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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Nietzsche, genealogia e História

Para o Historiador Nietzschiano, História é Genealogia


Nesse texto, discuto o texto de Foucault Nietzsche, Genealogia e História. Nesse texto que é o único em que Foucault discute Nietzsche diretamente, ele analisa que Nietzsche fala em genealogia para se contrapor ao livro do amigo, o médico e filósofo Paul Rée (A Origem das Sensações Morais), que fala em origem. Nietzsche oporia a genealogia mítica à origem metafísica e ao “desenvolvimento” hegeliano. O artigo também faz uma análise filológica de alguns termos usados por Nietzsche: proveniência (herkunft), origem (ursprung) e desenvolvimento (entwicklung). Foucault substituiu essa última pelo termo “emergência” ou “surgimento”, para marcar uma diferenciação com a história supostamente contínua que seria inspirada por Hegel. Ele não cita Marx, apenas se opõe à história-antiguidade, a história de nomes e datas de grandes eventos. A idéia é fazer uma história demagógica num certo sentido, uma história para o povo e saída do povo.

Em seu livro, Origens das Sensações Morais, Paul Rée teoriza que os conceitos de “bem” e “mal” têm sentido nas comunidades. A comunidade criou esses conceitos porque os que mais contribuíssem para a comunidade seriam assim chamados bons e os que não contribuíssem seriam os maus. Os termos foram pensados em termos de utilidade, condicionamento e evolução. As comunidades que mais conseguissem organizar o impulso coletivo contra o impulso egoísta seriam selecionadas e sobreviveriam. Nietzsche diverge totalmente e analisa bem e mal em termos de relações de poder, opondo-se a Paul Rée. Paul Rée também criticou Nietzsche e em cartas exibiu o seu conceito de Nietzsche: uma pessoa vaidosa, egoísta, que corria atrás da fama. Para ele, o melhor seria ser desinteressado, não-egoísta.
A genealogia é uma outra proposta de escrever história que Foucault está fazendo – e de fato ele fez trabalhos nesse sentido. Essa história efetiva seria descontínua. Mas essa história não busca a origem, para ele na origem tudo era o caos, era informe e confuso. Foucault pesquisa história para abalar o presente, para questionar a origem e dissolver a identidade do sujeito de conhecimento.

O genealogista teria também vontade de saber sobre a vontade de saber? Pode-se argumentar com Nietzsche e Foucault que nossa vontade de verdade e saber é determinada pelo nosso desejo de sobrevivência. Se soubermos a verdade, sobreviveremos. No entender dele, pesquisa-se história não para reforçar o presente, mas para descobrir que toda história é luta, é jogo de forças, mas ele não se prende ao referencial “classe social” e sim ao indivíduo, ao corpo, à mente (loucura), à história dos hospícios, hospitais, da sexualidade, etc. Não há um começo, apenas se pode verificar que existe um começo dentre os vários começos que existem.

O conceito de emergência ou de surgimento, usado para substituir o termo “desenvolvimento” (entwicklung) seria um determinado estado das forças. Analisando a proveniência, pode-se mostrar seu jogo, assim como a maneira como lutam as forças umas com as outras. Para Foucault, a relação de dominação não é mais de dominação, nem o lugar onde ela se exercer é um lugar. Existe um jogo da dominação. A genealogia é a história das morais, o jogo da história a investigar.
O corpo, nessa visão, não escapa à história. Ele opõe uma história diferente da tradicional e essa é uma história que não reconhece origem. O corpo não tem um eu e sim uma miríade de “eus”, de acontecimentos perdidos.

Diante das épocas nobres e elevadas, essa história busca uma perspectiva de rã. A história, assim pensada, adota um saber perspectivo. O historiador dessa nova história, que ele chama de história efetiva, não terá tanta preocupação com a objetividade, mas criticar o universal. O europeu, dessa perspectiva, é um homem mestiço, um homem de muitas almas. Nietzsche extrapola nesse ponto em Para Além do Bem e do Mal e Foucault não chega a criticar os aforismas onde Nietzsche escreve, bem ao gosto do século XIX, que o homem mestiço é “débil”. Isso ao meu ver é o ponto mais fraco e defasado desse texto de Foucault.

