perguntas e respostas, centradas em geral em dois romances: Crime e Castigo e Irmãos Karamázov. A comunidade do Orkut é o espaço por excelência da interação dos leitores a respeito da obra, o que gera novos significados e novos sentidos, fazendo com que a obra evolua na história, atualizando-a. Ressalte-se o bom nível dos tópicos a respeito de Fiódor Dostoiévski: são escritos em português padrão e sempre aprofundam temas a respeito do escritor. A obra é atualizada quando ela é aplicada para situações tais como as pessoas que vivem no centro de São Paulo, ou quando ela é abordada para falar da revolução russa e da luta entre capitalismo e comunismo. O autor é visto como um “totem”, algo de muito valor a ser defendido, assim como a obra é tratada como ponto de convergência e identificação pelos participantes das comunidades. A tendência, inclusive, é dos participantes não se dispersarem em quinze comunidades. A maioria participa ativamente de uma ou duas, escolhidas provavelmente pelo maior número de participações e pelo nível dos comentários, assim como possivelmente as discussões apaixonadas atraem a participação mais ativa.

 

 

 

Palavras-chave: literatura russa, redes sociais, recepção, Orkut, Dostoiévski

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

 

 

 

 

This work examines the receipt of a classic writer, Fyodor Dostoyevsky, in an environment very current, the Orkut social network. You can check the proper level of understanding of the work on the part of participants, as well as the deepening of questions and answers, focusing on General in two novels: crime and punishment and brothers Karamázov. The Orkut community area par excellence of interaction from readers about the work, which generates new meanings and new directions, causing the work evolves in history, updating it. Emphasized the good level of topics about Fyodor Dostoyevsky: are written in padronize Portuguese  and  always expand themes about writer. The work is updated when it is applied to situations such as people who live in the center of São Paulo, or when it is addressed to speak of the Russian Revolution and the struggle between capitalism and communism. The author is seen as a "totem", something very value to be defended, as well as the work is treated as a point of convergence and identification by the participants of the communities. The trend, including participants not thinly in 15 communities.  Most actively participates in one or two chosen probably by the largest number of participations and by level of comments, as well as possibly the passionate discussions attract more active participation.

 

 

 

Keywords: Russian Literature, social network, Orkut, Dostoiewsky

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LISTA DE ABREVIATURAS

 

 

-       CCAA: Centro Cultural Anglo-americano

 

-       LE: Língua Estrangeira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

INTRODUÇÃO...................................................................................................

11

 

 

1 MÉTODOS PARA O APRENDIZADO DO INGLÊS.......................................

14

 

 

2 O USO DA MÚSICA NO APRENDIZADO DO INGLÊS: ABORDAGEM COMUNICATIVA...............................................................................................

 

27

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

38

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................

40

 


INTRODUÇÃO

 

 

Essa monografia estuda a recepção do escritor russo Fiódor Dostoiévski no programa de relacionamentos Orkut. Dostoiévski é um autor bastante canônico: já escreveram sobre ele autores tais como o psicanalista Sigmund Freud, o lingüista e estudioso da linguagem Mikhail Bakhtin e, mais recentemente, o colunista da Folha de São Paulo Luiz Felipe Pondé, formado em Medicina e Filosofia. A simples menção desses nomes já serve para exemplificar que existem comentários de altíssimo nível na bibliografia desse autor, com os quais realmente é difícil rivalizar, uma vez que se tornaram clássicos ou possuem largo espaço e de ampla repercussão midiática. Portanto, escolhemos trabalhar a recepção de um clássico num meio inteiramente novo: o programa Orkut, um dos mais acessados pelos adolescentes brasileiros.

Toda obra pressupõe um leitor, que ainda hoje constitui a faceta menos estudada no tripé autor/público/leitor. O leitor, que, em conjunto, constitui a chamada comunidade interpretativa de leitores, constitui o público de uma obra e a vertente privilegiada de produção do sentido da obra literária. A informação que circula socialmente através da leitura costuma ser fundamental para definir o status de uma obra, definir se ela vende, se ela é estudada nas escolas, se faz parte do cânone, se é lida por comunidades específicas (mulheres, gays e lésbicas, imigrantes, minorias políticas ou étnicas, etc).

Para pesquisar como é recebida a obra de Fiódor Dostoiévski, serão estudadas aqui as comunidades dedicadas a ele no site de relacionamentos Orkut, ligado à multinacional norte-americana Google. A vivência do Orkut é uma vivência da pós-modernidade. As mensagens, chamadas “scraps”, comportam número limitado de caracteres. É preciso, então, ser sintético. O meio não permite muita argumentação. Em decorrência desse formato, com freqüência a postura dos participantes costuma ser bombástica: em poucas palavras, ama-se ou odeia-se intensamente, sem nuances. Trata-se, portanto, de uma tribo reunida em torno do “totem” Dostoiévski. A relação com o autor que motiva a comunidade é de adoração. Quem entra criticando ou contestando esse autor é intitulado de “troll” e corre sempre o risco de ser excluído da comunidade.

O Orkut funciona como uma rede de relacionamentos: o usuário cadastrado tem uma página pessoal, conhecida como perfil (profile). Curiosamente, há muitos perfis falsos (“fakes”), inclusive com o nome de Fíodor Dostoiévski. A partir do perfil, o usuário pode entrar em comunidades, disponibilizando dados sobre si mesmo para os outros usuários.

Mas qual a pertinência de se estudar Dostoiévski num espaço normalmente destinado ao lazer? Como o campo dos estudos literários já estudou bastante a obra em si e a biografia do autor enquanto campo de produção do sentido, avançando bastante, mas não o suficiente, existe um amplo campo para se investigar a respeito do significado de uma obra diante das novas tecnologias: sua perenidade, circulação, compreensão fora da cultura original, dramaticidade, etc. Portanto, nesse ambiente fica claro que o leitor precisa organizar o sentido. Na internet, o leitor em geral não só compreende e lê uma obra como produz textos e vídeos sobre ela: é um meio onde, visivelmente, o leitor é ativo produtor de sentido, assim como existe um intenso combate entre opiniões, argumentos, pontos de vista. É um espaço marcado pelo atrito e pela vontade de impor sua verdade, o que o torna bem diverso do ambiente acadêmico.

Na internet, na hipótese que dá nome a esse trabalho, verifica-se que os leitores devoram sem culpa ou cerimônia um leitor clássico, sentindo-o como seu, como parte de sua inteligência, refinamento ou cultura. Eles expõem essa leitura e as manias e hipóteses em torno dela como exposição de suas pessoas, como parte de seus egos. Não se pode esperar desses leitores uma postura como a de Freud, que comentou longamente Dostoiévski para, finalmente, concluir que existia um Complexo de Édipo em sua narrativa, representado pela fraqueza que os heróis de Dostoiévski manifestavam diante dos pais. A partir daí, Freud concluiu que não gostava verdadeiramente dele. No entanto, Freud fez parte da impressionante fortuna crítica de Dostoiévski, bibliografia que justifica a escolha de seu nome para ter a recepção estudada.

Como esse clássico é recebido? O que os adolescentes comentam a respeito do autor e de seus livros? Qual é sua repercussão e qual a natureza dos comentários, assim como quais as temáticas que mais ocorrem neles? Qual é o perfil dos comentadores de Dostoiévski no Orkut? O tema da recepção de um autor como Dostoiévski não pretende aprofundar teorias abrangentes sobre o autor e sim pesquisar como ele é recebido num meio nada tradicional de relacionamento, voltado, inclusive, para o entretenimento.

Estudar a linguagem utilizada pelos comentadores desse escritor e seu grau de conhecimento dos assuntos propostos. Estudar como se dá a recepção de um autor clássico em um programa de relacionamento onde a maioria dos participantes são jovens. Verificar como a obra é entendida e qual o grau de compreensão explicitado pelos componentes das comunidades.

Cada vez mais, para todos os tipos de profissionais, é preciso se inteirar das novas tecnologias. Para os profissionais da área de Letras, área bastante tradicional, ganhar a atenção dos alunos nas aulas é essencial, daí a necessidade premente de que estejam atualizados com o que está se passando nesses meios.

A pesquisa permite traçar estratégias de uso do Orkut como um suporte para aulas de literatura, assim como abre o site de relacionamentos enquanto um espaço não a ser pesquisado enquanto espaço privilegiado da esfera pública. Os professores poderão orientar-se e refletir a partir desse tipo de pesquisa, assim como os alunos poderão aumentar e estender seu campo de interesse pela literatura, através da descoberta de autores novos, assim como também podendo melhorar o nível de debate em tais fóruns, através da conscientização da linguagem usada pelo meio e de suas características.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 DOSTOIÉVSKI VAI À PRAIA: NOTAS SOBRE A RECEPÇÃO DO AUTOR CLÁSSICO NO ORKUT

 

 

Nesse trabalho, a investigação foi realizada a partir da seleção e do estudo das comunidades que tratam do escritor Fiódor Dostoiévski no Orkut. Esse software social foi analisado do ponto de vista dos conteúdos postados (GUINSKI, 2008).

As novas tecnologias de informação e comunicação têm criado novas relações com a informação e o conhecimento. Existe, atualmente, quase que um novo paradigma informacional, sustentado por ferramentas como blogs, wiki, podcasts e os chamados softwares sociais, tal como o Orkut (GUINSKI, 2008).

Existe, portanto, um novo paradigma na área das comunicações, demandando também novas teorias e novas pesquisas, para além dos estereótipos disseminados pela mídia. As Ciências Humanas e Letras precisam investigá-lo. Os softwares sociais, as chamadas redes sociais, possuem características bastante específicas em sua troca de informações e, em geral, agrupam predominantemente os jovens. As faixas etárias acima de quarenta anos são bem mais raras nessas redes sociais (GUINSKI, 2008).

