sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Leitores: entrem na comunidade do livro Estranha Tribo

Oi, pessoal, entrem na comunidade do livro Estranha Tribo do John Hemingway:

http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=72963821

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Texto do Giba sobre Olho Gordo

Quinta-feira, Novembro 04, 2004
Gilberto Vasconcellos é o maximo..

Aprecio sobremaneira os textos deste meu guru, ainda me tornarei limpo e enxuto como ele...


Síndrome do olho gordo e do mau-olhado

Um Olhar a Mais312 págs., R$ 33,00 de Antonio Quinet. Editora Jorge Zahar

O psicanalista Antonio Quinet dá um banho de conhecimento na assimilação crítica da vida e obra de Jacques Lacan (1901-81), o célebre francês continuador de Sigmund Freud. Outra vez ainda Lacan na cultura brasileira. Este livro, "Um Olhar a Mais", não é apenas destinado aos especialistas da área "psi". Trata-se de uma reflexão sobre o olho e o olhar desde a caverna de Platão até a "Casa dos Artistas" e o "Big Brother Brasil". O lugar do ver e do ser visto, tal qual concebido por Freud e Lacan, além de Michel Foucault e o cinema de Wim Wenders, com o foco no "video ergo sum", ou seja: vejo, logo existo. A visibilidade é o imperativo do espetáculo. A necessidade de ser visto pelo outro. O minuto de fama. Eis o mandamento do gozo contemporâneo: sorria, você está sendo filmado. O índice de audiência requer o olho. O cidadão é um "televoyeur". O exibicionismo converte o horror em algo excitante. Ratinho. "Linha Direta" . Talks shows.
A intimidade em clima pornô. Tudo deve sair do armário para ser visto. Não há intimidade nem segredo. Tudo escancarado conforme o "espetáculo obsceno da banalidade". O olho doente. Mas é o olho que elege os políticos. Este quadro cultural o autor denomina "sociedade escópica", da qual o Brasil não escapa. Padecemos do mal-olhar da civilização.
A sociedade escópica é aquela em que o olho videofinanceiro faz a lei e o Estado, de modo cada vez mais totalitário e panóptico: vigilância global.
É o olho policial -"algemas eletrônicas, escuta ambiental"-, o olho domiciliar e punitivo que toma conta de tudo e para o qual não há esconderijo. O ideal de "transparência", supostamente de esquerda, acaba por reforçar o vigiar e o punir, contribuindo para a despolitização da sociedade.
Escreve Antonio Quinet: "A transparência é o grande inimigo da política". Mostre-se. Seja uma celebridade. Exiba. A "vida se transforma numa novela. Filme ou novela, lá estão o olhar da câmera e do espectador fixado na tela, telinha ou telão". O ponto alto deste livro para o entendimento da sociedade brasileira é a reflexão sobre a síndrome do mau-olhado -o olho gordo, o olho seca-pimenteira-, vinculada à inveja e ao ciúme. Assim funciona a dialética do mau-olhado: "O bem-visto é olhado pelo mal e o que é bem olhado é vítima do mau-olhado". Como dispositivo defensivo, usa-se de amuletos e das plantas "comigo-ninguém-pode" e "espada-de-são-jorge". Embora em geral as mulheres sejam portadoras de mau-olhado, essa síndrome medra em sociedades dominadas pelo patronato personificado. Latifúndio. Máfia. Banditismo. É que em tais sociedades prolifera um sentimento generalizado da falta de ter ou de ser. Mesmo o sujeito bem situado socialmente não pode gozar de seus bens diante do "olhar ávido". O olhar pidão dos pobres e miseráveis. De olho na substância do prato de comida. Estranha simbiose da fome com o olho gordo. A paranóica sociedade brasileira não consegue gozar em nenhum de seus escalões sociais: tanto faz em cima quanto embaixo.O excelente livro de Antônio Quinet é a prova de que, por estas bandas, Lacan está sendo deglutido antropofagicamente, isto é, assimilado em razão do nosso espaço e do nosso tempo.
Gilberto Vasconcellos é sociólogo

Instituto de Saúde Mental

Instituto de Saúde Mental, agora no telefone.

Agradeço a Constante Evolução.

“Obrigado por ligar para o Instituto de Saúde Mental,
sua mais saudável companhia em seus momentos de maior
loucura.