O historiador nietzschiano ou genealogista seria anti-platônico, mas faria uso da história para a vida, diferente do que Nietzsche mesmo afirmou em determinada altura. Seria mais uma palhaçada da história feita por bobos de Deus do que uma história-antiguidade.

A genealogia da história retomaria máscaras, fazendo a dissociação sistemática da individualidade. A identidade, para o historiador genealogista da história, ou seja, o historiador nietzschiano, identidade é uma máscara dentre várias máscaras, é uma paródia, uma disputa entre forças, também chamadas de inúmeras almas. Identidade não existe: existiriam identidades.

Para Foucault, o historiador nietzschiano, o conhecimento nasce da injustiça e o instinto de conhecimento é tido como mal. Ele opõe o querer-saber e a verdade universal. A paixão do conhecimento talvez mate a humanidade ou ela morrerá de fraqueza, essa é a oposição que ele coloca sobre o destino da humanidade. No entanto, o querer-saber nasce justamente do desejo da sobrevivência e da vontade de viver do ser humano.

Foucault mesmo observa que Nietzsche, com a investigação de Genealogia da Moral e Gaia Ciência, faz um uso da história que ele mesmo tinha criticado e não recomendado em Considerações Extemporâneas. Ele (e o historiador nietzschiano, nesse caso, vai contra Nietzsche) retoma as modalidades da história e seus usos. Assim, a vontade de saber só ela se ela colocar a si mesmo como problemática, assim como ela só faz sentido para esse historiador se ela dissolver continuidades, fizer dissociações sistemáticas e destruir o sujeito do conhecimento. Para ele, história é genealogia das morais, é história das forças em luta.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

História da Blogosfera BR

http://www.bdonline.com.br/webmail/readmsg.php?folder=inbox&pag=1&ix=0&sid=26264148e2c33c3585cca30fbb81d503&tid=default&lid=pt_BR

Nessa página do Digestivo, Alexandre Inagaki narra alguns momentos da história da blogosfera no Brasil.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Uma Carta do Costa Lima

Caro Lúcio Jr.

Agradeço-lhe o envio de resenha que não conhecia. Se nem sempre concordamos
- e muitas vezes assim sucede - estamos contudo de pleno acordo quando diz
que tv algum dia o pp História. Ficção. Literatura venha a ser considerado
uma obra híbrida, migrante.
Com o agradecimento de Luiz CL

N. b. Apenas umas pequenas observações: se o livro assinala uma mudança de
parceiros no ato do diálogo, essa mudança não se deu agora, mas se vem
cumprindo desde o Mímesis e modernidade, de 1980! Quanto a Os Sertões,
lembro que escrevi todo um livro sobre ele: Terra ignota. A construção de Os
Sertões (Civilização Brasileira, 1997).E quanto ao amadorismo dos estudos
culturais: embora H. Bhabha pouco tenha além de um blablablá de segunda mão,
não seria a ele que acusaria de amadorismo mas sim aos praticantes,
americanos e brasileiros dos chamados estudos culturais. Por fim, vindo aos
dados biográficos, devo lhe dizer que pertenço ao Dept. de História da PUC
por opção pessoal, pois pertencia ao Dept de Letras, havendo participado dos
professores que fundaram sua Pós-Graduação.
Atenciosamente, Luiz CL.


On 5/15/08 1:34 PM, "Lucio" wrote:

> Caro professor: encaminho uma resenha de um livro seu.
>
> http://penetralia-penetralia.blogspot.com/2008/01/resenha-de-fico-histria-lite
> ratura-luiz.html
>
> Com admiração e respeito, atenciosamente,
> Lúcio Jr.
>
>
>


segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Resenha de Ficção, História, Literatura (Luiz Costa Lima)

Dos Gregos ao Big Brother: Confluências e Divergências Entre Ficção, História e Literatura

