Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
João Paulo X Lúcio Jr: Uma crítica e Duas Réplicas
Chamar Marcelo Tas de iluminista como algo positivo partindo do princípio da Escola de Frankfurt, representada pela Dialética do Esclarecimento? O primeiro capítulo, Conceito de Esclarecimento, é a parte mais explícita do mal atribuído à Iluminação, que é explanado nos capítulos subseqüentes. Procure mais informações antes de vomitar autores para tentar enquadrar seu texto em um padrão de qualidade que (a) não é necessariamente requerente de fontes ou autores para qualificação e (b) não condizem ao conteúdo do seu texto e os argumentos claramente que não tem, nem em primera instância. Comparar o CQC aos contramovimento s ou qualquer outra categoria que nós já tenhamos conhecido é bobeira, porque na crítica da televisão, eles se fazem de isentos do meio. Não esqueça que no programa são veiculadas propagandas. Leia REALMENTE o livro citado, e vai entender o conceito de Indústria Cultural e o processo de cultura PARA massas.
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17 de outubro de 2011
João: Hoje resolvi fazer uma réplica mais dura para você.
Mas o convite melhor seria dizer que espero que você me oriente nessa leitura, que me ajude a não vomitar e a sim antropofagir, assimilar organicamente o que foi lido, pois esse é meu objetivo.
Eu leio Adorno e em parte vomito mesmo. Você me acusa de renegar o "pai", mas me enoja ouvir dizer que Adorno reprovou Walter Benjamin e depois usou sua tese (O Drama Barroco no Romantismo Alemão) como instrumento de trabalho em Frankfurt. Tendo em vista o sofrimento que Benjamin passou depois, essa desonestidade acadêmica, essa pequena crueldade me dá vontade de vomitar.
Tomara que seja só fofocagem.
Mas participará também Adorno dessa dialética que ele mesmo fala? É hora de enfrentar a questão imperiosa.
Eu PENSO que sim. Seu esquema político, em 1943, se assemelha ao de Friedrich Hayek, pai do neoliberalismo, em O Caminho da Servidão: ele assimila e agrupa o estado de bem-estar social norte-americano, o nazismo e o comunismo entre seus inimigos. Hayek e Adorno escreveram isso no mesmo ano. O esquema também é o mesmo de As Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt.
O conceito de totalitarismo, para mim, é um lixo. Iguala nazismo, comunismo e imperialismo.
O que eu vomito quando leio Adorno é sua obscuridade ao não tomar partido pela União Soviética e os aliados em 43. Tudo indica que não levou em conta as teses de Lênin sobre o imperialismo e pior, sobre o "stalinismo" o que ele sabe deve ter lido nos jornais e revistas. Revistas e jornais americanos como os de Randolph Hearst, coalhados de denúncias "antistalinistas" colhidas na Gestapo!
E Adorno, supremo crítico da indústria cultural, mostra-se obtuso ao ponto de separar as críticas de Marx em O Capital de seu projeto político, não reconhecendo esse projeto político na URSS dos anos 40 e pior: tomando um juízo que vai alimentar mais fascistas mais nojentos e que é repetido com rigor pela direita até hoje: o nazismo e o "stalinismo" são a mesma coisa!!!
Por isso, João Paulo, que usei o texto de Adorno como inspiração, mas não me deixou tutelar pelo pensamento dele. O que vale nessa carta é que aponto onde, na própria obra, está a dialética do esclarecimento e da obscuridade. Isso é um campo de pesquisa muito rico.
Abraços do Lúcio Jr!
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Pontuação do comentário 0 #2 Lúcio Jr 17-10-2011 04:44
Oi, João Paulo.
Vou reler os capítulos, mas sei que a tendência natural de um adorniano seria ver tudo na televisão como ruim e vomitar impropérios.
Realmente, em meu texto peguei só uma ideia principal, o avanço entre civilização e barbárie, o avanço de um lado para o retrocesso no outro.
"Contramovimento s", vc fala, situacionismo, maio de 68, Baade Meinhof? Ainda bem que vc mesmo reconhece que essa comparação é besteira, mas e vc quem a traz. Vc há de convir que a Indústria Cultural se autobservar é pelo menos curioso.
Isentos do meio? Ele deveriam se autocriticar? Citar Adorno? Se liga que hoje na Escola de Frankfurt tem Congresso para estudar Bob Dylan organizado pelo presidente! Procure no meu blog esse artigo.
Abs do Lúcio Jr!
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
A patrulha das patrulhas pop-odara: Jabor X Escorel
JABOR: Ato de violência. Aí, percebi que não apenas a patrulha pop pautou seus críticos. Lembrei da devastadora crítica de Eduardo Escorel na revista piauí - (não confundir com Lauro Escorel, o grande artista que fotografou o filme). Lembro mesmo que corri à piauí com a esperança de aprender teoria com o velho autor de remotos filmes, como a história sinistra de um esquartejador e a adaptação dialética do Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado. Dele eu esperava opiniões cultas, conspícuas frases sobre Bergman, Fellini. Eu esperava encontrar André Bazin e dei de cara com Andrei Zhdanov, o supremo censor de Joseph Stalin (olhem no Google, meninos...) Mas, mesmo assim, esquartejado, tentei entendê-lo. E tive a revelação, vi a luz!Eduardo tinha uma missão política, senhores, iluminista mesmo: ele quis salvar o público das mensagens reacionárias que devo ter embutido no filme. Por isso, ele correu a Alphaville, para ver o filme quentinho, ainda no laboratório. Ele correu antes para avisar o povo: "Não vá!... Fuja do demônio neoliberal que fez um filme de época sem mostrar Getúlio ou a luta de classes." Eu sei que vocês foram modificados geneticamente por décadas de videoclipes, eu compreendo que vocês achem o Michel Gondry o novo Goddard e que o flash-back foi inventado pelo Tarantino.
Cabeça de Bacalhau blog: o jornal Diário do Nordeste demitiu de forma arbitrária, no último dia 18 de outubro, o jornalista Dalwton Moura, por ter escrito e editado matéria no Caderno 3 sobre as revoluções marxistas que marcaram os séculos XIX e XX.
Lúcio, patrulheiro pop-Odara: JABOR, GODARD É GOD-ART, NÃO GODDARD.
ESCOREL: Oscilando entre realismo e fantasia, a fotografia e a direção de arte também carecem de princípio unificador, ou de justificativa para sua heterogeneidade. As trucagens digitais e a recriação de época nem sempre conseguem evitar certo artificialismo. E, com as cenas externas em locações, o filme não consegue se libertar das amarras realistas para se situar à vontade no plano fantasioso da memória.
FELIPE MOREIRA: Concordo. Mas ele acha isso negativo. Para mim, tudo isso é positivo. Chega de realismo! O único filme não realista, com pretensões mítico / idealistas em cartaz há tempos. Em outras palavras: adorei A suprema felicidade e achei a crítica escrotinha.
Lúcio, patrulheiro pop-Odara: Felipe, eu nem vi o filme ainda. Pelo trailer parece bom. Discuto é a crítica. Para Jabor, crítico é o bonequinho da Globo batendo palminha. Não; crítico tem nome. E Escorel fez uma boa crítica, que pega tudo de dentro. Mas poderia ser respondida. Por exemplo: por que locação externa é sinônimo de filme realista? E a Veja falou bem do filme, só copiou a observação sobre o Nanini do Escorel. Isso acontece muito hoje. Quem escreve primeiro e melhor, pauta os mais fracos. E Veja é fraca.
NELSON RODRIGUES: Compreendo que isso dá prestígio; é um upgrading. O sujeito entra na redação de testa alta e lábio trêmulo: "Esculachei a besta do Jabor..!" E é olhado com cálida admiração.
Lúcio: CRITICAR COM ESSE ARGUMENTO DE QUE É PATRULHA É ANACRÔNICO. AS PATRULHAS NO JORNAL O MOVIMENTO ERAM NA VERDADE O CONFRONTO CEBRAP VERSUS EMBRAFILME, NEOLIBERALISMO X PROJETO NACIONAL.
JABOR: Vou pautar também os jovens tenentes das novas "patrulhas pop", porque eu sou egresso das velhas patrulhas ideológicas descobertas por Cacá Diegues e tenho esta missão. E conseguiu; parabéns, doce Zhdanov com seu lento sorriso superior. Foi um alívio. A sociedade estava salva.
Patrulhas das patrulhas do campo e do contracampo: Basta que ressoe “patrulha ideológica” no recinto fechado para que o locutor reflita e, num ato de repressão interna, sufoque o stalinista que existe em seu peito, modere suas palavras de ordem e venha a compor a linha de frente dos defensores de um Brasil republicano. Assim, vemos crescer substancialmente a “patrulha das patrulhas”, um regimento especial de homens e mulheres dispostos a obstruir com sua firmeza moral os fantasmas do atraso. A eficácia do “contra-patrulhamento” conseguiu que as discussões em torno da Ancinav e das tvs digitais fossem sufocadas antes que se alastrassem e mobilizassem um número cada vez maior de stalinistas fanáticos por controle.
ESCOREL: No início da carreira, Jabor dizia ter mais interesse por teatro e poesia do que cinema. Entre 1965 e 1990, período em que realizou nove longas-metragens, alguns com acentuadas características teatrais, sempre manteve atitude ambígua, parecendo mais um diletante do que um cineasta profissional. Por ter abandonado o duro ofício de fazer filmes, não surpreende, portanto, nem a singeleza da composição dos planos que registram a encenação sem resultarem de um projeto formal específico, nem a dificuldade para narrar a fragmentada história que ele mesmo escreveu.
