ESCOREL: A referência precisa, situando a cena inicial em 1945, gera expectativas que o filme não cumprirá, por transcorrer em um vácuo sem referências a qualquer outro fato histórico ocorrido até 1956, ano em que a narrativa chega ao fim. Deixando de articular os personagens com o contexto da época, Jabor cria seres a-históricos, que, depois de terem queimado um boneco representando Hitler, passam a viver livres de qualquer influência dos acontecimentos sociais e políticos. Os personagens de A Suprema Felicidade habitam uma “terra abençoada” chamada Brasil, refúgio de estereótipos, onde sambas e requebros se somam à mitologia musical e cinematográfica norte-americana para ocupar o imaginário".
JABOR: Ato de violência. Aí, percebi que não apenas a patrulha pop pautou seus críticos. Lembrei da devastadora crítica de Eduardo Escorel na revista piauí - (não confundir com Lauro Escorel, o grande artista que fotografou o filme). Lembro mesmo que corri à piauí com a esperança de aprender teoria com o velho autor de remotos filmes, como a história sinistra de um esquartejador e a adaptação dialética do Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado. Dele eu esperava opiniões cultas, conspícuas frases sobre Bergman, Fellini. Eu esperava encontrar André Bazin e dei de cara com Andrei Zhdanov, o supremo censor de Joseph Stalin (olhem no Google, meninos...) Mas, mesmo assim, esquartejado, tentei entendê-lo. E tive a revelação, vi a luz!Eduardo tinha uma missão política, senhores, iluminista mesmo: ele quis salvar o público das mensagens reacionárias que devo ter embutido no filme. Por isso, ele correu a Alphaville, para ver o filme quentinho, ainda no laboratório. Ele correu antes para avisar o povo: "Não vá!... Fuja do demônio neoliberal que fez um filme de época sem mostrar Getúlio ou a luta de classes." Eu sei que vocês foram modificados geneticamente por décadas de videoclipes, eu compreendo que vocês achem o Michel Gondry o novo Goddard e que o flash-back foi inventado pelo Tarantino.
Cabeça de Bacalhau blog: o jornal Diário do Nordeste demitiu de forma arbitrária, no último dia 18 de outubro, o jornalista Dalwton Moura, por ter escrito e editado matéria no Caderno 3 sobre as revoluções marxistas que marcaram os séculos XIX e XX.
Lúcio, patrulheiro pop-Odara: JABOR, GODARD É GOD-ART, NÃO GODDARD.
ESCOREL: Oscilando entre realismo e fantasia, a fotografia e a direção de arte também carecem de princípio unificador, ou de justificativa para sua heterogeneidade. As trucagens digitais e a recriação de época nem sempre conseguem evitar certo artificialismo. E, com as cenas externas em locações, o filme não consegue se libertar das amarras realistas para se situar à vontade no plano fantasioso da memória.
FELIPE MOREIRA: Concordo. Mas ele acha isso negativo. Para mim, tudo isso é positivo. Chega de realismo! O único filme não realista, com pretensões mítico / idealistas em cartaz há tempos. Em outras palavras: adorei A suprema felicidade e achei a crítica escrotinha.
Lúcio, patrulheiro pop-Odara: Felipe, eu nem vi o filme ainda. Pelo trailer parece bom. Discuto é a crítica. Para Jabor, crítico é o bonequinho da Globo batendo palminha. Não; crítico tem nome. E Escorel fez uma boa crítica, que pega tudo de dentro. Mas poderia ser respondida. Por exemplo: por que locação externa é sinônimo de filme realista? E a Veja falou bem do filme, só copiou a observação sobre o Nanini do Escorel. Isso acontece muito hoje. Quem escreve primeiro e melhor, pauta os mais fracos. E Veja é fraca.
NELSON RODRIGUES: Compreendo que isso dá prestígio; é um upgrading. O sujeito entra na redação de testa alta e lábio trêmulo: "Esculachei a besta do Jabor..!" E é olhado com cálida admiração.
Lúcio: CRITICAR COM ESSE ARGUMENTO DE QUE É PATRULHA É ANACRÔNICO. AS PATRULHAS NO JORNAL O MOVIMENTO ERAM NA VERDADE O CONFRONTO CEBRAP VERSUS EMBRAFILME, NEOLIBERALISMO X PROJETO NACIONAL.
JABOR: Vou pautar também os jovens tenentes das novas "patrulhas pop", porque eu sou egresso das velhas patrulhas ideológicas descobertas por Cacá Diegues e tenho esta missão. E conseguiu; parabéns, doce Zhdanov com seu lento sorriso superior. Foi um alívio. A sociedade estava salva.
Patrulhas das patrulhas do campo e do contracampo: Basta que ressoe “patrulha ideológica” no recinto fechado para que o locutor reflita e, num ato de repressão interna, sufoque o stalinista que existe em seu peito, modere suas palavras de ordem e venha a compor a linha de frente dos defensores de um Brasil republicano. Assim, vemos crescer substancialmente a “patrulha das patrulhas”, um regimento especial de homens e mulheres dispostos a obstruir com sua firmeza moral os fantasmas do atraso. A eficácia do “contra-patrulhamento” conseguiu que as discussões em torno da Ancinav e das tvs digitais fossem sufocadas antes que se alastrassem e mobilizassem um número cada vez maior de stalinistas fanáticos por controle.
ESCOREL: No início da carreira, Jabor dizia ter mais interesse por teatro e poesia do que cinema. Entre 1965 e 1990, período em que realizou nove longas-metragens, alguns com acentuadas características teatrais, sempre manteve atitude ambígua, parecendo mais um diletante do que um cineasta profissional. Por ter abandonado o duro ofício de fazer filmes, não surpreende, portanto, nem a singeleza da composição dos planos que registram a encenação sem resultarem de um projeto formal específico, nem a dificuldade para narrar a fragmentada história que ele mesmo escreveu.
JABOR: Mas, aí... esbarrei com a frase: "Jabor sempre pareceu mais um "diletante" que um cineasta profissional." Aí, não. Depois de ter trabalhado 30 anos em cinema, fazendo nove filmes, ouvir isso não dá. "Diletante" é você, cara, que fez dois ou três filmes medíocres que sumiram da história de nosso cinema.
ESCOREL: Em 1962, Jabor dizia querer filmar “O cão sem plumas”. Décadas depois, nada mais distante do poema de João Cabral de Melo Neto do que a exuberância de A Suprema Felicidade. Distância que pode ser a chave para entender a trajetória do realizador. Ela é marcada, como a de Paulo, seu personagem, pela vontade de “ser diferente” e “descobrir quem ele é”. Vendo A Suprema Felicidade, alguém ainda poderá ter dúvida em relação à verdadeira vocação de Arnaldo Jabor?
JABOR: E, no final, outro insulto, quando ele diz que, vendo esse filme, ele não tem mais dúvidas de quem sou eu...Respondo: Se você pudesse saber quem eu sou, você não seria o que é. E mais, ridículo censor do trabalho alheio: "A dignidade severa é o último refúgio dos fracassados." É só.
Patrulha das patrulhas do campo e do contracampo: Não há nada mais repugnante para um artista liberal que censores organizados em patrulhas ideológicas.