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domingo, 15 de janeiro de 2012

O riso da mulher de Trácia

O livro O Riso da Mulher de Trácia, publicado na Alemanha em 1987, permanece até hoje inédito no Brasil, assim como Hans Blumenberg (1920-1996), seu autor, permanece pouco conhecido em nosso País. Blumenberg destacou-se pelo estudo das metáforas e da recepção.
No texto O Riso da Mulher de Trácia, Blumenberg investiga a recepção da imagem da queda de Tales num poço, seguida pelo riso da mulher logo ali perto. A mulher representa o senso comum. Essa piada tornou-se o símbolo do nascimento da divisão entre o mundo da teoria e o mundo da vida, entre a filosofia e o senso comum e os conflitos que daí decorrem. Blumenberg, embora estudando essa imagem um tanto quanto vaga, faz uma investigação séria, mobilizando sua erudição em latim e grego e seus conhecimentos sobre a antiguidade, conseguindo encontrar ecos dela de Platão até Heidegger. Aristóteles contou história em sentido contrário, narrando que Tales fez a previsão de uma grande colheita, alugou prensas de azeitonas e ficou rico. No entanto, como acreditar, se até hoje a pesquisa sobre o clima e sobre o ano produtivo é incerta?
O fundamento da pesquisa de Blumenberg é a seguinte teoria: ocorreu uma apropriação de uma fábula de Esopo que tratava de um astrólogo anônimo que, investigando o céu, caiu num poço. Platão e colocou Tales como personagem dela. E Platão o teria feito tendo em vista Sócrates, que também chegou a ser objeto de riso da população, ao ser colocado na peça As Nuvens, de Aristófanes –e em outras ocasiões. O infortúnio de Tales prenunciava o destino trágico de Sócrates: do riso da mulher de Trácia até a ira contra Sócrates, estaria ali uma história primordial da filosofia e da teoria em geral, destinada a se repetir ainda inúmeras vezes.
Como de Tales pouco se sabe, a piada a seu respeito acabou sendo uma metáfora rica de interpretações e recepções da recepção: ela representa o início da filosofia e é importante porque a filosofia já pensa sobre seu fim, e seu fim será, com certeza, pensado a partir de seu início. A Física, ao fazer experiências como o colisor de hádrons, parece também ter chegado ao mesmo ponto de chegada da filosofia: o mais misterioso é o mais próximo de nós e o infinitamente grande se liga com o infinitamente pequeno.
Para além do mero clichê do filósofo distraído, para Blumenberg o mito não se separa da teoria. A geração seguinte, a epicurista, deu razão à Trácia, que aliás é de uma região famosa por seu pessimismo. Dizia-se que os trácios choravam quando do nascimento de uma criança. Alguns historiadores da filosofia viram no esforço de Tales um avanço arriscado no sentido de investigar o sagrado e o inefável. No tempo do Iluminismo, Kant voltou ao assunto a propósito do terremoto de Lisboa: era importante conhecer o interior da terra. Blumenberg chega a especular se o argumento de Crítica da Razão Pura não estaria aí. Kant também associou o episódio da queda de Tales e a mulher de Trácia ao episódio em que o cocheiro do astrônomo Tycho Brahe criticou-o por sua experiência de tentar encontrar o caminho para a sua carruagem orientando-se pelas estrelas.
No tempo do Iluminismo surgiu também, no livro Ética para os Jovens, de Samuel Richardson, uma versão que colocava Tales no papel de um astrólogo que, de tanto investigar e prever o que acontecia nos céus, chegou um dia em casa e encontrou a mulher com outro, não reconhecendo nas estrelas o seu próprio infortúnio conjugal. O historiador Eduardo Gans, no século XIX, contemporâneo de Feuerbach, chega a supor que Tales caiu dentro de uma fonte e não de um poço. A fonte estava cheia de água, que para Tales era “a base de todas as coisas”.
As diversas recepções se sucedem na história da filosofia. Nietzsche opôs a participação política de Tales em seu tempo e seu abandono do mito. Num poema ao final do livro Gaia Ciência intitulado Declaração de Amor, pode-se supor que Nietzsche tratou do tema, acrescentando ao título do poema a frase “durante o qual o poeta caiu numa cova”:

“Ele vive no algo agora, que foge à vida, alvo da compaixão mesma da inveja./E voou alto aquele que apenas o vê pairar (...). Voou alto demais, agora eleva/o próprio céu o voador vitorioso/Agora descansa e paira/no esquecimento da vitória e do vitorioso”.