JABOR: Mas, aí... esbarrei com a frase: "Jabor sempre pareceu mais um "diletante" que um cineasta profissional." Aí, não. Depois de ter trabalhado 30 anos em cinema, fazendo nove filmes, ouvir isso não dá. "Diletante" é você, cara, que fez dois ou três filmes medíocres que sumiram da história de nosso cinema.
ESCOREL: Em 1962, Jabor dizia querer filmar “O cão sem plumas”. Décadas depois, nada mais distante do poema de João Cabral de Melo Neto do que a exuberância de A Suprema Felicidade. Distância que pode ser a chave para entender a trajetória do realizador. Ela é marcada, como a de Paulo, seu personagem, pela vontade de “ser diferente” e “descobrir quem ele é”. Vendo A Suprema Felicidade, alguém ainda poderá ter dúvida em relação à verdadeira vocação de Arnaldo Jabor?
JABOR: E, no final, outro insulto, quando ele diz que, vendo esse filme, ele não tem mais dúvidas de quem sou eu...Respondo: Se você pudesse saber quem eu sou, você não seria o que é. E mais, ridículo censor do trabalho alheio: "A dignidade severa é o último refúgio dos fracassados." É só.
Patrulha das patrulhas do campo e do contracampo: Não há nada mais repugnante para um artista liberal que censores organizados em patrulhas ideológicas.
terça-feira, 16 de março de 2010
Lúcio "Bligueiro" Ataca Novamente: Fique Sabendo
Repito: apenas relatei um fato ocorrido no meu antigo blog, um questionamento de um leitor. Você é muito atrasado, pegou essa coisa antiquada de uma imprensa que só fala a VERDADE e não aceita comentários ou sugestões. Não vejo novelas desde 1991. Estou satisfeito com sua resposta a respeito do médico. Não vamos render mais essa polêmica, pois não interessa a ninguém, deve estar fazendo figura de briguinha provinciana de comadres. Só o seguinte: melhore sua autoestima. Você supõe que, se alguém lê seu jornal, é porque não tem mais o que fazer, isso é triste.
segunda-feira, 13 de julho de 2009
Som e Fúria: Fim de Partida para Oswald Thomas
Curiosamente, quando ele estava saindo Dante lhe perguntou se agora ele ia montar uma peça sobre cavalos em Viena (eu pergunto: que tal se ele montasse o Homem e o Cavalo, de Oswald de Andrade?) Aliás, segundo uma entrevista na Revista Questão de Crítica, foi justamente na Áustria onde Gerald Thomas passou pela bizarra experiência de ser demitido de uma ópera, mesmo já tendo trabalhado dois meses.
Curiosamente, a peça de Shakespeare que Oswald Thomas montou com um cavalo cagando (Tito Andrônico, uma das tragédias mais sangrentas de Shakespeare) tem também dois Lúcios, Lúcio pai e filho. Tal como a blognovela de Gerald Thomas, que também teve uma fala de um Lúcio... Senão vejamos:
OSWALD DE ANDRADE (A MORTA)
HIEROFANTE: Senhoras, senhores, eu sou um pedaço de personagem, perdido no teatro. Sou a moral.
Antigamente a moralidade aparecia no fim das fábulas. Hoje ela precisa se destacar no princípio, a fim de que a polícia garanta o espetáculo. E se estiole o ríctus imperdoável das galerias.
Permanecerei fiel aos meus propósitos até o fim da peça. E solidário com a vossa compreensão de classe.
Coisas importantes nesta farsa ficam a cargo do cenário de que fazeis parte.
Estamos nas ruínas misturadas de um mundo.
Os personagens não são unidos quando isolados. Em ação são coletivos. Como nos terremotos de vosso próprio domicílio ou em mais vastas penitenciárias, assistireis o indivíduo em fatias e vê-lo-eis social ou telúrico.
Vossa imaginação terá que quebrar tumultos para satisfazer as exigências da bilheteria
.Nosso bando precatório é esfomeado e humano como uma trupe de Shakespeare. Precisa de vossa corte. Não vos retireis das cadeiras horrorizados com a vossa autópsia.
Consolai-vos em ter dentro de vós um pequeno poeta e uma grande alma!
Sede alinhados e cínicos quando atingirdes o fim de vosso próprio banquete desagradável.
Como os loucos, nos comoveremos por vossas controvérsias.
Vamos, começai!
Também, só por curiosidade, transcrevo uma fala do meu "hormônio", filho de Titus Andronicus:
LÚCIO — Dos prisioneiros godos entregai-nos o de mais alto brio, porque os membros lhe decepemos e, num monte, as carnes sacrifiquemos ad manes fratrum ante a prisão terrena de seus ossos, porque acalmadas fiquem logo as sombras, sem que na terra venham perseguir-nos, depois, os seus espectros.
Amo tudo isso: antropofagia. Ezir-stencialismo.
A minissérie Som e Fúria terminou esculhambando com Oswald/Gerald Thomas. Mas por que? Por que? Minha hipótese: parte da classe artística carioca tem uma rivalidade com ele e gostaria de vê-lo se estrepar. E o motivo? Ele "odeia o teatro"? Não! Porque ele não faz propaganda do teatro carioca internacionalmente. Essa parcela da classe teatral carioca (a quem a minissérie quis conquistar com essa caricatura) guarda ressentimento de Gerald, considerando-o um filho ingrato.
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Carta para o Obra em Progresso
Claro que Caetano também é escritor. Não vejo problema nisso. Fiz um trabalho analisando Verdade Tropical como antropofágico e um colega do mestrado me disse: mas vc tem certeza de que Caetano é antropofágico? Ser escritor, ser antropofágico em si é visto como elogio. Já vi gente culta dizendo isso, como por exemplo um colunista do Digestivo Cultural (uma espécie de altar do Paulo Francis na web), o baiano de Feira de Santana Rafael Rodrigues. Ele se diz um escrevinhador...pfui!
Lícia: quanto a aprender um idioma estrangeiro, vc pode aprender ouvindo, mas sua fala e seu entendimento da forma escrita dele precisarão ser aprimorados. São 4 habilidades: ouvir, falar, ler e escrever. Qual a relação disso com o português padrão? Ele ajuda a vc entender na hora de estudar a gramática do outro idioma, estruturas, principalmente. Sem elas, mesmo vc sabendo seu inglês ou francês pode soar surreal para eles.
Espero não ter "fundido a cuca de Lícia" com essa explicação...
domingo, 24 de agosto de 2008
Blognovela Penetrália: Capítulo 3
Capítulo 3: A CRUZ DO CRUZ & SOUSA
(O Gugol Júlio Fantasma informa que a blognovela foi interrompida de forma abrupta na última sessão).
João Paulo: sou eu que tenho uma abelha na cabeça. O Mário é o que tem o celular que toca sempre Pour Elise e o faz chorar. É que ele leu Adorno e a regressão acústica. Ele lembra que para ele, Lukács, Hegel e Adorno, a arte morreu. E ele não sabe nada de Filosofia. Tem também o cara do trem e o do cometa.
Trem: eu só volto daqui a quatro anos.
Cometa: eu sou o Halley, só volto daqui a setenta anos.
Lúcio (sapateando): Trem? Eu deixo aqui uma sugestão para uma polêmica no blog: o gesto dos Kaiapós de passar o facão no engenheiro da Eletrobrás foi antropofágico? Para mim, foi.
Guzik: Nem é preciso ir atrás de teorias de historiadores e sociólogos. Bastam uma hora à noite sem energia ou vinte e quatro horas sem água (as duas carências rolaram aqui entre terça e quinta) para percebermos como são precárias todas as nossas "qualidades" de vida. que civilização frágil essa que construímos!
Contrera: no encontro entre a barbárie da civilização e a civilização da barbárie sempre há quem sirva de comida aos cortadores de cabeças. o que não significa que não deva existir porrete a demandar um limite entre as facas ou os canhões.
Rio Maynart: Caro Andrei, te sinto mais “Andrei” do que “escrava isaura”, assim como vejo o Vamp mais vampiro do que Odete ‘Róitman’, ele não é um vilão como ela. O Vamp, caro Andrei , é lindamente sensível!!! Ele até teve um surto só pq eu questionei uma frase meio non-sense sobre a mão num sapato ser o mesmo que uma mão no cadáver e parece que o Lúcio Jr. tb teve o mesmo questionamento q eu, (segundo o Gerald)… Para surtar c/ isso, é necessário ter muita sensibilidade (A Odete ‘Róitman’ nunca surtaria c/ essa pergunta. Ela é uma vilã fria, crua, cruel e durona), e olha que ele (mesmo surtado) ainda teve sensibilidade e tesão para agarrar alguém no escuro… Eu acho que ele agarrou foi a Dra. Paloma. Fábio, meu caro, não gosto de rótulos.
Sandra: SENSACIONAL! Ar-ra-sou!
Lúcio: Mas não tem nenhum Andrei aqui, só um boneco. Sarapateus e sarapatetas: sabe o q eu acho mais complicado nessa história do setember eleven? É que agora, um nacionalismo árabe pragmático não pode mais apoiar os USA nem aceitar um programa democrático liberal! Eles venceram, fecharam o sinal. Mesmo o Talibã e Saddam se aliaram aos USA em certos momentos. De agora em diante isso é impossível!
