Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
terça-feira, 21 de julho de 2009
Texto de José Pedro Antunes, tradutor e escritor genial
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008 “A liberdade é a vítima” (2) O filósofo alemão Peter Sloterdjik fala ao Die Zeit (11/12/2008), em entrevista conduzida por Stephan Lebert e Christine Meffert (tradução de José Pedro Antunes)
Zeit - Pode-se dizer: Este querer ter unilateral causou, afinal, o colapso do sistema financeiro internacional. Assim, o grande “crash” absolutamente não o pegou de surpresa?
Peter Sloterdjik - Talvez soe agora um pouco insolente, mas há bem uns 10 anos eu vivo intensamente a expectativa da crise, e não me cansei de escrever sobre isso em meu trabalho filosófico dos últimos anos. Em “Tempo e Ira” há um capítulo intitulado “Protelação da crise em sistemas movidos a ambição”. Não se pode, na verdade, exigir mais de um filósofo vivo.
Acha que agora as coisas vão ficar sérias?
Sloterdjik -Para décadas e espíritos de época não há funerais oficiais; houvesse-os, seria promovido então um funeral oficial de primeira classe para essa bastante suportável leveza do ser, para essa bastante neoliberal síndrome de frivolidade.
O que mais compunha essa síndrome?
Sloterdjik - Um tipo fundamental dos “anos 00” é, com certeza, o candidato em show de talentos. Nele, um dos sonhos constitutivos da modernidade se mostra com especial nitidez: as pessoas querem ficar famosas pelo mero fato de existir. Sonham com fortunas que dispensam esforço, querem ser ricas, mas a troco de nada. Quem sou eu, que precisei trabalhar para me tornar abastado? Mais ainda se sonha com a fama a partir do nada: Quem sou eu, que precisei saber alguma coisa para ser uma celebridade? Ambas as coisas convergem nos filhos dos notáveis – provavelmente o grupo mais representativo desta época.
Ao pensar nos “anos 00”, vê uma imagem determinada?
Sloterdjik - Sim, o lançamento às águas do Queen Mary 2. De pronto, eu tive a sensação: agora todos vão ver o que aconteceu. As pessoas querem voltar ao luxo desmesurado. Torna-se a construir um navio para os muito ricos, para os quais a primeira classe em um avião é demasiado trivial. Um novo navio de luxo, que promete uma experiência de viagem como em outros tempos, antes de ter se iniciado a era das massas. O Queen Mary 2 é o super-artefato desta época.
O início deste século: Há paralelos com os inícios de outros séculos?
Sloterdjik - O mundo está cheio de paralelos enviesados. Mas, é claro, salta aos olhos a freqüência com que os inícios de século se fazem acompanhar de euforias e fenômenos de prosperidade, que, em sua totalidade, não se comprovam sustentáveis. Pouco depois de 1800 foi assim, e também antes da Primeira Guerra Mundial houve um clima de notável sobreexcitação. Ânimos sensíveis perceberam que havia alguma coisa no ar.
Vamos falar ainda de computadores, internet e celulares. Como se comporta em relação a eles?
Sloterdjik - Da internet eu faço uso intensivo. Um celular eu nunca cheguei a adquirir, não tenho a menor vontade de viver respondendo à pergunta “de onde você está falando?”. O que me interessa é, muito mais, saber em que medida vem se alterando a mobilidade da mão desde que surgiu o celular. Parece que o polegar passou a ser o dedo de trabalho do homem moderno.
Com efeito, surgem já as primeiras pesquisas a afirmar que, com o clicar constante, nossos polegares vão acabar ficando maiores.
Sloterdjik -Veja o senhor! O polegar suplantou os outros dedos, ele é o grande ganhador desta década.
Peter Sloterdijk, 61, é um dos mais conhecidos filósofos da Alemanha. Em 2005, publicou “Im Weltinnenraum des Kapitals” (“No espaço interior do capital”), obra na qual se confronta com a globalização. No início de 2009, virá a público “Du sollst dein Leben ändern” (“Você deve transformar sua vida”).
Zé Pedro Antunes é professor da Unesp, na área de língua e literatura alemã, e escreve às quartas-feiras neste espaço
http://www.tribunaimpressa.com.br/Sessao/?IDSessao=60030
terça-feira, 19 de agosto de 2008
Bush: O MAIS SEXY DENTRE OS HOMENS VIVOS!
Temporada natalina, tempo de reflexão – mas isso, quando muito, na “Good Old Germany”. Para festejar, nos States se fez barulho daqueles. O Papai-Noel celebrou orgias, e o presidente – George W. Bush – empapuçou-se de Coca e, goela abaixo, mandou cheeseburger.