Finalmente, Blumenberg chega a Heidegger, para quem a queda do filósofo tornou-se critério para a certeza de se encontrar no caminho certo. Para Heidegger, o Seiende (sendo) que é o mais próximo, que somos nós próprios, é, do ponto de vista ontológico, o mais longínquo.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Crise na Eurozona: com o habermas entre as pernas

Blognovela: Crise na Eurozona: com o Habermas entre as pernas



(A crise na Cia Milkshakespeare se agrava com crise na eurozona. O Belo Adormecido volta da Inglaterra onde foi se encontrar com um representante da empresa Hamletdonald´s, que aceitou fazer um empréstimo. Para pagá-lo, Belo resolve transformar o teatro e a companhia em um cabaré com dançarinas que fazem strip. Francinny resiste, demite todos os blognomos, contrata Jô Weronyka de assistente e consegue convencer o Belo Adormecido a fazer uma peça sobre a crise na Eurozona chamada: Com o Habermas entre as pernas. Ensaio da peça. Entra um português de piada e outras nacionalidades com suas roupas nacionais, caricatas e kitsch).


Português: Pá, a crise na eurozona não é minha culpa.


Irlandês: Crise. Não. É. BECKETT.


Italiano: Non capisco niente. Europa tutti berlusconizzatto!


Habermas (apavorado, ofegante, faz atos de fala entrecortados): Solidariedade...É preciso pensar de forma....isso...isso...Merda, Merkel..o euro...o euro...é um ato de falha...digo, um ato de fala...desculpa, desculpa...é um ato...o euro... são atos éticos...discurso...sim, ética...discurso...o euro não...não...desculpe...como é que pode... aham...universalíssimo, intersubjetivo, intercomunicativo...não pode...Cameron irracional, irracionalista... o euro...(puf, puf), o euro...o euro não... não...era tão...tão...um dinheiro...universal...cosmopolita...o governo...o governo é mundial... é mundial....o euro..chamando terra...câmbio..câmbio (revira os olhos, ofega)...alô, alô, boy, xerife...Beckett, Kant, Houston, we got a problem...(curva-se, parece que vai desmaiar)


Irlandês: Euro. Faltar. Faltar melhor. Euro. Faltou BECKETT.


Jô para Francinny: gente do céu. Eles não são bons nem para comédia. Como é que vamos fazer?

Francinny: putz, Jô! Isso não tem graça nenhuma! Mas ou é isso ou o teatro vira um bordel.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Blog do meu amigo Pierre Doury

A propósito do ano da França no Brasil, divulgo um blog de um amigo francês que comenta romances policiais atuais:


http://dunoirmaispasque.canalblog.com/



J´ai écris une petit texte inspiré dans votre dernière voyage au Brésil:


http://www.thedrillpress.com/broca/broca.shtml

Si tu faisait plaisir, je veux savoir ta opinion.

Je t´ambrasse, ton ami
Lucio Jr

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Imagens do Brasil em O Estrangeiro