Aqui se vai analisar a recepção de uma obra clássica num software social específico, o Orkut. Nele, o estudo irá ser focado nos participantes e nos conteúdos postados. Criado por Orkut Buyokkoten, um engenheiro turco, o site Orkut foi criado em 22 de janeiro de 2004 e tornou-se um sucesso no Brasil. Através dele, os participantes podem criar e trocar informação de forma fácil e rápida (GUINSKI, 2008).

No Orkut, o participante deve criar uma rede social ou comunidade virtual. A comunidade virtual é como uma rede eletrônica de comunicação definida por si mesma, organizada em torno de interesses e finalidades. Em alguns casos, a própria comunicação se torna o objetivo central (GUINSKI, 2008).

Nas redes sociais, o conteúdo é majoritariamente fornecido pelos participantes. É um campo importante para a recepção, para a idéia de que o espectador é que faz a arte. No século XX, essa temática entrou em evidência. A arte passou a exigir a participação do receptor. A pesquisa, aqui, tratou de saber, conforme a estética da recepção, de como o leitor de hoje (em boa parte, jovem) em dia constrói o sentido para uma obra produzida há mais de um século. Conforme a teoria da recepção desenvolvida por Hans Robert Jauss, pode-se dizer que:

 

Nessa teoria, o leitor passa a ser o agente ativo na elaboração de sentido e, por conseguinte, na construção final da obra (...). As teorias concentravam-se no modo como o texto é recebido pelo leitor seu contemporâneo, bem como seu reflexo na evolução da obra no tempo (...). O teórico alemão determina que a relação receptor/obra é dialógica, ou seja, a cada nova leitura acontece uma atualização da obra, fator responsável pela perpetuação histórica do texto.

 

Em outras palavras: o leitor que freqüenta a comunidade do Orkut de Dostoiévski não é só receptor, mas produtor e atualizador do sentido. Para essa vertente, o sentido não está pronto na obra, podendo ser colhido por um crítico que decifra seu segredo, mas será dado pelo leitor. Assim, quem lê Dostoiévski na atualidade e posta na comunidade do Orkut ajuda a formar o conceito contemporâneo a respeito desse autor, assim como reflete a evolução da obra no tempo. A leitura dos jovens da era da internet será diferente da leitura de Camus e Sartre, por exemplo, nos anos 50. O texto continuou historicamente justamente porque existiram leitores que fizeram essa atualização. A seguir, Gunski introduziu conceitos de Gadamer e Jauss:

 

 Um dos pontos principais do trabalho de Jauss é a ideia de que a obra é um espaço em que o leitor/obra/autor se encontram. Em outras palavras: é o encontro dos três processos – produção (poiesis), recepção (aisthesis) e comunicação (catarsis) – da experiência estética. O teórico assume que desenvolveu seu trabalho a partir das concepções criadas por Hans-Georg Gadamer (Hermenêutica Literária), que sustenta que o significado da obra não se esgota nas intenções impostas pelo autor, ela adquire novos significados por meio de novas leituras –novos contextos históricos, muitas vezes não esperados pelo autor ou mesmo por seu público contemporâneo. Nesta teoria, o leitor é tratado como instância constitutiva da obra, ou seja, o receptor deixa de ser considerado destinatário passivo para tornar-se agente ativo, que participa na elaboração do sentido e, por extensão, na construção final da obra (GUINSKI, 2008, p. 102).

 

Ora, a comunidade de Dostoiévski no Orkut é justamente um lugar do encontro: ali, os leitores se encontram com outros leitores da obra, leitores iniciantes encontram leitores já experientes; o autor não está presente, uma vez que o autor biográfico morreu há dois séculos, mas sua biografia faz o papel de “autor”. No entanto, estão ali os leitores atualizando a obra. Há leitores que fazem correlações entre o que lêem em Dostoiévski e a sua própria experiência biográfica no centro de São Paulo, enquanto há outros que relacionam a obra a filmes e peças teatrais, além de outras obras literárias, do século XIX ou contemporâneas.

 Assim, na comunidade de leitores de Dostoiévski, os leitores trocam experiências de recepção da obra, daí sua riqueza para esse tipo de estudo aqui presente. Fica claro, ao acompanhar uma comunidade de leitores que trocam informações, sensações, impressões e dicas sobre uma obra literária, que ali estão sendo gerados novos significados, novas leituras, novos contextos históricos, muitos ainda impensados. Um exemplo é o leitor que relaciona a obra de Dostoiévski com a história da revolução russa e o stalinismo, assim como O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, livro de Lênin, com Os Demônios, de Dostoiévski. Esse tipo de leitura é inusitada, tanto porque Dostoiévski adotou, no final da vida, uma ideologia conservadora e a favor do czar russo, quanto Lênin e Stálin não consideravam a obra de Dostoiévski como a de um escritor em consonância com o que pensavam. Existe, no entanto, pertinência nesse tipo de aproximação, tendo em vista a importância de Lênin e Stálin para a história da esquerda do século XX. Quando a obra de Dostoiévski é aproximada com autores que o sucederam, pode-se também avaliar possíveis influências dele, ou seja, uma evolução histórica da obra no decorrer do tempo. Com certeza, aproximando Dostoiévski do outros autores, em geral posteriores, se está fazendo uma atualização histórica rica da obra, vendo como aspectos dela desdobram-se na obra de outros autores. Pode-se, então, facilmente, buscar uma relação entre a obra de Dostoiévski e outros autores citados numa comunidade de leitores, pois é bem possível que a correlação seja pertinente e existam, de fatos, elementos em comum.

A participação do receptor pode ser passiva: ele pode contemplar, perceber, imaginar, etc. Assim como pode também ter participação ativa: explorar, manipular o objeto artístico, interferir nele, modificar-se. É possível, então, uma arte cinética, ou seja, uma relação recíproca entre o usuário e o sistema inteligente. A obra de Mikhail Bakhtin inaugura o dialogismo:

 

Todo signo resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação (…) que não deve ser dissociado da sua realidade material, das formas concretas da comunicação social (BAKHTIN, 1976, p. 112).

 

No fragmento acima, Bakhtin quer dizer que, para termos um símbolo (signo), é preciso um grupo de indivíduos que esteja conferindo um sentido a esse símbolo. Um grupo que precisa estar de acordo a respeito do que significa aquele símbolo. Então, para comunicar e simbolizar, que são processos que a literatura faz, é preciso recorrer à realidade das instituições, à realidade social e material, ou seja, das formas como concretamente se comunica na vida em sociedade.

            Assim, o romance de Dostoiévski rompe com o monologismo, ou seja, como o romance onde o narrador era uma voz que se sobrepunha às demais, privilegiando uma só visão de mundo em detrimento de todas as dos demais personagens. A partir de agora, cada personagem tem uma diferente visão de mundo: Alieksiei é místico religioso, Ivã, cético e ateu, e por aí vai. Eles são respeitados em sua visão específica do mundo e não são julgados ou submetidos a um narrador preponderante e que imporia sua visão de mundo. Portanto, a partir da intertextualidade e do dialogismo, pode-se subentender que cada palavra comporta duas faces: ela vem de alguém e se dirige para outro alguém. Ela não existe sem a interação do locutor e do ouvinte. Ela serve de expressão de um em direção ao outro. A palavra possibilita uma definição em relação ao outro.

            A palavra serve de uma ponte entre um e outros. A palavra é um território comum entre locutor e interlocutor. As unidades lingüísticas são neutras, não possuem autor e não admitem algo que se possa chamar de resposta. No entanto, os enunciados são autorais, são destinatários e também trazem juízos de valor, que em geral são culturais.

            A fala movimenta as transformações da linguagem. Já a palavra está em outra arena, é o lugar dos confrontos entre valores sociais dissonantes e diversos. Os conflitos lingüísticos, para Bakhtin, espelham os conflitos entre as classes sociais. (BAKHTIN, 1979, p.114).

            Existe, portanto, um falante e um ouvinte no processo dialógico que envolve a linguagem. A partir de Dostoiévski, passa-se em falar em obras intertextuais ou seja: todas as obras são compostas não de um texto só, mas muitos outros textos que atravessam essa obra, abrindo inúmeras possibilidades de sentido. As obras são vistas como inacabáveis, ou seja, não é possível dar delas uma interpretação só, uma vez que são compostas de inúmeros textos. Não existe, então, a possibilidade de se fazer uma leitura só e definitiva desses textos. Eles são abertos a inúmeras leituras, que se atualizam conforme o leitor e a época histórica.

A esse inacabamento se dá o nome de abertura dialógica. O dialogismo abrangeria todas as artes, além do texto (visuais, musicais, simbólicas. Eles prenunciam o conceito de intertexto, novo modo de leitura faz com que a linearidade do texto seja rompida. O texto é composto de coisas já ditas, organizadas, fragmentos textuais, ou seja, não são simplesmente palavras. O vocabulário de uma língua seria a soma de todos os textos existentes (BAKHTIN, 1979, p. 110).

Roman Jakobson e o chamado Círculo Linguístico de Praga estabeleceram, nas década de 20 do século passado, a teoria das funções da linguagem. Existe a linguagem prática e emotiva, orientada para o significado, assim como a função poética, expressa como orientação para o signo enquanto tal. A linguagem tem seus fundamentos na situação comunicativa: o remetente, o destinatário e o discurso, permitindo estabelecer usos e funções das linguagens verbais e não-verbais. Dostoiévski seria um texto intertextual por excelência, realizando intertextualidade com a Bíblia, Schiller, Niekrássov, Shakespeare, dentre outros textos (BAKHTIN, 1979,  p. 99).

Existem doze comunidades que tratam de Dostoiévski no Orkut. Existe uma desigualdade entre o número de membros das comunidades. A maior tem 24. 288 membros. Nessa comunidade, a maior, uma frase serve de epígrafe: “E repetia Dostoiévski loucamente fora de si: a beleza salvará o mundo”. Uma segunda tem 2.718 membros, quase que apenas um décimo da outra; a terceira tem 1.230, a quarta tem 135 (também quase um décimo da outra), a quinta 178, a sexta, 24 membros, a sétima, 19, a oitava, oito, a nona, dez, a décima, 6. A partir daí, as demais (10 a 15) têm menos de cinco membros (ORKUT, 2010).