Laerte Braga: para quê apoiar o imperialismo americano?
Andrei Golemsky (o boneco volta a falar, aparentemente sem motivo, numa nova gravação): Ah, seu Laerte, a morte é uma divindade, a morte é uma festa! Certo dia, ouvi num noticiário que dez pubs londrinos, daqueles bem tradicionais, planejam oferecer um novo serviço no mercado gerado pela morte. O referido serviço consiste em, expressando o morto (com alguma antecedência, evidentemente) o desejo de que assim seja feito, ser o corpo e as cinzas depositadas numa urna funerária (até aqui não há novidade). E essa mesma urna contendo as cinzas do antigo cliente seria armazenada, ou exposta, no interior do próprio pub que o morto costumava freqüentar com seus amigos, acompanhada de uma placa convencional de lembranças eternas.
Cruz do Cruz e Sousa: Prezado Sr, estou realmente estarrecido com sua atitude, tanto no seu blog quanto aqui, revelando uma intimidade que jamais tive nem tenho com colegas, ex-colegas, amigos, ex-amigos, companheiros, ex-companheiros, aliados, ex-aliados, adversários, ex-adversários, e digo mais: nem mesmo com parentes de primeiro, segundo, terceiro graus etc.
Até onde me lembro - e estou vivo e lúcido o suficiente para me lembrar completamente de todos os meus atos - jamais o agredi, jamais o desqualifiquei, jamais encaminhei qualquer ação com objetivo de lhe causar danos de qualquer natureza. Todas as vezes em que conversamos, dentro e fora da UFMG, cumpri com minha obrigação elementar, enquanto humano (e certamente o Sr. é daqueles que duvidam da humanidade dos negros, dos pobres e outras minorias), de respeitar o outro.
Como tantos, escolhi o trabalho intelectual, desde o início da vida adulta, como "métier": penso, pesquiso, falo, escrevo, enfim, exponho-me. Evidente que esse tipo de trabalho, o conjunto de idéias que o caracteriza, freqüentemente desagrada a outras pessoas, grupos, facções, partidos, guetos, bairros, turminha da mônica e outras turmas, contraria seus princípios, sua etiqueta social etc. Entretanto, nada justifica o linchamento daquele que, com suas idéias, desagrada a qualquer grupo, o que significará sempre a velha e intolerável confusão de fronteiras que tantas tragédias já causaram à humanidade. Tive e tenho o direito a emitir as idéias que entendi e entendo que são mais plausíveis, direito que também lhe assiste, bem como a qualquer outro mortal. Neste momento em que o Sr., que tem idade suficiente para responder pelos seus atos, pavoneia-se debilmente com o meu nome, procurando, como outros, seus 15 minutos de fama (afinal, quem é o Sr.mesmo?), creio que esteja cônscio sobre as conseqüências de chutar um cachorro-não-morte, creio que conheça bem o ditado paranaense que Leminski gostava de recordar: quem come pedra, sabe...
Lúcio (sapateando cada vez mais, com as mãos na cintura): era só o que me faltava...Fala, minha cruz! Quem chamou você aqui nessa blognovela?
Cruz da Cruz e Sousa: Deixo bem claro, mais uma vez: não admito nem jamais admitirei que pessoas maledicentes, mesquinhas e autoritárias, em bom uso ou não de suas faculdades mentais, procedam a julgamento sumário da minha pessoa nem do empreendimento que, orgulhosamente, fundei há quase dez anos e é - para aumentar o ódio de figuras ridículas como o Sr., típicos remanenescentes do nosso nazionalismo merdavarelo - uma das referências de um tempo, de uma geração e de um lugar nos anos 90. Quanto a discutir meu ensaio "A Desarmonia da Harmonia" com o Sr., ensaio cuja importância o Sr. mesmo reconhece ao escrever todo um outro ensaio a respeito, considero uma proposta altamente indecente. Volto a lhe perguntar, com toda sinceridade: quem é o Sr. mesmo? Eu, como o Sr. bem sabe, sou A CRUZ DO CRUZ & SOUZA.
Lúcio (sentado, segurando o pé): Olha, eu não tenho nada a ver se o poeta do desterro foi recebido friamente. E você vem com essa velha frase: “Você sabe com quem está falando?” E que negócio é esse de nazionalismo. A Sra. Cruz é que ficou louca.
(Nesse momento, Lúcio observa que há outros bonecos, esses minúsculos, de sarapatetas pela sala. Mas primeiro, ele precisará resolver o problema da Cruz, que traz junto uma enxurrada de lama que ameaça encher a sala. Os bonecos dos sarapatetas flutuam juntamente com Rio Maynart, Laerte Braga, Contrera e Guzik, que gesticulam pedindo socorro).
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Blognovela Penetrália, capítulo 2: Sarapatetas, Sapateiem!
(Os sarapatetas se ausentam, deixando em seus lugares meros bonecos de cera que caricaturam seus rostos. Sobrou apenas Lúcio, que fala agora com o rosto do Lúcio da propaganda do governo federal que sugere que você, eleitor, não vote em maus políticos).
André Duarte (ouve-se uma voz gravada saindo de seu boneco, inicialmente dando um email): http://sarapateta.tripod.com/ Certamente nossos sapientíssimos leitores já procuraram conhecer a incrível cultura dos povos pré-fetófagos que habitavam em distantes tempos ancestrais as construções cujos restos formam o sítio arqueológico de Al Benakor. É um lapso absurdo para todo aquele que envereda pelos caminhos do conhecimento não ter sequer ouvido falar desses povos e das ruínas descobertas em 1967 pelo arqueólogo inglês Sir Anthony Ivor e que têm mobilizado um enorme contingente de arqueólogos, paleontólogos, antropólogos e outros estudiosos num esforço conjunto e coordenado para elucidar parte da história desconhecida e repleta de mistérios de toda a região do vale do Baixo Nor. Toda esta região situa-se em um dos mais inóspitos e misteriosos territórios da face da Terra: os pântanos de Gotzey, tido por alguns também como um lugar repleto de forças mágicas de cujas origens não se tem notícias...
Lúcio (sapateando): André, isso tudo é mentira. Al Benakor nunca existiu. Não minta aos leitores (dirigindo-se para os leitores): meu nome é Lúcio, quando eu fico nervoso, eu sapateio!
(Entram em cena outros personagens do teatro do absurdo da política: Mariana, que anda em círculos quando fica nervosa; João Paulo, que cria uma abelha no ouvido esquerdo).
João Paulo: eu sou uma abelha na orelha da esquerda! Heloísa Helena confirmou Glauber naquela frase: quem é revolucionário na política geralmente é reacionário
Mariana (monologando em círculos): para lá, para lá. Quatro anos é muito tempo, não quero o terceiro mandato de Lula, mas José Alencar gostaria de consultar o povo. Zé, não tema a morte! Tema o terceiro mandato! Tema que esse referendo existia na constituição da Venezuela e não do Brasil! Eu sou uma personagem de Beckett, de Ionesco. Fail. Fail again. Fail better. Eu não posso ir. Eu vou, andando em círculos! Caetano Veloso, lendo uma entrevista de Lobão no show, disse que era stand up comedy. Vô, vô, por que não? Lobão criticou João. João Gilberto. João Grandão. Me chama, me chama, me chama, me chama, João, mas no sue apartamento de bosta nova não vou não. Essa é uma linguagem morta, beatlemaníaca, eu ligo o rádio e jabá, jabá, eu te amo, é para tocar no rádio, no rádio do seu coração, para chupar com Paul mole. Mas João cortou a mágica do absurdo, não as lágrimas no escuro. E Lobão tem razão? Lobão colocou Caetas como signatário-gilete de um abaixo-assinado pela numeração de CDs!
Lúcio (sapateando): sempre que eu fico nervoso, eu sapateio. Eu sapateio na empresa, diante de todo o staff, eu sapateio para me casar, eu sapateio...só no sapatinho. Eu tinha que ir à Lapa antes que Lobão acabe com ela, eu me solidarizo com os marxistas branquelos universitários e loosers. Eu sou LOOSER, Jesus é LOOSER, IRAQUE E AFEGANISTÃO SÃO PAÍSES-LOOSERS, Lobão é WINNER?
(Subitamente, outros bonecos começam a falar):
Marcos Xavier: de grão em grão a galinha enche o saco! Se repararmos bem as atitudes humanas, não será difícil perceber o quanto o homem ainda preserva de seu lado animal, principalmente ao analisarmos seu comportamento alimentar. Não satisfeito com toda a infinidade de alimentos que a natureza lhe proporciona, o homem insiste vorazmente em provar absolutamente tudo. Animais? Já saboreou todos, sem deixar escapar nada, aproveitando rabo, focinho, língua etc. Muitos devem ter morrido ao comer plantas desconhecidas que eram venenosas. A fome, sem dúvida, faz com que muitos sejam obrigados a comer, dramaticamente, até lixo. Porém, o apetite humano vai além da fome: não bastassem os peixes, há que se comer toda a população marinha, até mesmo as ovas do peixe. Há restaurantes na Flórida que servem caranguejos ainda vivos. Sabe-se também que num exótico restaurante situado nas proximidades de New York servem-se larvas negras que se proliferam em madeiras podres. Lembre-se ainda que em algumas tribos nômades de uma república da Ásia central, uma das iguarias mais apreciadas são olhos de carneiro cozidos. Independentemente de fatores sociais, o fato é que o homem não passa de um bebê que sai engatinhando e vai colocando na boca tudo que acha pela frente. Ou uma galinha que sai ciscando. O mais radical, sem dúvida, nessa gula sem precedentes, são as tribos canibais. Entretanto, não duvido que muitos de nossa espécie "civilizada", ao verem algumas banhas humanas, imaginem suculentos torresmos. A bem da verdade, sabemos bem de alguns que não resistiram à tentação e foram condenados à prisão e mesmo à morte. O que é isso? O resultado aberrante de uma fase oral psicótico-megalômana? Ou é simplesmente a natureza humana? Bem, resta-nos ter esperança no grande salto evolucional da antropofagia dos Andrade de 22!
