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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

GLAUBER: À FRENTE DO SEU TEMPO

Mario Jacobskind

Passadas as eleições municipais, concorridas ou não, que resultaram, entre outras coisas, no fortalecimento do PMDB, hoje possivelmente o partido fiel da balança das eleições presidenciais de 2010, valeriam algumas reflexões que dificilmente são feitas mesmo depois das tempestades. Recentemente, consultando alfarrábios de décadas anteriores detive-me nos anos 70, mais precisamente em entrevistas com o maior diretor de cinema de todos os tempos no Brasil. Glauber Rocha, polêmico por natureza, além de genial diretor de cinema foi um pensador de vanguarda. Olhava na frente e por isso muitas vezes não era entendido.

Glauber polemizou com alguns setores de esquerda, que antecederam a turma atual da boquinha, que em determinado momento chegaram a considerá-lo, absurdamente, reacionário. Foi o que aconteceu depois de uma polêmica entrevista do cineasta ao jornalista Zuenir Ventura, na revista Visão, lá pelos idos de 1974, se não falha a memória. Glauber deitou e rolou chamando a atenção, genericamente, sobre a possibilidade de a área militar iniciar uma abertura política. Não seria de se estranhar se Glauber, que conheceu a experiência militar nacionalista revolucionária (no bom sentido!) do governo do General peruano Juan Velasco Alvarado (1969 a 1975), quando conversou com Zuenir em Paris estivesse influenciado pelos acontecimentos naquele país latino-americano.

Já que esta hipótese não pode ser encontrada em nenhum manual, é possível que quem esteja lendo estas mal traçadas interprete o que está sendo dito como algo surrealista. É um direito que assiste pensar assim. Na verdade, como visionário que era, Glauber de alguma forma apontava para o surgimento em um futuro não tão remoto de novos Alvarados. Em outros termos: Glauber já previa, ou queria que acontecesse, o surgimento de um Hugo Chávez, o que viria a acontecer na Venezuela 24 anos depois da entrevista.

E o que fez Alvarado para despertar tanta atenção de Glauber e do mestre Darcy Ribeiro, que chegou a assessorar o referido militar durante algum tempo em sua passagem pelo Peru? Além de hoje estar inscrito na galeria latino-americana de personagens antiimperialistas, Alvarado proporcionou aos peruanos uma verdadeira revolução na área de comunicação ao estimular o Estado a ajudar a criação de uma imprensa alternativa. Experiência, como não poderia deixar de ser, abominada pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e incompreendida pela atual esquerda da boquinha.

Os sindicatos e federações de trabalhadores peruanos receberam então o incentivo estatal para a formação de cooperativas de imprensa, grosso modo, uma espécie de Bloco da Imprensa Alternativa hoje existente na República Bolivariana da Venezuela em que o Estado fortalece espaços midiáticos para se contrapor à imprensa hegemônica. E sabem o que aconteceu? As próprias representações dos trabalhadores peruanos não conseguiram aproveitar a oportunidade e não consolidaram o que estava sendo proposto pelo Estado. Talvez não estivessem preparados para levar adiante a experiência.

Na verdade, Alvarado, que merece uma releitura, pois não pode ser comparado grosseiramente a regimes ditatoriais latino-americanos da época, inclusive o brasileiro, como vem sendo até hoje nos manuais, chegou na frente. Apareceu em um momento em que a América Latina se encontrava assolada por ditaduras cruéis, geralmente de caráter entreguista, que tomaram o poder graças ao apoio de governos estadunidenses. Alvarado, um militar, tomou o poder não através de eleições, mas diferenciou-se em relação a governos ditatoriais do gênero Pinochet, Médici ou Stroessner. Igualá-los seria um erro histórico grave.

O tema, claro, não estava em questão na época. Ou seja, seria difícil, ou quase impossível naquele momento, analisar o governo Alvarado de forma isenta, destacando os pontos importantes do ideário nacionalista revolucionário. Mas hoje, mais de 35 anos depois, o tema deve ser analisado sem preconceitos.

Glauber, que também foi um dos primeiros a colocar na mesa de discussões o caráter reacionário da TV Globo, sobretudo na área de dramaturgia e do telejornalismo, e a natureza de alguns personagens que viriam a ser influentes na política brasileira, como o então sociólogo Fernando Henrique Cardoso, considerado pelo cineasta, desde então, uma figura nefasta e suspeita pelos vínculos com o império.

Se estivesse em cena hoje, Alvarado teria a repulsa dos mesmos setores que fazem uma oposição cerrada e inconseqüente ao Presidente Chávez. Provavelmente o panfletário a favor de nome Arnaldo Jabor, que tenta, sem talento, fazer o gênero Glauber, embora represente na prática a antítese do pensamento do diretor de Terra em Transe, estria destilando ódio na tela da Globo repetindo as baboseiras que tem dito contra dirigentes latino-americanos que não fazem o jogo do Departamento de Estado.

Mas, enfim, estas reflexões podem servir de pauta para que a área acadêmica, sem preconceitos, tente fazer uma releitura deste período histórico da América Latina, que ainda está por dar mais frutos. Até porque, o que mais teme o Departamento de Estado norte-americano nos dias de hoje é exatamente que na América Latina floresçam experiências nacionalistas populares em que civis e militares estejam juntos na defesa de ideais objetivando um continente soberano e socialmente mais justo.

E, por incrível que pareça, Glauber já tinha entendido isso naquele período em que a maioria não teve condições para tal. Não é à toa que Glauber era um visionário que sempre esteve a frente de seu tempo.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Foi Para Isso que Vocês Fizeram a Revolução?


