Mostrando postagens com marcador arte. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador arte. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Tudo azulzim...

Um blog muito bom que descobri: belas crônicas, fotos, etc.

http://tudoazulzim.blogspot.com/

E um texto que a dona do blog, professora, me pediu:


NOTAS SOBRE O TEATRO DE GERALD THOMAS: UMA DESCIDA NO MAELSTROM
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior


RESUMO


Esse texto busca analisar a trilogia do encenador Gerald Thomas iniciada com Rainha Mentira (Queen Liar), Terra em Trânsito e, no ano de 2008, enriquecida pela blognovela O cão que atacava mulheres: Kepler, the dog, além de Bate-Man, monólogo escrito para Marcelo Olinto. O texto analisa a virada autoral de Thomas, que passa a partir desses textos a fazer relatos marcadamente autorais, senão autobiográficos, como mais uma forma de cultivar a sua assinatura enquanto autor, mais próximo, segundo ele, do cinema de Glauber Rocha do que realizam, no teatro, os chamados diretores teatrais, um título que Thomas desconsidera e julga figurativo. A partir do texto original da blognovela, escrito por Gerald em seu blog, desvendamos um pouco de seu processo criativo: ao encenar a peça, Gerald Thomas substituiu um texto mais lúdico e coloquial, ligado ao cotidiano, por imagens derivadas do inconsciente inspiradas nos símbolos que criava Beckett.


Palavras-chave: dramaturgia, Terra em Trânsito, Queen Liar, Kepler, Gerald Thomas, blognovela, teatro, Ópera Seca, pós-modernismo


ABSTRACT


This text analyzes the works of the encenador Gerald Thomas initiated with Rainha Mentira (Queen Liar), Land in Transit and, in the year of 2008, his blog´s soap opera named The dog that attacked women: Kepler, the dog. The text analyzes the authorial turn of Thomas, who pass from drama director from authorial and autobiographical dramasas as a form to cultivate its signature while author, next according to it of the cinema of Glauber Rocha of what of they carry through it, in the theater, his teatrical managing calls, a heading that Thomas disrespects and judges figurative. From the original text of blog´s soap opera, congregated in his blog,this work unmasks a little of his creative process: at the moment where it was staged, Gerald Thomas substituted a text more ordinary and playful for images derived from the unconscious one inhaled in the symbols that Beckett created.


Key-words: Land in Transit, Queen Liar, Kepler, Gerald Thomas, blognovela, theater, Dry Opera, post-modernism
INTRODUÇÃO