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Belo Horizonte, v. 6, p. 211-216, ago. 2003
* Mestre em Letras: Estudos Literários (Área de concentração: Literatura Brasileira), 2001.
AS IMAGENS DO BRASIL EM O ESTRANGEIRO
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior*
RESUMO:
Neste estudo pretendemos analisar o romance O Estrangeiro
(1926), propondo uma nova abordagem ao texto e discutindo as
imagens de Brasil presentes nele. Nós concluímos que as
imagens de Brasil dentro do livro são construídas e
desconstruídas, e terminam em melancolia e amargura.
PALAVRAS-CHAVE: imagens de Brasil, nacionalismo, nação e narração.
A nossa vida [de brasileiros] é, no seu aspecto geral, e de um certo
período para cá, a marcha incerta e lenta, desgraciosa e constrangida,
de um povo que a cada passo que avança se volta, inquieto, para a
estrada de onde o estrangeiro o está contemplando a procurar, da massa
fria dos espectadores indiferentes, o sorriso de aprovação que lhe dê
alento para seguir.
Plínio Salgado
Durante a década de 70, Plínio Salgado (1895-1975) e sua ideologia, o
integralismo, foram objeto de atenção intermitente nas universidades brasileiras,
resultando em alguns estudos. Porém, o Plínio Salgado literato encontrou bem poucos
autores que analisassem suas obras. Com freqüência, historiadores e cientistas
políticos comentaram a literatura de Salgado apressadamente, para logo partirem
para hipóteses abrangentes.
O texto mais recente a ser publicado sobre o assunto, o posfácio de
Antônio Rago Filho para O Integralismo de Plínio Salgado, embora tenha elegido a
obra que ele posfacia, de autoria de José Chasin, como marco dos estudos sobre
Salgado, nos forneceu uma separação em duas vertentes, que adotaremos: numa vertente
estariam Hélgio Trindade, Gilberto Vasconcellos, Érico Veríssimo, Antonio Candido,
Marilena Chauí e Ricardo Benzaquem. Nessa, julgou-se o integralismo como fascismo
brasileiro. Já na segunda estariam Dutra, Chasin, Jardim de Moraes, Dorea, por
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julgarem que a obra de Salgado não foi mera cópia. Os dois primeiros autores deste
último grupo partiram desse pressuposto para relacionar Salgado com o Romantismo e
uma determinada tradição autóctone. A crítica literária Maria Augusta Dorea se
encaixou nesse segundo grupo, e junto com Jardim de Moraes, foram os autores que
buscaram inserir Salgado diretamente no Modernismo.
Em seu livro Brasilidade Modernista, Sua Dimensão Filosófica (1978),
Eduardo Jardim de Moraes analisou o pensamento desse autor, principalmente o texto
A Estética da Vida. O capítulo de Brasilidade Modernista que se intitulou “a versão
de Plínio Salgado”, texto onde esperávamos encontrar uma ligação entre Graça Aranha
e Salgado, iniciou-se narrando um episódio em que a ala carioca do movimento
modernista acusou Mário de Andrade de ter plagiado Graça Aranha. Comentou a seguir
a briga entre Graça Aranha e Oswald. Quando enfim se referiu a Salgado, analisou-
o juntamente com Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia, em meio a uma série de
artigos que os três lançaram juntos (O Curupira e o Carão, 1927). Jardim de Moraes
optou por não analisar nenhuma obra propriamente literária de Plínio Salgado. Com
isso, repetiu uma atitude comum aos críticos que falaram da obra, dando crédito ao
que Plínio Salgado afirmou a respeito do texto: O Estrangeiro teria sido o primeiro
manifesto integralista. Por outro lado, Jardim de Moraes estabeleceu relação entre
os conceitos produzidos por Graça Aranha e aqueles emitidos por Plínio Salgado,
abrindo espaço para nossa avaliação de O Estrangeiro como texto ligado à produção
de seus contemporâneos. Por motivos que iremos detalhar mais adiante, não acreditamos
em O Estrangeiro como um prelúdio do integralismo. Julgamos que o romance buscou um
enfoque original para a questão nacional, assunto muito em pauta no tempo da Semana
de Arte Moderna.
Supomos que, na tentativa que fez O Estrangeiro de sintetizar a problemática
nacional, esteve também o projeto paulista: uma vez definido o nacional, seria
possível propor São Paulo como modelo e padrão para todo o país. O Estrangeiro
findou por dar a entender o próprio esforço de abstração e racionalização como
responsável pelos fracassos. Num esforço de entender sua própria trajetória, o
personagem Ivan disse que não era o imigrante ideal para o Brasil, que este deveria
ser bronco e trazer as virtudes européias sem o saber, e Juvêncio concordou. Assim,
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ficou entre eles o consenso de que a tomada de consciência e reflexão trouxe vícios