Aqui, o estudo vai se concentrar na maior comunidade, a que tem por volta de vinte mil membros e na qual existem postagens desde 2004. A primeira postagem é sobre o livro Crítica e Profecia, texto acadêmico de Luiz Filipe Pondé. Logo a seguir existe uma postagem sobre Os Demônios, então relançado. A linguagem dos participantes, embora jovens, é próxima do padrão e eles não usam abreviações. O nível de conhecimento da obra é bom. Comenta-se textos teóricos acadêmicos com certa freqüência: um dos primeiros a ser citado é Luiz Filipe Pondé, estudioso de Ciências da Religião na PUC-USP, mas existem comentários sobre Bakhtin e sobre a biografia do escritor, escrita pelo acadêmico Joseph Frank, dentre outros (PONDÉ, 2003, p. 170).

Cita-se, por exemplo, uma palestra de Boris Schnaiderman sobre Dostoiévski acontece no Rio de Janeiro em 2004, e é comentada por uma dos participantes (“Grazi”). Como um conhecedor da “essência do homem”, Dostoiévski teria feito profecias, não como vidente, mas como profundo entendedor da natureza humana (PONDÉ, 1976, p. 98).

A posição de Pondé já é uma atualização de Dostoiévski e indica dele um certo uso: o autor russo é usado para criticar a esquerda contemporânea, os relativistas culturais e os defensores das minorias. Essa vertente é hegemônica dentro das universidades, mas ao mesmo tempo, Pondé também é acadêmico, o que o coloca numa posição ao mesmo tempo defensiva e saudosista e agressiva que busca agregar simpatizantes para sua visão de mundo através, inclusive, de sua coluna na Folha de São Paulo. Pondé faz, da consagrada obra de Dostoiévski, um determinado uso: ele o faz para criticar uma determinada vertente de pensamento cultural e político, a esquerda multiculturalista presente nas universidades. Existe, por outro lado, um crítico tal como Fredric Jameson e que acredita que Dostoiévski critica também o capitalismo. Essa visão encontra subsídio também na obra, uma vez que o principal vilão de Irmãos Karamázov, Fiódor Karamázov, é quase que o estereótipo de um empresário hedonista e corrompido (PONDÉ, 2003, p. 171).

Para se ter idéia do nível de detalhamento dos comentários, fala-se sobre um trecho de Os Demônios que foi suprimido originalmente e incluído apenas a posteriori. É uma passagem chamada “Confissões de Stavroguine”. Nessa passagem, o personagem conta que violentou uma garota chamada Matriocha e sente-se atormentado pelo crime. Essa passagem foi considerada excessiva e foi retirada pelos editores de Dostoiévski, mas foi republicada junto ao texto como um apêndice (PONDÉ, 1976, p. 90).

A explicação a respeito do assunto é a seguinte: em fins de 1871, quando concebia freneticamente seu livro "Os Demônios" (que também já teve uma tradução brasileira como "Os Possessos") - que à medida que ia sendo escrito era publicado, como folhetim, no jornal "Mensageiro russo" - Fiodor M. Dostoievski teve um problema com seus editores que o aborreceu muito. O compreensivo Katkov, que tantas vezes o salvara financeiramente com adiantamentos na longa temporada na Europa, e o editor-assistente Liubimov rejeitaram, por terem considerado imoral, o capítulo que o então já consagrado autor de “Crime e Castigo” e “O Idiota”, entre outras obras-primas, intitulara de “A confissão de Stavroguine”. Em uma matéria do jornal O Globo, intitulada O Maior Crime do Mundo, Cecília Costa explica:

 

Na opinião de Dostoievski, para o melhor entendimento do caráter de seu protagonista pelos leitores do jornal, era fundamental a publicação desta confissão, na qual o diabólico rapaz revelava o crime bestial que cometera em São Petersburgo, anos atrás, e que vivia a torturar a sua mente. Filho mimado da rica Varvara Pietrovna, a dona toda poderosa da cidadezinha provinciana na qual viviam, o que o tornava um príncipe local, o enigmático Stavroguine, descrito como um homem de beleza estonteante, mas cruel (não há nenhum rosto como o de Stavroguine na literatura ocidental), era o líder de um grupo de radicais niilistas, que queriam usá-lo, após a derrocada do sistema, como o Czar oculto. Ou seja, após a anarquia preconizada por Bakunin, o belo rapaz seria indicado por seus comparsas políticos como o ser especial que um dia, ao assumir o poder que lhe era devido pelo Czar usurpador, traria harmonia e prosperidade para a toda a Rússia, uma verdadeira Idade do Ouro, por ser o tão ansiosamente aguardado novo Cristo enviado à Terra (COSTA, 2003, p. 1)

 

 

 

Na passagem acima tem-se vários temas tipicamente dostoievskianos: a crítica aos militantes que combatiam o autoritarismo do imperador da Rússia, chamados então de niilistas, por promoviam a luta armada contra a ditadura czarista, com os quais Dostoiévski teve contatos em uma fase de sua juventude. Outro tema, que se tornou famoso devida à passagem a respeito do Grande Inquisidor em Os Irmãos Karamázov, e que é recorrente em Dostoiévski, é a possível volta de Cristo à Terra.  O tema da violência contra as crianças também é constante. Por que em Dostoiévski existe o questionamento indireto: que Deus é esse que permite o sofrimento das crianças? Esses temas todos perpassam essa confissão acima referida, mas também em outros livros de Dostoiévski existem passagens semelhantes:

 

 Assim como está em “Crime e castigo” um outro estupro de menina. Aquele que foi cometido por Svidrigailov, o patrão da irmã de Raskolnikov que sempre quis seduzi-la, mas sem sucesso, e que também sofria por causa de um crime praticado no passado. Numa cena terrível do livro, quase tão terrível quanto o assassinato de velha agiota e de sua irmã Lizavieta por Raskolnikov, o lascivo Svidrigailov, atraindo Dunia a seu quarto com a promessa de que estaria disposto a ajudar o irmão criminoso, tenta currá-la, trancando a porta. Presa, a jovem se defende de todas as maneiras com a força moral que escondia em seu corpo frágil. Após ameaçá-la com a morte, o ex-patrão entrega a Dunia sua arma, pedindo que o mate. Preferia morrer a não possuí-la. Mas Dunia erra os tiros. A aversão da única mulher pela qual realmente se apaixonara levará Svidrigailov a suicidar-se. Momentos antes de matar-se sonha com a menina de 13 a 14 anos que se jogara num rio depois de ter sido violentada por ele e, também em sonhos, tem uma chocante visão, a de uma garotinha de apenas 5 anos cujo rosto delicado e puro se transforma, de súbito, no de uma cortesã debochada e lúbrica (COSTA, 2003, p. 1).

 

A recorrência do tema da paixão por garotas em tenra idade nos romances de Dostoiévski, num tempo (século XIX) onde essa prática ainda não era repudiada com o vigor que é hoje, faz com que jornalistas, escritores e estudiosos levantem a respeito inúmeras hipóteses: se Dostoiévski era pedófilo, se sua intenção era chocar, etc. No entanto, o artigo de Cecília Costa adota uma explicação baseada na biografia do escritor realizada por Joseph Frank (que analisou a infância de Dostoiévski, principalmente, à luz de Freud):

 

Seria Dostoievski um pervertido, violentador de garotinhas? Antes de morrer, em 1881, o escritor chegou a sofrer acusações neste sentido. Houve até uma versão de que a confissão de Stavroguine na realidade seria dele, tendo sido feita a Turgueniev (um inimigo literário). O assunto deu muito pano para mangas e trabalho a teóricos de literatura e biógrafos, mas posteriormente foi totalmente esclarecido, sendo descartada de vez a hipótese de estupros de garotinhas cometidos pelo próprio Dostoievski, que, é bem verdade, gostava de mulheres jovens, mas na faixa dos 20 anos (sua segunda mulher, Anna Grigorievna, tinha 21 anos quando ele a conheceu, aos 45 anos). No quarto volume da magistral biografia de Joseph Frank sobre o autor russo — “Dostoievski — Os anos milagrosos (1865-1871)”, editado no Brasil pela Edusp em maio — encontramos a explicação para a monomania dostoievskiana. Quando menino, no hospital no qual morava — o pai, o severo Mikhail, era médico em Moscou — Dostoievski brincava muito com a filha do cocheiro no bosque em frente. Esta menina, com apenas 9 anos, foi violentada e morreu de hemorragia, apesar dos esforços para salvá-la do dr. Mikhail (COSTA, 2003, p. 1).

 

É curioso como acima se apresenta um tema que tem sido muito explorado pelo noticiário depois da morte da menina Isabela Nardoni: a violência cometida, especialmente pelos pais, contra as crianças. Isso mostra, portanto, a capacidade de um autor do século XIX de tangenciar questões atuais, muito exploradas na mídia (COSTA, 2003).

Muitos tópicos também tratam de “por onde começar”, onde os leitores mais experientes da comunidade auxiliam os que estão se iniciando os que estão se iniciando na leitura de um autor que, além de clássico, ou seja, já consagrado pela crítica, público e estudado em universidades de todo o mundo, é também uma leitura que é descrita com adjetivos tais como “densa”, “difícil”, “exige maturidade”. O livro recomendado para os inciantes é “Nietótchka”. Discute-se também temas delicados como o antissemitismo de Dostoiévski, que alguns participantes julgam normal em seu tempo e outros estranham.  A identificação com os personagens de Dostoiévski provocando reações apaixonadas também é outra constante, como nesse depoimento de um participante da comunidade chamado Nelson:

 

Meu primeiro livro de Dostoiewsky foi Crime e castigo, isso em 92. Eu morava perto da estação roosevelt, numa daquelas pensões que nem sei se existem hoje. recém o crack estava chegando ao Brasil e ali não era a "cracolandia" ainda. Na época eu trabalhava em construção. Os personagens de Dostoiewsky perambulavam pelas ruas: assassinos, suicidas, prostitutas, gente desesperada. O choque foi imenso. Pensar que aquelas pessoas tinham uma alma sofredora e por vezes terna, como os personagens de Fiodor! Posso dizer que nunca mais a minha visão de mundo foi a mesma (NELSON, ORKUT, 2010).