Se você é obsessivo e compulsivo pressione 1,
repetidamente.

Se você é dependente, peça a alguem que pressione o 2
por você.

Se tem múltiplas personalidades pressione o 3, 4, 5, e
o 6.

Se você é paranóico, sabemos quem é você, o que faz e
o que quer. Espere na linha enquanto rastreamos sua
chamada.

Se você sofre de alucinações, pressione o 7 e sua
chamada será transferida para o Departamento de
Elefantes Cor de Rosa.

Se você é esquizofrênico, escute cuidadosamente e uma
vozinha lhe dirá que número pressionar.

Se você é depressivo, não importa que número disque.
Ninguém vai responder.

Se você sofre de amnésia, pressione o 8 e diga em voz
alta seu nome, endereço, número da carteira de
identidade, data do nascimento, estado civil e o nome
de solteira de sua mãe.

Se você sofre de stress pós-traumático, pressione
lentamente a tecla # até que alguém tenha piedade de
você.

Se sofre de indecisão, deixe sua mensagem logo que
escute o bip… Ou antes do bip… Ou depois do bip…
Ou durante o bip… De qualquer modo, espere o bip…

Se sofre de perda de memória para fatos recentes,
pressione 9. Se sofre de perda de memória para fatos
recentes, pressione 9. Se sofre de perda de memória
para fatos recentes, pressione 9. Se sofre de perda de
memória para fatos recentes, pressione 9.

Se tem baixa auto-estima, por favor desligue. Nossos
operadores estão ocupados atendendo pessoas
importantes.”

Trabalhem Tags!!!

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Tags: alucinações, amnésia, auto-estima, dependente, depressivo, diverso, engraçado, esquizofrênico, Humor, indecisão, instituto de saúde, mental, obsessivo, outras coisas, paranóia, personalidades, saúde mental, stress, teleatendimento
Categorias : Diversos, Entre outras coisas..., Humor

domingo, 26 de outubro de 2008

NEGAR


A senhora nega as luzes. Na escuridão

o gesto desencontrado: adeus, desdito.

Ávida, a paixão não resulta. O instante

em brancas nuvens. O céu encoberto

em espaços negados ao juízo. A graça

da senhora em imagens espelhadas.

Confortar o enfermo. Fazer aceitar

o enigma da escolha. O sorriso

na negação das luzes. Desconforto.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

NYT: Escritora narra a dor de ter sofrido três abortos espontâneos em um ano

Por N. West Moss

The New York Times

Não existem faixas rosa para usar se você sofreu um aborto espontâneo, nenhuma passeata ou camiseta para encorajar a conscientização e prevenção. E até onde temos uma linguagem para falar sobre ele, ela é repleta de frases superficiais: "Não se preocupe, eu também tive um," ou "Eu tive dois, e então - puf - o Davey nasceu, e nessa semana ele está se formando na faculdade."

Mas enquanto você pertence ao clube imaginário das Mulheres Sem Crianças, este é um planeta secreto de dor, praticamente invisível ao mundo externo.

The New York Times

As pessoas agem como se um aborto espontâneo fosse um evento localizável num calendário, com início, meio e fim, mas a realidade é bem diferente

Recentemente, sofri meu terceiro aborto espontâneo em um ano. Aconteceu cedo na gravidez, e foi descartado como nada grave - "gravidez química" parece ser o termo artístico. Não vamos reagir exageradamente, não há necessidade de histeria, bola pra frente. "Vamos tratar disso como se você estivesse simplesmente tendo seu ciclo menstrual," como disse meu médico.

Mas honestamente, não é como ter seu ciclo. Psicologicamente, claro, não tem nada em comum, mas fisicamente também é diferente. Tive espasmos durante horas que deixaram minhas costelas contundidas, e quatro dias depois eu estava de volta ao trabalho e exausta porque continuava sangrando muito - não uma quantidade alarmante, mas o suficiente para que eu agendasse as reuniões em salas próximas a um banheiro, e para me mandar para casa para cochilos de duas horas à tarde. Imagino como os homens lidariam com isso. Toda a dor, a confusão, as limpezas furtivas, a vergonha e as fugas do trabalho me parecem tão fundamentalmente femininas.