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

O livro História. Ficção. Literatura (Companhia das Letras, 2006) de Luiz Costa Lima é um texto onde o autor buscou elaborar e aplicar esses três conceitos referidos logo no título. O autor, trabalhando a história e a linguagem sucessivamente, transitou entre esses campos, a bem dizer, por todo o livro. Inicialmente, ocupou-se em aproximar aedos e historiés, que a historiografia habitualmente afastava. Afastou também a inclusão do ficcional no literário, encontrando para ele uma categoria própria e afastando a conceituação medieval da “fictio” como fraude. A literatura seriam “textos oscilantes”. No entanto, se a princípio, quando se tratava de Homero, Heródoto e Tucídides, foi preciso aproximar poesia e história, minorar o ataque que eles fazem a uma base comum (Homero), mais adiante, porém, foi preciso fazer uma separação entre história e literatura para melhor definir Os Sertões.
Para Costa Lima, literatura e ficção não são sinônimos. A reflexão foi também movida pela situação de Costa Lima, que leciona ao mesmo tempo no Instituto de Letras da UERJ e no Departamento de História da PUC-RJ. Ele não é tão estranho ao meio como parece. Se é um estranho no ninho, é um estranho aceito.
A aceitação da mímesis abre para uma relação do crítico literário tanto com a sociologia quanto com a história. Mas Costa Lima claramente optou pela história: a sociologia foi deixada de lado, juntamente com as vertentes dos Estudos Culturais e da crítica sociológica. Para Costa Lima, o problema fundador da história (“tudo remetia à verdade, à verdade do sucedido”) (COSTA LIMA, 2006, p. 104) mais adiante, transformou o princípio (a poesia) em aporia (história). A aporia da história deve considerar que seu conteúdo, a verdade, é sempre incerto. Permaneceu intocada, além da questão de saber porque os homens guerreiam, um mau tratamento da res facta e da res ficta.
Tempos depois, no Renascimento, ainda existia distância entre poesia e literatura, poesia era um termo específico e literatura era algo geral; foi quando Schlegel, autor da admiração de Costa Lima, aproximou esses conceitos. O hístor apresentava semelhanças com a formulação verbal da poesia e da literatura, das quais ele procurava se distinguir. Para Costa Lima, o historiador não se liberta de uma certa mímesis: existe uma marca do tempo que a fez e um lugar social que aí ocupava. A mímesis do historiador é mímesis-estigma e a do “poeta ou de ficcionista” (nessa passagem, se equivalem, p.156) é mímesis ativa. Se o historiador não consegue mesmo se libertar de uma certa mímesis, o crítico literário pode optar por mantê-la cativa e ativa, a propósito de alimentar a partir dela a “sua” questão.
No decorrer das reflexões sobre a narrativa e a história, Barthes é evitado, mas não só por ser escritor e não crítico, mas também ser anti-mimético. Iser é polemizado por não concordar nesse ponto, mas seus conceitos são levados mais a sério: a ficção ganhou um alto estatuto com Iser. A mímesis, afinal, não é a imitatio, ela faz a seleção de aspectos da realidade que desorganizam a representação de mundo seja porque não é sua repetição, seja porque não obedece a seus campos de referência. Para Costa Lima, a mímesis “fixa a ancoragem do ato ficcional no interior de um quadro de usos e valores e, portanto, de valores vigentes em uma certa sociedade” (COSTA LIMA, 2006, p. 291). A obra, no caso a de um escritor como Herman Broch, salva-se ao se esquivar da ficcionalidade na qual nasceu. A ficcionalidade é “poiesis em estado puro, a ficcionalidade concentra-se em uma forma discursiva que retira de si a possibilidade de exercício do poder” (COSTA LIMA, 2006, p. 310).
Em História. Ficção. Literatura, Costa Lima vai dos gregos ao Big Brother. É assim a linha de raciocínio que levou ao “show de realidade”: a existência de uma moldura (frame) mesmo mínima, identifica um discurso. Por isso, embora multiforme, o discurso do cotidiano contêm modalidades reconhecidas. É o discurso da moda, o discurso televisivo, diverso do discurso midiático em geral. Daí a industrialização do privado, em programas em que um grupo de anônimos é trancado durante meses, enquanto o público, reduzido à situação de voyeur, tem o direito de ver e acompanhar o que fazem durante todo o dia. Se, do ponto de vista do cotidiano em geral, a delação é considerada detestável, aqui ela se torna uma regra. Voto pela exclusão de X porque...qualquer razão é válida. Todos os motivos são aceitáveis, salvo um: ninguém dirá que o excluído será menos um a concorrer no recebimento do prêmio reservado ao último sobrevivente. Á delação oficializada se acrescenta a hipocrisia, não menos solidificada como regra de conduta (COSTA LIMA, 2006, p. 77).