 

A partir desse comentário acima é que se pode ver que um certo realismo crítico de Dostoiévski, muitas vezes ausente da televisão brasileira, seduz e encanta pela possibilidade da reflexão e da identificação com personagens próximas da realidade que se vive. O participante sente os personagens como pessoas próximas, pessoas que perambulavam desesperadas ali perto dele e isso modifica sua visão de mundo para melhor: ele se torna, pelo que escreveu acima, mais consciente, mais crítico e compreensivo de sua própria realidade. Aparentemente, teve forças para transformar sua realidade, pois saiu daquele ambiente que comenta acima, possivelmente para uma vida um pouco melhor. Esse também é mais um ponto que ajuda a esclarecer a preferência dos participantes por Crime e Castigo (ORKUT, 2010).

Nessas comunidades, não se utiliza as abreviações comumente usadas na internet. O português é bem próximo do português padrão e os comentários se estendem, citam trechos de obras, traduções, palestras, filmes e peças baseados na obra, textos acadêmicos ou teóricos e ainda biografias (ORKUT, 2010).

Nesse trabalho, iremos nos concentrar em uma só comunidade, a de vinte mil membros, de onde as citações dos tópicos abaixo foram retiradas. No entanto, há quatorze outras comunidades. Na de dois mil membros, que é a segunda mais freqüentada, os tópicos são bem mais assemelhados aos tópicos mais frequentemente encontráveis no Orkut, com mensagens rápidas e sintéticas:        

 

Eurípides e Dostoiévski. No início do ano li Crime e Castigo e agora estou lendo/estudando Orestes de Eurípides estou impressionado com a semelhança dos tormentos sentidos por Raskolnikov e Orestes. Embora o russo tenha matado uma usurária e o grego a própria mãe, o tormento pelo crime é corrosivo. Nada como ter uma consciência leve (JADIR, ORKUT, 2010).

 

Aqui, o participante relatava verdadeiramente estudar o romance, que de fato é uma necessidade, no caso desses textos clássicos. Ele o compara com as tragédias gregas de Eurípides. Isso demonstra que o repertório dos participantes não é pequeno e não se atém a Dostoiévski. Os participantes mostram conhecer outros autores clássicos, tais como os autores das tragédias gregas (como acima ficou demonstrado) e outros como Thomas Mann e Kafka (Orkut, 2010).

Em se tratando da comunidade de 1.231 membros, apenas três tópicos alcançam mais de dez participações: Vc sabe alguma frase de Dostoiévski? (21 comentários), O Idiota (18 comentários), Os Demônios (12 comentários) (ORKUT, 2010).

A comunidade de 135 membros, também em homenagem a Dostoiévski, abre-se com um trecho que narra um episódio dramático da vida do escritori: condenado por ter protestado contra o Czar, num tempo de monarquia absolutista na Rússia, foi condenado à morte, mas a pena foi comutada em prisão perpétua na última hora. A cena foi assim apresentada na abertura da comunidade:

 

A data é 22 de dezembro de 1849. Seis horas da manhã. Neve sobre a praça. Ao fundo, o palanque armado. Um a um, vestidos de estopas, os prisioneiros vão-se postando junto ao velho muro. Os tambores, num ritmo grave e lento, acompanham-lhes o andar. A multidão contida e curiosa observa. Os guardas preparam as armas; os prisioneiros se preparam para entregar o corpo ás balas. Silêncio... De repente, um toque de clarim. O ritual se interrompe: impassível, o auditor imperial anuncia que a pena de morte foi comutada, mercê do imperador, em prisão perpétua com trabalhos forçados na Sibéria. Os condenados choram de emoção e alegria. Antes perder a liberdade por algum tempo que a vida sem remissão. Dentre os que agradecem pela comutação do castigo um sente com mais força a nova possibilidade de viver: Fiódor Mikháilovitch Dostoievski, o escritor (MATEUS apud ORKUT, 2010).

 

Nessa comunidade, gerenciada por Mateus, nenhum tópico chega a ter mais de dez comentários, o que mostra que, numa comunidade mais numerosa, são igualmente mais numerosos os participantes ativos; é incomum no Orkut uma comunidade de interesses reduzida e interessada. Muitas pessoas entram nas comunidades, buscando assuntos que conhecem ou se interessam, ou mesmo fazer amigos, mas não se ocupam verdadeiramente de participar nelas e movimentá-las. Nas demais comunidades, os tópicos vão rareando. Nas que possuem menos de cem participantes, algumas possuem apenas um tópico ou nenhum (ORKUT, 2010).

 

 

2.1 Memórias do subsolo: nível de aprofundamento dos participantes

 

 

O nível de conhecimento dos participantes da comunidade mais numerosa (24.288 participantes) é bom e com freqüência os tópicos aprofundam vários temas ligados ao universo de Dostoiévski. O estilo de Dostoiévski é descrito como “inconfundível” e seus personagens são “atormentados”. Um comentário que cita um teórico acadêmico é o seguinte, de autoria de uma participante chamada “Cristiane”:

 

Não sei se já rolou essa discussão aqui, mas considero um dos melhores livros para entender o nosso autor o "Problemas da Poética de Dostoiévski", do russo Mikhail Bakhtin. Ele mostra, com sua teoria sobre literatura carnavalizada, toda uma tradição literária impregnada da cultura popular desde a Antiguidade e que explica certos elementos tão próprios de Dostoievski como a independência e força dos personagens (romance polifônico); as cenas de catarse final, que seriam como a "praça pública" do carnaval; a presença de personagens histriônicos; os contrastes; os personagens "duplos" etc. Leitura fundamental! Outro texto bom é o do Carlos Nelson Coutinho (não tenho a referência agora, mas depois coloco aqui). Bom também é o de Georg Lukács, um artigo do livro "Ensaios sobre Literatura" (Civilização Brasileira, 1968). Ele aborda a questão do novo homem que surge no século XIX e compara o personagem de Raskolnikov com o Rastignac, de Balzac. Sobretudo por ambos se espelharem em Napoleão (GRAZI apud ORKUT, 2010).

 

O romance Crime e Castigo, citado acima, é, juntamente com Irmãos Karamazov, o romance mais lido e debatido nessas comunidades. Aliás, o autor é tratado com intimidade pelos participantes. Há quem pergunte se tem parentes vivos. Alguns dos participantes chamam-no de apelidos: “Dótski” e “Dosto”, como se fosse alguém conhecido ou familiar, ou chegam a imaginar que Dostoiévski profetizou a revolução russa em Irmãos Karamázovi. A comunidade consegue uma grande interação audiovisual: é uma tribo que busca associar o seu “totem” a muito material audiovisual, muitas peças e filmes. Associa-se Dostoiévski a filmes como Taxi Driver e cita-se inúmeras adaptações de sua obra para o teatro, entre as quais algumas que têm um nome curioso, tais como “Dostoiévski vai à praia” (ORKUT, 2010). Um exemplo da interpretação que uma leitora, Tânia, faz de Taxi Driver:

 

Gostaria de saber se alguém mais observou a semelhança entre o filme de Scorcese e o romance de Dostoievski. Há, ao menos, diversos elementos do romance russo no filme: o personagem principal solitário, cultivando um crescente desprezo pelo mundo, o moralismo(do personagem), o quarto apertado, a cidade imunda....Então, acho que a semelhança entre as obras esta mesmo no ambiente retratado. Em ambas, surge o mundo moderno, onde caem por terra quase todos os pontos de referencia e contra o qual o personagem se revolta. Ele ve, talvez, essa situaçao como uma especie de sujeira. A bagunça da grande cidade reflete um pouco essa falta de um ponto de referencia unico. Tanto o personagem de dostoievski como o de scorcese me parecem pessoas rigidas demais em seus valores e julgamentos (geralmente radicais) para aceitar essa nova situaçao.São reaçoes conservadoras a modernidade. om, nao sei, essa foi minha interpretação (Tânia, apud: Orkut, 2010).

 

São comuns, também, os paralelos entre Dostoiévski e outros escritores e filósofos, assim como considerações que aproximam sua obra de fatos históricos. Um participante aproximou Nelson Rodrigues e Dostoiévski, dizendo que a passagem abaixo de Dostoiévski é “puro Nelson Rodrigues”.  Relaciona-se, a seguir, Dostoiévski e Nelson Rodrigues com um diálogo de O Eterno Marido, livro de 1870. O trecho se chama: Ou Vais ou Te Parto a Cara:

 

- Poderá compreender-me?

- Para isso vim aqui, para compreendê-lo.

- Então começo por lhe dizer que você é um canalha! - exclamou Veltchaninov com voz estrangulada.

- Se começa assim, como acabará? - tentou protestar Pavel Pavlovitch, evidentemente muito assustado, mas Veltchaninov, sem o ouvir, prosseguiu berrando:

- Sua filha está morrendo, está doente: você a abandonou ou não?

- Está morrendo mesmo?

- Está doente, doente, gravemente doente!

- Com certeza algum pequeno acesso...

- Não diga tolices! Ela está gravemente doente! Você devia ter ido, quando mais não fosse...