O início dos anos 80 foi o momento em que o Brasil reconheceu o talento de encenador de Gerald Thomas. O contexto em que sua peça Quatro Vezes Beckett fez sucesso era de redemocratização e abandono das preocupações políticas dos anos 70. A partir de então, transformou-se o contexto em que boa parte dos diretores e dramaturgos brasileiros tinham sido primordialmente brechtianos, mas vivia-se um momento em que Brecht foi perdendo, paulatinamente, sua influência.
Essa pesquisa visa estudar e verificar uma importante mudança ocorrida na carreira do encenador Gerald Thomas desde meados dos anos 2000: Gerald decidiu não mais encenar textos de outros autores, esforçando-se agora por encenar e redigir sua própria dramaturgia. A primeira experiência dessa nova fase foram as peças Terra em Trânsito e Rainha Mentira (Queen Liar). Ele se aproxima, portanto, do traço autoral de um Glauber Rocha, que sempre escrevia e dirigia seus filmes, tendo todos eles a sua marca, sua assinatura autoral e muitas vezes, como em Idade da Terra, sua presença física e voz propriamente ditas.
Nos anos 90, o crítico David George Thomas já considerava Thomas como mais do que um diretor e sim um encenador surgido a partir de uma visão original das obras de Beckett nos anos 80. É comum nas peças de Thomas a interferência da própria voz do encenador. Por exemplo, em Queen Liar, a narrativa autobiográfica apresenta constantemente a voz do encenador que faz intervenções narrativas. Essa voz narrava, por exemplo, que a personagem da avó se assemelhava a uma personagem do pintor Otto Dix (expressionista alemão que protestou contra guerra pintando os mutilados e mortos). Já Terra em Trânsito, que Gerald considera a mesma peça, refere-se claramente a Terra em Transe, filme de Glauber Rocha: cita-se, por exemplo, o apaixonado por ópera Paulo Francis, enquanto Terra em Transe era o epitáfio do jornalista e poeta ficcional Paulo Martins. Em Terra em Trânsito, uma cantora de ópera se vê presa em seu camarim e entra num processo de enlouquecimento enquanto escuta um discurso reacionário Francis no rádio e desespera-se enquanto alimenta um ganso para fazer foie gras. Trata-se de uma oscilação freqüente na obra de Gerald Thomas e que talvez seja o drama do artista contemporâneo: ele oscila entre um ceticismo neopositivista (“nada prova nada”) e o desespero ultra-romântico (a diva em crise na carreira, Hamlet/Paulo Martins).
Recentemente, em 2008, Thomas realizou mais uma peça que continua essa trilogia iniciada com Terra em Trânsito: a peça O cão que atacava mulheres, Kepler, the dog, inspirada numa blognovela realizada por Gerald Thomas juntamente com os participantes de seu blog no provedor Ig, internet gratuita. Nela, um cão de nome Kepler perambula entre um cenário de pesadelo que, dentre muitos outros personagens, vê imagens que fazem lembrar as torturas nas bases norte-americanas de Abu Ghraib e Guantánamo, assim como um executivo suicida, a busca do Santo Graal, etc. O cão (Fabiana Gigli) está na coleira do personagem do executivo (Duda Mendonça), mas faz referência à imagem, muito recorrente na mídia, da militar norte-americana no Iraque trazendo um prisioneiro iraquiano na coleira, imagem associada a uma mulher dominadora da imagética sadomasoquista, a dominatrix. A dramaturgia de Thomas possui, portanto, referência a um universo de referências muito particular e caro ao autor: Living Theatre, Stoppard, Orwell, Kafka, Kantor, Duchamp, Haroldo de Campos, Oswald de Andrade, às montagens do próprio Gerald Thomas, entre outros.
Gerald Thomas é um enigma, mas não um enigma vazio, como alguns querem que seja a arte contemporânea. Para o crítico norte-americano David George, Gerald realiza uma antropofagia wagneriana. Enquanto isso, no Brasil, devido à sua posição polêmica dentro do teatro brasileiro, é acusado de fazer imperialismo cultural. David George estabelece uma linha de influências para Gerald Thomas no Brasil: José Celso Martinez Corrêa e Antunes Filho, assim como a dramaturgia de Nelson Rodrigues, em homenagem a quem Thomas dirigiu uma peça chamada “Asfaltaram o Beijo”. Ele seria o principal divulgador do pós-modernismo no teatro brasileiro. Mas Thomas vai bem além e é um agitador cultural que exerce muito bem o seu talento para o jornalismo, diferente da tendência de Beckett para escrever poemas e prosa mais extensa. Thomas, por sua vez, é show man: atua como colunista em veículos como Ig, Folha Ilustrada, comentarista no prestigiado programa de TV Manhattan Connection, etc.


2 DE BECKETT A KEPLER


Gerald Thomas começou como seguidor de Beckett e com ele ainda possui muito em comum. Em primeiro, ele surge de uma revisão de Brecht e do teatro político, que terminava não alcançando as camadas populares a quem dirigia seu discurso. Além dessa inabilidade de chegar às camadas populares, e diretamente associada a ela, uma outra dificuldade tem caracterizado uma considerável parcela do teatro dito político: a predominância do compromisso didático em detrimento das preocupações estéticas. Isto é, um desequilíbrio entre conteúdo e forma. Apesar de Brecht enfatizar por diversas vezes em seus escritos teóricos que o teatro engajado não precisaria, nem deveria, excluir o caráter de diversão próprio a essa arte, muitos dos seus seguidores incorreram nesse erro e construíram espetáculos sisudos, excessivamente intelectualizados e de pouco apelo para o grande público. Como explica o encenador Gerald Thomas:

Pouco foi dito sobre isso, mas o efeito de distanciamento, de esfriamento, de racionalização e de didatismo sobre uma arte que é, essencialmente, fabulesca e metafórica começou como uma saudável doença de alerta e acabou por se tornar seu vírus mais fatal (THOMAS apud GUINSBURG et al FERNANDES, 1996, p. 37).

