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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Novidade que Permanece Novidade: Artigo de Micheliny Verunschk

Novidade que permanece novidade – Parte 2


Por Micheliny Verunschk


O cotidiano sagrado da poética de Wilson Nanini



Conheci a poesia de Wilson Nanini nesse atropelado 2008. E posso dizer, sem sombra de dúvida, foi uma das melhores surpresas do ano. Talvez você não o conheça, pois como ele mesmo se intitula é “um poeta em fase de berçário”. Entretanto, quem já nasce assim, escrevendo como mestre, não precisa de adjetivos que o qualifiquem.



Sua poética oscila entre a delicadeza e a crueza. E ele maneja a palavra como Manolete toureava. Manolete (1917-1947) é aquele toureiro espanhol convertido em lenda, ao qual o poeta João Cabral, no poema Alguns Toureiros, transformou em metáfora para poetas precisos, elegantes e certeiros. E assim é que Nanini, brinca/luta com a palavra, conquista-a, desmembra-a, torce e retorce cada vocábulo como que para alcançar um céu inatingível. Tem a mão contida, não “poetiza o poema”. E para não fugir da tauromaquia, cabe ilustrar essa passagem com seu poema Boi:



I

Apenas a metafísica

de nossos mitos

explica-nos



– enquanto o boi ergue a cauda

e produz matéria



II

Solene,

com mãos transfiguradas,

afago na

(dele) face minha hoje

escassa identidade.



III

No meio-dia sem álibi...

Na meia-noite sem alento...

O boi (peso, pêlo e poesia

isenta) se indifere pois

intui que plenitude é

– rente ao prazer manufaturado –

deitar-se entre flores

na relva úmida

ao relento

e lamber apenas

as próprias narinas.



Sobre o desejo de alcançar o que não se alcança, vale dizer que seus poemas, quase que invariavelmente, são perpassados pelo Sagrado, um sentimento de transcendência que trafega desde o cotidiano mais mundano até os ideais mais elevados. E mais, costura mundo e espírito com linha forte, procurando tornar um e outro a mesma coisa, numa tentativa de superação da dicotomia corpo e alma que, por um triz, não se efetiva (daí, talvez a sua graça). Um poema exemplar do que descrevo, é Oh, São José!(por sua esposa casta) que transcrevo a seguir:



Perdoai-nos



o espelho

sem reflexo



o homicida (santo) em meu ventre

prestes



Perdoai-nos



o vôo

sem perícia



a nudez

sem delícia



Construído ao modo de uma prece, o poema dialoga, ao mesmo tempo, com a tradição cristã e com um dos mitos universais mais interessantes do ponto de vista do Sagrado, o mito do vampiro. No poema, o Cristo e o Drácula coexistem em seu desejo de eternidade e até na negação do prazer. Dirigido a São José por meio da voz poética da Virgem Maria, o poema se reporta à humanidade como se ambos, Cristo e Drácula, se penitenciassem pelas duras exigências e cobranças do Eterno. Essa trindade obscura, formada por Maria/Cristo/Drácula, ainda que peça perdão, tem a imagem do humano subjugada a seus pés.



Essa mesma imagem de subjugação, vamos encontrar em outro poema, chamado, sintomaticamente, Procissão:



Murmuro ladainhas

de neblina, enquanto um rio

de velas sobre paralelepípedos,

lento, segue esculpindo

rostos agônicos na penumbra.



Odor de incenso se me torna

alma além da que dentro trago

inata.



As rezas do padre,

pelas beatas (traídas) repetidas,

conclamam um cataclismo.

Tanto que se dá então

um reabrir, do deus menino,

as cinco chagas cicatrizadas.



E esse sangue escorrido

de que se esperava coagular toda a maldade

– tinta-vinho então que perdeu o dom –

tem por fim

afogar toda a humanidade.



O poema remete à ondulação, sensação que é construída por meio de imagens fortes e complementares, “o rio de velas”, “o sangue escorrido”, e, desse modo, não é demais dizer que remete também à serpente, ao Leviatã relatado no livro de Jó, monstro da água que ao menor movimento acabaria por “afogar toda a humanidade”. E mais uma vez podemos nos referir a um duplo divino/demoníaco na figura do deus menino/Leviatã. Nesse poema, ecoa algo do William Blake de O Casamento do Céu e do Inferno, na passagem em que surge o Leviatã, seja pelo duo fogo e sangue (comum aos dois escritos), seja pela arquitetura de uma cena cataclismática em andamento lento – o que faz da poesia de Nanini também uma poesia de extremo apelo visual, arriscando até que há um diálogo intenso com o cinema expressionista alemão.



Sobre esta, digamos, filiação expressionista de Nanini, um pequeno poema parece falar mais que mil palavras. Trata-se de Fantasma, no qual as fronteiras entre o mundo objetivo e subjetivo se diluem sem deixar espaço à razão:



Fui dormir carne (dor

e delícia) acordei

névoa (noite onírica).



Wilson Nanini é mineiro de Belo Horizonte e tem um livro, ainda inédito, Quebranto, relances e abismos ao relento. Para quem quiser conhecer melhor sua poesia, indico o blog homônimo ao livro no endereço http://wilsonnanini.blogspot.com/.





Micheliny Verunschk nasceu em Arcoverde e vive, atualmente, em Recife. Lançou Geografia Íntima do Deserto, Landy, 2003. Mantém o blog http://www.ovelhapop.blogspot.com/
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domingo, 11 de janeiro de 2009

Por que somos nietzschianos

Reencontro, a propósito das discussões sobre Nietzsche no blog do Gerald Thomas, o livro Porque Não Somos Nietzscheanos, da finada editora Ensaio. O livro é de 1992. É um apanhado de marteladas eclético-liberais no Nietzsche, mas destaca algumas frases que contribuem para o debate no blog do Gerald. O aforismo 46, segundo Comte-Sponville, está no Anticristo:

"O que segue daí? Fazemos bem em vestir luvas quando lemos o Novo Testamento. A proximidade de tanta sujeira torna-o quase obrigatório. Frequentaríamos os ´primeiros cristãos´ tão pouco quanto os judeus polacos: não que tenhamos de lhes censurar a mínima coisa...Ambos cheiram mal (...). Será ainda preciso que eu diga que em todo o Novo Testamento só aparece uma única figura que se deva honrar? Pilatos, o governador romano. Ele não conseguia levar a sério uma briga de judeus. Um judeu a mais ou a menos -- que importa?"

Para Comte-Sponville, o antijudaísmo e o anticristianismo se mesclam a uma admiração sincera.