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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O Cqc e a Dialética do Esclarecimento: Rafinha & a Regressão

O programa Custe o que Custar, da Rede Bandeirantes, traz no título a negação do apego ao interesse material. No estágio atual da sociedade capitalista, o limite é justamente o quanto custa e o capital monopolista, nessa fase em que estamos, precisa é do lucro máximo para se manter, não do lucro normal, nem do superlucro. Daí que possamos esperar novas guerras, que afinal é o business que o capital precisa nessa fase de crise.


Adorno diz, na Dialética do Esclarecimento, que cada progresso na civilização atual tem o seu reverso de regresso e barbárie. É interessante buscar, dentro do programa Custe o Que Custar, onde é que começa o progresso, onde é que está o seu lado regressivo, pois o que sobressai é justamente o seu lado progressista. O programa traz eflúvios progressistas: os apresentadores são jovens, há quadros que observam a própria televisão brasileira em sentido crítico (a mídia raramente se autodenuncia), outros tratam de conscientizar o poder público quanto a mazelas, surgem colagens não-realistas, etc.


De início, a chacota um tanto grossseira com os gays é que fazia o papel regressivo no programa. Ao trazer o deputado Bolsonaro, de extrema-direita, para repetir estereótipos racistas e homofóbicos e ser repudiado pelo apresentador Marcelo Tas, o programa conseguiu dar uma volta em torno de si mesmo e fazer figura de campeão dos direitos civis.


Mas eis que surge a polêmica sobre frases a favor do estupro e o Golem do programa encarna, não no descendente de alemães Marcelo Tas (chamado pelos inimigos de “Marcelo Naz”, mas que, culto e carismático, representa o que há no CQC de mais iluminista, observei no dia em que ele faltou que o programa só tem aura por causa dele), mas no judeu Rafinha Bastos. Isso é sintomático, quem sabe, de um tempo em que, como diz o meu amigo Laerte Braga, a grande regressão no cenário internacional está no nacionalismo de direita agressivo que, em aliança com os USA, instalou-se em Israel e oprime o povo palestino. Como segundo ato do drama do imperialismo nazista, o imperialismo europeu e americano tornou o povo judeu seu aliado (foi seu maior bode expiatório entre 1933-1945) e seu sócio no Oriente Médio. Alimentado com leite de loba, Israel é agora uma grande naja americana e européia para controlar e envenenar os países do Oriente Médio, atuando inclusive fora de suas fronteiras.


E eis que vejo Rafinha Bastos no programa Provocações, da TV Cultura, dando surpreendente entrevista. Rafinha é o único da trupe do CQC a estrelar um programa de humor e entrevistas na mesma rede, levando ao limite a esquizofrênica dicotomia jornalismo-humor que parece ter dado certo com o Cqc e o programa Pânico na TV (paródia imunda e saneadora da cultura de celebridades). Nela, ele disse que participa de tudo, twitter, televisão, stand up comedy, tudo em busca de dividendos, pois é judeu e onde tem dinheiro ele está. A partir dessa entrevista autognóstica, pode-se supor que Rafinha se alinha com outros comunicadores judeus tais como Marília Gabriela, Gerald Thomas, Serginho Groisman, Luciano Huck e Boris Casoy, ou seja, parte de uma tribo que, embora seja uma religião pouco numerosa no Brasil, parece encontrado no rico e poderoso setor de comunicação do Brasil a sua Terra Prometida. Essa frase sobre a busca do dinheiro é justamente o contrário do lema de desprendimento do programa a partir do qual ele se celebrizou. Esse sinal no sentido inverso é indício claro do que estou supondo: é em Rafinha que vive o Golem do CQC, é ele que representa o papel o que há ali de mais reacionário e regressivo.