Diante desses impasses, em um mundo pós-muro de Berlin, o teatro político tem sido impelido a redimensionar seus objetivos e suas práticas. O próprio trabalho de Boal evidencia uma busca por um novo posicionamento teórico. Quando comparado ao Teatro político de Piscator, por exemplo, percebe-se que no Teatro do Oprimido já não há um enfoque explícito na questão da luta de classes. A "revolução" de que fala Boal pode também significar uma radical modificação interna do indivíduo-espectador. É a partir da necessidade desse tipo de modificação e da dificuldade em obtê-la é que está o traço que podemos notar em Beckett e Thomas.
Para explicar Thomas, tratemos de Beckett. Em The Rhetoric of Fiction, Wayne Booth utilizou, numa edição revista, a novela Company de Beckett como exemplo de sua teoria do autor implícito, aplicando-a em uma narrativa contemporânea. Como definir Beckett e aquilo que pode ter influenciado Thomas? Tomemos as palavras de Peter Brook:

Talvez a escrita mais intensa e pessoal de nosso tempo venha de Samuel Beckett. As peças de Beckett são símbolos no sentido exato da palavra. Um símbolo falso é mole e vago; um símbolo verdadeiro é duro e claro. Quando dizemos “simbólico” frequentemente queremos dizer enfadonhamente obscuro; já um símbolo verdadeiro é específico, é a única forma de expor uma certa verdade. Os dois homens esperando ao lado de uma árvore seca, o homem gravando a si próprio em fitas, os dois homens escravos de uma torre, a mulher enterrada na areia até a cintura, os pais em latas de lixo, as três cabeças nos vasos: essas são invenções puras, imagens frescas, agudamente definidas – e funcionam no palco como objetos. São máquinas teatrais. As pessoas sorriem delas, mas elas ficam firmes: são à prova de crítica. Não chegaremos a lugar nenhum se esperamos que elas nos sejam explicadas, entretanto cada uma tem uma relação conosco que não podemos negar. Se o aceitamos, o símbolo nos provoca uma grande e pensativa exclamação (BROOK, 1970, p. 57).

Assim como em Company não é preciso explicar de onde vem a voz que sugere ao personagem que imagine, Gerald busca símbolos que não precisem ser explicados nem entendidos racionalmente e sim imagens que falem direto ao inconsciente, símbolos tais como Beckett fazia: e símbolos duros. São símbolos poderosos presentes nas peças recentes de Thomas: em Queen Liar, a figura distorcida da avó que era como um personagem de Otto Dix, a cantora de ópera em crise e seu ganso em vias de virar foie gras, um cão em forma de mulher que diz um texto filosófico enquanto defeca no chão.
Os pontos em comum entre Gerald Thomas e Samuel Beckett ficam mais claros quando se avalia alguns pontos da análise de Wayne Booth a respeito da novela Company. Em alguns momentos, é como se ele estivesse falando da blognovela que ora estamos estudando. O texto de Beckett é um “texto para nada”. Essa forma de limitar artificialmente as palavras imaginadas para fazer um quebra-cabeças minimalista é presente nas peças de Thomas e de Beckett. Para se ter uma idéia, Company inicia-se com a enigmática frase: “Uma voz chega para alguém no escuro. Imagine” (BECKETT apud BOOTH, 1983, p. 445). Tanto o mestre quanto o herdeiro tratam da falta de sentido do mundo. O mundo, em seus textos, é predestinado a ser sentido, e o recurso de escrever sobre ele, “para ter companhia”, está destinado ao fracasso insignificante, produzindo não mais do que falência supérflua e miséria. Ambos buscam estabelecer um equilíbrio delicado entre criar situações que complexas e que geram perplexidade, mas que não são tão confusas ao ponto de não despertarem a curiosidade e demandarem uma interpretação.


