O Sítio de Dona Benta Picapau
Dona Benta, dona do sítio e avó de Robinho
Rosineide, bibliotecária e ninfomaníaca
Noivilene, garçonete e bailarina
Pedro Filipe Augusto, cafajeste e estudante de terapia ocupacional.
Robinho, hippie e vendedor de maricas
Neidili, muambeira boliviana formada em Direito.
Peça em um ato
Cena 1
(Entram Rosineide, Pedro Filipe Augusto, Neidili, Noivilene.Dona Benta está sentada ouvindo rádio)
Rosineide:Pedro Augusto, traga minhas malas, sim?
Pedro Augusto(Com ar de tédio):Ah, não, traz você...(cai no sofá)
Rosineide(alada):Ah, Pedro Augusto, algo me diz que vamos viver grandes amores aqui. Somos tão jovens e
descontraídos. Estou tão feliz!
Neideli(abraçando Pedro):Rosineide! Que nombre desgraciado! Usted no ouse se aproximar de mi Pedrón.
Rosineide(encarando Neidili):Oh, Pedro Augusto! Você devia se livrar desta mujer plajera! Mocréia! Mocréia!
Pedro Augusto(Conciliador):Contenha-se,contenha-se!
Robinho(entra enrolando um): PÔ! A gente mal chegou, bichos! E vocês já entornando o caldo...vamos de paz e amor, gente!
Neideli(puxando Pedro para um canto):Já estoy enfastiada! Manda esta vaquita tirar los ojos de usted!
Noivilene:(Entra vestida de bailarina):Uh-lá-lá! Neidilinda, Neidilouca!!!
Rosineide(levando Robinho até um canto):Robinho, estou queimando por dentro, é meu fogo interior, sinto--me um vulcão prestes a destruir tudo ao meu redor! Estou irremediavelmente apaixonada por Pedro Augusto...
Robinho:Relax, Rosineide, relax. Esfria teu magma que o Pedro é careta, quadradão,sacou?
Rosineide:Desde que eu o vi, cada poro meu o desejou profundamente! Eu sinto-me como uma flor que precisa do pólen de Pedro para viver, oh, o fogo interior que me consome por dentro me queima!Ah, o pólen, quero ser polinizada! Meus estames necessitam do pólen de Pedro!
Robinho(embasbacado):Que fissura, hein? Tu estás ligada, viciada, ‘tá tipo uma Janis Joplin assim!
Rosineide:Ah, você é que não sabe, quando ele vinha pegar livros sobre terapia ocupacional para o curso dele, eu largava tudo, mas tudo, prá ajudar ele, ficava agitada, pirada, tirava os livros todos das prateleiras e
ia colocando um em cima do outro em cima das mãos sensuais dele! Ficava tão louca, mas tão louca....
Robinho(entediado, cantarolando): Me vuelves loca...
Rosineide(à beira de um ataque de nervos): Robinho, falando em espanhol, você me lembra a maldita Neidili, aquela piedra em meu caminho. Ela irá me pagar! E caro!
Robinho:Tudo bem,eu páro.
Rosineide(Sacudindo Robinho): Róbi! O que você me sugere para conquistá-lo?
Robinho:Deixá-lo ou tomá-lo!
Rosineide:Deixá-lo? Jamais! Hei de seduzi-lo!
Robinho(enlaçando Rosineide, lúbrico):Deixe isso prá lá, vem prá cá...
Rosineide(saindo de cena):Não, meu coração está em chamas flamejantes-e é por Pedro!
Robinho(seguindo-a):Agora agüenta coração!
Cena 2
(Neidili e Pedro Augusto discutem)
Neidili:Mas eu te amo, Pedro!
Pedro Augusto:Você não consegue se controlar, Neidili! Jure que você não vai dar mais nenhum vexame!
Neidili:Mas yo no dei vexame nenhum, mi amore, só te defendi daquela víbora...
Pedro Augusto:Víbora! Mas eu sinto por ela um sentimento tão belo...podíamos viver juntos, eu , você e ela...Não fique tentando monopolizar-me! Eu não pertenço a ti, mas a todas, porque todas são iguais.
Neidili:Iguais! Quieres dicer que soy igual à desgraciada! Cafajeste!
Pedro Augusto:Cafajeste, não...Latin lover. E se quiser, pode ir embora, este sítio é da vó do meu amigo
Robinho, não fará diferença mesmo. Dona Benta Picapau não ia mesmo agüentar seus escândalos...
Neidili:No tienes derecho de mi mandar embora! Yo soy hija de un ex-presidente de Bolívia, y ainda soy
una señorita nobre, una Boracho y Baracho, una de las familias más ricas de Bolívia!
Pedro Augusto:Na Bolívia, até algum tempo atrás, todo mundo podia ser presidente, nem que fosse por cinco minutos, e tem mais, su família enriqueceu com suas muambas!
Neidili:No ouse hablar así de mis muambitas! Ah, cafajeste!Como es cruel comigo! Adios, muchacho, ex-
-compañero de mi vida!
Cena 3
Pedro Augusto(ouvindo Pavarotti):Oh, como é absolutamente lindo, não?
Rosineide(embasbacada):Oh, Pedro! Maravilhoso, meus olhos se enchem de lágrimas e minha rosácea coluna vertebral se arrepia numa onda de transbordante prazer!
Pedro Augusto:Que bom encontrar alguém que entende de ópera! Do que você mais gosta?
Rosineide:Quatro tenores in concert, Plácido Domingo, Pavarotti...
Pedro Augusto:Nem me diga, são meus ídolos!
Rosineide:Oh, meu fogo interior está férvido! Oh, que chamas, que labaredas!
