Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
quarta-feira, 4 de março de 2009
Ditabranda, Impertinácia, Bosco furando o Olho da História do Olho
Revisitei também o blog do jornalista e escritor poderoso Wir Caetano, de quem resenhei o belo Morte Porca. Logo mais posto o endereço: vale uma visita.
A Folha quis atacar o Chávez chamando a nossa ditadura de 1964-85 de "ditabranda" em editorial. Maria Victoria Benevides e Fábio Konder pediram retratação e foram tratados como trolls no espaço do leitor, chamados de cínicos que nunca ousaram romper com Cuba. Se estivessem num blog, tudo bem que tomassem. Mas escreveram para um jornal e foram tratados daquele jeito, com insultos?
Mas ditabranda é um termo que acho correto para tratar do Estado Novo getulista, onde comunistas como Portinari continuaram fazendo painéis em prédios públicos e outros como Gilberto Freyre recebiam eventualmente em trabalhos em jornal oficial (Correio da Manhã, me parece). Foi um período de exceção "brando", mas somente em comparação com o "Estado Novo da UDN" entre 1964-85.
Eu resolvi assinar o abaixo-assinado contra a Folha de S. Paulo, jornal que gosto, pelo seguinte: existem sindicatos, jornais e tevês críticas ao governo na Venezuela. Chávez não fechou a tal "Rádio Caracas Televisión", que Walter Navarro do Tempo chamou de "SBT da Venezuela". Chávez cassou sua concessão devido ao fato de que ela participou ativamente no golpe contra ele em 2002, coisa que TV nenhuma pode fazer, tendo em vista de que é concessão pública. Mas ela ainda funciona pela internet e a cabo. A estratégia da oposição, ao se negar a participar de eleições, é que tem sido a de caracterizar Chávez como ditador.
O que não suporto nessa história do Chávez é o seguinte: hegemonia de direita é democracia liberal ou democracia à brasileira (eufemismo usado no tempo da ditadura de 64). Hegemonia de esquerda, na mídia, só pode ser ditadura (o que não é o caso da Venezuela, que foi o único país da América Latina não teve ditaduras entre 1960 e 70, tinha uma democracia oligárquica, mas que não foi derrubada). Existem jornais venezuelanos de oposição na web, como o Tal Cual, que já visitei e achei menos editorializado que a Veja.
Marcelo Coelho, que eu admiro, reconheceu que o editorial foi um erro, mas ainda assim criticou a esquerda. Tudo bem. Só fiz um reparo à crítica dele: ele colocou Ruy Castro como colunista de esquerda na Folha, enquanto na direita estaria o Pondé, o Coutinho, etc. Posso fazer outro: quem criticou o editorial, segundo Marcelo Coelho, quer defender o MST, Fidel e Chávez. Hã?
Li também uma entrevista do Francisco Bosco a partir do blog do Caetano Vilela, autor de Banalogias, sobre A História do Olho e outros livros. Ele valorizou Campos de Carvalho (viva!) e comentou a releitura como fenômeno diacrônico, ou seja, fragmentado e fora do tempo. O leitor que relê um livro estaria retomando não uma história somente, mas também sua história subjetiva entre uma leitura e outra. Diacronismo é o cânone dos concretos: Arnaut Daniel, Li Tai Po, Sousândrade, Qorpo Santo, Mallarmé, etc. Sincrônico é o do Antônio Candido: História da Formação da Literatura Brasileira.
Bosco furou a História do Olho, julgou ridícula a narrativa do seminarista, supondo Bataille um bom ensaísta, mas mau romancista...
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Encontrei Mariana na Web, Reinaldo Azevedo X Marcelo Coelho: ÚLTIMO ROUND?
http://portfoliodamari.blogspot.com/
E gostei. Ela tb tava no blog do Emídio perguntando: "e aí, agora o blog do GT vai acabar?" kkkkkkk
No mais, Gerais. O último "round" da briga Reinaldo Azevedo X Marcelo Coelho acabou numa postagem "irada" do Azevedo, com letras maiúsculas e tal, protestando contra o Coelho.
Coelho destacou a tendência ao destempero e a imoderação das críticas a ele mesmo, pintado como petralha, subversivo, Montaigne da Grampolândia, Milosevich, etc. Não é muita gente, ele pergunta? No último post, Azevedo mostra como Coelho é subversivo e "fofucho" ao comentar um desenho animado. No desenho um dinossauro roxo dizia: "policiais são maravilhosos". Na verdade, Azevedo, como ideólogo, opera por inversão: o catolicismo é uma religião acossada, a direita é estigmatizada e os poetas não a cantam mais (chuif!),o aborto vem aí com Obama, Diogo Mainardi e Olavo de Carvalho são dois exemplares de espécies em extinção (ornitorrincos? Brontossauros?)O Brasil está afastado de Deus, nas mãos dos irmãos Petralhas e por aí vai, numa lógica de histórias em quadrinhos. É divertido? Até certo ponto.