- Para agradecer, para agradecer à hospitalidade deles! Entendo perfeitamente! Aleksei Ivanovitch, meu querido, perfeito amigo – subitamente agarrou a mão do outro entre as suas, e com sentimentalismo de ébrio, quase em lágrimas, como se lhe implorasse perdão, bradou:

- Aleksei Ivanovitch, não berre, não berre! Se eu morrer embriagado no Neva, que importância isso pode ter nas atuais circunstâncias? Temos muito tempo para ir à casa do Sr. Pogoreltsev... (DOSTOIÉVSKI, 1976, p. 5)

 

O que se compara, suponho, é a dramaticidade da situação, assim como dois temas que também são caros a Nelson Rodrigues: 1) conflito familiar; 2) a figura do homem mau caráter, degradado, que faz mau aos outros, o canalha, como acima o homem que, bêbado, recusa-se a ir ver a filha gravemente doente, abandonando-a. O seguinte tópico ilustra o alto nível de entendimento dos participantes da comunidade mais freqüentada do Orkut propondo enquetes. As enquetes foram as seguintes:

 

Em "O idiota", qual o personagem mais excêntrico criado por Dostoiévski? Teria sido Raskonikov um fraco por não ter suportado a culpa pelo crime, por ter se deixado abater;

Qual o livro mais longo, o que se gasta mais tempo para ler?

Quais das seguintes obras do Dostoeivski você já leu?

Qual a teoria desenvolvida por Raskolnikov em crime e castigo?

Com qual dos Karamázovi voce mais se identifica?

Porque Os Demonios de Dostoievski não é comentado nem devidamente reconhecido?

Qual o melhor livro de Dostoievski?

Quais os momentos mais marcantes de "Os irmãos Karamazov"?      

Qual o seu personagem preferido em Crime e Castigo? (RODRIGO apud ORKUT, 2010).

 

Um exemplo de como são os resultados das enquetes acima: quando se trata da pergunta: em O Idiota, qual o personagem mais excêntrico criado pelo Dostoiévski? O protagonista desse romance, o príncipe Míchkin, empatou com Natássia Filippovna. Em segundo lugar, vieram Epantchin e Gavril Ardaliónovitch, apelidado de Gánia.  Os participantes não só votam na enquete como comentam sua escolha. Foi o caso da participante que comentou que acha que o personagem mais excêntrico é o general Ivolguin: “Esse personagem (general Ívolguin) é hilário. Eu gosto da parte que ele guia o príncipe para a casa de Filippovna e fica gritando o tempo todo: “O general Ivolguin e o príncipe Michkin!”(LEONARDO apud ORKUT, 2010).

Assim, Dostoiévski consegue obter uma recepção por parte dos participantes do Orkut: eles se identificam com determinadas passagens e encontram no site um espaço de encontro e participação. Como ele é um clássico, ele é muito lido, os seus livros estão disponíveis em várias edições, assim como sempre estão presentes em bibliotecas, tanto públicas quanto privadas. Dostoiévski atinge inúmeras faixas de cultura e classes sociais, portanto. Ele interessa desde os pensadores da Escola de Frankfurt quanto os estudantes de Direito seduzidos pelo tema do crime e do castigo presentes no título do famoso romance. Pode-se ter facilmente, a respeito de Dostoiévski tanto a opinião do leitor iniciante, que pede dicas ou opiniões numa primeira leitura ainda inexperiente e sem instrumentos de análise crítica, tanto como basta procurar um volume, por exemplo, de Adorno na coleção Os Pensadores que se terá uma análise que passa por Dostoiévski:

 

Não está excluída da crise da objectualidade literária a esfera da psicologia na qual justamente aqueles produtos se instalam como se fosse em casa, embora com pouca sorte. Também ao romance psicológico puxaram o tapete no que diz respeito a seus objetos: com razão observou-se que, numa época em que jornalistas extasiavam-se com os feitos psicológicos de Dostoiévski, a ciência, sobretudo a Psicanálise de Freud, há muito já tinha deixado para trás aqueles achados do romancista. Aliás, com esse louvor retórico, errou-se o alvo de Dostoiévski: na medida em que nele realmente existe psicologia, ela é uma psicologia do caráter inteligível, da essência, e não do ser empírico, dos homens, como eles circulam por aí.  E exatamente nisso Dostoiévski é avançado (ADORNO, 1980, p. 270).

 

Assim, é muito curioso tratar tanto do Orkut quanto de um teórico tal como Adorno, considerado dos mais complexos.  Curiosamente, a comunidade do Orkut acompanha os tais jornalistas citados por Adorno: nela, Dostoiévski é muito elogiado enquanto autor que investiga a mente humana, ou seja, um autor psicológico. Não se cogita a possibilidade de Freud tê-lo superado em seus estudos psicológicos, como faz o autor alemão acima. No máximo, comenta-se, elogiosamente, que Freud leu e – em geral acrescenta-se -- teria sido influenciado pelo autor russo. O que se pode explicar é que, enquanto Freud faz o estudo da mente, Dostoiévski estuda o caráter das pessoas, aquilo que se pode entender e debater e que emana desse caráter: se um é fanático religioso, se outro é ateu entusiasmado, etc.

Dentre os seus admiradores, verificou-se que Dostoiévski é uma matriz para poder ter acesso a todo um conjunto de produtos da cultura. Essa posição central e fecundante é a posição do autor russo nessa comunidade: ele franquia os participantes a todo um mundo de sofisticação e cultura.

Um tópico que relaciona Dostoiévski com outros escritores é chamado: “Quem gosta de Dosto, também gosta de”: o primeiro autor a ser citado é Thomas Mann. Cita-se também Kafka, cuja relação com Dostoiévski é estabelecida da seguinte forma:

 

Kafka .... o estilo é diferente, mas tem a semelhança de fazer o leitor sentir o que o personagem está sentindo ... Dele, eu só li "O Processo" e acho interessante comparar este livro com "Crime e Castigo", há algumas situações parecidas, por exemplo, a sensação que os protagonistas sentem quando estão nos ambientes judiciários ... é um ângulo de visão diverso ... (talvez complementares?) além do mais, Kafka foi influenciado por Dostoievski segundo li e tenho esta impressão quando comparo as duas obras (ALAN, apud: ORKUT, 2010).

 

            Portanto, existe uma relação entre Kafka e Dostoiévski e que é tecida cuidadosamente: o estilo é diferente, mas Dostoiévski e Kafka conseguem fazer o leitor sentir o que o personagem está sentindo, ou seja, sua capacidade de produzir identificação entre o receptor e o personagem criado. O tema semelhante em Crime e Castigo e O Processo também é notado: os personagens sentiriam profunda angústia e opressão diante dos ambientes judiciários.

 

Com "O Homem sem Qualidades", foi tão profundo na "alma" humana, na observação dos processos interiores, na dialética, na observação sobre o comportamento humano (e não só eslavo)... Mergulhou na maldade, no gênio, no caos, na placidez, na ordem, de uma forma tão poética, tão cheia de imagens, de sabedoria que o livro provoca revoluções em quem o lê, que podem levar uma vida toda, que podem mudar uma vida toda. Pelo menos bati palmas, chorei, ri e me estive em pleno êxtase, acompanhando as páginas de "o homem sem qualidades" (assim como outros romances desse mestre), que, apesar de gigantesco, é também considerado um "romance em formação", com uma "personagem em formação". Tenho uma comunidade sobre o autor aqui no orkut, no qual discutimos alguns aspectos da obra... (ALAN, apud: ORKUT, 2010).

 

Outros autores citados nesse tópico: Ivan Turgueniev, Nikolai Gogol, Tolstoi. Sugere-se que se leia um livro de Tolstoi seguido de um Dostoiévski, pois Tolstoi mostraria um outro lado dos temas abordados por Dostoiévski. Outro autor citado é Herman Hesse com O Lobo da Estepe.  Uma autora brasileira é citada: Patrícia Melo. Ela teria uma linguagem e uma influência dostoievskiana. Outros autores citados: Tchecov (os seus contos), Dickens, Edgar Allan Poe, em contos como O Coração Delator, que teria semelhanças com Crime e Castigo. Milan Kundera, autor tcheco contemporâneo, também foi citado. Assim, Dostoiévski é colocado numa linhagem de autores que teriam semelhanças com ele, desde autores russos como Gogol, Tolstoi e Turgeniev, passando por outros que escreveram livros com temas semelhantes, tal como Kafka, até autores contemporâneos como Patrício Melo e Milan Kundera.

A seguir, elege-se quem poderia dar vida a Dimitri Karamázov num filme. O vencedor foi o ator Johnny Depp, mas também ganharam votos os atores Leonardo Di Caprio e Hugh Jackman. Como se pode ver, temas e pontos importantes da obra são tocados nas enquetes e nos comentários, tendo até mesmo seu túmulo ter sido apresentado em fotografias na comunidade.  Nessa altura, citou-se em francês (numa rara citação em língua estrangeira), comentários a respeito do enterro do escritor, que atraiu uma multidão e gerou uma tal confusão onde o caixão quase se perdeu. Os participantes comentaram que esse episódio parece ter sido inventado pelo próprio Dostoiévski. Existe um tópico para discutir a língua russa e comentar que a pronúncia correta do nome é “Dastaiévski” e que o “é” é fechado, mais próximo do “ê” em português (ORKUT, 2010).

Comenta-se a relação entre Freud, Nietzsche e Dostoiévski. O escritor teria antecipado, para alguns participantes, o conceito de inconsciente, assim como o momento do enlouquecimento de Nietzsche em Turim teria sido inspirado por uma passagem de Crime e Castigo (FREUD, 1974, p. 32).