e defeitos, sendo preferível a inconsciência. Em uma de suas falas, Juvêncio disse
que o caminho seguido pelos “materialistas inconscientes” seria o da decadência. Só
que a narrativa não confirmou isso: o caminho seguido pelos personagens que não
refletiram e se apegaram a oportunidades concretas (os Mondolfi, o Major Feliciano)
foi de ascensão social e política, respectivamente. Portanto, o Brasil que venceu
no final da narrativa foi o Brasil dos pragmáticos e dos não conscientes, dos que
não pensaram a respeito da realidade brasileira. Podemos supor que, embora O
Estrangeiro tenha surgido num ambiente em que existia a necessidade de pensar o
Brasil-nação, a narrativa demonstrou ceticismo em relação aos intelectuais que
antecederam os modernistas.
Como dito acima, O Estrangeiro foi uma narrativa ambientada numa época
motivada pela necessidade de se pensar o Brasil enquanto nação (os anos 10), motivo-
guia que permaneceu na década de vinte, mas esboçou uma ruptura com o modo de pensar
o Brasil-nação. Não surgiram, em O Estrangeiro, intelectuais com uma vocação
iluminista para os negócios públicos, nem os intelectuais foram capazes de gerar
consciência e interpretar corretamente a realidade. Por fim, notamos em O Estrangeiro
uma revolta destrutiva contra o que era a inteligência nacional, tanto em suas faces
mais participantes (Juvêncio) quanto céticas (Ivan).
No princípio do romance, o céu brasileiro era visto como livre de
pecados. Porém, num episódio do final, o imigrante apontou o Cruzeiro do Sul para
uma russa, e o interpretou como a cruz do suplício. Repetiu-se o movimento da
narrativa, que destroçou as imagens anteriormente emitidas por Ivan: “-Sou meu pai
e o meu filho! O devorador de minhas próprias imagens! Eu sou o Saturno da lenda!”
(Salgado, 1937: 223). A própria narrativa seria saturnina, no sentido referido pelo
personagem principal: a princípio ela gerou imagens ufanistas do Brasil, apenas
para canibalizá-las mais à frente. O imigrante era russo, mas se identificava com
a Europa, continente que vivia a guerra e a revolução. Ele gerou imagens de um país
jovem, uma terra da promissão onde ele se construiria, uma Atlântida reencontrada.
Mas a seguir tudo desmoronou: o tipo brasileiro não se definiu, a evolução social
não se completou, os primeiros mestiçamentos (brancos com negros e índios) falharam,
e, finalmente, o país seria mera cópia.
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Em O Estrangeiro, o que desencadeou esse processo autofágico foi a não-
realização pessoal, tanto na trajetória de Ivan quanto na de Juvêncio. Nenhum destes
conseguiu se realizar: Ivan poderia se entregar a uma vida de prazeres junto com os
Pantojos (que pareciam ter ido para São Paulo apenas por hedonismo), e Juvêncio
poderia ter se aliado ao Major Feliciano num triunfo nacionalista e oposicionista,
graças à entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial. Diante da possibilidade de
realização concreta, transformaram-se novamente em personagens insatisfeitos.
No romance, as imagens transitaram conforme o deslocamento geográfico
dos personagens: a desintegração da imagem de paraíso de Ivan começou no campo, mas
foi em São Paulo que ela desmoronou. Juvêncio também apresentou essa característica:
acreditava na assimilação do imigrante pelo espírito da terra e pelo folclore
enquanto morou em Mandaguari, e no sertão essa imagem anterior foi definitivamente
abandonada. A conclusão final de Ivan remeteu aos interditos: “Tudo é repetição de
cansados martírios e, nem a luta, nem a esperança dissimulam a nossa miséria. Este
país nasceu velho como a nossa Rússia; e tudo quanto aqui fizerem não será mais do
que acelerar a construção de novas barreiras e novos impossíveis” (Salgado, 1937: 281).
Se Ivan veio tentar construir uma identidade numa nova pátria, ele foi basicamente
um colono fracassado. Julgamos que esse tipo de reflexão, verdadeira autoflagelação
crítica, se fez presente no Brasil dos anos 10.
O personagem Ivan acreditou que o Brasil estava comprometido e entregou-
se à destruição total. Pesquisando a especificidade das imagens de Ivan e Juvêncio,
acompanhamos suas mudanças de postura no decorrer de O Estrangeiro, o que comprovou
que ambos não eram apenas estereótipos ou figuras fáceis de rotular. Indagamo-nos
também sobre a afirmação pliniana de que a mentalidade brasileira seria Ivan.
Percebemos também o mecanismo narrativo que, seguidamente, repõe imagens de Brasil
para serem destruídas. Esse processo, que levou a narrativa a transitar da exaltação
ufanista à melancolia da autoflagelação crítica, reduziu o nacionalismo de Juvêncio
a um devaneio e acabou consumindo o próprio protagonista.