Pouco tempo depois da polêmica Bolsonaro, Rafinha resolveu deu o ar da graça regressivo ao dizer algo como “mulher feia estuprada deveria ficar contente” e que os judeus de Higienópolis “só viram um metrô quando estiveram em Auschwitz”. O confronto de Rafinha, pelo que vi na web, ocorre principalmente com as mulheres. E, como li em uma coluna de Monica Bergamo, o programa humorístico de Rafinha apresentado numa boate de São Paulo, Comediants, aproveita-se justamente para fazer dividendos com essa polêmica, usando a seguinte chamada: “quer estupro? No comediants tem”. Essa frase sintetiza totalmente o que caracteriza essa cultura de celebridades em que a sociedade brasileira – e os jovens principalmente –estão chafurdando até a cabeça: não há qualquer importância, nessa cultura, com a ética ou a repercussão imensamente negativa do que você fizer ou disser, o importante é aparecer no meio. Como dizia Mchluhan, o meio é a mensagem: apareceu no meio (a mídia)? Ganha dividendos. Não apareceu? É um fracassado, um perdedor.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Vida Alheia: e se Adorno tivesse um celular?

Essa postagem busca apenas pontuar algumas questões para os brasileiros que
estudam Adorno e a teoria crítica. Siderados pela crítica de Adorno a
Stravinski e ao jazz, trocando confidências em alemão, deslumbrados com
Schoenberg, eles não têm criticado as novas tecnologias representadas pelos
celulares e a internet e os produtos da indústria cultural tais como as
telenovelas. A recepção de Adorno tem deixado de lado contribuições de
teóricos e pesquisadores tais como José Ramos Tinhorão, Gilberto
Vasconcellos e Glauber Rocha. E, sem isso, o estudo da indústria cultural tem
sido mero jogo aristocrático de elite, restrito às universidades.
O celular ou telefone móvel generaliza-se na era do capital também móvel
pelo mundo e na voga da razão comunicativa. Embora favoreça a razão
comunicativa, o celular provoca um retrocesso nas boas maneiras, assim como
favorece o uso invasivo ou irracional do telefone. Por fim, com a proliferação dos
celulares, o diálogo fica praticamente impossível. O diálogo é interrompido
pela chamada insistente dessas pequenas sereias do inferno.

Embora a terceira geração do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, hoje
em dia, escute Bob Dylan após o corte com a razão negativa realizada por
Habermas, mesmo Dylan é insuportável uma vez transformado em música de fundo
para um celular. E, se antigamente utilizava-se músicas para fundo no
celular, cada vez mais o celular é que determina os rumos da canção popular,
com as canções de massa reiterando sem cessar: “beijo, me liga”, “amor, por
favor, não desligue o telefone”. Não se vende mais um telefone, mas sim a
luxuriante troca de mensagens que se pode fazer através do telefone. No
entanto, essa troca torna a vida dos próximos insuportável, pois se dá
dentro do cinema, no teatro, no trabalho, durante uma palestra, etc. E o
pior é que, nesse mundo idílico do sexo verbalizado, irrompeu há alguns anos
o telelumpen: o trabalhador degradado pelo liberalismo que cai no submundo
do crime e, a partir do presídio, comete crimes através do celular. E os
crimes do telelumpen são justamente a perversão da linguagem do amor
telefônico: o bandido afirma que seu filho foi seqüestrado e logo em seguida
ouve-se a voz de um outro deles que dramatiza, claramente influenciado pelas
telenovelas: “pai, eu te amo”. Se o padrão da Globo é classe média, então a
classe média está sendo vítima, através do celular, de crimes inspirados em
sua própria estética de classe.

O celular opera, então, com o fetiche: compra-se um celular para
possibilitar o sexo oral. As telenovelas operam com um esquema semelhante.
Elas nascem e se apropriam da teorização de esquerda do realismo crítico
enquanto intervenção na realidade, tornando-o realismo reacionário. Assim como
as “pegadinhas” da TV mostram atores encenando e os passantes têm suas
reações à situação, que tomam como real, registradas e exibidas para criar
constrangimento, ao mesmo tempo, as telenovelas recriam a realidade através
de amplos painéis sociais, reduzindo qualquer conflito de classe a um
conflito entre “pobres” e “ricos”.