Outro assunto debatido é o personagem “Rodka” (apelido de Raskolnikov, o que demonstra a intimidade dos participantes em relação aos personagens) em Crime e Castigo. Ele seria um fraco ou um super-homem? Na enquete, venceram os que o chamaram de fraco. A teoria que ele desenvolve, entre os homens ordinários e extraordinários, também é amplamente discutida pelos participantes. Para eles, Rodka, que é um estudante ateu, é levado a crer pelo andamento dos acontecimentos descritos na narrativa de Dostoiévski. Isso conduz a discussão para o tipo de cristianismo apregoado por Dostoiévski e os desdobramentos dessa opção na obra. Numa das enquetes, fez-se presente praticamente toda a bibliografia do escritor (observou-se que faltou, por exemplo, Diário de um Escritor) e ela foi posta em votação nos seguintes termos:

 

Quais das seguintes obras do Dostoeivski você já leu? Tenho observado que as discussões na comunidade despertam mais interesse quando são polêmicas fora da obra do escritor do que quando são sobre a obra. Fiquei curioso em saber dos membros mais frequentes da comunidade sobre o que já leram.

Gente Pobre (1846)

O Duplo(1846)

O Senhor Prokhártchin (1846)

Romance em Nove Cartas (1846)

Coração Fraco (1846)

A Senhoria (1847)

A Mulher Alheia e o Marido Debaixo da Cama (1848)

O Ladrão Honesto (1848)

Noites Brancas (1848)

Uma Festa com Árvore de Natal e Um Casamento (1848

Netochka Nezvanova (1849)

O Pequeno Herói (1851)

A Aldeia de Stepanchikovo e Seus Habitantes(1859)

Humilhados e Ofendidos(1861)

Recordações da Casa dos Mortos(1861)

Uma História Lamentável(1862)

Notas do Subsolo(1864)

O Crocodilo (1865)

Crime e Castigo (1866)

Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão (1867)

O Jogador(1867)

O Idiota (1869)

O Eterno Marido(1870)

Os Demônios(1872)

O Adolescente (1875)

A Dócil (1876)

O Mujique Marei (1876)

O Sonho de Um Homem Ridículo (1877)

A Árvore de Natal na Casa de Cristo

Os Irmãos Karamazov(1880) (SABOIA apud ORKUT, 2010).

 

Propondo a interatividade, os mediadores da comunidade elencam toda a obra de Dostoiévski. Como se pode ver acima quando se reproduz o nome do criador da comunidade, alguns participantes usam o alfabeto utilizado na Rússia, o alfabeto cirílico. A comunidade, portanto, se não é composta, é pelo menos organizada por conhecedores da obra do autor. Como resultado da enquete acima, a obra mais lida foi Crime e Castigo (1866), com 409 votos, seguida de Irmãos Karamazov, com 270 votos, Noites Brancas (229 votos), O Jogador (224 votos) e as demais, com votação expressivamente menor.

A maioria dos tópicos da comunidade que se está comentando, a maior, tem menos de dez comentários dos participantes. No entanto, alguns assuntos foram mais extensamente discutidos: 1) existe um outro escritor melhor? (256 comentários). 2) Quem gosta de Dosto, gosta também de... (114 comentários); 3) Os Irmãos Karamazov (113 comentários); 4) Dostoiévski e o Stalinismo (117 comentários).

O perfil dos participantes é de jovens leitores de classe média e classe média alta. Entre eles há quem seja assumidamente ateu e há quem seja cristão conservador. Eles também ressaltam essa característica dos romances de Dostoiévski: ele retrata de forma realista um intelectual cético e ateu, Ivan Karamázov, embora logo de início o narrador proclame que seu herói é Aliéksei, o irmão que decide ser monge e que tem uma grande importância dentro do romance, pois introduz as discussões teológicas e filosóficas, principalmente as do monge que é seu orientador no mosteiro e que eles chamam “Stáriets” Zózima. Um dos leitores define a convivência entre ateus e cristãos convictos nos romances de Dostoiévski como “balaio de cobra e gato”, definição interessante também para essas comunidades, que alimentam um debate intenso, realizado em textos longos e apaixonados.

O comunismo, por exemplo, é muito combatido quando se fala em Dostoiévski e o Stalinismo. No entanto, aparece um participante, cuja foto traz a propaganda “Agora é Dilma” para fazer a crítica do livre mercado e do capitalismo. O primeiro comentário tenta associar Dostoiévski a um repúdio à revolução russa, imaginando que Dostoiévski talvez se tornasse um escritor engajado contra o comunismo, como um Soljenitsin:

 

Dostoievski e o stalinismo! Dostoievski escreveu romances tão dramáticos e profundos! Imagino se tivesse vivo pra ver a revolução totalitária que o seu país sofreu com o golpe dos bolcheviques!! Toda aquela utopia igualitária e aquele ateísmo militante!! E o que dizer dos Gulags e de Stalin? Acho que ele daria um foco mais político e menos cristão aos seus romances se tivesse vivo nessa época! Essa é minha teoria! (RICARDO, 2010).

 

O problema do comentarista é que, no entusiasmo de falar de Dostoiévski, que para muitos é mais que um autor, é um profeta, passa-se muito rapidamente da revolução russa para o repúdio do stalinismo, praticamente colocando ambos numa mesma categoria, o que é equivocado: a revolução russa não pode ser o mesmo que o stalinismo. E como seriam os romances de Dostoiévski com “foco político”? É uma suposição anacrônica e pouco fundamentada. Os comentários a seguir especularam que Dostoiévski seria exilado e sua obra destruída, assim como minimizam outras ditaduras, tal como a de 64, em prol do comunismo. Essa posição mostra-se hegemônica, até que ela recebeu a seguinte contraposição, por parte de um participante, que aparece em uma foto com o texto “Agora é Dilma”, ou seja, provavelmente um petista ou simpatizante do PT:

 

Dostoievski certamente se orgulharia de ver esses ''golpistas'' russos fazendo uma zona e levando a Rússia do estágio de celeiro da Europa a Segunda Potência Mundial, se orgulharia de ver que os trabalhadores russos possuíam a melhor condição de vida da Europa, senão do mundo. Claro que na parte stalinista ele não gostaria, mas comparar esse a Hitler não passa de uma questão de ignorância, a começar pela forma pela qual ambos chegaram ao poder, Stalin chegou por uma revolução, o povo estava unido e sabia o que queria diferindo de Hitler que se apossou do pode por meio de golpe. Outros fatos devem ser ressaltados também, enquanto Stalin governava em prol da sociedade soviética, Hitler o fazia na Alemanha em nome da burguesia que via com maus olhos a ascensão do comunismo em seu país, logo mandou matar uma legião de comunistas e não só como vocês sabem( e que eu espero). Bom, não defendo o governo de Stalin, mas falar que a revolução russa foi um golpe se trata de uma questão de falta de estudo, basta abrir um livro de história...o mesmo aos que defendem a ditadura no Brasil...uma pena...(ORKUT, DIMITRI, 2010).

 

O comentário acima polariza o debate. Alguns afirmam que Dostoiévski não mudaria, pois já tinha vivido num tempo totalitário e sido enviado para algo como um “Gulag” na Sibéria. Ricardo, que abriu o tópico associando Dostoiévski e preconizando o anticomunismo, afirma a seguir que “comunismo é crime” e fala em Coréia do Norte, Cuba, China. Não houve como acessar maiores informações em seu perfil, por questões de privacidade, mas Ricardo participa de uma comunidade que diz: “sou de direita, e daí?” A partir daí, o debate torna-se sobre a defesa ou não do “livre mercado”, que o participante Ricardo prefere que o termo “capitalismo”. A exemplo da maioria dos tópicos na comunidade mais freqüentada sobre Dostoiévski, os participantes aparentam nível social elevado e escrevem tópicos densos, argumentados e sempre sem usar abreviações, sempre em português padrão. Dostoiévski, na verdade, é um fetiche nessa comunidade: toma-se esse nome como símbolo, totem e agregador. O nome “Dostoiévski” simboliza a cultura, a sofisticação, a herança cultural a ser preservada e em torno da qual a juventude se pode reunir.

 

 

2.2 Analisando os Irmãos Karamázovi

 

 

Um dos tópicos intitula-se “ateu” e discute o possível ateísmo de Dostoiévski. Outros participantes (a maioria) postulam que Dostoiévski é um cristão, mas ele propõe uma adesão diferente ao cristianismo, uma adesão crítica. Os romances de Dostoiévski são bastante críticos em relação aos ateus, associados ao niilismo, ao materialismo, ao fato de não se acreditar em nada: Raskolnikov, protagonista de Crime e Castigo, é um niilista e descrente; Ivan Karamazov, personagem de Irmãos Karamazov, também, e no decorrer do romance ele encontra uma conseqüência negativa de sua descrença e niilismo, que é um encontro com o diabo. Uma das enquetes, reproduzida abaixo, dispôs alguns dos momentos mais marcantes de Irmãos Karamazov, selecionando, dentre outras, também essa passagem do ateu com o negativo:

 

Quais os momentos mais marcantes de "Os irmãos Karamazov"? Há em grandes romances momentos que consideramos "marcantes", seja pela surpresa ou pela reflexão que nos causaram (...).Sendo assim, coloquei a opção "Outro(s)" para quem quiser descrever mais acontecimentos marcantes do livro. Obs.: os acontecimentos não estão em ordem cronológica.