3 A VOZ AUTORAL EM KEPLER, O CÃO QUE ATACAVA MULHERES


Gerald Thomas foi uma voz autoral desde o início de sua carreira. Sua interpretação das peças de Beckett já tinha uma assinatura própria. “Julian Beck morreu durante uma voz que ele ouviu, gravada por ele mesmo e ouvida por ele próprio” (THOMAS, 2008), referência em off que entra com a voz de Gerald Thomas quando o personagem de Duda Mamberti está em cena na peça O cão que atacava mulheres: Kepler, the dog e que refere-se à montagem de um texto que Beckett escreveu para Julian Beck quando este já era paciente terminal de câncer (All Strange Away e The Time). O texto em off, surgido devido a exigências extra-artísticas em Nova York, onde, para se apresentar uma peça é preciso depositar pagar um valor vultoso para o ator a título de seguro, encarecendo a peça e obrigando o diretor a ter a voz do ator ao invés de tê-lo presente, passou a ser usado de forma muito inovado como recurso anti-realista por Thomas, num lance verdadeiramente antropofágico, revertendo o desfavorável em favorável e fazendo da voz em off um de suas marcas autorais mais importantes.
Tanto nas peças que ele escreve quanto nos textos que dirige, Thomas busca acionar uma simbólica profunda, vinda do inconsciente, criando símbolos e imagens fortes como os que estão presentes na obra de Samuel Beckett. Quando Thomas surgiu, o Brasil vivia um momento onde se buscava novos caminhos para a dramaturgia. A problemática coletiva dava lugar às questões individuais. O trabalho de Thomas não se filia nem a Brecht nem a Stanislavski, nem segue ortodoxamente os métodos nem de um nem de outro. Thomas recusa tanto o método épico-didático de Brecht (não transmite conteúdos socialistas, prefere polemizar com a esquerda) quanto o método de Stanislavski, que segundo ele não seria apropriado para o teatro (pois o teatro exigiria principalmente projeção de voz), adequando-se melhor ao cinema (a propósito, ele cita o Actor´s Studio, estúdio norte-americano que aplicou amplamente em Hollywood o método do russo, ajudando a criar atores tais como Marlon Brando). Marcelo Alcântara comentou a respeito na revista A Bacante:

(...) Muitas das características do que se vê na tela são facilmente relacionáveis ao nome e à obra de Thomas - uma montagem textocêntrica e sem linearidade, entrecortada por milhares de assuntos, embalada por imagens construídas com rigor, muita fumaça, jogos de luzes e narração em off dublando personagens em cena. Nada disso é novidade, mas aqui há muito mais do que a tradicional relação forma/conteúdo: ganha força também o fator meio (nã-não, não o centro, tô falando do medium por onde o espetáculo é transmitido) - e as influências que esse meio impõe à forma do que é produzido (...). Mas diferente dos roteiros escritos por Samuel Beckett para a TV, por exemplo, Kepler, The Dog visto pela mediação da tela do monitor não passa de um espetáculo concebido para o palco - ainda que sua realização visasse a transmissão pela rede. Por mais que tenha surgido a partir da internet e só faça sentido considerando este fato, o primeiro capítulo da blognovela de Gerald Thomas ainda é teatro filmado, com toda a importância que o registro da efemeridade do palco pode ter, mas também com toda a precariedade e ingenuidade de câmeras que tentam dar conta de captar o todo de forma documental e com pouco diálogo com o meio a que a obra se destina (vale ressaltar que a busca por atores via internet, por meio do envio de vídeos, dialoga muito mais com o meio do que o próprio resultado final). Para os próximos episódios desta blognovela, fica a expectativa de que além da inspiração na atividade colaborativa, haja maiores apropriações (e por que não questionamentos e subversões?) da tecnologia como forma de transformação (e não apenas reprodução/propagação) da produção teatral - além da torcida para que o produto final transmitido pelos precários serviços de banda larga brasileiros seja minimamente estimulante a quem não está num teatro escuro cheio de fumaça (e cujos focos de atenção não estão condicionados a seguir os movimentos de luz e som que ocorrem em cena) (ALCANTARA, 2008).