Se, nos textos dos anos 70, os conceitos marxistas que impregnavam algumas passagens de Dispersa Demanda, por exemplo, esses conceitos conflitavam com a vocação anti-mimética da Escola de Constança (Iser, Jauss, entre outros), mais próxima de um subjetivismo que de um realismo crítico. Com o passar dos anos, parece que Costa Lima deixou o diálogo com Roberto Schwarz e Lukács e decolou para as galáxias de Haroldo de Campos. Costa Lima fez um longo percurso que partiu por Benveniste e chegou a Austin. Ele comentou: ao lado dos atos locucionários correspondentes aos enunciados, a frase ou conjunto de frases transmitem um significado; Austin distinguia a possibilidade do ilocucionário e do perlocucionário. O locucionário seria realizar o ilocucionário. Essa digressão formou uma ilha linguística em meio aos continentes conceituais da história, ficção e literatura.
Costa Lima aventurou-se com paixão aos domínios da escrita da história, mergulhando nos meandros entre a poesia e a história, aproximando-as. Quando ele enfocou a história, citou a aplicação dos métodos narratológicos por Mieke Bal (que nada mais faz do que aplicar um apanhado daqueles autores que Costa Lima substituiu por Iser e Jauss no passado: Barthes, Bremmond, Greimas, entre outros). A razão pela qual Costa Lima não se interessou pelos Estudos Culturais talvez seja porque ele está voltado para algo permanente (quase uma fome de absoluto): a herança cultural greco-romana. Não vejo, no entanto, como obras como Orientalismo, de Edward Said, e outras de Benedict Andersen e Homi Bhabha, que se incluem nos chamados Estudos Culturais, poderiam ser consideradas amadorísticas, como considerou Costa Lima quando afirmou que os Estudos Culturais estariam “cumprindo o papel de profissionalizar o amadorismo” (COSTA LIMA, 2006, p. 28).
Mais adiante, o crítico debruçou-se sobre objetos estéticos, o que só fez no final de História. Ficção. Literatura. Para isso ele tomou Memórias do Cárcere e Os Sertões, “romances” permeados de uma narrativa não-ficcional, a história. Nessas passagens, como em algumas sobre Saint-Beuve e Proust, sente-se menos o criar e lapidar de conceitos dos capítulos sobre história, escrita da história e ficção do que a análise crítica de inegável brilho.
Há um ensaio sobre Euclides da Cunha onde história e ficção são imbricadas novamente – e fatalmente o serão ao se tratar de Os Sertões. Para a análise, Costa Lima levou demasiadamente a sério um apontamento ligeiro de Mário de Andrade, que considerou a epopéia fantasiosa, construída sem fundamentos reais a partir do sol do Nordeste e da miséria pura.
Difícil compreender porque o texto fala tanto sobre poesia-história, depois poesia-literatura, mas quando se trata de analisar um texto literário, analisa apenas prosa. E ele deu muito realce a uma observação a nosso ver superficial de Mário sobre Euclides. Mário ao chegar ao Nordeste e não encontrar messias rebeldes, cangaceiros em fúria e cidades sublevadas devastando guarnições do exército, desmereceu Euclides seria preciso uma linguagem despida de luxo e requinte, seca como ela – e tal como os romancistas de 30 teriam realizado.
Depende do ponto de vista de onde se olha: do ponto de vista de um sertanejo como Fabiano, personagem de poucas palavras em Vidas Secas, o vocabulário do livro que o retratou seria pleno de luxo e de requinte. Do ponto de vista de quem fala português não-padrão, essa literatura se encaixa melhor no padrão culto.
O luxo e o requinte da linguagem precisariam (uma vez que Costa Lima concordou com Mário de Andrade) de se encaixar num padrão realista. Padrão que a rapsódia Macunaíma não seguiu. A linguagem deveria exprimir “miséria pura” e não “epopéia”.
No entanto, poder-se-ia dizer o contrário: a grandeza e a força de Euclides foi ver a grandeza da batalha que se travou e a importância histórica daquele levante para as lutas do povo brasileiro. A linguagem usada em 1902 não era “neoparnasiana”, mas parnasiana de boa cepa. Se Euclides usasse outra linguagem, talvez não tivesse obtido a recepção que obteve em seu tempo. Seria um Sousândrade, um Kilkerry, um Qorpo Santo que a vanguarda teria de desenterrar e lançar novamente entre seus primeiros pelotões.
