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quarta-feira, 11 de junho de 2008

Nosso Quilombo Faz 96 Anos: Bom Despacho Afrodescendente

No aniversário da cidade, na verdade, aos 96 anos de sua emancipação de Santo Antônio do Monte, precisamos reencontrar nossas origens: Bom Despacho pode ter tido origem em um quilombo.

O fato só não é melhor divulgado e conhecido devido ao espírito colonizado que faz com que, em nossa cultura, tudo o que vem do branco europeu e loiro de olhos azuis seja tido como melhor.

Assim, quando três portugueses fizeram uma promessa a Nossa Senhora do Sol, já existia uma civilização aqui, fundada a partir de um quilombo destruído. O fato de que existiram na região alguns quilombos é sabido há muito. Sônia Queiroz, em seu livro Pé Preto no Barro Branco (Ed. UFMG, 1998), também defendeu (indiretamente) a idéia de que Bom Despacho começou a partir de quilombos destruídos. Um dos indícios foi a permanência da Língua do Negro da Costa (Língua da Tabatinga). Um quilombo possuía plantações, criava-se animais, existiam casas, local para reverenciar divindades africanas, um pequeno comércio com os camponeses próximos, além de indústrias artesanais. Muito disso pode ter sido aproveitado por capitães do mato como Picão Camacho.

O foco da autora na LNC não impede que o livro tenha apresentado essa teoria sobre a origem da cidade e tenha feito outra afirmação importante: a mais importante festa religiosa da cidade, o Reinado, é uma festa negra que foi aceita pela Igreja Católica. Há algum tempo, o psicólogo e editor Fernando Gonzaga (o “Groza”) afirmou que apóia Sônia Queiroz nessa teoria e disse: “já me ofereceram para avaliar textos onde pessoas daqui diziam se orgulhar do fato de descenderem dos destruidores dos quilombos. Eu não publico. Sou radical, penso que a cidade começou com os índios e negros”.

Outro escritor que desenvolveu teoria semelhante foi Tarcísio Martins, originário da vizinha Moema e morador de São Paulo, talentoso autor do romance Sesmaria. Nesse romance histórico, disponível gratuitamente em seu site MG Quilombo, Tarcísio imagina a vida em um quilombo próximo a Pitangui. Para isso, colocou na boca dos personagens nada mais nada menos do que a nossa Língua do Negro da Costa, misturada a outros falares que sobreviveram nos quilombos.

Finalizando, para reforçar a forte presença afro em Bom Despacho, num artigo para o Portal Palmares, publicado na internet em 24/09/07 (mas não na imprensa bom-despachense) Oscar Henrique Cardoso entrevistou Dona Sebastiana quando de uma das visitas dessa líder comunitária da Tabatinga a Brasília. No texto, Tiana afirmou que “saiu da comunidade dos Carrapatos com dois anos e foi viver em outra comunidade quilombola, a de Tabatinga, hoje bairro e quilombo urbano de Bom Despacho”. Oscar escreveu também que “numa cidade na qual 70% de sua população é descendente dos quilombos, dona Tiana muito fez e muito faz”.

sábado, 29 de março de 2008

A Importância de Machado de Assis, Um Século Depois de Sua Morte

Um espectro ronda o Brasil: Machado de Assis. Uma de suas mágicas é que ele é plural e pode ser lido e relido por todos: conservadores, marxistas, feministas, afrodescendentes, multiculturalistas. Muitos o lêem e o reivindicam. Ele deu à literatura brasileira uma raiz forte e polêmica, plantou a árvore e hoje podemos colher seus frutos. As leituras que se faz dele são surpreendentes. Fizeram dele uma leitura afro: ele tratou, ainda que muito sutil e maroto, desse tema tão pesado. A dificuldade de superar a escravidão, a tendência em se livrar de seus condicionamentos foi observada em Brás Cubas. Muitos tendem a simplesmente querer inverter essa relação, voltando o chicote no couro de quem mandou dar: Machado viu essa reação com muita humanidade e compreensão, mas não sem humor e ironia.

Talvez ele risse do piparote que levou do cineasta Glauber Rocha, que disse, em suas Cartas Ao Mundo, que Machadinho não dava Cinema Novo e a Academia que ficasse com ele. O fato foi que Machado, que tanto se esforçou para dar substrato e consistência ao ambiente intelectual onde vivia, era então objeto de um grande debate, tendo tematizado, tendo lido Marx à sua própria revelia, sobre as chamadas idéias fora do lugar. No entanto, não só a Academia e o realismo pessimista querem antropofagizar Machado de Assis e, se Machado não deu samba de Noel Rosa, saiu-se bem penumbra: fizeram vários filmes inspirados nele. O próprio Glauber nunca quis filmar Machado, mas ao ouvir do cineasta norte-americano Elia Kazan elogios a Epitaph for a Small Winner (Memórias Póstumas de Brás Cubas, na edição inglesa) convidou-o a vir para o Brasil para fazerem, juntos, esse filme. Afinal, entre as memórias póstumas e as sentimentais, Machado talvez atribuísse isso tudo a um arroubo de instinto de nacionalidade, ele veria em Glauber um filho rebelde, merecedor de compreensão. O fato é que a Academia foi tão importante para Machado quanto a Embrafilme para Glauber, mas sua relação com a instituição foi bem menos tempestuosa que a do cineasta. Glauber era de uma outra estirpe, a do Alencar que virou ópera, dos Sertões euclidianos. A dança, a música de Machado é muito sutil, é música de câmara, bossa nova de apartamento carioca.

As releituras que se pode fazer de Machado são impressionantes e fantásticas.