Centrado no percurso do estudante universitário Ivan, a narrativa percorreu
meio rural, cidade provinciana e grande centro urbano. Ivan discutiu, gerou e
destruiu suas imagens do novo país em diálogo com o professor Juvêncio, que passou
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por transformações no decorrer da narrativa. Em Cedral, junto a uma cachoeira,
ocorreu o episódio dos papagaios: o tal “espírito da terra” se mostrou inexistente,
e o professor se transformou num defensor do Brasil agrário sem os imigrantes.
Juvêncio, a partir da decepção com os papagaios, percebeu que com o simples contato
com a terra não restaurou uma “brasilidade”, e passou a acreditar que os brasileiros
é que tendiam a serem influenciados pelos colonos e que o meio não bastaria para
reverter o processo.
No final do romance, a imagem de Brasil que restou não foi favorável. No
campo, com a chegada dos imigrantes, estes tendiam a se misturar aos brasileiros,
mas colocando os antigos moradores em situação subalterna. Ivan, que tentou sempre
racionalizar e explicar a situação do país, acabou derrotado. O mesmo aconteceu a
Juvêncio, que se viu obrigado a mudar para o interior. O professor acabou gostando
da mudança, preferindo o Brasil longe dos imigrantes.
O Brasil que o romance deixou ao seu final seria um país enriquecido no
campo que desceu para as cidades e a ostentação, e não o que procurou a fortuna na
cidade (Ivan) ou a dissipação hedonista de riquezas no centro cosmopolita (os
Pantojo). O Major Feliciano disse que o Brasil era possível do mesmo modo como
estava, ou seja, nas mãos das oligarquias: “Isto de voto secreto é muito ótimo
quando se está na oposição, apenasmente. Neste ponto estou de acordo (...). Faça
como eu, o futuro nos pertence, e cada povo tem o governo que merece, consoante um
escritor cujo nome não me lembro” (Salgado, 1937: 238). A narrativa sancionou essa
explicação sobre o Brasil, encerrando com ela e com a trajetória do brasileiro que
melhorou de posição, mas que, ao contrário do professor, não foi removido e
consolidou uma posição mais cômoda em Mandaguari. Enquanto em Canaã apareceram
imigrantes intelectualizados discutindo o Brasil, em O Estrangeiro apareceu um
imigrante também intelectualizado, estudante universitário na Rússia, que construiu
e desconstruiu imagens de Brasil no diálogo com um professor brasileiro. O Estrangeiro,
insistimos, não terminou como canto anunciador de um movimento nacionalista católico,
nem tampouco serviria como chamada para a renovação política.
O que estamos chamando de “cerne” de O Estrangeiro seria o mecanismo
pelo qual ele exibiu imagens de Brasil e as denegriu mais adiante, terminando sem
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nenhuma imagem. Nisso, o romance seria bem diverso dos seus contemporâneos Macunaíma
e Memórias Sentimentais de João Miramar. Esses textos geravam imagens, algo paródicas
e algo negativas, mas que, ao final das contas, permaneciam. O Estrangeiro seria
diferente também por levar a devoração de imagens de Brasil mais adiante que Canaã
de Graça Aranha, romance onde podemos dizer que existiu um processo parecido. O
romance de Salgado foi além, e a narrativa não poupou nem o próprio protagonista,
que acabou igualmente devorado.
ABSTRACT:
This study aims at an analyzis of the images of Brazil in
Plínio Salgados O Estrangeiro (1926), searching for the
images of Brazil therein. We suggest a new approach to
the book, and conclude these images are constructed and
deconstructed, a process which results in melancholy and
bitterness.
KEY WORDS: images of Brazil, nationalism, nation and narration.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Rio de Janeiro: Ed.
Garnier, 2000.
ANDRADE, Oswald de. Memórias Sentimentais de João
Miramar. 11. ed. São Paulo: Ed. Globo, 1999.
ARANHA, Graça. Canaã. Rio de Janeiro: Ed. Garnier,
[s.d.].
CANDIDO, Antonio. Prefácio. In: O Integralismo de Plínio
Salgado, Forma de Regressividade no Capitalismo Híper-
Tardio. 2. ed. São Paulo: Ed. Ad Hominem, 1999. p. 12-
131.
CHAUÍ, Marilena. Apontamentos para Crítica da Ação
Integralista Brasileira. In: Chauí, Marilena de S.
Franco, Maria Sylvia de Carvalho (Org). Ideologia e
Mobilização Popular. Rio de Janeiro: CEDEC/Paz e Terra,
1978. p. 17-149.
RAGO FILHO, Antonio. Posfácio. In: O Integralismo de
Plínio Salgado, Forma de Regressividade no Capitalismo
Híper-Tardio. São Paulo: Ed. Ad Hominem, 1999, p. 608-
640.
SALGADO, Plínio. O Estrangeiro. 4. ed. Rio de Janeiro:
Livraria José Olímpio Editora, 1937.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Brasil é isso: uma chuva de mentiras