FOI PRA ISSO QUE VOCÊS FIZERAM A REVOLUÇÃO?



E meu amigo Fausto Wolff, como diriam os sambistas, foi para o andar de cima. Sempre considerei Fausto, não de hoje, um dos maiores jornalistas do nosso tempo. De uma safra quase em extinção, por ser combativo e uma figura humana de primeira. Tive o privilégio de conhecê-lo lá pelo final dos anos 70, início dos 80, em O Pasquim, um espaço midiático alternativo que marcou época.

Antes da Guerra das Malvinas, e vocês vão saber o motivo em seguida, nos encontrávamos eventualmente na redação de O Pasquim, ainda na Ladeira Saint Romain, acesso ao morro do Pavão-Pavãozinho, na zona Sul do Rio de Janeiro. Limitávamos a um cumprimento formal. Em agosto de 1982 nos desentendemos. Fausto se colocava, na minha opinião, de uma forma equivocada, criticando apenas os militares argentinos. Escrevi um artigo polemizando com ele, por entender que a Argentina, independente da ditadura tinha todo o direito às Malvinas, que os britânicos chamam de Falklands.

A resposta do colunista foi dura. Preferi não responder, porque não via sentido continuar alimentando a polêmica e achando que em algum momento Fausto reconheceria a defesa que fiz da Argentina, sempre ressaltando o caráter nocivo da ditadura.

Pois bem, alguns dias depois, quando escrevi uma dura crítica a uma matéria paga nos jornais assinada por Adolfo Bloch defendendo a ação militar de Israel no Líbano, Fausto, demonstrando grandeza, praticamente pediu desculpas pelo que tinha escrito referindo-se a mim. Bem ao seu estilo, Fausto elogiava o meu posicionamento de condenação a Israel. Não lembro exatamente os termos, mas algum tempo depois ele admitiu que tinha chamado a atenção dele o fato de que alguém de origem judaica condenasse a agressão israelense, o que, pelo menos no Brasil, não era muito comum.

Acabamos nos tornando amigos. Estávamos no mesmo barco também em termos de política doméstica. Estávamos engajados na campanha de Leonel Brizola para o governo do Estado do Rio, em 1982, sobretudo por considerarmos que a eleição do gaúcho seria uma resposta aos generais de plantão que infernizaram a vida dos brasileiros a partir de abril de 1964. Deu Brizola na cabeça. Comemoramos essa vitória como se fosse o início de um novo tempo, não só para o Rio de Janeiro como para o Brasil. Era o que sentíamos naquele momento.

Em seguida, Fausto candidatou-se a deputado federal pelo PDT. E, claro, queríamos transformá-lo no nosso representante no Congresso, pois tínhamos absoluta certeza que ele representaria condignamente os interesses do povo. Não deu, mas tenho certeza que a Câmara dos Deputados perdeu uma oportunidade histórica de ter um parlamentar do nível de um Fausto Wolf.

O tempo foi passando. Lá pelo ano de 1988 nos reencontramos festivamente em Havana, onde eu trabalhava como correspondente de uma agência de notícias alternativa, criada por exilados latino-americanos na Suécia, e também como redator de uma revista (Prisma) de política internacional da Agência Prensa Latina.

Naquele período uma novela brasileira, Dona Beja, fazia um tremendo sucesso na ilha caribenha. Era muito comum encontrar cubana(o)s que ao saberem que você era brasileiro perguntassem como seria o fim da novela. Conversava com Fausto no bar de um hotel. A garçonete nos brindava com atendimento do tipo vip. Em determinado momento a moça não aguentou e perguntou se éramos brasileiros. Diante da resposta positiva ela não resistiu: “Então vocês sabem o fim da Dona Beja, verdade?”. Aí veio a resposta do Fausto, que em sua peculiar irreverência provocou muito riso: “Pô, mas foi para isso que vocês fizeram a Revolução?”... A menina que perguntou também caiu na gargalhada, apesar de não ter a curiosidade satisfeita, pois nenhum dos dois brasileiros tinha acompanhado no Brasil a referida novela.

Fausto protagonizou inúmeros outros episódios irreverentes, marcas registradas do jornalista e escritor que deixará saudades e, sem dúvida, uma lacuna no jornalismo diário brasileiro. Digo mais: Fausto foi quase um oásis no jornalismo de nossos dias, pois nunca compactuou com a mesmice, o senso comum e o pensamento único, deformadores da profissão.

E Fausto agora, ao chegar no andar de cima certamente foi recebido por amigos que sempre lembrava em suas crônicas inigualáveis, como Freddy Carneiro, Albino Pinheiro e o Machadão, entre outros.

Ah, sim: é claro que Fausto não agradava gregos e troianos. Que o diga o sionista invertebrado de nome Ronald Gomlevsky, que não se cansava em ofender Fausto com a pecha de anti-semita, só porque o jornalista condenava as ações belicosas de Israel contra os palestinos. Outro que não engolia Fausto era o Gerald Thomas, que chegou a admitir recentemente que tinha ódio dele.

Que dirão agora?

Na mesma sexta-feira (5), no espaço de uma hora, o jornalismo brasileiro perdia também uma outra grande figura: Fernando Barbosa Lima, filho do inesquecível Barbosa Lima Sobrinho. É muita perda para um dia só. É verdadeiramente uma sexta-feira trágica. Apagaram-se duas chamas do jornalismo e da inteligência brasileira. E que falta vão fazer!