__________________________________________________
Por Martin Kilian (Kilians Kolumne: SPIEGEL online, 03/01/2002)
Trad.: zé pedro antunes (ZPA)
__________________________________________________
Temporada natalina, tempo de reflexão – mas isso, quando muito, na “Good Old Germany”. Para festejar, nos States se fez barulho daqueles. O Papai-Noel celebrou orgias, e o presidente – George W. Bush – empapuçou-se de Coca e, goela abaixo, mandou cheeseburger.
Mais uma vez o Natal foi festejado na América. Nos “pulôveres de Natal” que as pessoas usaram: renas, flocos de neve e manchas de ketchup. Da frente dos automóveis, românticas tiras vermelhas acenavam.
E as casas, como sempre, foram drapejadas com fieiras de luzinhas coloridas. Razão para que as pessoas passassem de carro pelos quiosques deslumbrantemente iluminados e, durante a noite, despertassem empapadas de suor.
Natal com Timothy Leary! Flashback dos grandes! Mas, justamente, funky. Não como naquela chatice que é a Alemanha. Lá, onde o Papai-Noel vive em celibato.
O Papai-Noel americano (“Mr. Claus”), ao contrário, é casado. Com Mrs. Claus. E, na noite da véspera, formidavelmente se fornica na mansão dos Claus. Jubilosos gritos de alegria (“Ooohhh Baby”) se propagam pela noite feliz.
Curiosas, as renas pressionam seus focinhos úmidos contra as janelas do quarto de dormir do casal, para, à farta, se regalarem com o ímpeto sexual do bom velhinho. Isso o leitor não teria pensado, pois não?
Na oficina atrás da casa da família Claus, os elfos, por isso mesmo, dão os últimos retoques nos badulaques de plástico de origem chinesa, antes que a tradicional orgia dos de sua espécie venha a atingir picos elevados no termômetro. Com cheeseburgers e Coke. Rock n Roll, Baby! E, depois da meia-noite, fazem-se as entregas. Em toda a extensão da América!
No dia seguinte ao Natal, os trastes imediatamente vão ser trocados. Só que não em casa de Mr. e Mrs. Claus, mas sim nas respectivas lojas – um negócio totalmente ruim para o comércio varejista americano: Papais-Noéis importados da China são aceitos na troca e seus preços inflacionados; novos produtos chineses são dados de graça – isso mesmo, d-e--g-r-á-t-i-s. Uma insanidade no mercado econômico da classe extra! Mas ninguém ousa criticar o procedimento.
George W. Bush tampouco pode ser criticado. Há pouco, no Miller s, o bar mais bonito do mundo, estava eu sentado ao balcão com o meu amigo Tom, e deplorava a esganação de Mr. Bush com os hambúrgeres. Um freguês ouviu e ficou louco. Por que eu não me mandava então “pro outro lado”, ele dizia. À minha observação de que a DDR, afinal, tinha deixado de existir, me botaram pra fora e me xingaram de “fuckhead”. No caso, tratava-se apenas de cheeseburger, coisa de que Mr. Bush decididamente se enche.
Sobre seus propósitos para o Ano Novo, Mr. Bush respondeu: “Comer menos cheeseburgers”. Por que ele pode dizer isso e eu não? Justamente, por ser universalmente amado. Até mesmo por Erica Jong!
De acordo com as pesquisas, Mr. Bush é “o homem mais admirado da América”. Minhas amigas americanas estão totalmente taradas pelo homem. Com certeza, Doris Day também o deseja. Para não falar de Raquel Welch (que já foi “groupie” do velho Bush!). É claro que Britney Spears também ama Mr. Bush. O mesmo se diga de Christina Aguilera. E, por enquanto, Mariah Carey! Por ele, ela certamente se consome. Em definitivo, Mr. Bush transtorna a cabeça de Julia Roberts, recostado a uma árvore, como o faz por ocasião das férias de Natal em seu rancho perto de Crawford, ousada jaqueta de couro e jeans, a mastigar um talo de grama. Uau! O MAIS SEXY DENTRE OS HOMENS VIVOS!
Será que Susan Sontag o ama? Ou mesmo Hillary? Joyce Carol Oates? Toni Morrison? Rita Mae Brown? Courtney Love? Será que Mr. Bush quer mesmo o amor de todas elas?
E o que dizer de Gore Vidal? Por que razão Vidal não ama Mr. Busch, ainda quando este, ousada jaqueta de couro e jeans, recostado a uma árvore a mastigar um talo de grama, exibe um look absolutamente arrasador?
No caso de Vidal, sua rude e de todo excessiva repulsa por Mr. Bush é puro ciúme. Depois de, na Eslovênia, Mr. Bush ter perscrutado o imo d’alma de Wladimir, Vidal achou que estava perdido. Ora, sejamos sinceros: seduzir Wladimir é útil ao plano do escudo antimísseis de Mr. Bush, mas de que serviria, a este, bajular Gore? Por se sentir (atenção: Freud!) repelido, Vidal fala mal de Mr. Bush – muito embora este dele seja o chefe!