Lúcio (sempre sapateando): quero comer essas LARVAS PODRES
(O boneco de Érico se aciona): ... e eis que eu me vejo envolto numa auréola de fumaça, num véu de formas cambiantes, fugidias, hipnóticas, promessas de segredos indecifráveis, desde sempre perdidos.
(Lúcio, sapateando, resolve calar o boneco, pois o google não aceita apologia de cigarro. Algumas frases saem entrecortadas): Não sou o Marlboro Man, não vivo nas pradarias, não habito o paraíso fácil de quem não morre... nem nunca morrerá de câncer de pulmão. Cultivo um hábito decadente... que pode me levar a morte, mas afirmo que saber cultivar um vício é uma virtude, é uma arte...Nada de niilismo indolente aqui... que o cigarro é um veneno, mas é um santo veneno, um veneno enviado por deuses que não existem mais -- amém! uma névoa sinistra....Ora, e o que há por detrás da fumaça? Multidões de não-fumantes indignados com...Confinados em nosso pequeno mundo, ascendemos em espirais de fumaça, o planeta em combustão lenta e programada, os céus ... e meu sorriso na névoa cinza como uma meia-lua, como o sorriso do gato de Chelshire...
(Lúcio desliga o gravador de todos os outros bonecos): Só vou deixar vocês falarem daqui a quatro anos, quando vou tentar parar de sapatear de novo!
domingo, 18 de maio de 2008
Carta (V)
Obrigado pela informação. Sei que foi iniciativa de um aluno da UERJ. Nunca,
entretanto, a procurei. Agora tenho o endereço dela.
Com o agradecimento de Luiz
On 5/17/08 8:35 PM, "Lucio"
> Caro professor Costa Lima:
>
> Acabo de encontrar uma comunidade chamada "sou leitor de Costa Lima" no
> Orkut. Você sabia que existe? Tem 67 membros, achei bem interessante. O
> endereço está aí embaixo:
>
> http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=4444019
>
> Abraços do Lúcio Jr.
>
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Murilo Mendes e Muriliana
Murilo Mendes
Canção do Exílio
Minha terra tem macieiras da CalifórniaOnde cantam gaturamos de Veneza.Os poetas de minha terraSão pretos que vivem em torres de ametista,os sargentos do exército são monistas, cubistas,os filósofos são polacos vendendo a prestações.A gente não pode dormirCom os oradores e os pernilongos.Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.Eu morro sufocadoEm terra estrangeira.Nossas flores são mais bonitasNossas frutas mais gostosasMas custam cem mil réis a dúzia.Ai quem me dera chupar uma carambola de verdadeE ouvir um sabiá com certidão de verdade.
Murilo Mendes(Juiz de Fora: 1901 – Lisboa/Portugal; 1975)
Postado por AlmaUai! às 15:34 0 comentários
Quarta-feira, 30 de Janeiro de 2008
Muriliana
Lúcio Emílio Jr.*"(...) Antitotalitarista, antipassadista, antiburocratistaAnti tudo que é pau ou que é pífio.Saudemos MuriloPerenemente em pânicoE em flor."
Texto de Manuel Bandeira sobre Murilo Mendes
Para lembrar Murilo, basta pensar em pianos & vovó com asas caindo no álbum de retratos. Nada mais que um Poema Barroco. Nada além de uma Idade do Serrote. Murilo, elogiado por Glauber, é poesia visual. Glauber era a visualidade poética. Imagens em movimento: Murilo deixou a poesia brasileira em pânico, desceu de Juiz de Fora para o Rio ver Nijinski. Do brejo carioca para as alturas da música de Mozart, Murilo começou o mundo nos seios de Jandira e terminou apocalipticamente na Itália de Pasolini, depois de ter tentado converter Lúcio Cardoso das Minas escuras e fundas de sua vida para o catolicismo sensual/surrealista dele & Ismael Nery. Igreja Mulher.Murilo anti-Hitler protestou contra a anexação da Áustria. Como estamos precisando de Murilo agora, nesse tempo de Haider, Berlusconi, apagões. Murilo vivo no poema 1999, que me comoveu às lágrimas e me fez lembrar a Diamantina de JK, terra em transe. Murilorisada: há pagão porque há pagões? Em 1999, Murilo renasceu com sua poética da totalidade. 2001: Murilo sólido, Murilo pintado, Murilo escrito, muralha escrita, Murilo gasoso & líquido. E tenho dito.
Lúcio Emílio do Espírito Santo Jr. - mineiro de Belo Horizonte, radicado atualmente em Bom Despacho (MG) onde é professor de Filosofia e pós graduando em Literatura Brasileira na Unicamp – Campinas - SP
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
Lúcio Emílio do Espírito Santo
Os três bigodudos irromperam na sala de visitas, colocaram suas maletas de pelica sobre a mesinha de centro e fixaram os olhos nos olhos da assustada Alice. Ela mal pôde reparar a impecável gravata do mais grisalho, o primeiro a dirigir-lhe com firmeza a palavra. Até então Alice jamais pusera em dúvida a sua própria existência. Isso mesmo. O advogado grisalho lhe dizia seca e cruamente essa verdade.
— Alice, eu não sou mitômano. Alice, você não existe. Você não é você. Amanhã você deverá comparecer à Comissão Parlamentar de Inquérito e só há um meio de você se safar das acusações que pesam contra você. Negar, negar, negar. Aquilo é um tribunal político, entendeu? O mundo ali dentro não é o mesmo mundo daqui de fora. Mais parece a toca do coelho branco de olhos cor de rosa. A Alice que irá depor não é essa Alice...
Arquelau era o nome do habilidoso advogado, perito em escândalos políticos. Vangloriava-se de jamais haver perdido uma única ação judicial contra as mais engenhosas e milionárias roubalheiras. Na sua agenda, ao lado de prefeitos, deputados ou governadores, figuravam também nomes de burocratas de todo o país, empresários e golpistas de todo tipo, especialistas em saquear os cofres públicos. Há muito tempo, quando ainda lhe restava um pouquinho de escrúpulo, numa entrevista coletiva, deixara escapar aquilo que ele depois considerou uma grande asneira. Quando o repórter lhe perguntou se não tinha problemas de consciência pelo hábito de mentir tão descaradamente, afirmou que a culpa não era dele. Infelizmente, disse, a advocacia e a mitomania são irmãs siamesas.
Depois disso, passou a abominar a expressão mitomania. A primeira coisa que dizia a seus clientes, a quem deveria instruir na delicada arte de mentir, era um enfático eu não sou mitômano. Mas Alice não reparara na palavra estranha. Remoía absorta aquele “você não é você”, que o doutor Arquelau lhe metera na cabeça.
—Mas, doutor, eu sou apenas a mulher do Charles, sou casada com ele...
—Não, Alice, no plenário da Comissão Parlamentar, você é cúmplice do Charles, entendeu? Vocês não se casaram. Vocês formaram quadrilha. Esses carrões importados, o apartamento de 500 metros quadrados em Miami, as contas na Suíça e nas Bermudas, o jatinho, essa mansão aqui, não são fruto do trabalho. Isso é produto de roubo, de propina e de desvio de dinheiro público. Aquela respeitável dona de casa, dedicada esposa do Charles Jacaré, aquela mãe extremosa que toda manhã saía num BMW azul marinho, que fazia inveja ao pessoal do condomínio, Alice, essa mulher não existe mais. Quantos milhões de telespectadores estarão vendo a verdadeira Alice, cúmplice da maior camarilha de que se tem notícia neste país?
A transformação não podia fazer-se sem muita náusea, suores frios e desmaios. Charles Jacaré havia providenciado tudo, médico, remédios e até uma ambulância. Alice relutava em acreditar que teria que mentir. Depois de alguns minutos de silêncio, com o dedo em riste, pôs-se a esbravejar:
—O mentiroso é você, Arquelau. Você está mentindo. Vocês, advogados, são todos maníacos, falsos, fantasiosos...
Antes que a mulher desesperada pudesse porventura pronunciar a detestada expressão, Arquelau foi logo se antecipando:
—Mas, Alice, eu já disse que não sou mitômano!
Passava das dez horas da noite, quando Arquelau e seus assistentes deixaram a mansão dos Jacarés. Alice recolhera-se aos seus aposentos. Sentia-se um espantalho, um mulambo ambulante. Inadvertidamente, mirou-se no espelho de cristal que Charles fizera vir da Alemanha. Depois de algum tempo, a Alice do espelho foi se transformando num rei, de barbas ruivas e beca cinzenta. Impassível, perguntou com voz tonitroante:
—Que você sabe sobre o caso?