O principal assunto da novela é o dinheiro, em torno do qual tudo gira. A
solução para a desigualdade social e a luta de classes é casar com um homem
ou mulher rica. Os defeitos de um homem ou de uma mulher são facilmente
compensados pelo acesso à sua conta bancária, na verdade bem mais cobiçada
do que sua cama. Na ética prostituta da telenovela, uma aula de violino é
desculpa para um encontro sexual extraconjugal. Por trás desse tipo de
situação está a disposição estrutural para colocar toda a cultura para
render dinheiro, desprezando tudo aquilo que, nela, não servir para esse
propósito. Quem não puder se prostituir é “múmia”, no entender desse tipo de
programa televisivo. Como diz o grande jornalista Laerte Braga, que deve ser
urgentemente estudado pelos teóricos da indústria cultural brasileira, o
lema das telenovelas e do BBB é “o bordel em sua casa”.

A apresentação realista e naturalista das novelas, assim como todo o esforço
mercadológico em torno delas, convida a tomarmos a representação enquanto
espelho de nossas vidas e mais, a considerarmos aqueles personagens como pessoas do mundo real. A telenovela mobiliza as fantasias das massas, exercendo enorme impacto sobre a vida cultural do País. Aliás, a telenovela praticamente destruiu o cinema e o teatro do Brasil, arrasando, através do mercado, com todas as tradições e linguagens que não a dela. Mesmo as leis de incentivo à cultura do estado subvencionam abertamente produtos com essa estética.

Nos últimos anos, com o surgimento de novas mídias, a telenovela perdeu
parte de seu impacto cultural. O seu lucro é baseado na venda não só dos
produtos nos comerciais, mas na venda de produtos dentro da ficção: vende-se
produtos apresentados durante as cenas quanto nos intervalos comerciais, por
isso a televisão dá tanto lucro. Para isso, nessa ficção cada vez mais os
objetos ganham uma presença mais viva que os atores. Uma vez num
restaurante, ganha enorme destaque o nome do restaurante, suas mesas e
cadeiras e a refeição. Aliás, as telenovelas operam de forma gastronômica:
tanto as refeições são apresentadas de forma bem atraente, intencionando
produzir o desejo de comer, com os atores e atrizes ganhando também uma
apresentação semelhante, com seus corpos apelando para fantasias sexuais e
masturbatórias. O nome de um galã como Gianechinni torna-se, mais do que um
nome, um adjetivo que é sinônimo de “bonito”: “ele não é Gianechinni”.

Como quem trabalha em televisão é glamourizado, nasceu ao redor das televisões
toda uma indústria de revistas repugnantes que se ocupam, sem nenhum
escrúpulo, da vida alheia, mas em especial da vida dos famosos, roubando e
invadindo, de forma altamente predatória, sua vida privada, infernizando
suas vidas com uma punição que responde ao fato de terem dinheiro e fama numa
sociedade como essa. E bem que poderiam adotar o slogan: “a vida alheia é mais
interessante do que a sua”, uma verdadeira apologia criminosa da alienação coletiva.

Os atores que fazem a novela e todos que aparecem na televisão passam a
dispor de um enorme capital simbólico, passam a ser “celebridades”, ou seja,
alguém que dispõe de capital simbólico devido à sua visibilidade.

A telenovela, ao entrar em crise, produziu um subproduto diretamente
articulado ao celular: o show de realidade, Big Brother Brasil. Nele,
telefona-se para eliminar um participante e o programa aufere lucros com isso. O reality show encena o drama de um “campo de concentração”, um drama nacional: nossas prisões são campos de concentração para pobres. O drama de um Auschwitz onde o cárcere possibilita a lazeira do consumismo e onde se tem de falar alto para que sua voz possa ser captada pelos microfones. O microfone manda na voz do participante e a edição da realidade com a estética da telenovela, as ligações de celular e o veneno de Bial modelam seu destino, sua vida e sua
morte dentro do “campo”.

Cada cidadão, despido de culpa coletiva, liga para eliminar um “judeu”, ou melhor, um participante, que então vai para a câmara de gás da realidade. Lá fora, o aguarda a sentinela kafkiana e caucasóide chamada Pedro “Bial”, cujo nome é uma variação alemã de “azul”. É o “kapo” Pedro “Blau” que destila o seu Azul da Prússia verbal.