As pessoas agem como se um aborto espontâneo fosse um evento localizável num calendário, com início, meio e fim. Mas na verdade ele começa quando você sente aquela primeira pontada inconfundível dizendo que algo está totalmente errado. Ele continua através dos duros dias de sofrimento e espasmos profundos, e então serpenteia ao longo de cada dia do resto de sua estúpida vida. Provavelmente lamentarei esse aborto de alguma maneira visivelmente mediana até ter um bebê saudável ou morrer.

Falar sobre abortos espontâneos é tão pesado e patético e indesejado e repleto de significado sobre idade e utilidade. A sensação de sofrer três abortos em um ano é a de que eu devo ter feito algo errado, quando a realidade é que a maioria dos abortos acontece por motivos cromossômicos fora de nosso controle.

Ainda assim, uma mulher que sofre um aborto espontâneo provavelmente se perguntará por quê. "Deus não deve querer que eu tenha um filho," ela pode pensar, ou "Estou velha demais." Há momentos em que você sente que o aborto e as calamidades do mundo são seus próprios feitos e que você deveria, de alguma forma, saber melhor.

Talvez não falemos de nossos abortos porque não queremos as mulheres com filhos nos olhando com pena, ou adolescentes com seu jeito imortal pensando, "Isso nunca acontecerá comigo." Não queremos que famílias felizes sussurrem, "Graças a Deus não é com a gente." Não queremos imaginar que os homens possam estar pensando, "Se elas não podem ter filhos, por que estão aqui?"

Entretanto, não sei o que você deve dizer a uma mulher que teve abortos espontâneos. Ao mesmo tempo em que pode ser emocionante ouvir histórias de outras mulheres, pode também ser irritante: faz com que nosso momento de extraordinária tristeza se torne comum e dentro da média. Por que eu iria querer ouvir sobre seu aborto quando estou deitada no chão tentando erguer 250 quilos de fracasso, desilusão e hormônios despedaçados em meu peito?

O que posso dizer é: quero que as pessoas saibam. Não quero que seja um segredo ou uma sombra, ou algo carregado individualmente. Quero que as pessoas saibam que eu passei por algo, que estou cansada mas otimista, que fui derrubada mas não me ajude, pois posso levantar sozinha.

É justo, acho eu, querermos testemunhas para nosso sofrimento. Mas com o sofrimento também vem a esperança. E afinal de contas, somos criaturas flexíveis. Uma amiga minha disse-o muito bem, num e-mail enviado depois que soube de minhas novidades. "Espero que você não desista," ela escreveu. "Ainda quero tirar uma foto de seu filho ao lado do mais alto girassol."

*N. West Moss é escritora em Nova Jersey

Hemingway por Dante Gatto e num Poema

NO CAIS DE ESMIRNA [1]

Era estranho, disse ele, como gritavam todas as noites à meia-noite. Não sei porque gritavam àquela hora. Estávamos no porto, e elas se amontoavam no cais e à meia-noite começavam a gritar. Costumávamos ligar os refletores em cima delas para silenciá-las. Dava sempre resultado. Passávamos os refletores por elas duas ou três vezes, e elas paravam. Uma vez, eu era o oficial-de-dia no cais, e um oficial turco aproximou-se de mim danado da vida porque um de nossos marinheiros o havia insultado. Por isso, eu lhe disse que o camarada ficaria preso no navio e seria severamente punido. Pedi-lhe que o apontasse. E ele apontou para um ajudante de artilheiro, sujeito inteiramente inofensivo. Disse que o havia insultado muitas vezes e com ferocidade; falava comigo através de um intérprete. Não consegui imaginar como o ajudante de artilheiro aprendera suficiente turco para insultá-lo. Chamei-o e disse:

_ Isso é só porque você pode ter falado com qualquer oficial turco.

_ Não falei com oficial nenhum.

_ Não duvido  disse eu  mas é melhor que você vá para o navio e não volte à terra até o fim do dia.

Depois, falei ao turco que o homem estava preso a bordo e seria severamente punido. Sim, com o maior rigor. Ele ficou absolutamente encantado com a coisa. Éramos grandes amigos.