A observação do diário de Mário não seria capaz de transtornar a recepção de Euclides; ela está voltada contra alguém de uma geração anterior, cuja linguagem a geração de Mário questionou. Os diários parecem ser uma fonte constante de Costa Lima para essa ambivalência entre literatura, ficção e história. Num diário de Benjamim, esse autor curiosamente julgou o texto kantiano “grande prosa de arte”, afirmação a ser problematizada por Costa Lima: realmente, é bastante difícil estabelecer o valor estético da prosa de Kant. Quem sabe Benjamin tenha se equivocado e trocado a palavra “kunst” por “philosophie”. Kant, que delimitou a prosa crítica sobre a arte (a estética), tem uma prosa de valor estético muito questionável, ao contrário da prosa de Nietzsche (esse sim, tem prosa e poesia). Acrescento que existe uma boutade que diz que Kant foi o último grande filósofo a comentar com propriedade a respeito de arte sem entender nada de arte.
Uma passagem do livro foi dedicada a resolver algumas pontos divergente entre Costa Lima e Wolfgang Iser, pois Iser persistiu em ser anti-mimético. O padrão realista que Costa Lima não rejeitou na nota breve e superficial de Mário de Andrade foi, portanto, defendido indiretamente. Afinal, sem algum desejo mimético não será possível pensar na escrita da história, ou em uma literatura que faça referências à história. No caso dos romances de Euclides e de Graciliano, trata-se ainda de romances que buscam trazer dados sócio-históricos reais, em nada falseados ou modificados com finalidade de fazer o “jogo do texto”. Aqui Pierre Menard não foi o autor de Dom Quixote.
Costa Lima mesmo notou o paradoxo: Mário de Andrade cobrou de Euclides a rigidez de um paradigma que ele mesmo não seguiu em Macunaíma e que ele, retrospectivamente, aplica como sendo um peso morto. Ou seja: Mário aplicou um paradigma para ele já morto para uma obra anterior à dele, com saldo negativo. A obra deveria ter sido mais realista, embora, se Mário fosse realista extremamente rigoroso, ambientaria sua rapsódia entre Roraima e Venezuela e seu protagonista se chamaria Makunáima (que é como os índios de região pronunciam o seu nome até hoje).
Costa Lima também optou pela mímesis, mas deixou para trás o diálogo com uma vertente que precisava dela para seu realismo crítico: Lukács e Roberto Schwarz. Ocorreu a opção por Iser (com ressalvas) e Haroldo de Campos. Apareceu também uma observação de Graciliano sobre José Lins do Rego coletada por Costa Lima, bastante semelhante à de Mário de Andrade comentada acima. Memórias do Cárcere se saiu bem ao ser comparado com o diário de um seu contemporâneo (Francisco Theodoro Rodrigues). Costa Lima provou, algumas páginas antes, que um texto aparentemente autobiográfico (De um Castelo a Outro, Louis Ferdinand Céline) contêm delírios e distorções quem sabe deliberadas para tornar o autor empírico um bode expiatório do mundo. Quanto a Memórias do Cárcere, não resta dúvidas quanto ao seu caráter de forma híbrida: autobiografia, ficção, memórias. O relato de Memórias, comparado com as notas de Theodoro Rodrigues permanece bem fundamentado e seguro (Um Castelo a Outro desmoronou como um castelo de areia diante dos dados de seu principal biógrafo; é mais delírio e fruto da paranóia do que autobiografia ou memórias).
Nos “estudos de caso” finais sobre Graciliano e Euclides, ele citou Barthes sobre a narrativa da história (COSTA LIMA, 2006, p. 384), apenas para preferir a posição de Paul Ricoeur, que estabeleceu que, para uma obra ser histórica, ela precisa passar por três fases definitivas: 1) fase documental; 2) estabelecimento da prova documental; 3) fase explicativa. Os Sertões não preencheriam essas três fases e conceitos definidos e seria, portanto, obra de literatura e não de história. Ele finalizou escrevendo que “só a passagem dos anos dirá se a insubordinação aqui praticada terá alguma conseqüência” (COSTA LIMA, 2006, p. 385). Ou seja: Costa Lima pretendeu ter resolvido definitivamente o problema do status de Os Sertões; no entanto, se ele mesmo demonstrou, no início de História. Ficção. Literatura que é fácil aproximar os aedos dos historiés, é bem provável que, no futuro, essa aproximação volte a ser realizada, ou mesmo que a obra seja chamada de “forma híbrida entre ficção e história”. Talvez com o passar do tempo até mesmo História. Ficção. Literatura também possa ser visto assim, como obra híbrida.