Gianotti lia Heidegger para passar raiva; petista lê Azevedo para passar raiva. No entanto, boa parte dos comentários dos post dele são anônimos. Quem será o nick do Azevedo no blog do GT, será o "Garganta"? Esse sim, tinha me falado que era um cristão conservador. Aliás, adorei quando GT me homenageou no Kepler, the dog, foi uma honra. E foi um pouco surreal ser citado em meio a pilhas de nicknames e pseudônimos. O diálogo no blog, como dissse Mau, é te-a-tral.
O blog do GT deu origem até a um apêndice, o blog anti-gt do Jorge Schweitzer (www.taxiemmovimento.com.br). Taxista, quando dá para ser fofoqueiro, é fogo. Azevedo atacou o que ele chama de subjornalismo e usou a imagem: o subjornalismo é um fiacre, é um táxi, vc paga e vai onde quiser. No entanto, André Sant´Annna me disse (a carta está no www.emiliojunior.zip.net) que na Veja existe quem serve de "cavalo" de seu editor e citou como exemplo Jerônimo Teixeira/Mário Sabino na literatura.
Diferente do que Azevedo pensa, Marcelo Coelho não é tãaaao de esquerda assim: veja-se, no blog dele, o comentário a Tropa de Elite, chamado de "fascista" pela esquerda. Esse foi o recado que o Marcelo quis passar, mas o Azevedo não pegou.
domingo, 10 de agosto de 2008
Como Falar do que Não Lemos?
Como falar do que não lemos?
CoDDo mo falar do que não lemMaos?
Desde que comecei este blog, minha quantidade de leituras diminuiu. Não pelo tempo que gasto escrevendo aqui, mas pelo fato de que me dispersei demais: comecei a assinar mais revistas, a xeretar mais coisas na internet, e termino me desacostumando à leitura contínua de um livro inteiro.
Nestes dias de praia, fico feliz de ter me concentrado mais –e tive tempo de me divertir com um livro recém-lançado pela editora Objetiva, que trata desse assunto de leituras interrompidas, mal-feitas, esquecidas, ou simplesmente inexistentes.
Trata-se de Como Falar dos Livros que Não Lemos?, e foi escrito por Pierre Bayard, professor de literatura na Universidade de Paris 8 e psicanalista.
Bayard é terrivelmente satírico, mas a principal qualidade de seu livro é que, ao mesmo tempo, contém idéias sérias e verdadeiras sobre a cultura literária e nossa maneira de nos relacionarmos com ela.
Ele começa citando Um Homem Sem Qualidades, de Robert Musil. É um dos romances que ele só folheou; Bayard usa aliás um código para indicar sua familiaridade com os textos a que se refere. Há os “LO” (livros de que ouviu falar), os “LF”, livros que folheou, “LE”, livros que esqueceu, e os “LD”, livros que desconhece.
Pois bem, no romance de Musil há um personagem que é bibliotecário, e que aparenta conhecer todos os volumes da imensa biblioteca de que toma conta. Como você fez?, pergunta-lhe um visitante. O segredo, diz o bibliotecário, é nunca ter lido nenhum dos livros da biblioteca. O título, o índice, e o recurso a catálogos bibliográficos dá plenamente conta do problema. Se ele fosse ler os livros um a um, morreria antes de atingir um milésimo das leituras necessárias, e naufragaria na ignorância.
A fábula é irônica, mas Bayard tira dela um ensinamento interessante. A cultura, diz ele, não depende apenas (ou nada) do que podemos absorver de um livro em particular, mas da nossa capacidade de “situar” o livro num contexto feito de relações com outros livros.
Evidentemente, isso não é um elogio da não-leitura, mas sim de uma espécie de conhecimento “secreto” a respeito do que vale a pena ser lido, e quando, e como... Ele próprio admite alegremente nunca ter lido o Ulisses, de James Joyce, mas sabe (graças a sua “cultura”) o que é o livro, o que representa, e pode citá-lo em suas aulas, ou recorrer a ele se necessário, sem que por isso tenha vivido a experiência de uma leitura de ponta a ponta.
Bayard é especialmente pérfido ao citar alguns textos de Paul Valéry, onde o famoso poeta deixa claro não ter lido os autores que comenta extensamente. O primeiro é Proust, e Valéry é explícito: leu pouquíssimo. O segundo é Anatole France, objeto de um famoso discurso, supostamente em sua homenagem (Valéry assumia a sua cadeira na Academia Francesa), onde o poeta sequer cita o nome de seu antecessor, e destrói a sua imagem a cada elogio que lhe dedica. É que Anatole France ironizara, muitos anos antes, o ídolo de Valéry, Stéphane Mallarmé.
Justo aquele que, num verso célebre, dissera “já ter lido todos os livros”. Licença poética, é claro. Diz a lenda que o último ser humano a ter lido todos os livros à disposição em sua época foi Pico della Mirandola, lá por 1400 e tantos.