Para Mr. Bush, ao contrário, são indiferentes os descarrilamentos de Vidal (uma condensação de melindres sem igual!). Na noite do Ano Novo, mesmo sem ter lido as últimas tiradas de Vidal, às 22 horas Mr. Bush já estava debixo das cobertas. Na cama, permaneceu provavelmente um bom tempo acordado e, por fim, sonhou que se encontrava no ponto de ônibus Binz
Na cozinha, ele rapidamente tratou de meter um hamburguer no microondas. Era pouco depois da meia-noite, quando lentamente então se pôs a devorá-lo. Para trás ficavam os bons propósitos. Mas Erica, e todos quantos o amavam, com ele se preocupavam.
Só a mim, mais uma vez, Mr. Bush relegou ao esquecimento. Verdade que suas taxas de colesterol me preocupam bem menos do que à Erica Jong.
quinta-feira, 10 de abril de 2008
Da Tradução: Movida a Malvadezas & Escândalos
16/1/2008 Sem que exista a profissão e sem entidade que os congregue e defenda, os tradutores brasileiros são, sabidamente, movidos a maus-tratos. Quando merecem menção, é por terem cutucado o saco de malvadezas do comentador indisposto. Sorte eu não ter me empolgado com o tratamento, surpreendentemente laudatório, que me coube em meados dos anos 1980, quando me lançava como tradutor, pois logo saberia que não me restava senão parir traduções indefinidamente, sem rigor, prazer ou dignidade. Isso apenas para me manter visível, uma vez que a sobrevida material teria de ser garantida mesmo por um outro qualquer afazer ou profissão que existisse. Deixemos de lado, aqui, os milagrosamente imunes, os vitoriosos. E mais: tenho ainda como cenário um tempo em que éramos até felizes com a merreca e os maus-tratos recebidos. Os tempos são outros. Já nem persiste o costume de dar créditos. Peter Bichsel, em seu primeiro lançamento brasileiro, surge em português como que do nada. Na net, depois se vai saber, consta ser Claudia Cavalcanti a tradutora de “O homem que não queria saber mais nada”. Mistérios.Tendo traduzido “O ajudante”, de Robert Walser (Arx/Siciliano, 2003), não houve menção do meu nome nos comentários quando do lançamento. Para os críticos, e quase todos eles para chegar à obra contaram com o meu esforço, o livro, do preferido de Kafka, surgia quase um século depois com as grandes qualidades apontadas por Benjamin em artigo famoso. Ao falar da surpreendente aceitação do produto, um porta-voz do Consulado Suíço falava da dificuldade em traduzir Robert Walser, dada a distância a separar o dialeto suíço do alemão oficial. Ocorre que o romance foi escrito em alemão oficial (Hochdeutsch), e de primeiríssima qualidade, com o apuro quase ‘over’ dos autores nascidos na Suíça ou na Áustria, para os quais o idioma oficial é aquisição escolar, quase sempre penosa. E, vejam, o porta-voz ignorava o autor da proeza que alardeava difícil e, portanto, grandiosa.Com tudo isso, os escândalos que os jornais noticiaram em dezembro último, a envolver uma editora sem lastro no mercado, a Martin Claret, mas também, o que é mais preocupante, uma das editoras de maior visibilidade no país, a Nova Cultural, a mim não me surpreenderam tanto. Talvez seja o momento de nós, modestos construtores desse ‘balança-mas-não-cai’ que é a produção cultural brasileira, nos organizarmos em defesa não apenas dos nossos interesses, mas sobretudo de um mínimo de decência em lançamentos criminosos como os que em dezembro viraram notícia. Seria preciso desmascarar também, nesse funcionamento, a farsa que promove uma certa genialidade em detrimento do labor de tantos, bem como de colocar sob suspeita alguns hiperativos, que não se pejam de despejar no mercado pencas de traduções, não vou citar nomes, e de abraçar um elenco formidável de autores, impensável para qualquer tradutor que verdadeiramente se leve a sério.De acordo com Denise Bottmann, historiadora e ex-professora da Unicamp, tradutora consagrada, ao relançar mais ou menos 20 obras da literatura universal, anteriormente publicados pela Editora Abril, a Nova Cultural simplesmente eliminou nomes como Oscar Mendes, Galeão Coutinho, Octavio Mendes Cajado, Mario Quintana, Ligia Junqueira, Hernani Donato, Silvio Meira, Brenno Silveira e muitos outros, para substituí-los por nomes supostamente ‘de fantasia’.Agradeço o informativo e-mail que me enviaram Karin Volobuef (FCL-UNESP, Araraquara) e José Oscar de Almeida Marques (IFCH-UNICAMP), com farto material sobre este momento preocupante para a atividade translatícia no País. Entre elas, o acesso à pesquisa de Denise Bottmann: