Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
domingo, 25 de outubro de 2009
Anticristo: review na New Yorker
A lógica do filme é nem tanto a do sonho, mas do pesadelo, porque o filme é dominado pela natureza, logo, por Satanás. A imensa dor da perda do filho pequeno é extensamente pesquisada, encenada, repetida. O filme é contra o Cristo que a mulher representa; a ótica dele, no geral, é a da natureza. A referência pode ser ao Anticristo de Nietzsche, onde ele diz que a Imaculada Concepção é que maculou a concepção, tornando pecado toda gravidez onde esteja presente o sexo.
O sexo é uma força da natureza no filme; é parte da força de Satanás, onde reina o caos. A imagem da constelação da raposa, do cordeiro e do corvo, seguida pela chegada desses três animais, parece representar os três reis magos e apontar para uma simbologia mágica, quem sabe de magia negra. Pelo menos foi essa a impressão com a qual fiquei. A música de Haendel, o Cristianismo, as criações do homem tais como a Psicologia, parecem estar lá para serem destruídas. Esse é mais que um filme: é um pesadelo concretizado em imagens, uma força da natureza, ou seja, um braço da "Igreja de Satanás".
Na Bíblia, o Anticristo virá no final dos tempos, com a decadência da civilização. Ele não tem propriamente uma face no filme, mas o filme se faz em cima da ideia de que nosso ataque à natureza, que no filme não é edênica e sim satânica, está trazendo o fim dos tempos e com ele o Anticristo. Curiosamente, Anthony Lane, resenhista da New Yorker, não fala em Satanás em seu review, pelo contrário, acha o filme em grande parte ridículo e faz piada de sua manifestação demoníaca através da boca de uma raposa, dizend que essa imagem o faz pensar em Pedro e o Lobo (!). Lane também fez piada da agressão da mulher ao homem, que fez o pinto dele jorrar sangue, numa das cenas mais aflitivas do filme. Isso o fez pensar num filme cafona da Madonna...
O que Von Trier desejou foi materializar o inconsciente do espectador no filme, daí o fato dele ser tão penoso de assistir (parte da platéia saiu). Senti arrepios na espinha e quase chorei com a reiteração das imagens de pesadelo a respeito do filho perdido (sofri situação semelhante quando perdi minha filhinha Lara recém-nascida); enfim, sofri muito, mas achei o filme instigante, até melhor do que Dogville e Dançando no Escuro, filmes anteriores dele que vi. Dogville foi como uma peça filmada; talvez ficasse melhor resolvido se fosse teatro e Gerald Thomas a dirigisse. Dançando no Escuro era, em parte um musical. Embora eu goste da Bjork, a parte especificamente musical não fluiu e ficou como que inserida à força, chegando mesmo a incomodar.
Anticristo realmente me toca, me emociona. A simbologia cristã é muito visitada, dada sua importância, daí paródias grotescas, tais como D (r) ogma (alguém lembra?), um aleijão do Kevin Smith. Mas não fui buscando entretenimento, enfim. E não se vê sonhos materializados na televisão e na maior parte do cinema por aí, a não ser, quem sabe, para vender coisas.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
terça-feira, 11 de agosto de 2009
terça-feira, 12 de maio de 2009
Filme sobre Aécio no Youtube
O filme explora as relações entre o Governo de Minas Gerais e a mídia no país, e como ele usa seu poderio economico para suprimir críticas e construir a imagem do Governador Aécio Neves, através de investimentos publicitários.
É um filme ágil de 8 minutos, com entrevistas e exemplos.
Por favor, assista o filme e espalhe a mensagem, já que esse não é um problema exclusivo de Minas Gerais, mas algo que acontece em todo o Brasil e no mundo.
Uma versão com legendas em portuguës do filme já apareceu no YouTube.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
Sobre Brokeback Moutain na Globo
No DVD, esse filme foi dublado com sotaque caipira que me fez rir à beça, pois quase todo mundo nessa cidade do interior onde vivo fala assim. A Globo deve ter achado que já era provocação demais isso e cortou a dublagem com sotaque, fazendo uma mais neutra, camuflando o sotaque carioca que a emissora tem e do qual faz apostolado.
Sobre "Brokeback Mountain" na Globo
clock janeiro 5, 2009 12:41 by author Vitor
No último sábado, estava folheando um jornal quando li que a Globo iria passar o excelente O Segredo de Brokeback Mountain à noite. Fiquei surpreso, afinal, não foi essa a emissora que cortou uma cena de beijo gay em uma novela das oito? Tudo bem que o filme iria ser exibido depois das 23 horas, mas mesmo assim, acredito que o Super Cine tenha um público tão ou mais tradicional do que os espectadores de A Favorita. Antes de concluir que seria um avanço da emissora, já imaginei que as cenas homossexuais deveriam ser cortadas pela trupe de Roberto Marinho, o que foi negado pela minha mãe, que o assistiu no sábado (eu não consegui ver).
Em uma televisão antiquada para alguns aspectos sociais como é a brasileira, achei a exibição de Brokeback Mountain uma certa evolução. Mas ainda está distante, neste aspecto, da TV norte-americana, por exemplo. Outro dia aluguei o box da primeira temporada de Brothers and Sisters, seriado que passa na ABC, canal aberto dos Estados Unidos, e tem uma audiência bem expressiva. Na série, previsível mas divertida, Sally Field é a mãe de cinco filhos. Um deles é gay e seus relacionamentos com outros homens é tratado de uma forma natural, com direito a beijos, expressões de carinho, etc. A audiência continua forte e até hoje ninguém morreu nos Estados Unidos por causa disso. Porque será que no Brasil parece ser ainda tão espinhoso tocar no assunto?
Ás vezes eu acho que é porque o público brasileiro tem os programas que merece. Outro dia, lendo jornais e sites por aí, vi uma pessoa indignada com a Globo por ter exibido Aline, especial de fim de ano baseado nas tirinhas de Adão Iturrusgarai. A reclamação era devido ao fato da protagonista ter dois namorados e os três viverem sob o mesmo teto. Ele ainda afirmou que mesmo não tendo cenas de sexo, um programas desses seria uma afronta para as crianças brasileiras.
Claro que não posso generalizar e não sei se Aline foi bom ou ruim porque não assisti, mas não exibir coisas de qualidade porque seriam exemplos ruins para as crianças é um retrocesso. Obviamente que não estou falando em passar um filme do Todd Sollondz na Sessão da Tarde. Mas, em horários apropriados, o público não deveria ser privado de coisas bem feitas e que não sejam gratuitas. O engraçado é que a exploração da violência e do corpo pela televisão e pelos jornais (principalmente os de 25 centavos que pipocam por aí), estes sim, gratuitos e de qualidade discutível, está aí, o dia inteiro.
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sexta-feira, 17 de outubro de 2008
W, Filme de Oliver Stone Sobre Bush
http://br.youtube.com/watch?v=weELpc3pYMs&feature=related
Os comentários de pessoas no Youtube disseram que é propaganda. O filme estreou hoje (17/10) e o Gerald Thomas disse que gostou de umas coisas, outras não. Eu gosto da música dos Talking Heads. Em todo caso, é difícil ser isento nessa altura da história. Como disse o próprio Bush na entrevista:
--qual será seu lugar na história?
--na história estaremos mortos!
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Cleópatra, de Júlio Bressane, Bresson, Besson
Não vi esse espírito de paródia, não; a idéia é a fruição, mostrar soluções criativas de um grande artista. Há ironia quando Cléopatra desnuda César e fala: "jamais alguay foi tratado pelos deuses com tanta singularidade". Eu vi o filme em DVD e repeti essa cena, a pedido de minha esposa. É alguay mesmo! É uma piada com Miguel Fallabela, que nessa cena tem dois dedos enfiados no ânus por parte de Cléopatra, que antes tira os anéis, claro. Curioso Coelho não comentar isso. A proposta de Bressane é, enfim, fazer filmes para uns poucos que podem fruí-los devidamente, como bem cantou a bola Ivan Lessa. É belo, mas é para paladares sofisticados. A narrativa é lenta, contemplativa, com recorrentes imagens de água límpida, corrente, além do mar (uma obsessão do diretor).
Há algo de teatral em Cleópatra, há um silêncio absoluto que, entrecortado de falas refinadas até o extremo, e que, por não existir na maioria dos filmes, nos espanta e inquieta: na maioria dos filmes, observem, há ruído ou música incidental o tempo todo. Em Bressane não; aqui se vai ouvir belos diálogos, contemplar longamente belas cenas, ouvindo o mar se arrebentando em ondas ao fundo. O início é propositalmente abrupto: sabe-se, de cara, que é um filme experimental refinado e que vai exigir muito do espectador: o recado está dado, Pompeu está morto e sua cabeça decapitada é contemplada longamente. Quase não há trilha sonora. Há um jogo entre falas e silêncio, luz e sombra, preto e branco e cores. A música, quando entra, é para ser ouvida, é personagem da trama: um lindíssimo trecho de ópera comenta a grandeza de Júlio César, um samba comenta o sofrimento da protagonista, enquanto vemos seu rosto moreno, altivo. Um belo filme, mas que exige algum entendimento de história, ao contrário dos filmes épicos norte-americanos.
Cleópatra, de Júlio Bressane
A atriz Alessandra Negrini seria passável no papel de uma normalista do Méier, mas imaginá-la como Cleópatra, como fez Júlio Bressane em seu mais recente filme, é no mínimo uma ousadia, e provavelmente um ato transgressivo. Só não é mais ousado e transgressivo do que colocar Miguel Falabella no papel de Júlio César.
Mas quando, entre os dois ou três senadores humilhados pelo conquistador da Gália, o espectador distingue um velho conhecido dos programas de Chico Anísio e Jô Soares –trata-se do excelente comediante Lúcio Mauro, coberto de toga, rímel e batom— está mais do que dado o sinal de que o filme “Cleópatra” repete o velho slogan da ditadura militar: ame-o ou deixe-o.
Não o amei, nem deixei de vê-lo. Sem dúvida, tudo no filme traz a aparência da paródia mais selvagem. Os palácios de Alexandria têm banheiras claramente inspiradas nos motéis da Barra da Tijuca. Alguns mármores sugerem a decoração do Palácio do Catete, e as palmeiras do Egito não gorjeiam como as de cá. Armam-se tendas e divãs entre as pedras da avenida Niemeyer, e tronos, piras, coxins, sofás e tapetes vieram com certeza de um saldão de móveis –só faltava aos cenógrafos terem levado o Brasilino de presente.
Dito assim, tudo poderia ser uma paródia das produções épicas de Cecil B. de Mille. Mas acontece que, se a aparência é paródica, o filme de Bressane não se apresenta como tal. Não há nenhum momento em que “pisque o olho” para o espectador, instando-o a não levar nada daquilo a sério. Tudo se desenrola com máxima seriedade.
Que concluir desse mistério? Vale a pena prestar atenção nos diálogos, soleníssimos, do filme, onde se misturam citações de Drummond, João Cabral, e não sei quantos poetas parnasianos.
Cleópatra foi acusada de “enfeitiçar” Marco Antônio (sei disso assistindo a série “Roma”), e sua história encena uma espécie de choque cultural. O conquistador romano é seduzido pelos prazeres e delírios de uma corte estranha, animalesca, refinada, irracional.
Não seria um caso de “antropofagia”, ou, se quisermos, de absorção do colonizador pelo colonizado? E, se se trata disso na interpretação que Bressane dá aos fatos da história romana, o seu filme dá um passo a mais nesse processo: toda a pretensão hollywoodiana de criar um Egito e uma Roma “reais” eram, no fundo, absurdos. E o absurdo de Miguel Falabella como César não é menor que o de Richard Burton no mesmo papel. Fazendo saltar aos olhos a brasileirice desses romanos e egípcios, Bressane não nos ridiculariza; ridiculariza, com solenidade ritual e egípcia, a nova Roma de George Bush.
Tudo isso não basta para recomendar o filme aos desavisados. Mas bastou para que eu não saísse uivando da sala nos primeiros minutos de projeção.
Um bom complemento para “Cleópatra” seria “Roma” , de Fellini, que finalmente saiu
Cleópatra: ame-o ou deixe-o
Escrito por Marcelo Coelho às 02h54
Comentáriossábado, 16 de agosto de 2008
Brando a Nu
É um começo tipicamente americano, a chegada triunfalista a Nova Iorque, Marlon Brando fulminante, desejoso de vergar o mundo a seus pés. Acima de tudo, é a descrição de um corpo que não pode passar despercebido, "um espécime físico perfeito", os jeans mais apertados de Nova Iorque, dois tamanhos abaixo de forma a moldar os genitais.
Podia ser o início de um filme porno, é o início de "Brando Mas Pouco" (o título português aproveita o trocadilho com o nome do actor, mas acaba por ser pudico face ao original "Brando Unzipped" - literalmente "Brando de braguilha aberta").
Não é a (mais uma) biografia de como Brando se desnudou mais do que qualquer outro actor apesar de permanecer vestido (a vulnerabilidade à flor da pele que ele se esforçava por dissimular quando representava), é a biografia do corpo que sempre quisemos despir. Brando, a "fuck machine" que emerge de "Brando Mas Pouco" (Pedra da Lua), é a consumação definitiva das fantasias projectadas sobre alguém que teve demasiado corpo.
Nenhuma possibilidade ou impossibilidade foi excluída, este é um relato sobre os anos 1950 capaz de escandalizar os anos 2000 ao ritmo de uma revelação por página (e são 768, no total!). Pedofilia, travestismo, "fellatios" com anónimos, incesto, orgias masculinas. Se não aconteceu, podia ter acontecido - mesmo não conseguindo (ou não querendo) suspender a nossa incredulidade, admitimos que se há corpo que pode aguentar com tudo é o dele, Brando.
Podia ser um filme porno, é "Brando Mas Pouco": uma catalogação de relações sexuais que não distinguiam géneros. Uma lista sonora de amantes, de Hollywood e arredores: Burt Lancaster, Laurence Olivier, John Gielgud, Marilyn Monroe, Marlene Dietrich, Rock Hudson, Grace Kelly, Rita Hayworth, Leonard Bernstein, Noël Coward, Shelley Winters, Ava Gardner, Hedy Lamarr, Anna Magnani, Montgomery Clift, James Dean, Tallulah Bankhead, Ingrid Bergman, Edith Piaf...
Material "explosivo", como se costuma dizer. Por mais que cada página tenha uma revelação abre-bocas, o mais surpreendente é que tudo isto tenha sido mantido em segredo até agora - continua a falar-se de Brando, na televisão ou nos jornais, sem sinal do omnívoro bissexual que "Brando Mas Pouco" retrata.
Darwin Porter, do outro lado do telefone, explica que o que lhe interessa é chegar onde nenhum outro biógrafo chegou antes, revelar material inédito. "Por exemplo, em vez de escrever sobre Marilyn Monroe e John F. Kennedy, escrevi sobre o seu ''affair'' com Ronald Reagan em 1950. Você não podia saber que ela teve um caso com Ronald Reagan", diz este cândido senhor de 70 anos, que é o autor de "Brando Mas Pouco".
Alguém disse que Porter é um escritor de escândalos de celebridades e ele não se importa. Até aceita. "O inglês Oliver Cromwell disse uma vez: ''Pintem-me como sou, incluindo os defeitos.'' Acho que a biografia do futuro incluirá os defeitos e, para isso, será preciso cavar fundo a vida das pessoas. Pode dizer: mas isso é invasão de privacidade. Pois é. Mas o que eu penso é: se teme que a sua privacidade seja invadida não tente ser uma estrela de cinema. É um trabalho sujo, mas alguém tem de o fazer."
A elite artística
Não é quando vemos os filmes e lemos as colunas de "gossip" dos jornais que Hollywood nos parece longe. É quando se lê "Brando Mas Pouco", onde Hollywood parece viver segundo a sua própria regra, onde uma estrela pode ter vida dupla e passar incólume, por assim dizer. "Sempre houve uma elite artística na América, onde se podia dizer e fazer o que se quisesse", diz Porter. "Dentro dessa elite artística - isto é, o mundo de Tennessee Williams, de Tallulah Bankhead, de Marlon Brando - não se era julgado. Vi as coisas mais infames, ouvi as coisas mais infames, mas tudo isso se passava dentro de portas fechadas." Porter olha para as estrelas como se elas pairassem acima dos mortais - e isso já não parece ser deste tempo (e é ele que pronuncia o nome que quebra o feitiço, que mostra como a tradição já não é o que era: Britney Spears).
Porter é um desses "insiders" que toda a vida escreveu sobre Hollywood. "Brando Mas Pouco" resulta de um trabalho de mais de 40 anos, recolhendo e anotando impressões e memórias de terceiros, sobretudo Glorias Swansons, estrelas desvanecidas, que é quando elas estão mais disponíveis. Lembrem-se: é um trabalho sujo, mas alguém tem de o fazer.
A biografia é um relato oral, e não comprovado, baseado no testemunho de pessoas que privaram com Brando e cujas motivações podem ser as menos inocentes: alguém que Brando desiludiu em busca de retribuição, alguém tentando passar por amante de Brando para se engrandecer...
Porter descreve o seu método: nunca entrevistou ninguém especificamente sobre Brando, mesmo que Brando fizesse parte das suas segundas intenções; limita-se a ir ter com as pessoas e a esperar que a memória faça das suas. "Marlon Brando fazia parte da tapeçaria da vida das pessoas e eu sempre tive um diário onde ia registando coisas que podia vir a usar. O diário tem agora tantas coisas que nunca conseguirei publicar um décimo de todo o material que tenho! Dou-lhe um exemplo: quando passei uns tempos com Tallulah Bankhead, servindo-lhe bebidas à noite, ela contou-me histórias de Marlon Brando, John Barrymore, Ethel Barrymore... gente sem fim. Em breve vou encontrar-me com uma actriz
Fulminado pelas estrelas
"Brando Mas Pouco" pertence a essa família de biografias apócrifas, em que a história secreta, escabrosa, é a boa história. Como "Hollywood Babylon", de Kenneth Anger. Porter quase solta um gritinho de prazer. "Acertou na ''mouche''", diz. Acaba de escrever o terceiro "Hollywood Babylon", que foi publicado já depois desta entrevista com o Ípsilon, 400 páginas picantes sobre estrelas de outrora e agora. Um livro "para o século XXI", ao lado do qual o original parece um documento "bastante inócuo", diz.
O que Porter tem em comum com Anger, para lá do potencial chocante das suas histórias, é a crença de que o lado obscuro é a continuação da celebridade por outros meios. "Brando Mas Pouco" é uma espécie de biografia de série B, como atesta a sua escrita despreocupada, de tablóide. Numa palavra: "pulp". Ela centra-se na primeira metade da vida de Brando, presumivelmente os seus anos de maior voracidade (bis)sexual; a partir de 1961, quando a sua carreira desacelera, a biografia acelera, resumindo-se à "petite histoire" ilustrada.
Mas não é carreira de Brando que determina a biografia, é a sua presumível vida sexual. A certa altura, alguém diz que Brando foi particularmente activo enquanto homossexual nos anos 40 e, de forma menos intensa, nos anos 50, e que depois disso, à medida que envelheceu, parece ter levado uma vida "normal" e é, sobretudo, por isso, que Porter se desinteressa dela. "Brando Mas Pouco" não é a biografia do actor Brando - a sua meteórica ascensão entre a Broadway e o cinema está lá, mas é uma narração paralela e secundária - mas existencialismo de alcova, o retrato de um monstro de sensualidade e sexualidade, que usou o corpo para dominar os outros (a biografia conta como, antes de entrar no palco, Brando se masturbava de forma a que a erecção fosse visível em cena). Num documentário recente ("Brando", de Mimi Freedman e Leslie Greif, 2007), o actor Edward Norton nota como as pessoas costumam pensar em Brando como "um ícone do vigor masculino" quando, na verdade, ele era uma "justaposição de coisas", tão incrivelmente masculino quanto incrivelmente feminino. Para lá da sua improbabilidade, "Brando Mas Pouco" surge como a encarnação - encarnação no sentido mais literal: a ideia torna-se carne - desse hibridismo, uma espécie de terceira via, ou terceiro sexo.
Também é a prova de que o fascínio de um corpo não termina com a sua morte. Nos Estados Unidos "Brando Mas Pouco" foi publicitada como "a biografia que teve de esperar que Brando morresse". É mais do que uma "tagline", confirma Porter, autor de outras biografias, igualmente reveladoras, de gente como Katharine Hepburn (onde defende que ela e Spencer Tracy seriam bissexuais dissimulados), Howard Hughes, Humphrey Bogart ou Michael Jackson. Esta última foi a mais difícil porque o biografado ainda estava vivo. "A minha biografia é o primeiro livro significativo publicado após a morte de Brando. Nunca o publicaria enquanto ele era vivo. Não sei se ele me teria processado. Os advogados de Katharine Hepburn ter-me-iam processado, na verdade eles ameaçaram fazê-lo mesmo depois de ela morrer. Agora, na sequência do meu livro, estou sempre a encontrar referências à bissexualidade de Katharine Hepburn, até na primeira página do caderno literário do ''New York Times''. Acho que haverá mais coisas no futuro sobre Marlon Brando que seguirão o mesmo padrão. Só tento ser o primeiro."
Apesar do seu conteúdo bolinha vermelha (o mais notório é um grande plano de um "fellatio" de atribuição duvidosa, entre Brando e um dos seus amigos mais próximos, o também actor Wally Cox), "Brando Mas Pouco" revela simultaneamente um fascínio adolescente, um olhar que se diria cândido, sobre esse mundo de adultos. Talvez isto explique alguma coisa: perguntamos a Darwin Porter como é que ele se interessou por Hollywood e vamos parar à infância dele. "A minha mãe era assistente de uma cantora e dançarina muito famosa chamada Sophie Tucker. Toda a gente estava sempre em casa de Miss Sophie: Frank Sinatra, Judy Garland... Eu saía da escola e corria para casa dela, para ver quem é que podia lá estar. Uma vez a Judy Garland cantou ''Over the rainbow'' para mim, quando eu era pequeno. É esse rapazinho fulminado pelas estrelas que agora escreve sobre elas."
Kathleen Gomes (PÚBLICO)