Valéry também escreveu sobre Bergson sem dar a mínima indicação que conhecia as obras do filósofo. Para cúmulo da perversidade, Bayard cita um livro sobre “o método crítico” de Valéry, onde elogiosamente se afirma que a este interessava menos o autor, o que ele tinha escrito, os seus livros, e mais a idéia da obra. Ou seja, o autor como “símbolo” de alguma coisa: da total dedicação intelectual a uma única idéia, por exemplo, ou da impossibilidade estética do romance, etc. etc.
São as leis não-escritas do alto mandarinato, que tantas vezes pilham os autodidatas em delito de honestidade.
Pessoalmente, acho bom dizer, quase nunca abandono um livro pela metade. Mesmo se chato, vou até o final. O contrário do que faço no cinema, onde tenho grande prazer em sair a qualquer momento. “Bicho de Sete Cabeças”, de Laís Bodanzki, abandonei depois de uns quinze minutos. “Menina de Ouro”, de Clint Eastwood, uns dez minutos antes do fim.
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Paulo Em Transe: Marx & Papai Noel
Francis teve a fase esquerdista, depois a niilista, e por fim morreu defensor radical do liberalismo econômico e feroz conservador cultural.
Em 1966, ainda na fase marxista/ trotsquista: “o problema (dos EUA) é defender seus interesses e, ao mesmo tempo, anestesiar as aspirações dos destituídos que pagam por eles.”
Em 18 de janeiro de 1971 atacava Roberto Marinho no Pasquim, pois o jornal O Globo publicou o nome de Francis e de outros jornalistas do Pasquim junto com os nomes de subversivos que iriam ser trocados pelo embaixador alemão: “Roberto Marinho nos honrou com a preferência. Quer nos banir do país porque representamos uma ameaça para ele. Apesar de seu poder nacional de corrupção -- a metástese Globo de TV se estende progressivamente pelos estados...”
Paulo Francis sobreviveu à sua época e se tornou um símbolo vivo de um tempo morto. Ele acabou por atacar os princípios que antes defendera. Passou a descontar nos mais fracos o seu descontentamento com o presente. Repudiou a esquerda , ele que elogiara Che Guevara.
Com o passar do tempo, Francis foi se tornando cada vez mais conservador, abandonando o marxismo, o comunismo, a esquerda e chegando ao extremo de apoiar Collor em 1989. Tornou-se um sucesso de mídia no programa Manhattan Connection, no canal a cabo GNT. Do final dos anos 80 em diante ele se alinhou claramente à direita. Na Globo ele criou seu personagem e um estilo de falar que influenciou muitos na televisão brasileira.
A revista Veja lançou uma reportagem sobre Francis quando de sua morte, uma matéria de capa. Exaltou o lado mais preconceituoso do jornalista, ignorou o escritor, escrevendo que seus romances foram lançados nos anos 60, quando Cabeça de Papel (1977) e Cabeça de Negro (1979), entre outros, são do final dos anos 70, quando Francis os lançou e constatou que é impossível viver como escritor no nosso país. Consta nas suas memórias que chegou a pensar em suicídio.
A Veja destacou as frases que mais se identificam com ideologia dela própria. Ela, como Francis nos últimos tempos, tornou-se neoliberal e politicamente incorreta. Nas frases destacadas temos o lado cafajeste de Francis, com racismo, ressentimento e desprezo à democracia.
É evidente que nem mesmo o “francista” Daniel Piza apreciou tanto estes seus ditos a ponto de selecioná-los para o livro Waaal, O Dicionário da Corte. Vários deles não constam da seleção.
Minha conclusão é de que Francis aderiu à ideologia preponderante no país ultimamente, o neoliberalismo, que aqui na América Latina vêm mesclado com mau-caratismo e apelos ao autoritarismo à la Fujimori. A ideologia dá mostras de desgaste no continente, com Argentina, México, Peru e Equador envoltos em crises onde o neoliberalismo é o pivô. A revista Veja falou pouco de sua trajetória e não enumerou nem que livros lançou nem sequer trouxe novidades sobre sua trajetória. Narrou o seu fim, atribuído por alguns à maldosa Petrobrás, que quis exercer seu direito de defesa contra o complexado compatriota. É verdade que morto só tem virtudes? Pelo menos para a imprensa brasileira. Francis foi de esquerda no passado, mas num dado momento as coisas se inverteram em sua cabeça.
Ele terminou se conciliando com a burguesia que anteriormente execrou. Adotou sua ideologia, sua pose e retórica, escancarou preconceitos que os donos de jornais, revistas e da esmagadora maioria dos meios de comunicação têm mas não falam abertamente. Preferem o racismo cordial; Francis não. Chegava a ser irresponsável ao defender a ideologia que compartilhava com a Rede Globo. O final foi triste e lamentável, mas Francis já estava tecnicamente morto, como dizia para os amigos. Estava morto também moral e espiritualmente, na prática, como os valores morais da burguesia brasileira. Estava morto como o jornalismo do passado, como o Brasil pré-64, morto como o stalinismo, como os liberais clássicos sepultados pelo neoliberalismo.