As piores, disse ele, eram as mulheres com filhinhos mortos. Ninguém conseguia que as mulheres largassem os filhinhos mortos. Algumas agarravam-se a criancinhas mortas há seis dias. Não as largavam. Nada havia a fazer. Por fim, era-se obrigado a arrancá-las à força. E havia também uma velha, um caso deverás extraordinário. Contei o caso a um médico, e ele disse que eu mentia. Tratávamos de tirá-las do caís, tínhamos de remover as mortas, e essa tal velha estava deitada numa espécie de maca. Elas disseram: “Quer dar uma olhada nela, seu moço?” Portanto, tive de olhar para ela, e justo nesse momento ela morreu e ficou logo toda dura. As pernas dobraram-se nos joelhos, e ela dobrou-se na cintura e ficou inteiramente rígida. Exatamente como se estivesse morta há muitas horas. Estava mortinha e absolutamente rígida. Falei a um médico a respeito do caso, e ele me disse que era impossível.

Estavam todas lá no cais, e não era como se tivesse havido um terremoto ou qualquer coisa do gênero, porque nunca se sabia o que os turcos iam fazer. Elas nunca sabiam o que o velho turco ia fazer. Lembra-se de quando nos proibiam de entrar para recolher mais gente? Nem sei o que eu esperava, quando entramos naquela manhã. Ele tinha baterias à beça e podia ter acabado com a gente ali mesmo na água. Nós íamos entrar, encostar no cais, soltar as âncoras da proa e da popa e depois bombardear a parte turca da cidade. Eles podiam ter acabado com a gente, mas nós também teríamos mandado a cidade pro beleléu. Pois eles só fizeram disparar uns tiros de pólvora seca enquanto nós íamos entrando. Kemal [2] desceu e demitiu o comandante turco. Por abuso de autoridade ou qualquer coisa parecida. Ele se excedeu. Teria sido uma mixórdia dos diabos.

Você se lembra do porto. Havia uma porção de coisas lindas a flutuar nele. Foi a única época da vida em que eu tive pesadelos. A gente nem ligava pras mulheres que pariam ali mesmo; ligava, mas era pras que se agarravam aos filhos mortos. Pariam ali mesmo. É incrível que tão poucas morressem. A gente se limitava a cobri-las com qualquer coisa e deixá-las pra lá. Escolhiam sempre o canto mais escuro do porão para parir. Nenhuma delas ligava mais pra nada depois que saía do cais.

Os gregos também eram boas praças. Quando realizaram a evacuação, tiveram de livrar-se de todos os animais de carga que não podiam levar em sua companhia, e por isso quebraram as pernas dianteiras dos bichos e jogaram todos na água rasa. Todos aqueles burros com as pernas dianteiras quebradas empurrados para a água rasa. Foi mesmo um negócio muito agradável. Palavra que foi um negócio agradabilíssimo.

Terminada a guerra, Ernest Hemingway transformou-se em corresponde estrangeiro, escrevendo sobre as turbulências que então ocorriam nos Balcãs e no Oriente Médio, envolvendo a Bulgária, Sérvia, Montenegro e Grécia, além dos turcos. Em termos de ficção, este período é representado por este pequeno e terrível conto. A presença americana no local dava-se não pelos conflitos bélicos, propriamente ditos, mas por outras razões deles resultantes: comerciais e assistenciais.[3]

Enredo psicológico, corresponde às lembranças tétricas de um personagem inominado, Narrador-protagonista (se se quiser utilizar a tipologia de Friedman) [4], que começa a narrar estimulado por um “ele”, que nos parece simplesmente uma estratégia desencadeadora ou motivo desequilibrador: “Era estranho, disse ele, como gritavam todas as noites à meia-noite.” Não discernimos uma situação inicial. Trata-se pois de um começo in-abrupto.

Apesar do enredo psicológico, temos o conflito, inerente ao gênero, e, a partir dele, podemos fazer a nossa análise, conforme a classificação de Henry James: apresentação, complicação, (ou desenvolvimento), clímax, e desenlace (desfecho). Mas qual é o conflito? Responderemos oportunamente está questão apesar da desnecessidade.

A apresentação se faz na estranheza proporcionada pelo interlocutor do nosso narrador: o porto, o cais, mulheres (inferimos que se tratam de mulheres) que gritam inexplicavelmente à meia-noite e só são silenciadas pelas luzes dos refletores.

Em função do enredo psicológico, há vários cenas que configuram complicação (ou desenvolvimento). Sabemos que há um cuidadoso trabalho de seleção do autor, que, no entanto, se apresentam como flashes do passado que vem à tona de uma maneira quase aleatória. Podemos enumerar os momentos de desenvolvimento do enredo:

Primeiro parágrafo: as mulheres que gritam, que já mencionamos;

a desavença com o oficial turco;

Terceiro parágrafo: as mulheres com filhinhos mortos;

a velha;

quarto parágrafo: novamente, a desavença com os turcos;

quinto parágrafo: as “coisas lindas” que havia no porto (ironia);

sexto parágrafo: os gregos (ironia).

