Mostrando postagens com marcador aborto. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador aborto. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

NYT: Escritora narra a dor de ter sofrido três abortos espontâneos em um ano

Por N. West Moss

The New York Times

Não existem faixas rosa para usar se você sofreu um aborto espontâneo, nenhuma passeata ou camiseta para encorajar a conscientização e prevenção. E até onde temos uma linguagem para falar sobre ele, ela é repleta de frases superficiais: "Não se preocupe, eu também tive um," ou "Eu tive dois, e então - puf - o Davey nasceu, e nessa semana ele está se formando na faculdade."

Mas enquanto você pertence ao clube imaginário das Mulheres Sem Crianças, este é um planeta secreto de dor, praticamente invisível ao mundo externo.

The New York Times

As pessoas agem como se um aborto espontâneo fosse um evento localizável num calendário, com início, meio e fim, mas a realidade é bem diferente

Recentemente, sofri meu terceiro aborto espontâneo em um ano. Aconteceu cedo na gravidez, e foi descartado como nada grave - "gravidez química" parece ser o termo artístico. Não vamos reagir exageradamente, não há necessidade de histeria, bola pra frente. "Vamos tratar disso como se você estivesse simplesmente tendo seu ciclo menstrual," como disse meu médico.

Mas honestamente, não é como ter seu ciclo. Psicologicamente, claro, não tem nada em comum, mas fisicamente também é diferente. Tive espasmos durante horas que deixaram minhas costelas contundidas, e quatro dias depois eu estava de volta ao trabalho e exausta porque continuava sangrando muito - não uma quantidade alarmante, mas o suficiente para que eu agendasse as reuniões em salas próximas a um banheiro, e para me mandar para casa para cochilos de duas horas à tarde. Imagino como os homens lidariam com isso. Toda a dor, a confusão, as limpezas furtivas, a vergonha e as fugas do trabalho me parecem tão fundamentalmente femininas.

As pessoas agem como se um aborto espontâneo fosse um evento localizável num calendário, com início, meio e fim. Mas na verdade ele começa quando você sente aquela primeira pontada inconfundível dizendo que algo está totalmente errado. Ele continua através dos duros dias de sofrimento e espasmos profundos, e então serpenteia ao longo de cada dia do resto de sua estúpida vida. Provavelmente lamentarei esse aborto de alguma maneira visivelmente mediana até ter um bebê saudável ou morrer.

Falar sobre abortos espontâneos é tão pesado e patético e indesejado e repleto de significado sobre idade e utilidade. A sensação de sofrer três abortos em um ano é a de que eu devo ter feito algo errado, quando a realidade é que a maioria dos abortos acontece por motivos cromossômicos fora de nosso controle.

Ainda assim, uma mulher que sofre um aborto espontâneo provavelmente se perguntará por quê. "Deus não deve querer que eu tenha um filho," ela pode pensar, ou "Estou velha demais." Há momentos em que você sente que o aborto e as calamidades do mundo são seus próprios feitos e que você deveria, de alguma forma, saber melhor.

Talvez não falemos de nossos abortos porque não queremos as mulheres com filhos nos olhando com pena, ou adolescentes com seu jeito imortal pensando, "Isso nunca acontecerá comigo." Não queremos que famílias felizes sussurrem, "Graças a Deus não é com a gente." Não queremos imaginar que os homens possam estar pensando, "Se elas não podem ter filhos, por que estão aqui?"

Entretanto, não sei o que você deve dizer a uma mulher que teve abortos espontâneos. Ao mesmo tempo em que pode ser emocionante ouvir histórias de outras mulheres, pode também ser irritante: faz com que nosso momento de extraordinária tristeza se torne comum e dentro da média. Por que eu iria querer ouvir sobre seu aborto quando estou deitada no chão tentando erguer 250 quilos de fracasso, desilusão e hormônios despedaçados em meu peito?

O que posso dizer é: quero que as pessoas saibam. Não quero que seja um segredo ou uma sombra, ou algo carregado individualmente. Quero que as pessoas saibam que eu passei por algo, que estou cansada mas otimista, que fui derrubada mas não me ajude, pois posso levantar sozinha.

É justo, acho eu, querermos testemunhas para nosso sofrimento. Mas com o sofrimento também vem a esperança. E afinal de contas, somos criaturas flexíveis. Uma amiga minha disse-o muito bem, num e-mail enviado depois que soube de minhas novidades. "Espero que você não desista," ela escreveu. "Ainda quero tirar uma foto de seu filho ao lado do mais alto girassol."

*N. West Moss é escritora em Nova Jersey

quarta-feira, 11 de junho de 2008

De Volta ao Embrião

De volta ao embrião

Marcelo Coelho*

A discussão a respeito já foi bem longe, e talvez nunca termine. Mas são interessantes os argumentos que leio na última Quinzaine Littéraire (16-31 de março) a respeito da vida (ou não) do embrião humano.