—Nada, respondeu Alice.
—Nada de nada? insistiu o rei.
—Nada de nada, disse Alice.
Não satisfeito, o rei tornou a perguntar:
—Alice, que sabe você sobre o caso?
Alice não se rendia. O dia já clareava quando, vencido pelo cansaço, o rei desfaleceu. A mulher também estava exausta e adormeceu, não sem antes pensar na Duquesa, ou seja, na moral que tudo isso poderia ter. Aí se lembrou da menina Alice, a garotinha que tanto gostava de ler histórias. Num suspiro dolente, concluiu:
—Alice, a do país das maravilhas, estava sonhando...e eu estou bem acordada.
Lúcio Emílio do Espírito Santo é coronel reformado da PMMG e autor do livro Entendendo a Nossa Insegurança.
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
Tânia e Nélio
TÂNIA E NÉLIO
Drama em 4 atos
Personagens:
Tânia,
Nélio,
Pai de Tânia,
Mãe de Tânia,
Nivaldo, amigo de Nélio
Celinho, Moacir, amigos de Nivaldo
Tia Noeme, tia de Nélio
Estudantes 1 e 2, colegas de Nélio
Policiais 1 e 2
Garoto vendedor de jornal
Passageiros de um ônibus lotado na avenida Antônio Carlos
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Ato Primeiro
Cena 1
Tânia: Mãe!Mãe!Manhê!
Mãe (bocejando): Quêêê...
Tânia: Mãe, por que você fechou a porta do quarto à noite?
Mãe: Você não dormiu, filha?
Tânia: Eu quase não. Mas o quê houve?
Mãe (olhando para a frente, como se olhasse para uma quinta parede): Bom,filha...
(Tânia encara a mãe, mantendo silêncio.)
Mãe (reticente): Tânia, você sabe do teu pai.
Tânia: Então bebeu de novo.
Mãe: Chegou tonto ontem à noite.
Tânia: De novo. E já sei que vocês brigaram.
Mãe: Chegou tonto ontem de novo...ele só sabe ir pros botequins encher a cara, só. E vem aqui avacalhar.
Tânia (ansiosa): E o que é que ele fez com com você, ontem?
Mãe: Ora, comigo, nada.
Tânia: Ué, nada não?
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Mãe (aflita): Pediu dinheiro, né? Ia beber mais.
Tânia: E você deu ?
Mãe: Pois é, Taninha, eu dei.
Tânia: Como deu, se não tinha! Tamos sem dinheiro nenhum, ontem mesmo você me disse...
Mãe (como se sentisse engulhos de vômito): Eu dei teu dinheiro, filha.
(Tânia paralisada, olhando para a mãe)
Tânia: Não é possível, não é possível.
Mãe: Desculpa, teus irmãos não mandam dinheiro, dão duro mas nem prá eles dá.
Tânia (com os olhos marejados): Ah, não. Ah, não.Como é que pode?! (muda de tom) Era meu, tá ouvindo?
Eu é que ganhei trabalhando na casa de dona Laura Pimentel...tá ouvindo? Era meu!Só meu!Meu!
Mãe (suplicando, arrasada): Filhinha, filha do meu coração, tem dó de mim. Ele ia me esfolar. Perdoa...
Tânia (rompendo em prantos): Eu ia voltar a estudar. Faltavam só uns dias, miséria!
Mãe: Perdoa teu pai...Tava tonto, filha...
Tânia: Aquele desgraçado! Vagabundo, bebum.(Numa explosão): Fodido!(sai em prantos do quarto)
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Cena 2
(O pai de Tânia está abancado no sofazinho da sala. Dorme, roncando. Tânia irrompe na sala, em fúria.)
Tânia (em fúria): Pai, faça o favor, levanta.
(O pai nem se move. Ronca mais alto.)
Tânia (impaciente na sua fúria): Pai, levanta daí.Esta sua bunda. Pai!
(O pai se vira para o outro lado.)
Pai: Ahh...Hummm...O que é!?
Tânia: Pai, preciso falar com você. Você pegou meu dinheiro. Dinheiro que eu economizei, trabalhando
de diarista na casa de dona Laura Pimentel. Eu quero de volta, tá?
Pai (irritado):Não sei não. ( Vira-se e olha para Tânia, incomodado.)
Tânia (frenética):Eu trabalhei para ganhar aquele dinheiro, eu dei duro e você. Pegou meu dinheiro lá e
sumiu com ele, foi beber tudo e isso não vai ficar assim, entendeu, né? Me devolve, vim cobrar.
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Pai (fazendo-se de desentendido): Mas que falação. O quê você está papagaiando aí ? Não me enche.
Tânia (ainda mais furiosa): Você pode estar desempregado, mas eu não vou te sustentar. A mãe anda trabalhando de faxineira e vendendo uns docinhos. E você aí, gastando o dinheiro que eu custei a ganhar.
Pai: Eu precisei e cala tua boca.
Tânia (frenética, revoltada): Pai, com que cara de pau. Seu cara de pau!
Pai: Você tem que me ajudar, afinal eu é que te pus nesta bosta de mundo. E tem mais. Eu não crio porcos para os outros comerem.
Tânia (chorosa): Mas era meu. O dinheiro era meu.
Pai (cínico):Eu precisei. Cala a boca, já.
Tânia: Não calo não.
Pai (rude, ameaçador, ergue-se do sofá e fala num tom ameaçador): Cala, que eu já mandei.
Tânia (histérica):Ladrão! Sem-vergonha! Cara de pau!
Pai: Já disse pra calar a boca! ( dá uma bofetada na boca de Tânia e se encolhe no sofá)
Tânia: Ai! Desgraçado! (investe contra o pai aos tapas e socos)
Pai: Piranha! Putinha! (Dá emTânia um empurrão que a derruba)
( A mãe entra na sala, atraída pelos gritos, vê Tânia no chão e o marido encolhido no sofá.)
Mãe (desesperada): Virgem santíssima, isso é briga de pai e filha! Cosme, essa aí é a sua filha! (gritando) Nossa filha !
Pai (bestial): Essa piranha aí veio me azucrinar e olha. Olha aí, ela tomou prá ver o que é bom!
Mãe: Nossa senhora do perpétuo socorro! Mas ela é uma menina.O quê que você tá fazendo, Cosme, com a nossa menina! Pelo amor de Deus!(abaixa-se sobre a filha, protegendo-a) Filhinha, o que ele te fez?
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Tânia (soluçando, queimando de indignação): Me deu um tapa na boca. Me mandou calar a boca. Desgraçado! Vai ver, desgraçado! Ladrão!(Afasta-se da mãe e sai correndo de casa.)
Cena 3
(Tânia perambula pela praça, simbolizada por um banco. Soluça alto.)
Nivaldo (sentado num banco, indolente):Olá, Taninha.
Tânia (acelerando o passo): Oi, Nivaldo
Nivaldo: Qualé? Tá com cara de choro, menina. Vem cá. (Tânia pára de costas para ele.)
Nivaldo (insistente): Taninha, vem cá. Quem sabe eu te ajudo? Me conta qual é o teu galho.(mudando de tom, irônico):Só não pode ser grana. Eu não tenho e se tivesse, não emprestava.
Tânia (soluçando alto e sentando-se no banco, ao lado dele): Pois é. Pior é que é.(Soluça de novo.)
Nivaldo: Oh, Taninha, perdão. A gente arranja um jeito de descolar a grana. Benzinho, é só me contar o que te aconteceu.
Tânia: Meu pai. Meu pai me roubou.
Nivaldo (assustado): Quanto, benzinho.
Tânia: Todo o dinheiro que eu ganhei tabalhando de doméstica.
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Nivaldo: Não esquenta, Taninha. Logo a turma chega aí, a gente arruma um jeito.(irônico) Sacumé?
( Tânia pára de soluçar e encara Nivaldo, olhando nos olhos dele.)
Tânia: Eu tava me preparando para voltar a estudar, eu já tenho dezessete anos. Não terminei nem a oitava série ainda.
Nivaldo (malicioso): Até que você tá adiantada, Taninha. Você está numa idade bacana. Tem um corpinho
bacaninha.
Tânia: Mas eu preciso da grana. Senão vou ter que trabalhar em casa de família. E eu detesto. Tudo culpa do cachorro do meu pai. Cachorro.
Nivaldo (com malícia cortante):Taninha, tá afins de fazer o quê para arrumar a bufunfa, hein?
Tânia (explosiva): Qualquer coisa.(Tânia olha o céu, sem olhar o rosto de Nivaldo.)
Nivaldo: Mas...qualquer coisa que pintar, você topa?
Tânia (convicta): Topo.
Nivaldo (rindo com satisfação maldosa): Tudinho mesmo?
Tânia: Mesmo. Juro. Juro pela minha alma.
Nivaldo: Então tudo certinho. Quando os caras chegarem, eu falo com eles. E te aviso.
Tânia (levantando-se e se afastando): Então até.
Nivaldo: Até logo.
(Tânia se afasta, nas nuvens.)