O conjunto compõe um quadro horripilante. Para cada momento, um clímax, não é verdade? Poder-se-ia, no entanto, discernir um maior, que marca o tom do conto, digamos assim, o paroxismo, a catarse. Veja, no quinto parágrafo, quando o narrador fala de “uma porção de coisas lindas a flutuar nele (porto)”, em seguida apresenta a situação antitética na frase: “Foi a única época da vida em que eu tive pesadelos”. Segue-se uma sucessão de horrores, numa dolorosa ironia que, por paradoxal, perturba o leitor, configurando o clímax.

A ironia não acaba aí e, consequentemente, nem o clímax. Apresenta, nosso narrador, os gregos como “boas praças” para, em seguida bombardear-nos com suas atrocidades. E finaliza enfático: “Palavra que foi um negócio agradabilíssimo”. Quase que podemos caracterizar esta colocação como um desequilíbrio emocional de um neurótico de guerra. Poderíamos dizer que o desfecho está no próprio clímax maior, figurando o parágrafo anterior como um anti-clímax.

Deixamos em suspenso a questão do conflito. Por se tratar de um enredo psicológico, o conflito se configura na própria inquietação do Narrador-protagonista que não consegue adormecer suas lembranças, o que é plenamente justificável, diga-se de passagem.

Personagem complexa ou, se preferirem, redonda (utilizando a caracterização de E. M. Forster) o nosso protagonista. Assim concluímos pela multiplicidade que se afigura sua personalidade: a ironia coruscante, que já nos referimos, contrapõem-se, por uma lado à tentativa de indiferença ao horror; por outro, a uma preocupação com os bons relacionamentos profissionais, como demonstra na saída diplomática com o oficial turco. É claro, que uma personalidade é um todo. O personagem convive com suas contradições, fazendo do completo da sua personalidade um quadro da maior complexidade. A maneira como escamoteia o olhar direto para o que o atormenta é outra de suas características. Falamos do “ele” : “Era estranho, disse ele”, “As piores, disse ele”. Quase no final do conto a personagem fala de um “você”. O que podemos concluir? Veja se vocês concordam comigo: nosso personagem, por um lado, guardando consigo lembranças perturbadoras das quais não consegue se libertar, e, por outro, não as assume como preocupações diretas suas, cria um “ele” que desperta as trágicas reminiscências. Só no final do conto, rompida a barreira inicial de encarar sua dor, o personagem se dirige diretamente ao interlocutor “você”. Ora, isto é próprio de uma idiossincrasia do americano típico, mas aprofundaremos esta questão oportunamente.

Protagonista, sem dúvida. Resta a questão: herói ou anti-herói? Que maçada, não é? Não falemos aqui em fraqueza de caráter, ou características atávicas, ou inferioridade congênita ou coisas que as valham. Pensemos no fenômeno humano. No homem esmagado pelas adversidades, alienado pelas circunstâncias (reificado, como preferia Lukács), que busca trabalhar sua consciência e alcançar uma totalidade possível num mundo que já não abarca. Volto a perguntar: herói ou anti-herói? Herói problemático (mais uma vez lembrando Lukács), podemos configurá-lo como anti-herói. Mesmo porque, na nossa contemporaneidade não há mais lugar para heróis.

Os antagonistas estão por toda parte, nem vale a pena enumerá-los. O ambiente, principalmente, apresenta-se como o maior antagonista, mas discutiremos isto oportunamente.

O enredo psicológico no mais das vezes implica tempo psicológico. Temos, neste conto, a ordem natural dos acontecimentos alterada, por um lado, pela idiossincrasia emocional do personagem; por outro, pelo condensação do tempo que o gênero conto promove. Daí a fragmentação, o estilhaçamento dos acontecimentos, gerando a rapidez dos relatos e a banalização desses conflitos próprias aos momentos de guerra.

O tempo da enunciação? Como sabê-lo. Trata-se, sem dúvida, de um momento posterior aos acontecimentos já que o conto são lembranças: “Você se lembra”. O tempo do enunciado? Imediatamente depois da Primeira Guerra. Portanto, um flashback e, neste caso, o tempo do enunciado não “alcança” o tempo da enunciação.