O filósofo Francis Kaplan acaba de publicar um livro sobre o tema, L´embryon est-il un être vivant? (Le Félin, ed.), e transcrevo aqui alguns trechos de sua entrevista a Lucette Finas. A primeira coisa que me surpreendeu lendo seu livro é que a afirmação da Igreja Católica segundo a qual o embrião é vivo desde a concepção não provém da fé, contrariamente ao que se pensa geralmente (...)

Francis Kaplan- O fato –geralmente ignorado—é que a Igreja considerou, de modo absolutamente explícito e oficial, até meados do século 19, que o embrião só se torna um ser vivo, e que o aborto só é portanto homicídio, a partir do 40º. dia depois da concepção –e, para as meninas, a partir do 80º. dia. É o que diz São Tomás de Aquino, o teólogo que mais autoridade possui na Igreja Católica: é o que repetem Sixto 5 e Gregório 14; é o que ensina o catecismo romano de Pio 4 e Pio 5. E se a Igreja mudou depois, não é por razões teológicas, mas –como diz Bento 16—em função do que ela acredita ser afirmado pela ciência moderna. É possível, então, uma discussão, e, evidentemente, no puro terreno científico e epistemológico. (...)

Como a ciência –ou a epistemologia—pode demonstrar que o embrião não é um ser vivo desde o momento da concepção? Francis Kaplan—É preciso distinguir entre “estar vivo” e ser “um ser vivo”. Pode-se dizer que um embrião está vivo no mesmo sentido com que se pode dizer que meu olho, porque pode ver, está vivo em oposição a um olho cego, que pode ser considerado um olho morto, e que minha mão, porque ela pode pegar um objeto, é uma mão viva em oposição a uma mão paralisada, que pode ser considerada uma mão morta no mesmo sentido em que se fala de folhas mortas, tecidos mortos, células mortas. Mas nem meu olho nem minha mão são seres vivos. Um ser vivo é um ser que tem funções chamadas, precisamente, de funções vitais, de tal modo que formam um sistema, que não necessitam de nenhuma outra função para mantê-lo vivo, de tal modo que se uma delas não funciona, nenhuma outra funciona e então o ser se decompõe. Minha mão, meu olho, têm uma função (pegar, ver), mas não têm funções que os mantenham vivos; são mantidos vivos apenas graças ao ser vivo ao qual pertencem, no caso, eu, que sou um ser vivo (...) Quanto ao embrião, ele não tem praticamente nenhuma função vital; as funções vitais de que ele precisa para estar vivo são as da sua mãe. É graças à função digestiva da mãe que ele recebe o alimento digerido de que tem necessidade e do qual não poderia tirar proveito se a mãe não o tivesse digerido; é graças à função glicogênica do fígado da mãe que ele recebe a glicose de que necessita; é graças à função respiratória da mãe que os glóbulos vermelhos de seu sangue terão o oxigênio de que ele necessita; é graças à função excretória da mãe que ele expulsa as matérias nocivas, os detritos que de outro modo o envenenariam.

Isso significaria que o embrião é uma parte da mãe, como o olho é uma parte do ser vivo ao qual pertence. Mas o embrião também não provém do pai? E como se pode ser ao mesmo tempo uma parte de um ser vivo –a mãe—e uma parte de outro ser vivo –o pai? Não se deveria concluir que ele é um novo ser independente tanto da mãe quanto do pai?

Francis Kaplan—Mas como pode ele ser um ser vivo se não possui as funções vitais que o mantêm em vida? Com toda a certeza, ele não é uma parte do pai uma vez que não é o pai que o mantém vivo (...)

Não se pode pelo menos dizer que um embrião é um ser vivo em potência e que destruir um ser vivo em potência é quase tão grave quanto destruir um ser vivo “em ato”, uma vez que um ser vivo em potência, se não o destróem, haverá necessariamente de tornar-se, salvo por um intercorrência acidental, um ser vivo “em ato”?

Francis Kaplan—(...) Uma folha de papel não se torna um desenho a não ser pela intervenção de um fator externo ao papel –o desenhista—e ninguém pensará que destruir um papel é quase tão grave quanto destruir um desenho. Uma semente de carvalho é um carvalho em potência, pois o solo onde está plantada só desempenha um papel nutricional, e sua passagem do estado de semente ao estado de carvalho só se deve a fatores internos à semente. Costuma-se pensar que é a mesma coisa com o embrião. Na verdade, não é assim: os trabalhos científicos mais recentes em embriologia mostram o papel necessário da mãe. Não é o embrião que se desenvolve, é a mãe que o desenvolve. (...) Ninguém conseguiu fazer que um embrião se desenvolvesse apenas colocando-o num ambiente que o nutrisse; só se obtém com isso uma multiplicação desordenada de células.

*Articulista da Folha de São Paulo.