60 votos (9%) O diálogo entre Aliócha e Ivã, na taberna;

20 votos (3%) A vida do ancião Zósima, contada por Aliócha;

10 votos (1%) A lembrança que Aliócha tinha da mãe;

8 votos (1%) O sonho de Dmítri com "o bebê", em Mókroie;

87 votos (13%) O diálogo entre Ivã e o "seu" diabo;

19 votos (2%) A indignação de Iliúcha ao zombarem de seu pai;

19 votos (2%) Gruchénhka recusando beijar a mão de Catierina;

19 votos (2%) A história da mãe de Smierdiákov;

34 votos (5%) O desastroso encontro dos Karamazov no mosteiro;

12 votos (1%) A degeneração prematura do corpo do ancião Zósima;

22 votos (3%) O espancamento de Fiódor Pávlovitch por Dmítri;

12 votos (1%) A recusa do dinheiro de Catierina por Snieguiriov;

9 votos (1%) A história dos trilhos do trem, referente a Kólia;

18 votos (2%) A emoção de Iliúcha ao ver a cadela Jutchka;

17 votos (2%) A declaração de amor de Grúchencka a Dmítri;

32 votos (4%) O desespero de Dmítri momentos antes do crime;

16 votos (2%) O ódio de Lise pelo mundo, revelado a Aliócha;

38 votos (5%) O relato do assassinato pelo próprio Smierdiákov;

27 votos (4%) O tormento que Smierdiákov causa a Ivã;

33 votos (5%) O suicídio de Smierdiákov;

16 votos (2%) A "traição" de Catierina, no julgamento de Dmítri;

25 votos (3%) O depoimento desastroso de Ivã no tribunal;

15 votos (2%) O "duelo" travado entre Fietiukóvitch e Ipolit;

7 votos (1%) O medo que Dmítri sentia da censura de Aliócha;

5 votos (0%) Catierina pedindo perdão a Agrafiena, no hospital;

20 votos (3%) O desespero de Snieguiriov no enterro de Iliúcha;

35 votos (5%) O "discurso junto à pedra", no final do romance.

11 votos (1%) Outro(s). Total 646 votos (RODRIGO, ORKUT, 2010).

 

Como se pode ver acima, venceu a passagem que narra o encontro entre o intelectual cético e ateu Ivã e sua versão do diabo. O ateísmo, tido como negação de Deus, é nessa passagem associado a um espírito que nega, o demônio da religião cristã.  Dostoiévski aceita o ateu como participante da narrativa, é uma posição que possui cidadania entre os participantes, mas é revestida de negatividade, tal como esse diálogo bem ilustra. Nele, o demônio apresenta-se com um senhor elegante, na faixa de cinqüenta anos, ocidentalizado. O Dostoiévski biográfico

Com freqüência, os participantes remetem a passagens de Irmãos Karamázov, associam participantes com os personagens, identificam-se com os tipos apresentados como irmãos. Venceu o encontro do personagem ateu Ivã com “seu” diabo. O diabo é apresentado como um senhor cavalheiresco, falando em francês:

 

--Meu amigo, quero, no entanto, permanecer um cavalheiro e ser tratado como tal –disse o visitante com certo amor-próprio, aliás conciliante, bonachão. Sou pobre, mas...não direi muito honesto, mas..admite-se geralmente como um axioma que sou um anjo decaído. Palavra, não posso imaginar como pude, outrora, ser um anjo. Se o fui algum dia, foi há tempo que não é um pecado esquecê-lo. Agora, atenho-me apenas à minha reputação de homem decente e vivo como posso, esforçando-me por ser agradável. Gosto sinceramente dos homens; caluniaram-me muito. Quando me transporto aqui para a terra, entre vocês, minha vida toma uma aparência de realidade., e é o que mais me agrada. Porque o fantástico me atormenta como a ti mesmo, de modo que gosto do realismo terrestre (...) (DOSTOIÉVSKI, 1973, p. 444).

 

Uma passagem também muito comentada é a que tem o “Grande Inquisidor”. A passagem, muita extensa, trata da volta de Jesus à Terra ao tempo da Inquisição espanhola. O texto especula o que teria acontecido se Jesus tivesse voltado em plena inquisição: ele seria queimado em nome do poder temporal, como herético.  O Inquisidor-mor, ao interpelar Jesus, diz a ele:

 

És tu, és tu? –Não recebendo resposta, acrescenta rapidamente: --Não digas nada, cala-te. Aliás, que poderias dizer? Sei demais. Não tens o direito de acrescentar uma palavra mais do que já disseste outrora. Por que vieste estorva-nos? Por que tu nos estorvas, bem o sabes. Mas sabes o que acontecerá amanhã? Ignoro quem tu és e não quero sabê-lo: tu ou apenas tua aparência: mas amanhã eu te condenarei e serás queimado como o pior dos heréticos, e esse mesmo povo que hoje te beijava os pés precipitar-se-á amanhã, a um sinal meu, para alimentar tua fogueira. Sabes disso? Talvez –acrescenta o velho, pensativo, com os olhos sempre fixos em seu prisioneiro (DOSTOIÉVSKI, 1973, p. 187).

 

Outras passagens marcantes e bastante comentadas do romance Irmãos Karamázovi são: a história da mãe de Smerdiákov, uma bêbada louca, a degeneração prematura do corpo do ancião Zózima, o diálogo entre Aliócha e Ivã, na taberna.  A respeito de O Grande Inquisidor, o comentarista Aleksandro cita:

 

Compreenderâo por fim que a liberdade e o pão da terra à vontade para cada um são inconciliaveis, porque jamais saberão reparti-los entre si- O GRANDE INQUISIDOR- comentarios são redundantes (ALEKSANDRO apud ORKUT, 2010).

 

Outra passagem comentada é a que trata dos diálogos no monastério, no início do romance, onde Ivã, intelectual cético e ateu. Não existe, no entanto, um intelectual socialista ativo e com bons argumentos.

 Até no Orkut, programa de relacionamentos tão popular, fala-se em polifonia a propósito de Dostoiévski. Nas enquetes, pode-se observar que a maioria dos participantes da comunidade identifica-se com Ivan Karamázov, personagem que é um intelectual ateu. Por isso, quem sabe, a passagem mais marcante, para esses participantes, é o diálogo de Ivã como seu diabo (o que parece ser uma passagem criada para criticar o ateísmo, que levaria o homem a não acreditar em nada, ao niilismo).

Dostoiévski faz uso de diferentes vozes para os diferentes eventos da história. Cada personagem tem um ponto de vista diferente sobre cada acontecimento. Cada um apresenta ao leitor um ângulo da situação vivida. O herói do romance não é subordinado ao autor. O autor não finaliza as reflexões e os personagens ficam parcialmente em aberto, inconclusos. O narrador se faz presente, é uma fonte de juízo para o leitor, mas não apresenta conclusões mais precisas sobre os acontecimentos.

O sujeito, no romance de Dostoiévski, não é todo acabado e invariável, ele é cheio de contradições. Assim, ler Dostoiévski possibilita novas formas de interpretação.  Na comunidade de Dostoiévski que se está estudando, as enquetes sintetizam partes marcantes da obra do escritor e auxiliam nas leituras individuais. Esses momentos, citados acima, costumam ser aqueles onde existe análise psicológica dos personagens. São passagens tais como o diálogo entre Aliócha e Ivã, na taberna.  Existem também críticas negativas a Dostoiévski. A uma delas, que reclama do romance Irmãos Karamázovi, responde a participante Rafaela:

 

Rafaela: Este livro é justamente meu favorito em toda a obra do Dostoiévski (e talvez entre todos os que já li). Toda vez que eu leio fico dias e dias revendo mentalmente as passagens, pensando na história, nos personagens e nas idéias. Acho que “Os Irmãos Karamazov” sintetiza a bibliografia dele. Toda a temática abordada em outros de seus livros (A Natureza e - abrangência -da culpa, o crime e suas conseqüências, o Cristianismo contraposto ao Ateísmo, femmes fatales e triângulos amorosos, suicídio, epilepsia, personagens que encarnam a figura de Cristo, só para citar algumas coisas). Não sei se por gostar tanto do livro, não me senti incomodada com as digressões e com a prolixidade do livro; sinto que a história está bem entrelaçada, algumas passagens que parecem não ter relações com a história central, funcionam como ecos dela (veja os paralelos entre a história da juventude do stariets Zozima e a de Dimitri, ou o demônio de Ivan comparado com os demônios do padre Feraponte, ou como as palavras de Zozima – nos capítulos que seguem a conversa de Ivan e Aliócha – parecem responder o discurso do Grande Inquisidor). (RAFAELA apud ORKUT, 2010).

 

Acima, a participante Rafaela tenta sintetizar em poucas palavras a obra de um grande escritor, apresentando, para tanto, alguns de seus grandes temas. Ela alerta para que o leitor releia e repense as digressões, pois a história as teria como orgânicas (o que é a crítica que o leitor resistente faz, de que as descrições são excessivas e supérfluas).  Rafaela alerta que uma digressão responde a outra, formando um todo bem tecido e que funciona em conjunto. Rafaela prossegue em seu esforço didático:

 

E Literatura Russa geralmente é assim, tão importante quanto o enredo é a Filosofia. Quanto ao Aliócha, na introdução do livro o próprio Dostoiévski diz que algumas pessoas poderiam achar ele desinteressante, e na primeira parte do livro que ele é uma pessoa estranha (diferente das outras). O problema dele talvez seja que a primeira vista, ao contrário de Mitia, ele não necessita de redenção (é o personagem que encarna Cristo, como o Príncipe Michkin em “O Idiota”), e como nós somos mais facilmente fascinados por personagens complexos, desesperados e de caráter defeituoso, ele (jovem, ingênuo e puro) é ofuscado pelos outros personagens. Na maior parte do texto ele é um observador, um ouvinte e é apenas nas suas conversas com Lise que o conhecemos melhor psicologicamente (...). Mas não se esqueça que ele é um Karamazov e talvez por esse motivo tenha ingressado no monastério, para não se tornar um Karamazov ativo, com a personalidade corrompida. Além de que o Aliocha que conhecemos está “incompleto”, este romance é um primeiro episódio que teria influenciado a vida de Aliocha (protagonizado mais por toda a família Karamazov, do que por apenas um dos irmãos) e que seria parte de uma história com o título de “A vida de um Grande Pecador”, ou seja, ele deixaria de ser tão puro, teria sua queda e necessitaria de redenção (RAFAELA, ORKUT, 2010).