Tânia (falando sozinha): Ah. Se eles me arrumarem um trabalho de florista. Que bom ia ser! Eu ia ficar dias mexendo com dálias, rosas, cravos, eu que sempre adorei flores. E eu gostaria de ser costureira, ou então manicure. Ia fazer vestidos lindos. Ia ter umas unhas vermelhas enormes.(Tânia fala dirigindo-se à platéia. Quando termina, fica parada, com olhar sonhador.)
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Ato Segundo
Cena 4
(Nivaldo e outros rapazes na praça à noite.)
Nivaldo: Ô gente boa...Essa turma é da pesada.
Celinho: Que que você conta, Vado?
Moacir: Ficou o dia todo vagabundando, Vado?
Nivaldo: Vagabundo não. Olha o respeito. Ficam espertos vocês dois.
Moacir (recuando): Não. Brincadeira, sô.
Celinho:Olha o Nélio aí.
(Todos olham para fora da cena.)
Nivaldo: Cala a boca, Moacir.
Moacir (irritado): Não vou com a cara dele.Um bebê, isto é que ele é. E o quê temos a ver com ele?
Nivaldo: Ele é bacana, Moacir. Vê se não enche...
(Nélio entra em cena, vestido bem melhor que os demais garotos.)
Nélio:Vado! Tá beleza?
Nivaldo: Tudo nos conforme. Senta aí, cara.
Nélio: E você, Celinho? (Dirigindo-se para Celinho)
Celinho: Tudo limpo.
Nëlio: E o Moacir, por que tá com essa cara? Tá beleza, Moacir?
Moacir(encarando Nivaldo com desprezo):Estou ótimo.
Nélio: ( Mudando de tom, para Vado):Vado, você tem umas bolas aí? Eu estava afins de dar um tapinha.
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Nivaldo: Não topo não. Sujeira. Tem uns canas rodando aí. Pegaram uns caras fumando ontem de madrugada no matagal.
Nélio: (Desapontado): Saquei. Deixa prá lá.
Celinho: E as morenas?
Nélio: Ah, eu vi uma gostosinha aqui na praça hoje, quando estava vindo com meu irmão, de carro.
Celinho: Daqui do bairrro? Falou com ela?
Nélio: Não, não, falei não.
Nivaldo: E como ela é? Uma morena magrinha?
Nélio: Morena, magra, cabelo encaracolado até os ombros.
Nivaldo: Sei, sei quem é.
Moacir: Então, quem é? Quem é? Você não sabe de nada.
Nivaldo: O nome dela é Tânia.
Moacir: Mentira.
Nivaldo (perdendo a paciência): Hoje você tá com a macaca, Moacir! Mas que aborrecimento!
Moacir: Já tô indo embora, seus trolhas!
Nivaldo: Vai com Deus. E o diabo atrás tocando viola.
( Moacir se afasta, em passos rápidos, visivelmente irritado.)
Celinho: O Moá ficou assim é que ele. Ele já foi afins da Tânia, gente.
Nivaldo (irônico):Já deu uns amassos, já.
Nélio (curioso e excitado): Já transou, então?
Nivaldo (encarando Nélio): Não. Mas ela é de transa.
Celinho: Acho que não é...
Nivaldo (enfático): rola sim. Ela tá afim de começar a dar.
Nélio (excitado):Nivaldo, dá pra você arranjar ela prá mim?
Nivaldo: Tá afins, né?
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Celinho: Duvido.
Nélio (incrédulo): Então, você consegue?
Nivaldo: Mas, olha aqui. Vai ter que rolar uma grana. Para ela,está precisada, coitadinha.
Celinho (cruel): Coitadinha, tão putinha.
Nëlio: Ela está dando assim?
Nivaldo: Não. Nada disso. Ela vai começar com isso só agora. Só agora. Deve ser virgem, aposto.
Nélio (curioso): E fica em quanto?
Nivaldo: Vou ver com ela. Eu quero uns cinco mil paus.
Nélio (satisfeito):Tá, tá OK. Amanhã, aqui mesmo. Na pracinha. Vou estar esperando ali no banco da esquerda, sacou?
Nivaldo: Vou ter que falar muito com ela, entende?
Nélio: Tá, amanhã eu vejo se de perto ela é tão gostosa mesmo. Então valeu,Nivaldo, valeu, Celinho.Tá beleza, até amanhã.
Nivaldo: Até mais, então. Então tá combinado, hein?
(Nélio se despede, visivelmente satisfeito.)
Cena 5
(Casa da tia de Nélio, próxima à pracinha, no bairro Betânia.)
Tia Nô: Quem é?
Nélio: Sou eu!
Tia Nô: Ah, Nelinho. Espere aí. Já vou abrir.
Nélio (beijando a tia na testa): Tia, está boa?
Tia Nô: Estou como sempre.
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Nélio: Vou dormir aqui hoje. Trouxe as coisas. (Coloca uma mochila sobre o sofá.)
Nô: Ah, Nélio, você não passou naquela pracinha, né?
Nélio (disfarçando a surpresa ): Ah, tia. Só conheço uns caras lá. Uns idiotas. Não gosto deles.
Tia Nô: Ainda bem, Nelinho, porque ontem pegaram uns meninos fumando lá. Fumando maconha. Mas é claro que nem pensei. Imagina.
Nélio (cortando o assunto): Tia, tem alguma coisa para comer?
Tia Nô (maternal): Claro, Nelinho. Tem pudim. Já vou trazer para você.
Nélio: Ah, claro, tia. Quero sim. Traz lá.
Tia Nô (retirando-se): Já vou.
Nélio(aproximando-se do som, grita em voz alta): Tia, vou colocar uma música para nós, tá?
Tia Nô:Tudo bem, Nelinho (voz em off)
(Nélio coloca uma fita no som e aumenta até o último volume.)
(A tia entra com o pudim): Nelinho! Dá para abaixar a música? (Nélio finge não escutar.
A tia grita):Nélio!Nélio, querido. Abaixa o som um pouquinho.
(Nélio se levanta, incomodado. Abaixa o volume.)
Nélio: Ah, tia. Que pudim lindo. Deve estar ótimo. Traz para mim os talheres.
Tia Nô: Nelinho, já vou. (E corre para a cozinha.)
(Tia Nô volta para a sala com garfos e pratinhos.)
Nélio: Mas tia, como é que foi esta história dos maconheiros?
Nô: Foi a vizinha aqui quem me contou. Disse que a polícia pegou e eles são uns coitados, devem ter dormido em cana.
Nélio: Sabe quem eram eles?
Nô: Não, mas sei que um deles é filho daquela loira lá da padaria.
Nélio: Coitada, deve estar louca.
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Nô: Que nada, não soube nem se desta vez ela foi buscar ele na delegacia. E o filho dela já é de maior. Os outros garotos são menores.
Nélio: Ahhh...sortudos.
Nô: Agora vou dormir, tá Nélio? (ela fala enquanto recolhe pratos e colheres.)
Nélio: Vou para o quarto assistir televisão. Boa noite, tia.
Tia Nô: Boa noite, rapaz.
Cena 6
(Nélio enconta Tânia. Ela é apresentada por Nivaldo a Nélio. Nélio chega bem vestido como sempre.)
Nélio: Vado!
Nivaldo: Beleza, rapaz? Olha só quem está aqui, Tânia. Meu amigo Nélio, conhece?
Tânia (entediada):não.
Nivaldo (malicioso):O Nelinho é um sujeito bacana. (Olhando sucessivamente para Tânia e para Nélio)Bacana até.
Tânia: Onde você mora, Nélio?
Nélio: No São Bento.
Tânia: Lá só tem madame. Gente rica.
Nélio: Pois é.
Tânia: Eu trabalhei para uma madame lá no São Bento. Chamada Laura, Laura Pimentel, conhece?
Nélio:Não, não sei quem é. Agora já vou indo, até mais...
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Tânia (indiferante): Tchau.
( Nélio se afasta, sentando num banco próximo. Nélio permanece ao lado de Tânia.)
Tânia: Ô Nivaldo, você não estava andando por aí com ele? Deixou ele sozinho?
Nivaldo: Sim, deixei, e daí ?(Pausa, olha nos olhos de Tânia.)Tânia, preciso te falar de um negócio. Preciso
mesmo.
Tânia: Negócio?
Nivaldo: Olha, o menino aí, o Nelinho, está afins de você.
Tânia (espantada): Como assim?
Nivaldo: Ah, não te preocupa, não. Ele paga bem. Uma boa graninha?
Tânia: E é para fazer o quê ?
Nivaldo(forçando naturalidade): Dar uma voltinha com ele ali no matagal.
Tânia (indignada):Mas o quê que é isso, Vado.Vê se isto é emprego! Então é isso que você me arrumou, hein?
Nivaldo: Pois é. Ele quer saber. Você topa?
Tânia: Ah, não, Nivaldo.
Nivaldo (seco): São quinze reais para você. E cinco paus prá mim. Ele topou pagar vinte, Tânia, vinte.
Tânia (surpresa): Quinze...Para uma voltinha...Não sei.
Nivaldo: Topa ou não? dondoca, que diferença faz, um nabo a mais ou a menos, sai tudo pelas cachoeiras mesmo!
Tânia: Não sei.
Nivaldo: Daí você vai poder comprar material escolar, vai ser uma bimbada só, ele nem mora por aqui, ninguém vai ficar sabendo aqui no bairro.
Tânia: E a turma? Vai tudo ficar sabendo! Vou ficar com uma fama!