Bibliografia:

CALDAS, Pedro. A Consciência Híbrida: História. Ficção. Literatura de Luiz Costa Lima. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Julho/ Agosto/ Setembro de 2006 Vol. 3 Ano III nº 3. ISSN: 1807-6971. www.revistafenix.pro.br. Acesso em 17/11/2007.
LIMA, Luiz Costa. História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A Banda de Música da Revolução: Considerações Sobre o Ontem e o Hoje

“O movimento estudantil é um celeiro de revolucionários e a banda de música da Revolução.”
Trecho citado por José Alberto Saldanha de Oliveira

O livro “Mitologia Estudantil, Uma Abordagem Sobre o Movimento Estudantil Alagoano”, de José Alberto Saldanha de Oliveira, é o resultado final do curso de mestrado em História realizado pelo autor na Universidade Federal de Pernambuco de 1990 a maio de 94, onde ele alcançou o título de mestre através da defesa pública de sua dissertação.
Saldanha cita um outro autor, Barros(1991,38):“Cada vez mais embalados pelos sonhos de uma transformação cultural, reflexo da que se espalha pelo mundo inteiro, os estudantes brasileiros imaginavam que havia chegado a hora da revolução socialista. As principais lideranças universitárias de esquerda, rompidas há tempos com a linha pacifista do Partido Comunista Brasileiro (PCB), queriam não só reformular a ultrapassada universidade, mas concretizar propostas de derrubada de ditadura militar e de luta revolucionária. As trincheiras seriam as faculdades”.
Outro exemplo da mentalidade da época é a chamada “Carta Política” de julho de 67:
“A tarefa fundamental do Movimento estudantil é a luta política, que consiste numa preparação para aliar-se às classes que, historicamente, terão seu papel importante no processo de transformação social. A luta do movimento estudantil é a denúncia da ditadura e do imperialismo, sendo, além disso, uma luta concreta e prática contra a intervenção ditatorial e imperialista nas Universidades. O ponto principal nesta luta é o acordo MEC-USAID. A UNE luta contra a reforma universitária, uma falsa reforma. Promoverá seminários sobre o acordo MEC-USAID, sobre as lutas de Libertação Nacional, sobre a Internacionalização da Amazônia e sobre a aliança Operária-Camponesa-Estudantil. A UNE intensificará, também, sua luta contra o Decreto que proíbe greves estudantis.”
O livro é aconselhável pois faz um panorama da época, analisando a mitologia que circundava o movimento estudantil. A ditadura do proletariado permaneceu um conceito comum a várias daquelas organizações que tentaram a luta armada. O stalinismo pautava também o universo ideológico destes pequenos grupos, que no entanto tinham penetração, por seu discurso radical e seu culto à violência, em segmentos da classe média que sentiam frustradas as suas aspirações. A esquerda em Alagoas, questiona Saldanha logo na Introdução, “pouco produz distante de uma plataforma panfletária e, no mais das vezes, as revisões e as análises são para efeito interno, nutrindo as organizações de ‘auto-razões’ e dando-lhes, aí sim, uma suficiência imaginada e imaginária. São raras as contribuições mais ousadas e que se destinam a provocar uma polêmica salutar, capaz de rever os fundamentos da esperança e colocar termos de ação, enunciados de uma estratégia e de teses políticas e o mais que couber dentro do afã do partidarismo.” Sua crítica vale para a esquerda brasileira de ontem e hoje, de Alagoas e de todo o país.
Saldanha ressalta que no passado “a prática política refletia os desejos e ‘verdades’ nas quais as organizações de esquerda acreditavam: a estagnação do modelo capitalista brasileiro, o isolamento crescente do regime e o papel crítico dos estudantes para o ‘despertar’ da classe operária.” Com o passar do tempo, essas ‘verdades’ não se confirmaram.
