Depois de lido o comentário da revista New Yorker a respeito de Anticristo, de Lars Von Trier, fico com vontade de dizer algumas coisas. Anthony Lane diz não entender o título. Mas a simbologia de Trier (ele disse, segundo Lane, que é um filme-sonho) não é assim tão confusa. Vou arriscar uma interpretação: He, o psicanalista, é o Deus-pai, She, a mulher, é Cristo; o Espírito Santo, a pomba, é o menino que caiu; a natureza é Satanás, ou a "igreja de Satanás", como comenta a personagem feminina. A tese sobre bruxas que ela andava fazendo materializa-se na cabana na floresta e ela mesma morre queimada, tal como uma bruxa.
A lógica do filme é nem tanto a do sonho, mas do pesadelo, porque o filme é dominado pela natureza, logo, por Satanás. A imensa dor da perda do filho pequeno é extensamente pesquisada, encenada, repetida. O filme é contra o Cristo que a mulher representa; a ótica dele, no geral, é a da natureza. A referência pode ser ao Anticristo de Nietzsche, onde ele diz que a Imaculada Concepção é que maculou a concepção, tornando pecado toda gravidez onde esteja presente o sexo.
O sexo é uma força da natureza no filme; é parte da força de Satanás, onde reina o caos. A imagem da constelação da raposa, do cordeiro e do corvo, seguida pela chegada desses três animais, parece representar os três reis magos e apontar para uma simbologia mágica, quem sabe de magia negra. Pelo menos foi essa a impressão com a qual fiquei. A música de Haendel, o Cristianismo, as criações do homem tais como a Psicologia, parecem estar lá para serem destruídas. Esse é mais que um filme: é um pesadelo concretizado em imagens, uma força da natureza, ou seja, um braço da "Igreja de Satanás".
Na Bíblia, o Anticristo virá no final dos tempos, com a decadência da civilização. Ele não tem propriamente uma face no filme, mas o filme se faz em cima da ideia de que nosso ataque à natureza, que no filme não é edênica e sim satânica, está trazendo o fim dos tempos e com ele o Anticristo. Curiosamente, Anthony Lane, resenhista da New Yorker, não fala em Satanás em seu review, pelo contrário, acha o filme em grande parte ridículo e faz piada de sua manifestação demoníaca através da boca de uma raposa, dizend que essa imagem o faz pensar em Pedro e o Lobo (!). Lane também fez piada da agressão da mulher ao homem, que fez o pinto dele jorrar sangue, numa das cenas mais aflitivas do filme. Isso o fez pensar num filme cafona da Madonna...
O que Von Trier desejou foi materializar o inconsciente do espectador no filme, daí o fato dele ser tão penoso de assistir (parte da platéia saiu). Senti arrepios na espinha e quase chorei com a reiteração das imagens de pesadelo a respeito do filho perdido (sofri situação semelhante quando perdi minha filhinha Lara recém-nascida); enfim, sofri muito, mas achei o filme instigante, até melhor do que Dogville e Dançando no Escuro, filmes anteriores dele que vi. Dogville foi como uma peça filmada; talvez ficasse melhor resolvido se fosse teatro e Gerald Thomas a dirigisse. Dançando no Escuro era, em parte um musical. Embora eu goste da Bjork, a parte especificamente musical não fluiu e ficou como que inserida à força, chegando mesmo a incomodar.
Anticristo realmente me toca, me emociona. A simbologia cristã é muito visitada, dada sua importância, daí paródias grotescas, tais como D (r) ogma (alguém lembra?), um aleijão do Kevin Smith. Mas não fui buscando entretenimento, enfim. E não se vê sonhos materializados na televisão e na maior parte do cinema por aí, a não ser, quem sabe, para vender coisas.
Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
Mostrando postagens com marcador Anticristo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Anticristo. Mostrar todas as postagens
domingo, 25 de outubro de 2009
domingo, 11 de outubro de 2009
Anticristo: trailer e texto do genial Felipe Moreira
Quarta-feira, 2 de Setembro de 2009
O Anticristo
Para Maíra.