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Nivaldo: Quem faz a fama deita na cama! Ou você acha que vai chover nota de dez mil prá você? E você não tem problema, ele vai usar redinha. Você tem é sorte, que buceta é uma das melhores coisas que existe, é só lavar que já pode usar de novo.
Tânia: Olha... você tem certeza? Ele não está me confundindo com outra menina, não?
Nivaldo: Não, sai que é sua, Taninha!
Tânia (atormentada): Tá, tá bom. Mas avisa ele que não sou mais virgem.
Nivaldo (esfregando as mãos de satisfação): Então, negócio fechado, amanhã no matagal, às três da tarde.
Tânia: Ah, Nivaldo, você é quem vai resolver tudo? Eu vou ter que fazer é com você, por acaso? ‘Tou com medo de topar com você lá no matagal e não com o fresco filho de puta madama.
Nivaldo( Rindo): O mundo é dos mais espertos, putinha!
(Nivaldo se afasta, risonho, enquanto Tânia se encolhe no banco, choramingando.)
Ato Terceiro
Cena 7
(Nélio encontra Tânia, no lugar marcado, no dia seguinte. Junto com ela está Celinho e Nivaldo)
Nélio: Ô Vado! Tudo jóia?
Nivaldo: ‘Tá tudo indo bem.
Nivaldo: Pode falar.
Nélio(ansioso ainda): A sós.
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Nivaldo: Tá bom, tá bom. (Dirigindo-se à Tânia e aos outros da turma:) Olha, a gente vai bater um papo. Esperem aí.
Nélio: Olha, Vado. Quero conversar com a menina antes. Saber se ela já fez isso. Se já fez isso antes, sabe? Ouvir a voz dela, olhar nos olhos.
Nivaldo (sarcástico): Vai ser frouxo! Bebezão!
Nëlio: Desgraçado! Olha que eu desisto agora!
Nivaldo (rindo): Tá, como quiser.
Nëlio: Diz para ela que quero falar. Bater um papo com ela, sabe? Vai lá!
Nivaldo: Tá, vou lá. Mas que prá mim isso é coisa de frouxo, isso é!
(Tânia se aproxima, trazida por Nivaldo)
Tânia: Qual é o problema? O quê quer agora?
Nélio: Er...Você já...você é virgem?
Tânia: Não sou virgem não. Foi com o filho da minha ex-patroa.
Nélio: E como foi...Para você?
Tânia: Preciso falar nisso?
Nélio (irritando-se): Precisa falar sim. Senão pago a metade.
Tânia: Então te conto. Bebi com umas amigas lá num botequim, na barragem Santa Lúcia. Bebi feito uma égua. E quando cheguei na casa da patroa desabei no sofá. Aí eu vi o filho da dona Laura, o Maurício, chegando da rua...Ele enfiou as mãos na minha saia. Me deu um tremendo beijo de língua ali no sofá. E me carregou com ele pro quarto. A partir daí não lembro direito...Lembro dos pôsteres do quarto dele...Uns roqueiros cabeludos...Surfistas...Tinha um enorme, da cabine de um avião... Aí, enquanto o Maurício me beijava, gemia e falava palavrão, eu me imaginava voando num avião...Vendo tudo assim bonito...Quando eu vi, o Maurício já tinha acabado. Daí ele acordou no meio da noite e me mandou cair fora do quarto dele, senão dona Laurinha ia descobrir. Eu fui pensando: “Ah, então é só isso...”
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Nélio: Só isso! Tão sem graça!
Tânia(furiosa): Olha. Não sou obrigada a isso, tanto que hoje não vou fazer nada!
Nélio: Tá, deixa prá amanhã...
Tânia: Você tá é fazendo hora com minha cara, palhaço!
(Tânia se afasta, choramingando. Nélio fica silencioso, olhando para o chão.)
Cena 8
(Nélio conversa com amigos do colégio.)
Nélio(sentado em sua cadeira. Aproximam-se alguns rapazes. Todos vestem uniformes.)
Estudante número 1: Nélio, e as namoradas?
Nélio: Vão bem, obrigado.
Estudante número 2: São mais de uma, Nelinho?
Nélio(irritado): Não. São mais de nenhuma, panaca.
Estudante número 1: E aquela turminha lá do bairro Betânia, te arranjou uma neguinha, como você me disse que ia rolar?
Nélio: Pois é...
Estudante número 2(bestial, gritando de satisfação): Arranjou!
Estudante número 1: E como é que foi? Botou nela na frente ou atrás? Rolou um boquete?
Nélio(seco): Não foi.
Estudante número 2: Seu frouxo! Não come feijão? Não é macho, Nelinho?
Esrudante número 1: Você ia pagar. Para conversar. Assim você pode pagar para a gente, Nelinho. A gente ouve teus grilos.
(Estouram em risadas sarcásticas)
Estudante número 2: Paga! Paga! Paga, frangote, paga!
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Nélio (atormentado): Ora, vão se foder! O quê que vocês têm com a minha vida? Vão se danar.
Estudantes 1 e 2 (em uníssono): Frangote! Frangote!
Nélio (furioso): Com amigos assim, ninguém precisa de inimigos. (Mudando de tom, saindo de cena.)Mas
vocês vão ver. Vão sim. Eu vou contar para vocês.
Cena 9
(No dia seguinte, Nélio reaparece no lugar marcado por Nivaldo.)
Nélio (seco): Ô Vado. Eu trouxe o dinheiro.
Nivaldo (provocativo): Hoje o bacana tá diferente. Você é outro, Nélio.
Nélio (gélido, distante): Verdade, estou diferente.
Nivaldo (ansioso): E as verdinha?
Nélio (tirando a carteira do bolso): Tó aqui. Teus cinco mangos.
Nivaldo (submisso): Ô...Certinho, bacana. Certíssimo. Vamos indo, Celinho e eu vamos até ali...
Celinho (rindo): Não se preocupa, Nélio, nós vamos vigiar tudo bem de pertinho, o bom é que é o mesmo que assistir um filme pornô de graça!
Nivaldo: Cai fora, imbecil! Trata de ficar longe, tá?
Celinho: ‘Tá bom, ‘ tá, ‘tá...
(Celinho e Nivaldo se aproximam de Tânia )
Nivaldo: Hoje não se preocupa, que o cara tá com jeito de quem vai fazer o troço de uma vez só. ‘ Tá meio diferente.
Tânia (atormentada): Vamos logo com isso, Vado. Não agüento mais. E o dinheiro, Vado?
Nivaldo: Vou fiscalizar o troço, Taninha. Depois do serviço te passo a grana.
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(Nélio se aproxima lentamente de Tânia, enquanto os outros dois os conduzem para o matagal. Algumas folhagens e pedras dão a idéia do matagal.)
Ato Quarto
Cena 10
Nivaldo (contando o dinheiro): Foi uma boa idéia minha, se foi.
Celinho: Ô Vado, tem uns canas ali na praça.
Nivaldo: E daí, Célio?
Celinho: Tão subindo a rua...Será que...
Nivaldo (com desprezo, cospe no chão): Ah, que nada.
Celinho (em pânico): Olha lá, cara, eles tão vindo prá cá! CASCA FORA!
Nivaldo: PUTA QUE PARIU!!!
(Todos fogem rapidamente.)
Cena 11
(No matagal, Tânia e Nélio se preparam para o ato.)
Nélio: Tira! TIRA TUDO! (Tânia deita e levanta a saia.)
Nélio (bestial): Assim é que eu te quero, putinha!
(Nélio desabotoa a braguilha, mas os policiais entram em cena.)
Policial 1(afobado, chega e Nélio está levantando as calças, enquanto Tânia ajeita a saia.): Vamos parar com esta putaria aqui!
Policial 2: Vocês vão já para a delegacia de menores. Podem levantar daí!
Policial 1:(puxando Nélio pelo braço): Você ouviu, rapaz!
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Policial 2(levando Tânia pelo braço): Vocês vão dar um pulinho ali na delegacia. Isso que estavam fazendo não se faz por aí, em público? Vocês não têm vergonha?
Policial 1: Menores não podem sair por aí trepando em qualquer esquina não, entenderam? Está no estatuto da criança e do adolescente.
Tânia: Eu só queria comprar meu material escolar! Eu juro! Meu material escolar...
Policial 2: Mas que coisa! (ri )
Policial 1: Ora vejam só! (indignado) Mas hoje só me faltava essa!
Cena 12
Garotinho (ou adulto vestido de criança, dirigindo-se à platéia ): Boa noite, senhoras e senhores. Vai começar o jornal nacional! (Pausa. Depois recomeça, numa ladainha:) Eu não ‘tou na rua para roubar . Estou aqui vendendo jornal, ganhando meu dinheirinho honestamente, enquanto muitos da minha idade estão aí cheirando cola e roubando eu tô só pedindo para os senhores comprar um jornal. (Toma um jornal) e agora vamos às notícias do dia.(As notícias serão mudadas a cada apresentação, de acordo com as manchetes do dia, mas sempre irão culminar nesta:) Foi presa ontem no bairro Betânia a menor T. C. S. , pega em flagrante se prostituindo. O menor N.L.A. foi pego junto com a moça, uma doméstica desempregada. Ele, que cursa o terceiro ano científico num colégio de classe média alta na capital mineira, foi logo tirado da delegacia de menores pelos pais, mas T.C.S. foi detida para responder mais alguns detalhes. A menor insistia que se prostituía para comprar seu material escolar. Os policiais que a prenderam desconfiam que ela também é viciada em maconha, cocaína e heroína e se prostituía para obter as drogas, um procedimento comum nestes casos.
