A gestão tropicalista de Gilberto Gil
7 de Agosto de 2008
Ana  de Oliveira é pesquisadora de música e autora do www.tropicalia.com.br,  a maior maior fonte online de informação sobre o tema, com cerca de  setecentas páginas de conteúdo, em português e inglês. Nesta entrevista ela fala  da relação entre a Política Gil e o tropicalismo e aponta os avanços da gestão  de Gil à frente do Ministério. 
Prestes a lançar um livro de entrevistas com Gilberto Gil, Ana  dedica-se ao seu documentário longa-metragem “Tropicália ou Panis et Circencis”.  O projeto foi aprovado na última seleção pública da Petrobrás e está em fase de  preparação. Acompanhe a íntegra da entrevista:
 
Leonardo  Brant -  Você enxerga  uma coerência entre o movimento tropicalista e a atual política cultural do  Brasil, conduzida por Gilberto Gil? Quais os pontos mais importantes dessa  convergência?
Ana  de Oliveira - O  tropicalismo foi um movimento perigoso: ameaçou e acabou por desbancar os  puritanismos estético-ideológicos que permeavam o discurso e a prática da  cultura brasileira, numa época em que a contraposição entre arte alienada e arte  politizada estava no centro crucial do debate sobre cultura e  nacionalismo.
Em  sua complexidade conceitual, o tropicalismo assimilou matrizes criativas  distintas – desde o considerado desprezível ao mais sofisticado estilo – e  estabeleceu um diálogo profícuo entre cultura de massa, mercado, tecnologia,  modernidade e tradição, superando velhas dicotomias éticas e  estéticas.
Sabe-se  que essa gestão do Ministério da Cultura empenhou-se na criação de canais de  interlocução com âmbitos e manifestações culturais as mais diversas, sem  prerrogativas ou discriminação entre o popular e o erudito, o regional e o  urbano, o local e o global. Se muito foi feito para promover o acesso equitativo  às novas tecnologias digitais, tanto se fez pela construção de uma política  específica para a preservação da capoeira, por exemplo.
Em  última instância – e em poucas palavras – entendo que o impulso tropicalista  para a convocação geral (de parceiros, de pensamentos, de estilos, de gênios  díspares) e esse amor pela dessemelhança, pela multiculturalidade, sejam pontos  sensíveis dessa convergência.
LB -  Gilberto Gil  deixa o Ministério com sua carreira em alta e cheio de problemas administrativos  em sua pasta. Em sua opinião, qual é o legado do Gilberto Gil  político?
AO - O  legado mais evidente – consensual, inclusive – é a visibilidade que a cultura  brasileira e o próprio ministério alcançaram dentro e fora do país, com grande  proveito para as relações internacionais do Brasil.
O  Ministério da Cultura foi convertido num organismo vivo, capaz de gerar  interação e sinergia com os diversos segmentos da produção cultural. Ainda que  essa capacidade não tenha sido explorada em sua total potência e que os  resultados não satisfaçam as exigências de todos, um campo propício – e inédito  – foi aberto para futuros desdobramentos e construções.
Os  Pontos de Cultura promovem a diversidade das expressões em todos os cantos do  país e já chegam ao exterior (existem Pontos em comunidades de brasileiros nos  Estados Unidos, na França e na Alemanha), incentivando a atividade criativa em  favelas, universidades, aldeias indígenas, comunidades quilombolas etc. Por  encorajar o protagonismo local com o fortalecimento das iniciativas já  existentes e promover a articulação de redes colaborativas, são importantes  instrumentos para que a fruição cultural chegue aos espaços menos privilegiados.  Na minha opinião, os Pontos de Cultura são a mais eficaz e inteligente invenção  de que se tem notícia em política cultural no Brasil.
Destacaria  outros aspectos positivos da liderança de Gil como a descentralização de ações e  de recursos, a formulação dos critérios de patrocínio junto às estatais, com a  criação de editais de fomento mais democráticos e abrangentes, e os claros  avanços em direção a uma política de inclusão e acesso aos  meios.
LB -  O último  trabalho artístico de Gil, Banda Larga Cordel, faz uma clara fusão entre o Gil  político com o Gil artista. Em sua opinião, ele continuará sua obra política  pela arte, ou deve ocupar espaços abertos pela atividade de gestor  público?
AO -  Gil demonstra um forte senso de cidadania (acho mesmo que foi isso que o levou a  assumir o cargo de ministro), é bem possível que ele queira e possa continuar  contribuindo sistematicamente em sua condição de agente internacional da cultura  brasileira. Participando de fóruns culturais, certamente vai enriquecer o debate  com posições assertivas, sobretudo nas áreas relacionadas à propriedade  intelectual e à cultura digital que tanto o entusiasmam.
LB -  O  tropicalismo continua o mesmo, ou foi ressignificado com a passagem de Gil pelo  Ministério da Cultura?
AO - A  identidade tropicalista de Gilberto Gil – algo que ele próprio fez questão de  enfatizar de cara - sempre esteve em pauta desde que fora convidado a assumir o  ministério e, uma vez empossado, a controvérsia tropicalista parece ter ganho  mais ânimo entre os críticos. E não é sem razão. A chegada de um tropicalista ao  centro do poder suscitou a exigência de coerência entre a atuação do ministro e  o movimento que ele criou originalmente.
Eu  diria que, em boa medida, Gil pôde exercer institucionalmente a mesma capacidade  visionária que, em 1967, o levou a perceber que a modernidade que exalava do pop  cosmopolita dos Beatles, pulsava também no regionalismo agreste da Banda de  Pífaros de Caruaru, e que a MPB precisava tomar novos rumos,  desprovincializar-se, modernizar-se – essa percepção foi fundamental para o  surgimento do que veio a se chamar tropicalismo. Hoje, ele conclama todos a  aprofundar o debate sobre o direito autoral e argumenta que “ou a sociedade  brasileira discute profundamente a questão da propriedade intelectual ou daqui a  dez anos estamos fora do bonde da história”.
O  tropicalismo continua ocupando uma posição central nas discussões sobre a  cultura brasileira, e a atuação de  Gil em um cargo da República deve ter  ensejado a atribuição de novos significados a esse movimento que segue  despertando amores e ódios febris.
No  que diz respeito à questão cultural, ocorre-me pensar que embora pareça  improvável que algum dia venhamos a nos livrar da incitação antropofágica que o  tropicalismo provocou/provoca (foi um movimento perigosamente radical, sua  intervenção foi profunda), seria interessante rever o modo como encarava a  cultura e a música. Antes se pensava a história da música brasileira como algo  linear, baseada na famigerada “linha evolutiva” da MPB, mas os tempos são outros  e já não temos só uma linha. O que temos agora mais se assemelha a um vórtice,  onde várias linhas se expandem em espirais. Muitos ritmos de muitas cores se  expressando de muitas formas por muitos meios e para muitos fins. A coisa  espatifou geral! “O mundo explode”,” o sol responde” e “o vento  espalha”.
http://www.culturaemercado.com.br/post/a-gestao-tropicalista-de-gilberto-gil/#more-4402
   
 
 
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