Divergimos da crítica acima no seguinte ponto: a blognovela foi concebida primeiramente como texto literário, somente depois foi encenada, de maneira totalmente repensada, pela Companhia Ópera Seca e pensado simultaneamente para ser encenado no palco e transmitido pela internet. Diz Mau Fonseca a respeito do “teatrocinema da blognovela”, quase como se estivesse respondendo às críticas acima elencadas por Marcelo Alcântara:

O teatro visto por uma tela pequena de computador sujeito às entropias da exibição intra-pessoal (algo que não seja pessoalmente) é como a comunicação diária no blog. Todos são íntimos distantes, sujeitados a uma entropia diária - a mensagem é verdadeira, mas os formatos criados (os nicknames e as técnicas) dentro do blog são falsescas, tal como na produção cinematográfica. Então, por associação, o blog é como o cinema também, mesmo parecendo absurdo. A encenação da peça ao vivo, como num ensaio, era teatro apenas pra quem estava na platéia, o cenário, elenco, a fumaça, a interação e o peso dos corpos e sons. Ao público em casa, era também uma peça teatralizada porque não houvera montagem anterior, seguia-se obviamente um roteiro, mas a montagem era ao vivo (o plen-air impressionista) - portanto teatro. E a criação foi com base teatral, Gerald é homem do teatro, e sua cia. faz parte do universo teatral. Nossa visão se deslocava na tela do computador procurando pontos focais, sendo que em determinados momentos a tela se escurecia, um corte cinematográfico e teatral. É o teatrocinema ou nenhum dos dois...de repente não é uma coisa ou outra, é apenas uma obra audiovisual, como uma vídeo arte ou "Performance Body Art" que poderia ser reproduzida em paredes de museus ou encostas de morros, laterais de prédios, projetada por grandes projetores interferindo na paisagem, o que aumentaria a percepção e ao mesmo tempo provocaria outras interferências perceptivas em relação ao tema. Afinal, as idéias ou conceitos eram mais importantes que o formato, o que deveria ser relevante era a mensagem. E foi justamente a mensagem que prevaleceu e sendo assim funcionou, não importando quão complexa a linguagem. Quando no cinema o diretor filma várias tomadas da mesma atriz, de costa, perfil, diagonal, de cima, com mão no joelho, no cabelo, boca entraberta, etc e etc, busca-se o excesso da imagem e o detalhismo para construção rica na tela grande. O teatro funciona melhor no minimalismo pra causar a impressão, ao mesmo tempo que limpa a imagem deixando o objeto exposto de forma nua (...). Há ganhos e perdas, seja qual for o meio, a importância de renovar é relevante. Vivemos uma época que se pode pensar - tudo já foi criado e não nos sobrou espaços para mais nada. A ousadia não foi repelida e nossa capacidade talvez ainda exista. Tem que se quebrar espelhos sem medo das pragas do azar e fuçar os escombros do mundo arruinado (FONSECA, 2008).

A blognovela seria, portanto, um gênero híbrido entre a literatura, o teatro e o cinema. Diferente do que Alcântara supôs, Gerald pensou a peça não só como teatro, até porque ele define o que faz como cinema para o palco, assumindo a influência de Glauber Rocha.
Embora conhecido como diretor, recentemente Thomas decidiu que seria preciso dirigir e encenar somente seus próprios relatos para garantir sua assinatura própria. Thomas leva bastante a sério esse direcionamento em seu trabalho: embora tenha de fato recolhido as falas e comentários dos freqüentadores do blog para realizar a blognovela, ao encená-la preferiu uma outra solução: homenagear os mais fiéis freqüentadores do blog através da citação de seus nomes em cena, o que de fato ocorreu, e não utilizar literalmente suas palavras e falas no texto, que foi praticamente todo alterado. Do texto original da blognovela, Thomas manteve a idéia da figura de um travesti, símbolo da ambivalência e da androginia. Um exemplo do texto original:

Gerald: Bom, eu queria reunir todos vocês aqui pra tentar encenar….
(sou interrompido)