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(Em seguida o garotinho se dirige à platéia, após ter simulado ler tal notícia no jornal):senhoras e senhores,obrigado por terem comprado meu jornalzinho. Deus os abençoe e boa noite!
TREVAS
A Xuxa África: Um Mito Profanador?
“To whirl the old woman from Bahia”
Millôr Fernandes, em The Cow Went To The Swamp
A Xuxa afro-brasileira, criação do músico e ator Geovanne Sassá, pode ser analisada como sendo uma tentativa de atualização do mito do andrógino de Platão:
“andrógino era então um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum ao dois, ao masculino e ao feminino(...)inteiriça era a forma de cada homem, com o dorso redondo, os flancos em círculo; quatro mãos ele tinha, e as pernas e o mesmo tanto das mãos(...) Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral”.
A Xuxa Àfrica busca mimeticamente homenagear/parodiar sua cara-metade, Xuxa Meneghel, uma gaúcha de clara ascendência européia e corpo escultural. A “rainha dos baixinhos” exerce seu reinado submetendo seus súditos a seu otimismo Kitsch e a sorrisos pré-fabricados. A Xuxa Negra se autoproclama “rainha dos neguinhos”, constituindo-se num mito dessacralizador. Xuxa, como personagem do músico e ator Carlos Geovane Nunes, se cristaliza absorvendo elementos do belo grotesco e do belo cômico que:
“São duas formas do belo que se tocam, que se enlaçam até se confundirem numa única emoção.
De comum, têem o elemento do ridículo, que nunca pode faltar nelas; de diferente, têm um grau diverso da deformidade ou da caricatura da verdade.
Assim como as cócegas e certas formas de volúpia confundem as fronteiras do prazer e da dor (demonstrando-nos pela centésima vez que as nossas classificações são brinquedos infantis, fios de seda tecido entre os granitos da natureza);assim como o grotesco e o cômico parecem folgar nos confins do belo e do feio, confundindo-os um com o outro, com mão travessa.”
A personagem de Geovane Sassá o engloba, possuindo seu corpo numa trasmutação exuberante e esdrúxula; é como uma pomba-gira. A Medusa de Ébano possui uma força que se assemelha a um grito primal, telúrico, dionisíaco. A Xuxa “Noir” dá à sua homônima um espelho circense: a loirosa narcísica e ariana, ao tentar vender o mito da supremacia branca num país mestiço, é subitamente colocada frente a frente com uma imagem caricata e deformante de si mesma, mas que mostra a modelo e dublê de artista na sua verdadeira face; a modelo semigringa é tornada deusa pagã. Fechou-se o círculo. A divindade africana lança uma luz desmistificante sobre a face da Eva Braun brasileira e petrifica a megera. Aquilo que na moçoila gaúcha era pura empulhação, sorriso de propaganda de creme dental, manipulação mercadológica e ingenuidade calculada ganha um contraponto de impulsos vitalistas, convites indecorosos à fruição imediata dos sentidos e volúpia das sensações mais lúbricas.
Exibindo seu corpo de ninfa multicolorida, cortesã apocalíptica e sensual, nossa personagem remete a obras palpitantes de vida e vigor como os quadros de Jackson Pollock; ela é, como as telas do referido pintor americano, uma rede intrincada de gotas, redemoinhos e salpicos. “A pintura tem vida própria”-disse ele uma vez-“eu tento deixá-la acontecer”. Geovane também poderia dizer o mesmo com respeito às suas criaturas.
E a criatura em questão usa, não obstante, um óculos de armação antiga e demodeé. São óculos de velha encarquilhada que escondem olhinhos brilhantes de moça. Talvez fosse a um olhar como esse que Nietzsche se referia neste seu poema Da Pobreza do Riquíssimo:
“-Quietos!
É minha verdade!-
De olhos esquivos,
de arrepios aveludados
me atinge seu olhar,
amável, mau, um olhar de moça...
Ela adivinha o fundo de minha felicidade,
ela me adivinha-ah! o que ela inventa?-
Purpúreo espreita um dragão
no sem-fundo de um olhar de moça.”
Sendo assim, a Xuxa Preta bota ao avesso a democracia racial brasileira, rodando a baiana da europeizada e etnocêntrica vedete da TV. Santa e prostituta, homem e mulher, frágil e sedutora, a personagem tem um pouco de Marilyn Monroe e Benedita da Silva, e parece ter nascido da conjunção carnal de Sassá Mutema e Hebe Camargo.
Ao apresentar-se a Xuxa Preta evoca um clima de confraternização que também está presente, por exemplo, no rito do vodu, no Haiti. “O vodu é, basicamente, a religião e o culto aos espíritos ou divindades chamados loa. A classificação dos loas é muito complexa, não somente por causa da grande diversidade de origem geográfica e étnica dos africanos trazidos ao Haiti, mas também pela existência de uma infinidade de divindades regionais ou locais.(...)Cada loa tem sua morada particular: no mar, num rio, numa montanha ou árvore, de onde vem para ajudar seus servidores fiéis, quando ouve suas orações ou o som dos tambores sagrados pedindo a sua presença. Cada loa tem também seu dia ou dias próprios durante a semana.(...) As cerimônias do vodu são executadas em locais abertos ao público.” Igualmente são feitos às claras os rituais lúdicos de Xuxa Àfrica.
Quando achamos que já temos a situação dominada e já rimos da piada, Xuxa nos dá uma bofetada de veludo, numa reviravolta semiótica. Transcendendo o reacionarismo e o machismo de Minas Gerais, ela rebola e nos remete ao momossexualismo baiano. Algo como ver o padre Lima Vaz saindo na Banda Mole no carnaval, tropicalizantemente conectado no “zeitgeist”. Ela digere Minas e silencia impávida como se quisesse nos devorar, nos colocar de volta para o útero. Um toque picante e, sarapatética, ela espargirá energia como se fosse um lança-perfume cintilante.
Só mesmo uma Xuxa de Cor para nascer nos trópicos e afugentar a tristeza destas plagas com uma descarga de alegria tão vulcânica!
Uma Xuxa Preta está, é claro, ligada ao espírito dionisíaco do carnaval, pois ela é brasileira, afinal. Lembra do carnaval do passado, expressão espontânea da vontade coletiva de libertar-se, divertindo-se. Ela está ligada ao caráter dionisíaco e mesmo histérico da festa (no sentido grego de rito coletivo uterino e afrodisíaco) que imprimia à diversão um forte sentido de contestação psicossocial. A personagem também estaria ligada à escatologia e ao grotesco, no sentido que explicita Muniz Sodré:
“A Escatologia implica numa atitude cultural com relação à história. A cultura oral brasileira foi marcada, desde as suas origens afro-indiano-portuguesas, por uma Escatologia naturalista-que vê o homem como parte de uma natureza manifesta em ritmos cíclicos, recorrentes. Como o homem estaria integrado organicamente na natureza, qualquer desacerto, injustiça, aberração do estado natural, remediável pelo culto ou pela magia.(...) Essas Escatologias influem poderosamente na imaginação coletiva. O portador de deformação física, por exemplo, é percebido historicamente como um desvio da organicidade natural, como monstro (Teratos). Isto gerou em nossa mitologia figuras como o lobisomem, o mão-de-cabelo, etc. Ainda hoje, em cidades do interior do Brasil, o deformado físico( a mulher macaco, o menino com cara de jumento, etc.) é vivido como um fenômeno de origem sobrenatural-castigo dos céus-e, às vezes, como espetáculo, já que pode ser exibido, a dinheiro, em feiras, ou simplesmente vendido como história na literatura de cordel. (...) O ethos da cultura de massa brasileira, tão perto quanto ainda se acha da cultura oral, é fortemente marcado pelas influências escatológicas da tradição popular. O fascínio pelo extraordinário, pela aberração, é evidente nos programas de variedades ( fatos mediúnicos, aberrações físicas como as irmãs siamesas, aleijões, flagelações morais, etc.) . A esta altura a Escatologia consegue juntar os dois sentidos: o místico e o coprológico.(...) Em Medicina, o termo(Escatologia) tem sentido coprológico-é o estudo dos excrementos”
É desta tradição popular que a Xuxa Preta, vista como bizarra ou aberrante, se alimenta e se insere.
Encerro citando certo trecho de um poema de Baudelaire onde ele tece uma homenagem “A Un Dame Creóle” como nossa Xuxa d’Afrique:
“No inebriante país que o sol acaricia/ Sob um dossel de agreste púrpura bordado/ E a cuja sombra nosso olhar se delicia/ Conheci uma crioula de encanto ignorado./ A graciosa morena, cálida e arredia,/ Tem na postura um ar nobremente afetado;/ Soberba e esbelta quando o bosque a desafia,/ Seu sorriso é tranqüilo e seu olhar ousado.”
Bibliografia:
-Baudelaire, Charles: As Flores do Mal.
-Grondim, Marcelo: Haiti, Cultura, Poder e Desenvolvimento.
-Platão, O Banquete: Coleção Os Pensadores.
-Mantegazza, Paulo: A Fisiologia do Belo.
-Sodré, Muniz: A Comunicação doGrotesco