Instruções para cena:
Precisa ficar imediatamente claro que MAÍRA MATTHES vai cortar seu clitóris até o final da cena e isso vai ser insuportável para você que mal conseguiu ler essa frase até o final. A cena, todavia, é de HUMOR. Mas um HUMOR dificilmente penetrável. Porque o Anticristo de Lars Von trier, segundo a Plastic Blond Beast lendo Lars Von Trier lendo o Anticristo consiste no seguinte: CHARLOTTE GAINSBOURG e WILLIAM DEFOE vão para a casa da Floresta, porque o filho deles caiu da janela. Isso, entretanto, tem grande humor. Casa da Floresta = Éden. Filho que caiu da janela = HUMANIDADE ou o PÓS-PARAÍSO. Daí também CHARLOTTE GAINSBOURG = PLASTIC EVA DEFORMADAMENTE DIZENDO ACERCA DA MULHER EM SI e WILLIAM DEFOE = PLASTIC ADÃO DIZENDO DEFORMADAMENTE ACERCA DO HOMEM EM SI. PLASTIC implica tentando CONCRETIZAR esse mito (por conseguinte, pretensamente a-histórico e verdadeiro) cinematograficamente, por meio de atores ocidentais representando conflitos ocidentais (CONCRETIZAR esse mito AGORA na sua frente falando sobre esse filme e colocando personagens de verdade –– FELIPE MOREIRA e MAÍRA MATTHES –– no lugar dos atores. Mas é imprescindível que a platéia "altamente erudita" se pergunte (embora a cena não se pergunte diretamente): seria MAÍRA MATTHES, o Anticristo, ou tratar-se-ia do inverso?). EM SI significa em si. A questão é: WILLIAM DEFOE diz que pode legislar acerca da natureza. CHARLOTTE GAINSBOURG diz que essa legislação é impossível e que, sendo assim, FELIPE MOREIRA é “so fucking arrogant”. Daí WILLIAM DEFOE repete todas as metafísicas que achavam que era possível falar a partir de um primeiro princípio natural. Daí CHARLOTTE GAINSBOURG –– THIS IS THE PLASTIC BLOND BEAST COMPANY SHOW –– vê que a história inteira do ocidente está desconstruída, porque CHARLOTTE GAINSBOURG é mulher, porque CHARLOTTE GAINSBOURG é intempestiva, porque CHARLOTTE GAINSBOURG é a própria VERDADE, porque CHARLOTTE GAINSBOURG, c´est moi ou CHARLOTTE GAINSBOURG = MAÍRA MATTHES e MAÍRA MATTHES vai cortar seu clitóris até o final da cena e isso vai ser insuportável, mas você, quero dizer, a platéia, vai achar isso tudo muito bem humorado, uma cena bem humorada de verdade, porque é a única maneira de lidar com o fato de que você não está entendendo nada e está odiando tudo que se passa na cena. Mas a coisa é muito simples: FELIPE MOREIRA é o próprio FALSO. E CHARLOTTE GAINSBOURG é O PRÓPRIO ANTICRISTO, porque WILLIAM DEFOE é CRISTO. Daí WILLIAM DEFOE (WILLIAM THE FOUNY (o falso)), WILLIAM THE FOU (o louco) diz que a morte do filho (a perda do paraíso) implica três estados: luto, dor, desespero. Para MAÍRA MATTHES, isso é uma relesmunda baboseira de psicólogo, porque só há uma IMPROVISAÇÃO acerca dessas três instâncias, à qual ela PLASTIC BLOND BEAST nomeia de os três mendigos e “quando os três mendigos aparecem alguém tem que morrer”. Daí FELIPE MOREIRA diz: “essa constelação, a dos três mendigos, não existe”. Daí CHARLOTTE GINSBOURG responde: “é claro que não existe, só há a deformação, eu estou artificialmente te impondo essa”. Porque WILLIAM DEFOE acha que ele pode curar MAÍRA MATTHES com a sua relesmunda baboseira de terapeuta, mas CHARLOTTE GINSBOURG sabe que não tem cura, que o paraíso está perdido, sempre esteve perdido e que aqueles que falam a partir do paraíso são perigosos. Porque CHARLOTTE GINSBOURG é a NOVA RAZÃO, a NOVA CONSCIÊNCIA e não um imbecil para além da razão, para além da consciência. Ela tem CONSCIÊNCIA de um artifício que se impõe ao CORPO e que é só artificialmente, plastic blond beastmente que se fala sobre o corpo e não LEGITIMAMENTE como FELIPE MOREIRA que é crente e crê poder dizer O QUE É NATURAL. FELIPE MOREIRA é em suma, segundo MAÍRA MATTHES, o último metafísico do Ocidente. Daí não foi exatamente MAÍRA MATTHES quem calçou os sapatos nos pés do filho e deformou os pés do filho fazendo-o tombar do parapeito da janela e morrer: os pés estão sempre deformados calçados deformadamente por sapatos / bocas para seus pés Maturi (Rua Visconde de Pirajá 475, Ipanema). Isso não pode ser negado. Precisa partir dessa improvisação constituinte. Mas WILLLIAM DEFOE acha que não, acha que existem calçados melhores que os calçados Maturi. Daí CHARLOTTE GINSBOURG precisa mostrar para ele a VERDADE e a VERDADE aparece assim: ela pega um bloco de CONCRETO e golpeia o pau de WILLIAM DEFOE. MAÍRA MATTHES masturba o pau de FELIPE MOREIRA e WILLIAM DEFOE goza sangue e desmaia. Daí ela enfia uma roda de CONCRETO na canela de WILLIAM DEFOE para que FELIPE MOREIRA reconheça que a técnica é constituinte dele também, para que ele entenda que a NATUREZA NÃO É NOSSA AMIGUINHA. Por conseguinte, ele não consegue mais andar. Porque CHARLOTTE GINSBOURG corta o seu clitóris na sua frente, porque ela só consegue legislar assim acerca do natural, porque ela tem CONSCIÊNCIA do caos e ela escolhe o caos, do qual WILLIAM DEFOE (que é fraco) se defende. Porque FELIPE MOREIRA é Cristo, é o reles que insiste reles-sendo, reles-indo e vindo reles-siando numa reles, reles pseudo / relativista que mata CHARLOTTE GINSBOURG / MAÍRA MATTHES / VANGUARDA sufocada. Daí WILLIAM DEFOE está sozinho na floresta (ele acha que está vivo): a floresta é o PRÓPRIO PRESENTE (a platéia acha que está viva, extraordinariamente viva, como WILLIAM DEFOE). A floresta / PRÓPRIO PRESENTE está cheio de MULHERES (elas acham que estão vivas), mas essas MULHERES não são mulheres, elas são HOMENS. Elas são WILLIM DEFOE. Porque a MULHER morreu. Mas a cena (o fato dela existir para te dizer que a MULHER morreu) é extremamente otimista, é extremamente bem humorada. Daí a platéia inteira precisa cortar o clitóris de rir.
Postado por Felipe Moreira às 08:29 20 comentários
Marcadores:
Anticristo,
Felipe Moreira,
texto,
trailer
Assinar:
Postagens (Atom)