 

O grande tema dostoiévskiano acima, e que se pode entender em meio a tópicos bastante extensos para os padrões do Orkut, pode-se supor, seria a redenção. Um participante chamado Acácio afirmou: “Não há quem saia deste livro sem dizer: eu também sou um Karamázov" (ACÁCIO, ORKUT, 2010). Para outro participante, “Alex Luthor”, que afirma ter lido Memórias do Subsolo e estar se decepcionando com Irmãos Karamazov (curiosamente, Alex não espera terminar a leitura para comentar o livro na comunidade do Orkut). Ele é um leitor que busca redimir-se de sua própria incompreensão da saga dos Karamázov. Alex se diz ateu e reclama das digressões místico-religiosas do livro:

 

Ainda que Dostoievski queira dar-nos uma idéia a respeito de quem foi o preceptor espiritual de Aliócha, a sensaboria dessa digressão me pareceu completamente desnecessária (especialmente se considerarmos que a narrativa está num ponto de tensão crescente com vários sub-enredos que esperam por um desfecho). Cortar a expectativa dos leitores com doutrina religiosa é, para mim, equivalente a receber uma balde de água fria no meio do jantar... (ALEX, ORKUT, 2010).

 

Ao que os outros participantes avisam a Alex que Dostoiévski era cristão e que Os Irmãos Karamazov foi escrito no final da vida, ficando como legado para a posteridade.  O texto também pretenderia, numa idéia muito visitada nesses tópicos, “dar um tapa na cara” das pretensas lideranças religiosas cristãs. Mais adiante, O Grande Inquisidor é comentado como “punhal definitivo no catolicismo”.

Dos tópicos se pode retirar dicas de uma bibliografia universal sobre Dostoiévski, mas é especialmente curioso encontrar tópicos sobre livros brasileiros. Um livro comentado chama-se Dostoiévski, Um Cristão Torturado, de Virgínio Santa Rosa. Nesse livro existiriam “ruminações” acerca da religiosidade. Dostoiévski quer muito dialogar com seu leitor, sem preocupar-se com o que ele pensa e sente, sem constatar se riem ou debocham dele, se o acham patético ou não. Por aqui - é que, ateu ou não, temos pouca chance de escapar aos 10 mandamentos. Foi lembrada também a intenção de Dostoiévski de escrever um outro romance depois de Irmãos Karamazov, começando assim uma série, mas ele morreu antes.  Alex Luthor, no entanto, mantém sua impressão inicial:

 

Infelizmente mantenho minha impressão inicial. Os Irmãos Karamazov é um livro que me mostrou um Dostoievski ao qual tive de fazer muitas concessões. Achei-o muito digressivo; com um enredo que não apresenta consistência; com subenredos que levam a becos sem saída ou que terminam de forma abrupta, digamos “fácil”; com alguns personagens inverossímeis e idealizados, como Aliocha; com outros personagens que chegam e vão sem que deles saibamos quase nada e que entram na ação desempenhando um papel às vezes crucial e depois somem de nossa vista; há várias ações inexplicadas e reviravoltas que, francamente, achei mal elaboradas. Fico com a sensação de que Dostoievski começou a escrever esse livro sem haver definido ao certo o enredo e que o foi construindo ao longo do livro, como pequenos capítulos de uma novela folhetinesca feita ao sabor do vento (ALEX, ORKUT, 2010).

 

Alex, então, não é redimido nem convencido de suas impressões negativas. A redenção, mesmo dostoievskiana, nem sempre funciona. A seguir, o autor é instado pelos participantes a não ler Kafka, que teria o mesmo tipo de digressão. O participante Georges tenta explica a Alex a importância dos trechos que ele achou digressivos e ruins nos seguintes termos:

 

Acho que ninguém chega ao final de Irmãos Karamazov sem ter percebido a importância do "outro" no enredo. Tente reler muitos dos trechos que você considerou prolixo e ver que no fundo no fundo são como diálogos que se instalam no enredo formando uma pluralidade de vozes, o que para mim é o mais lindo dessa composição. O Dostoievski de Irmãos Karamázov é o que mais se distancia do romance monológico clássico, onde tipicamente o enredo todo é trabalhado para si mesmo. O objetivo está muito além de construir uma boa história, ele prima em ser reflexivo (não acredito que seja didático), e sim que ele se aproxima ainda mais dos diálogos platônicos (GEORGES, ORKUT, 2010).

 

Portanto, esse tópico é basicamente aberto para que os participantes tentem convencer o leitor descrente da excelência do romance. Aliás, parece que é isso o que leitor deseja: encontrar os pontos positivos de uma obra clássica, ou seja, importante e da qual “deve-se gostar” por algum motivo.

O que se nota é que, quando o escritor Dostoiévski é criticado, logo os participantes se unem em torno dele, tal como uma tribo em torno de seu símbolo. Eles se identificam com a vida sofrida do romancista, assim como estabelecem com ele uma relação de adoração. Criticá-lo é enfrentar as argumentações elaboradas e, por vezes, ácidas dos colegas de comunidade. Dostoiévski, nessa comunidade, não é objeto de distanciamento: é ele que oferece a ligação, ele é a ponte entre os membros da comunidade, que indicam bibliografia, comentam passagens, filmes, etc, sempre supondo estarem irmanados pelo mesmo gosto. Por isso, quando surge alguém divergindo torna-se tão ameaçador.

Por fim, é muito proveitoso estudar um clássico da literatura russa (não estudado, portanto, nas escolas brasileiras) e vê-lo estudado tão minuciosa e apaixonadamente em uma rede de relacionamentos que, por vezes, é tão superficial e, com freqüência, é motivo de queixa por parte de professores.

 

CONCLUSÃO

 

 

Essa pesquisa desmistifica uma certa imagem dos jovens que freqüentam o Orkut: eles seriam ociosos, incultos, capazes de escrever somente algumas poucas palavras, assim como contesta a visão de uma rede social permeada por mensagens de mau gosto, fúteis e anticulturais (e, de fato, elas existem). Ele mostra que existem grupos consideráveis de jovens cultos interagindo na internet, respeitando o tão prezado português padrão e aprofundando discussões filosóficas, religiosas, ideológicas e existenciais.

A obra é atualizada pelos participantes do Orkut, que a discutem apaixonadamente, principalmente porque existem, na comunidade, tanto os que são ateus quanto os cristãos, tanto os que frisam a necessidade de crítica social quanto os que propõem e cantam o triunfo do individualismo e do livre-mercado. A obra é objeto de comentários profundos e de exame à luz de estudos de variada ordem, mostrando-se, portanto, uma obra viva. Outro fato é que Dostoiévski tornou-se, para os participantes da comunidade, um símbolo da alta cultura, do refinamento e do bom gosto, um autor consagrado e confiável, uma obra com aceitação universal em torno da qual se pode reunir pessoas interessantes. Essa é a visão que os participantes parecem ter de si mesmos: pessoas identificadas com Dostoiévski e que por isso falam em nome dele enquanto profeta, enquanto comentarista da Rússia, etc.

A recepção na comunidade do Orkut é criativa: o autor precisa ser ensinado aos neófitos, explicado, assim como dicas sobre os temas dostoievskianos devem ser trocadas intensamente, assim como situações e pessoas são analisadas à luz de situações citadas nos romances de Dostoiévski,  como se dá com com a revolução russa e o stalinismo.

A obra é atualizada quando ela é aplicada para situações tais como as pessoas que vivem no centro de São Paulo, ou quando ela é abordada para falar da revolução russa e da luta entre capitalismo e comunismo, questões essas presentes em nosso tempo, mas que permaneciam embrionárias ao tempo de Dostoiévski. O autor é visto como um “totem”, algo de muito valor a ser defendido, assim como a obra é tratada como ponto de convergência e identificação pelos participantes das comunidades. A tendência, inclusive, é dos participantes não se dispersarem em quinze comunidades. A maioria participa ativamente de uma ou duas, escolhidas provavelmente pelo maior número de participações e pelo nível dos comentários, assim como possivelmente as discussões apaixonadas atraem a participação mais ativa.

As comunidades do Orkut podem ser um bom espaço para o professor de Literatura ou de Filosofia obter inspiração para uma aula participativa, pois ele pode pesquisar temas polêmicos para o debate em sala de aula. Ademais, são um rico campo de pesquisa. Os participantes da maior comunidade sobre Dostoiévski no Orkut demonstraram conhecimento de praticamente toda a bibliografia do autor, assim como tangenciaram temas fundamentais e livros importantes da bibliografia existente sobre o autor no Brasil. Ressalte-se que a pesquisa ateve-se às comunidades sobre Dostoiévski em português do Brasil. Os participantes souberam muito bem aprofundar os temas e realizar enquetes, ou seja, pesquisas de opinião, pesquisas essas que são interessantíssimas e mostram, por exemplo, a predileção dos leitores por Crime e Castigo e Irmãos Karamázov. A enquete é uma forma de pesquisa, o que mostra que os próprios participantes da comunidade, de certa forma, pesquisam o que eles mesmos andam pensando.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

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BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979.

 

 

COSTA, Cecília. O maior crime do mundo. O Globo. Prosa e Verso, 7/06/2003.

 

 

DOSTOIEVSKI, Fiodor Mikhailovitch. O eterno marido. Tradução de Moacir Werneck

de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

 

 

_________________________________. Irmãos Karamázov. Tradução Oscar Mendes, Rio de Janeiro: Abril Cultura, 1973.

 

 

FREUD, Sigmund. Dostoiévski e o Parricídio. In: Sigmund Freud, edição Standard brasileira das obras de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

 

 

GUINSKI, Lílian Deise de Andrade. Estudos literários e culturais na sala de aula de língua portuguesa e estrangeira. Curitiba: Ibpex, 2008.

 

 

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PONDÉ, Luiz Filipe. Crítica e filosofia da religião em Dostoievski. São Paulo: editora 34, 2003.

 

 

SANTOS, Cordeiro Mugnol; MOLINA, Nilcemara Leal; DIAS, Vanda Fattori. Orientações e dicas práticas para trabalhos acadêmicos. Curitiba: Ibpex, 2008.