Os fatos que correspondem ao conto referem-se às turbulências que então ocorriam nos Balcãs e no Oriente Médio. Como sabemos, a função do ambiente, como do tempo, é das mais esclarecedoras (verossimilhança). Mesmo sem nenhuma informação adicional sabemos que estamos diante de soldados, pessoas habituadas aos horrores da guerra.

Das funções do ambiente [5], podemos concluir que este se apresenta em conflito com os personagens. Ora, pelo simples fato de se tratar de uma guerra. Foi o ambiente responsável por tudo e que desencadeou o flashback, com as lembranças terríveis. É claro que são as personagens que fazem os ambientes, portanto, estas são as antagonistas no sentido último da questão. Mas neste pequeno organismo fechado (o conto) o que o transcende não nos interessa.

Narrador-protagonista, em primeira pessoa. Predomínio da Cena. Discurso indireto na maioria das vezes. Este último parece-nos uma opção das mais significativas. Veja que discurso direto só mereceu o ajudante de artilharia (americano também), sendo o único personagem, que por alguns momentos, divide a cena com o protagonista:

"Chamei-o e disse:

_ Isso é só porque você pode ter falado com qualquer oficial turco.

_ Não falei com oficial nenhum.

_ Não duvido - disse eu - mas é melhor que você vá para o navio e não volte à terra até o fim do dia".

E vejam o tom de credibilidade que ele recebe. O oficial turco, por sua vez, não merece voz. Quanto as mulheres do cais, também o tratamento é diferenciado:

“Elas disseram: ‘Quer dar uma olhada nela, seu moço?’ Portanto, tive de olhar para ela”.

Além do protagonista não se dignar a trocar palavras, elas não mereceram os expressivos travessões. É como se, figurativamente, as aspas as prendessem, isto é, prendessem suas lamentações e dores.

Deixamos uma questão em suspenso no decorrer desta pequena análise, a saber, “a idiossincrasia do americano típico”. É sabido do caráter patriótico e nacionalista deste povo em detrimento de uma certa impermeabilidade aos dissabores dos outros. Este conto, se, por um lado, demonstra isto, inclusive pela opção discursiva, como verificamos; por outro, mostra um ex-soldado atormentado, um homem que sofre e tal sofrimento fica configurado naquela ironia despropositada. Hemingway pretendeu, podemos concluir, um olhar crítico, alfinetando a alma de seus compatriotas, arrancando-lhes as máscaras e expondo-lhes as contradições. Não podia ter sido mais feliz, inclusive, pela conveniente escolha do foco narrativo.

Fevereiro de 1999.

BIBLIOGRAFIA E NOTAS

[1] HEMINGWAY, Ernest. Contos. 3.ª ed. Trad. A . Veiga Fialho. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1976. p.7-9.

[2] Mustafá Kemal, importante figura pública da Turquia.

[3] ARRUDA, José Jobson de A. História moderna e contemporânea. São Paulo: Ática, 1983. p. 271.

[4] LEITE, Lígia Chiappini Moraes. O foco narrativo. 3.ed. São Paulo: Ática, 1987. Série Princípio, 4.

[5] GANCHO Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Ática, 1991. Série Princípios, 207.

Dante Gatto

Professor da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)

gattod@terra.com.br

conto hiperbreve de Arthur Cravan jr

premio faroni de textos hiperbreves 2002

trad.: zpa

Hemingway Vs. Stevenson

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El club de los asesinos se enfrenta al club de los suicidas. Tan sólo un asesino es lo bastante rápido.

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O clube dos assassinos enfrenta o clube dos suicidas. Só um dos assassinos é rápido o bastante.

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[http://www.notodo.com/concursos/15lineas/obra.php?idescrito=64

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Obrigado, Rafael ! Baader Meinhof Blues!

Gostei muito dessa indicação do Rafael, leitor do Penetrália:

http://opensadorselvagem.org/

Adorei o trailer do filme sobre o Baader Meinhof, que acaba de entrar em cartaz em Berlim. É o Baader Meinhof Komplex, Complexo de Baader Meinhof, contando a história desse grupo guerrilheiro alemão, uma grande tragédia. E inspirou uma canção chamada Baader Meinhof Blues.