No blog do Caetano, o obra em progresso, estamos discutindo Linguística. Caetano julgou que eu e o Luedy somos militantes político-linguísticos de esquerda. O último grupo político do qual estive participante era o DCE da UFMG nos anos de 1995 e 96, há muito tempo, portanto. Eu me formei em Filosofia em 1995 e desde então não participei mais de nenhum grupo.

Ontem deixei a TV na Rede Vida num programa chamado Brasil é isso. Eu já tinha visto lá um tal de Hélio Póvoa, que escreveu um livro chamado O Eixo do Mal Latino-Americano. Eu li também um artigo dele atacando Gerald Thomas quando da polêmica com o Azevedo a respeito de Fidel. O tal Póvoa nem sabia do que estava falando direito.

E ontem a conversa entre o Aristóteles Drummond e o João Ricardo Moreno foi uma campanha de mentiras, uma festa de inverdades. Ricardo começou falando que a ABF existe há vinte anos e luta contra o totalitarismo. Tá, então deveria falar em Hannah Arendt...que Arendt que nada. Aristóteles falou: até o marxismo, os filósofos sempre foram democratas...o quê? Se Sócrates e Platão eram aristocratas que criticavam duramente a democracia, para não falar em outros críticos da democracia, tais como Nietzsche. Imaginei que o papo fosse ser em torno de pensadores católicos conservadores tais como Otávio de Faria, Jackson de Figueiredo, Gustavo Corção. Pensei que o papo fosse ser conservador, mas honesto. Mas que nada! Era pura propaganda. E o que dizer do próprio Aristóteles, que era ligado a Alexandre O Grande, que no final da vida introduziu na Europa o direito divino dos reis?

Em primeiro, contra Chávez. Ele foi associado ao comunismo russo, está com o projeto de tirar as crianças aos três anos para serem criadas pelo estado, daí o fato de uma amiga de Aristóteles estar em Miami contando isso. A coisa evoluiu, mudei de canal e voltei, eles já estavam no Hezbollah. Daí o tal Ricardo dizia que o povo palestino se diz um povo superior, ai que saudades daquele Líbano francês, daquela Beirute parisiense (o que não impediu que milícias cristãs cometeram o massacre de Sabra e Chatila contra os palestinos e com a cumplicidade de Israel), o Hezbollah está organizado na América Latina, em breve teremos crianças-bomba e índios-bomba. Até o Demétrio Magnolli, supostamente um articulista de centro, decepcionava esses dois senhores de extrema direita, o que me deixou pasmo devido ao fato da Rede Vida ser uma televisão católica. Não deveria ter uma visão tão parcial. Mas há mais, há mais.

Magnolli foi vítima de protestos da comunidade judaica, disse Moreno. Ao que Aristóteles redarguiu, sabiamente, que não se poderia comparar a Fatah com o marechal Pétain na França, pois o marechal tinha criado uma zona ali muito benéfica e que protegeu os franceses...heeein? E Aristóteles mostrou saber que a Igreja Católica apoiou Pétain, pois o defendeu, dizendo que ele era "tido" como colaboracionista, como se houvesse alguma dúvida e se ele não tivesse até adiantado as atitudes dos nazistas naquele território em que ele mandava. Do centro passou-se a discutir o anti-semitismo da esquerda, que teria começado com A Questão Judaica do judeu Marx (!). Mas se nessa polêmica Marx justamente escreveu que os judeus não poderiam deixar de ser judeus e sim lutar por direitos...Não há possibilidade de boa fé numa conversa assim, é tudo com base na mentira e na inversão.


Eles só engasgaram no momento em que Moreno quis atacar o governo e Aristóteles cortou, com medo. Na televisão, os vampiros têm medo...Casoy também gaguejou ontem ao comentar a carta de Battisti onde ele denunciou ter sido julgado à revelia. Casoy, fazendo biquinho, inventou um novo direito, pois que eu saiba julgamento à revelia ser altamente democrático é novidade. Mas, como eu dizia, o Brasil é isso, né? Só não dá para se conformar.