Nos anos 60, como observou Alfredo Sirkis, autor do livro Os Carbonários, “os militantes sacrificavam tudo à atuação política. Hoje a perspectiva é mais sadia: os jovens querem intervir na vida do país sem abrir mão da formação profissional, da namorada, da família e do seu estilo de vida.” A socióloga Helena Abramo, em sua dissertação de mestrado com o tema Grupos Juvenis nos Anos 80 em São Paulo aponta que:
“Durante o Regime Militar, a universidade e, em particular, as entidades estudantis, eram quase o único espaço de expressão política, cultural e até existencial para os jovens. A parte mais visível da juventude era, então, a dos estudantes mobilizados, geralmente pertencentes à classe média. Com a abertura política e o renascimento da sociedade civil, as coisas mudaram: O movimento estudantil perdeu peso político, as entidades se esvaziaram, as lideranças tradicionais ficaram falando sozinhas. Paralelamente ao esvaziamento das entidades estudantis, ocorreu a emergência de outro universo juvenil, muito vinculado à indústria cultural, especialmente entre as classes populares de periferia, com seus bailes, seu culto de música negra americana. A parte mais visível da juventude passou a ser uma confederação de tribos- punks, darks, breakers, rappers, rastafaris - cada uma com seu estilo, suas roupas, seus símbolos e sua linguagem própria. Mudaram os parâmetros de identidade entre os jovens. (...) O processo de esvaziamento das entidades estudantis durante a década de 80 foi sintomático. Se antes a luta pela derrubada da Ditadura Militar conseguia unificar as lideranças e o estudantado, como a toda sociedade civil- tendo em vista o processo de cerceamento político, cultural e social vivenciado pelos brasileiros - a mudança de ordem institucional ocorrida com a eleição de Tancredo - Sarney, retirou a ‘exclusividade’ das entidades estudantis em serem o único espaço de expressão dos jovens universitários. Afastado o ‘monstro’ da repressão os ‘espíritos’ se soltam em busca de redefinir caminhos. Acontece que este espírito não foi decodificado pelas lideranças ligadas às tendências políticas, a atuação destes permaneceu presa não só às práticas organizativas das décadas de 60 e 70, como, principalmente, a uma concepção de ‘praxis’ ligada a uma visão catastrófica e teleológica do processo social. Para as organizações de esquerda o ME será sempre um terreno de luta aonde a ideologia proletária deve vencer. E a imposição do ‘estatuto de verdade’ às suas opiniões e conceitos continuará a alimentar o desconhecimento dos limites da chamada ‘ação radical dos estudantes’.”
Então, para reorganizar o ME será preciso repensar, como disse Ann Mischen, num artigo na T& D: “a necessidade de trabalhar de forma melhor a ligação entre o pessoal e o social como fonte de engajamento dos jovens. No movimento estudantil clássico (e na esquerda em geral) esta relação é deixada de lado em favor de uma ética militante de dedicação e sacrifício total. (...) Uma lição do movimento Fora Collor foi a necessidade de criar uma nova imagem, distinta daquela do militante intenso, barbudo, chato, e uma nova linguagem que fuja das velhas palavras de ordem da esquerda e incorpore os valores da ética, do prazer, da criatividade individual. A questão não é só o quase populismo de apelar, com festa, música e linguagem teen, à sensibilidade dos jovens despolitizados, mas de dar espaço às necessidades de crescimento e expressão pessoal, sem as quais o engajamento político acaba no vazio.”