A grande diversão, após a novela, é reencenar um dos grandes acontecimentos de nossa era, tornado agora um mito exaustivamente explorado pelo cinema norte-americano e muito repetido para poder justificar o martírio do povo palestino: Auschwitz. Aos sobreviventes do BBB e de Auschwitz sempre se faz a mesma pergunta: “o que você aprendeu?” Respeitarei muitíssimo mais o deputado federal do PSOL Jean Wyllys quando ele tiver a coragem de, como uma personagem do filme O Leitor, d responder a essa pergunta assim: “Não aprendi nada, os campos (e o BBB) não eram terapia. Se quiser aprender alguma coisa, não vá aos campos (e não veja o BBB)”. Como reencenação de um grande drama de nossa era, o slogan do BBB poderia ser: "a solução final ao alcance de um toque do seu celular".

Após a decadência das novelas, se seguirá a decadência do formato reality
show
e isso se dará com rapidez maior do que se deu com o produto “telenovela”.
Será necessária, no futuro, uma campanha para que a sociedade se
“destelevise”, assim como os estudos de Foucault produziram a luta
antimanicomial: será preciso também uma luta contra a máquina-desejante e alguém vai ter que também abrir um capítulo para a televisão em um novo volume de A História da Loucura. Aliás, os foucauldianos e deleuzianos precisam dizer que a
grande lição do Big Brother é que uma grande empresa de televisão é hoje
também uma das instituições que buscam o controle total, até mais do que
escola, o presídio e o hospício. Faltou a Foucault o insight de que a prisão
onde tudo se podia ver, o panóplio holandês, deu nos campos de concentração
nazistas e, na atualidade, na prisão de consumo do Big Brother Brasil.

[Esse artigo é meu, mas quem quiser ler outras análises adornianas e derridianas, recomendo arquivoscriticos.blogspot.com]

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Web Site do Rodrigo Duarte: Uma Lembrança

http://www.fafich.ufmg.br/~roduarte/


Vou postar esse mais a título de curiosidade, por não ter encontrado nada biográfico a respeito de Rodrigo Duarte nos blogs. E devido ao fato de ele não ter um blog, claro.

Rodrigo Duarte é um adorniano intenso e apaixonado. A base dele é Marx, que ele estudou ainda no tempo do marxismo do socialismo real, início dos anos 80.

Depois ele passou para a influência da Escola de Frankfurt, sem a virada linguística, o que irritou filósofos como Paulo Ghiradelli, que já comentou que, em seu antigo site, que Duarte recusava a linguistic turn sem bons argumentos.

Rodrigo foi um bom professor, mas desapaixonado. Ele parecia um pouco entendiado ao ensinar Ética na graduação. Ensinar em graduação não é fácil, mas eu não lembro quase nada do curso. Só me ficou na memória o fato de que Rodrigo foi o único professor a falar de Nietzsche sem desdenhá-lo, em sala de aula. Vendo o website dele, vejo que ele tem um artigo belo sobre Adorno e Nietzsche. Que bom, salvei para ler mais tarde. Tenho o livro Nove Adornos e estou lendo o texto de Rodrigo sobre Habermas: ele tem, sim, argumentação para responder ao Ghiraldelli. No texto, Rodrigo pontua, inicialmente, a divergência entre Adorno e Habermas a propósito do legado de Max Weber. Se Habermas seguisse o mestre Weber fielmente, parece insinuar Rodrigo, não teria ilusões como a razão comunicativa.

Rodrigo também voltou da Alemanha simpático ao pensamento brasileiro, no início dos anos 90. Ele frisou a influência de Nietzsche em Graça Aranha, por exemplo, o que me levou a ler o livro anos depois.

Os alunos, em sua maioria pobres, insinuavam que Rodrigo era "aristocrático" e "almofadinha" e apelidaram-no jocosamente "Catatau". Adorno também já foi chamado de elitista. Uma aluna cinéfila brigou com o Rodrigo a propósito do cinema. Ela se baseava no Deleuze e o Rodrigo dizia: "leia a Dialética do Esclarecimento, leia!". Rodrigo promoveu um programa sobre o Adorno músico e simpósios sobre a morte da arte, foram iniciativas interessantes. Outro dia vi o Rodrigo no cinema: ele estava na fila do filme Edifício Master, do Eduardo Coutinho. Ele aparentou certo constrangimento, eu não. Tem mais é que ver cinema de qualidade mesmo!