Pedro Augusto:Dulcineide, vem cá. Chega mais perto de mim...
Rosineide:Meu nome é Ro-si-nei-de!
Pedro Felipe Augusto:Está certo, Dulcilene! Agora quero dar um beijo nestes teus lábios de pétalas de rosa feitos tanto para a melodia dos cânticos como para a loucura dos beijos.
Rosineide(amolecendo):Oh, Pedro. Eu sabia, sabia! Estou agora vivendo o grande amor de nossas vidas.
Pedro Augusto(fingindo estar emocionado):Ai, RÔSI, agora que estamos juntos, eu te juro amor eterno!
Rosineide:Oh! Nada a declarar!(desmaia)
Cena 4
(O palco fica escuro, a cena terminando com os dois abraçados, Pedro beijando Rosineide)
(Robinho aparece chapado na sala de estar, onde estão Noivilene e Dona Benta Picapau.)
Robinho:Rá-rá-rá!!!(Ri espalhafatosamente)
Noivilene:Robinho, querido, você está cambaleando! Está meio doidão, né?
Robinho:E daí? TÔ LEGAL! Tô melhor que vocês, isso eu garanto!
Dona benta:Eu bem que avisei que não ia te fazer bem fumar cigarro de palha, fiote...
Noivilene:Como é que é, Dona Benta? Ele tava fumando o quê?
Dona Benta(ingênua):’Tava com um fuminho enroladinho num papel e quando eu preguntei o quê que era
ele me disse que era um cigarrinho de paia...
Noivilene(risonha):Então temos de levar ele para a cama, dar um banho. Chame lá o Pedro Filipe Augusto,
Dona Benta.
Dona Benta:Tá bom, fia.
Noivilene:Robinho, você fumou maconha na frente da sua avó, seu sem-vergonha?
Robinho:Ela é a vovó que eu mais gosto, você é a Noivilene que eu mais gosto...
(Entram Pedro Filipe Augusto e Rosineide, abraçados)
Noivilene:Vocês estão juntos! Bem que a Neidili falou!
Rosineide:Rolou, Noivilene, ele é um barato. Uma figura massa pacas, sacou?
Pedro Filipe Augusto:Robinho! Você não pode ficar assim, vou te levar para cama, te dar um banho, senão você acaba dando vexame.
Robinho:Hein? Você é o Pedro Filipe Augusto que eu mais gosto...(cai no chão)
Pedro Filipe Augusto:Ah, Robinho, me parte o coração ver você nesta situação...
(Pedro tira Robinho de cena. Rosineide e Noivilene continuam conversando.)
Rosineide:PÔ,bicho, ele é um barato. Uma figura massa pacas, sacou?
Noivilene:Mas vocês já transaram?
Rosineide:Ah,isso ainda não, mas quem sabe rola hoje ainda, depois de colocarmos o Robinho para dormir...
Noivilene:Oh, Rôsi, vai te fazer tão bem, seu cabelo vai ficar tão sedoso, pele suave, dentes brancos e hálito
puro!
Cena 5
(Rosineide e Pedro Filipe no quarto, deitados na cama de casal, ele de pijama, ela de camisola)
Pedro:Ai, foi tão triste despir o Robinho! Ele estava de cueca vermelha, foi horrendo.
Rosineide:Não fique triste, ouça o poeminha que escrevi neste guardanapo: “Nosso amorzinho é tão lindinho, /Ah, Pedrinho, /Me dá um beijinho/Me lambuza de carinho/Uh, gostosinho.../Amanhã cedinho/Meu coraçãozinho/ Vai nascer vermelhinho.”
Pedro:Amei, Dulcileide!
Rosineide:Meu nome não é Dulcileide! RO-SI-NEI-DE, eu me chamo Rosineide!Você me ama e nem ao menos sabe o meu nome, Pedro!
Pedro:Acho que você tem um problema sério com esse teu nome, Dulce!Ops, Rô... Rosineide(levantando-se furiosa):Te odeio! Você deveria saber da história da minha vida!Quando nasci, meus pais, Noélia Lindéia e Múcio Marcos, decidiram fundir seus nomes e me dar um nome como Múcia ou Noécia. Mas nossa criada Katiane sugeriu Rosineide e ficou esse mesmo.
Pedro:Mudando de assunto, sabia que eu tenho uma banda? E sechama Lata Luminosa. Er...é uma mistura de Djavan, inspirado em 14 bis e com uma pitada de Ivan lins, é um som maneiro, quer ouvir uma letra?
Rosineide(alada):Uh!Se quero!Por favor!
Pedro(tirando do bolso um papelório):Eis aqui. Deve estar aqui. Olha: “Numa manhã/Eu vi nhansã/ E comi
maçã/Te segura, irmã/Olé,Djavan!”
Rosineide(abraçando Pedro):Pedrinho! Você gosta de poesia concreta também, que maravilhoso!
Pedro(solene):Nosso amor não é doce. É uma incoerência do universo! Nosso sangue não é amargo; é azul! “Todo sol é amargo/ Toda lua é atroz”. Você gosta do Rambo? Azul como a tinta que escorre e mancha a ponta dos dedos! A mão manchada de azul denuncia o crime.Você já rabiscou a língua, Rosineide? Rabiscar a língua, sabe Rosineide? É, com caneta! Rabisque a língua, Rosineide! Rabisque e sinta o estranhamento às coisas que se evidenciam. O estranho é o azul...Azul, intangível.
Rosineide(eufórica):Pedro Filipe Augusto, agora me sinto em júbilo!
Pedro:Eu também, Dul...Digo, Rosineide!
(Os dois se abraçam)
TREVAS
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