terça-feira, 27 de agosto de 2019

Livrai-nos de Todo o Normal: Amém


   O texto Livrai-nos de Todo Normal, de Eduardo Andrade (Virtual Books, 20017), é um livro que trabalha reinventando a poesia a partir do lugar comum. A escrita atravessa os sentidos, escreve ele, a partir da frase: "escuta só para você ver", restaurando a potência poética do lugar comum. É um livro atípico, original, que não tem o nome do poeta na capa.

    O poeta é assim, com palavras e situações aparentemente banais, ele constrói momentos brilhantes de sua poética, tais como: "Na escola comemoram a nota azul. Adultos, já doentes, correm atrás da receita azul. Também é ilusão desenhar nuvens azuis. Essa poesia não rima, mas descreve um pedaço de mundo perdido".

  Eduardo também faz da poesia uma intervenção na realidade, expondo uma postura que é, em última análise política e alinhada com a luta antimanicomial de Michel Foucault, dentre outros: "Louco varrido é poeira perversa que resta na língua desbocada da lógica higienista. Enquanto varremos vidas para debaixo do tapete" (ANDRADE, 2017, p 21).

  Esse Andrade que não é parente de Drummond, mas que também é bom poeta, busca sempre combater a linguagem preconceituosa, assim como depurar os conceitos. Ele assume o lugar de fala de mineiro e enfrenta temas pesados como a tragédia da Vale, entrelaçando o seu drama de diabético com o do rio Doce. Ele realiza, em seus poemas, o sonho da fala própria enquanto poeta, estabelecendo um próprio estilo e uma temática preferida: os causos mineiros trabalhados literariamente, a psicanálise, os achados do cotidiano, o amor, o romance no escurinho do cinema, etc.

  Eduardo transforma seus "causos", suas situações cotidianas em poesia e consegue lidar bem com a temática melindrosa do amor, assunto a respeito do qual é fácil cair no lugar comum e no clichê: "O fim de um relacionamento não é o fim do amor vivido, é o fim de um futuro que não existiu. Quem crê que o fim do relacionamento é o fim do amor vivido, além de perder o futuro, apodrece o passado" (ANDRADE, 2017, p. 45). Um achado exemplo de achado muito interessante e que me faz lembrar o poema Ausência, de Carlos Drummond de Andrade: a falta não é a ausência. A ausência assimilada, ninguém mais tira de nós.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Suicídio e Clínica Psicanalítica (Eduardo Andrade)





Esse livro de Eduardo Andrade, publicado pela editora Literatura em Cena, é um livro cheio de vida. Há muita riqueza nele ao debater um tema tabu, mas fundamental: o suicídio. Falar sobre suicídio é falar sobre a vida, ele é algo que está entre nós a ser resolvido. Há passagens emocionantes como o “corte no osso e o corte no sonho”, relatos de pacientes que viveram episódios de autoextermínio.
Se não escolhemos quando vir ao mundo, deveríamos pelo menos escolher quando sair de cena, quando sair desse mundo. Isso Eduardo explica muito bem quando fala: “Defronte ao insuportável, confrontado com o desamparo, e por não conseguir abordar o real que é jogado na cara da existência, o sujeito se retira de cena numa tentativa de fugir do sofrimento existencial que o habita, não é o desejo de morrer que mune o suicídio.” Eduardo resgata pontos muito importantes para serem trabalhados a respeito do suicídio e sobre o impulso autodestrutivo que o move: mas nem todos são capazes de conter seus impulsos e acabam cometendo crimes. E sobre o que fazer para conter o suicídio, Eduardo tem apontamentos muito importantes sobre como fazer para evitar o suicídio, como quando cita Bukowski: “nós não precisamos de grandes realizações, só precisamos realizar pequenas coisas que nos façam sentir melhor ou não tão mal” (ANDRADE, 2019, p. 45). Senti falta, nesse livro, de Albert Camus (embora o mito de Sísifo se faça presente) e sua reflexão sobre o suicídio enquanto o único problema filosófico realmente sério: devemos julgar se a vida merece ou não ser vivida. Outros suicidas cujo trabalho pode também iluminar a análise são Silvia Plath, Emil Cioran e Maiakóvski.
Quando o suicídio é verbalizado, a tragédia parece desmaterializar-se, na medida em que se torna outra coisa e o sujeito vê sua própria face monstruosa. No mito da Medusa, quando a Medusa vê seu próprio rosto materializado no escudo de Perseu, ela perde boa parte de seu potencial para a tragédia. E Eduardo é muito feliz em escolher seus autores e seus amores, tais como Goethe, Bukowski, Tolstói, Dostoiévski, dentre outros.