Fabio:…Gérald,…?!..Que tal falar da Dóroty Stang, Chico Mendes, o Joãzinho trinta, o “almirante” negro da revolta da chibata, o madãme satã, o dom Élder Cãmara,o Antônio Conselheiro……..!!!!!! Tem tãnto brasileiro BOM e PÓBRE, esquecido ……! Claro que o Mandela e o Bill são legais….! Mas eles não precisam de fãma ou espaço, eles já Os TEM, E MUITO..!..São RECONHECIDOS EM VIDA..! isso é muito legal. Os que CITEI, SE FUUUUUderam em VIDA E NINGUÉM TÁ NEM AÍ COM ELES..!(desculpe o palavrão)

Gerald: Peraí Fabio, calma. Eu nem falei ainda sobre o que trata esse espetáculo! Além do quê tudo já foi escrito sobre Dorothy Stang, Chico Mendes virou filme com Raul Julia e Dom Helder Câmara foi uma das pessoas mais conhecidas e reconhecidas de sua época. Mas estou aqui pra tentar montar uma peça inédita que escrevi pra vocês, do Blog. É uma espécie de remontagem de um espetáculo…. (sou interrompido de novo e vejo que o Vamp esta atacando fisicamente o Fabio). (...). Obs: todos estão mudos no espaço de ensaio. Mau Fonseca tentava dizer alguma coisa tipo “a humanidade é horrivel” mas murmurava, ninguém o ouvia. Sandra tentava socorrer o coitado do Fabio que já flutuava a mais de 30 cm de altura do chão e estava sangrando. Eu me escondia, covarde que sou, atrás da única pilastra de concreto que havia no espaço (...).
Gerald - Cacá, tudo bem, tá ótimo. Justo o que você falou aí, muito justo. Mas eu estou aqui com vocês pra remontar o espetáculo M.O.R.T.E (movimentos obsessivos e redundantes pra tanta estética - aquele que o Haroldo de Campos montou uma tese em cima e que viajou o mundo)….lembram? Nao lembram? Bem foi em 1990 e a segunda versão foi em 1991. Não lembram. É, falta cultura à essa falta de cultura. Falta memória a essa falta de memória!

Gerald – Mas Fabio, eu já disse que…..

Vamp: se voce falar mais uma palavra com esse Fabio eu saio por aquela porta ali e nao volto nunca mais!

Gerald - Mas Vamp…..

Vamp: NUNCA MAIS entendeu? NUNCA MAIS!!!!

(ouve-se uma porta batendo, a luz desce em resistencia e Fabio sussurra: “poxa, perdi meu melhor amigo.. eh a MORTE!)

Fim do Capitulo 1 de uma longa novela da blogosfera! (THOMAS, 2008).

No texto da blognovela, Thomas valorizava a oralidade da fala cotidiana, os assuntos do momento, agindo como se estivesse realmente dirigindo uma peça, refletindo, pensando alto e revendo momentos de sua própria trajetória. Ao transpor a blognovela para o palco, reduziu significativamente o texto, refazendo-o para que ele pudesse trazer referências a dilemas fáusticos sobre a relação, presente no trabalho de Thomas, entre o poder e a arte, tal como o seguinte fragmento: “Não é o que vocês estão pensando. De alguma forma, é o que vocês estão pensando. De alguma forma, o que vocês estão vendo é isto. O que vocês estão vendo confirma o que vocês estão pensando” (THOMAS, 2008).
A essa altura pode-se ver pessoas dependuradas de cabeça para baixo, com um chapéu panamá pendurado no alto de seus corpos pendentes. O chapéu panamá refere-se a um quadro de Magritte e ao trabalho de Reinaldo Azevedo, jornalista e blogueiro da revista Veja e com quem Gerald Thomas polemizou, mas conseguiu reverter a antipatia inicial, travando com ele relações de amizade, numa peripécia que muito abalou os seguidores de ambos na internet, tendo todos entrado em guerra e realizado a paz juntamente com seus “mentores”. Reinaldo Azevedo possui uma relação de oposição radical ao governo Lula, no que existem confluências com a rebeldia anárquica e oposicionista proposta por Thomas. Azevedo, no entanto, alimenta-se da crescente impopularidade do governo Lula entre parte das elites e da classe média, devendo a esse governo boa parte de sua repercussão. E ele concorda, por exemplo, que o governo Lula deve manter sua política econômica. As relações entre Reinaldo Azevedo e o governo Lula fazem lembrar a tragédia Lacerda/Getúlio, inclusive possuem algo que podemos chamar de um resquício de uma dialética. Gerald Thomas diferencia-se de Azevedo por sua posição liberal em relação a costumes, especialmente no que se trata de ecologia e liberdade sexual. Para além dessa discussão, a revista Bacante referiu-se à blognovela como “teatro filmado” e descartou-a como inferior a trabalhos como Quádos, de Beckett (como uma forma de evitar a verve polêmica de Gerald: afinal, ele não se diria melhor do que Beckett, deve ter pensado Marcelo Alcântara). No entanto, Kepler vai bem além de um teatro filmado como habitualmente se faz na televisão brasileira e é teatro agudamente experimental, fazendo jus às influências recebidas de Beckett: é um espetáculo que marca pela sobriedade e despojamento minimal e cujo claro e escuro permanece em nossas mentes. Escreveu Alberto Guzik a respeito de Kepler, the Dog:

É muito poderoso o novo trabalho de Gerald Thomas, "o cão que insultava as mulheres, Kepler, the dog". Vi ontem e ainda está girando na minha cabeça. as imagens, a força das idéias. tudo muito simples, muito despojado, e extremamente requintado. Não parece o gerald capaz de inventar máquinas cênicas complicadíssimas. Este gerald está interessado em explorar o palco nu, a caixa cênica desventrada, sem nenhuma moldura que a enfeite. O resultado é magnífico porque sofre o impacto da visão de mundo lúcida e arguta do encenador. Fabiana gugli está esplêndida, cada vez mais precisa e senhora do palco. E também brilham Duda Mamberti e Pancho Capeletti, dominam a cena com extrema segurança. Mas é das idéias do espetáculo que se precisa falar (...) (GUZIK, 2008).

Na primeira versão da blognovela, o próprio Thomas era, ao mesmo tempo, diretor e ator: ele falava como um dos demais personagens e atuava de fato como um diretor dos demais, sendo partícipe da narrativa, mas resguardando-se a posição daquele que determina a direção que a narrativa deveria tomar. Era uma espécie de “Deus intra machina”. A decisão de antropofagizar até mesmo os comentários dos leitores e trazer à luz imagens que são, como dizia Freud, unmheimlich, ou seja, ex-estranhas, foi a decisão de Gerald tomou para unificar e manter sua assinatura própria, seu gesto e escritura autoral. Rui Filho associou a peça à problemática fundamental da identidade (que ligaremos, aqui, com a de autor e autoria):

Tentar diagnosticar nossa identidade, já seria um desafio imensurável. Tratar o diagnóstico, então, pelo prisma da arte, associando esta ao poder, torna a abordagem ainda mais complexa. Tudo inicia na exposição de corpos dependurados. Escolha anunciada do próprio criador. “Porque eu coloquei ali” (...). Como responder, então, o paradoxo entre “a arte tem a cara do poder” e “o poder tem a cara da arte”? O que parece ser a mesma coisa, expõe uma problemática crucial para chegarmos a tal da identidade. Na primeira questão, a arte é colocada como artifício, instrumento de determinação de uma ordem pela subjetividade da estética; na segunda, o poder se fantasia de subjetividade para esconder sua manipulação. Mas nem tão distantes estão. Equilibram-se na existência do próprio homem como fruto responsável por ambas, já que tanto arte quanto o poder são atributos da necessidade humana de superar o meio, seja ele simbólico (e portanto cultural e natural, entendendo que a origem etimológica das duas palavras são a mesma) ou político. E é esse homem, essa figura, transformada em mulher, que vemos surgir da figura do cão. Se deus é o criador de tudo e todos, então a mulher é responsável pela continuidade da vida. É ela igualmente criadora. A humanidade se configura, portanto, na existência da criação como instrumento de adoração do criador. Adoração exposta em desejo ao próprio corpo, como o strip-tease do ator (metáfora da necessidade de abdicarmos de nossas máscaras sociais para nos reencontrarmos puros e originais), como a idolatria ao inacessível, ao inquestionável, ao que cala, representado pelo Santo Graal (face existencial de criador supremo) (FILHO, 2008).

Vale a pena registrar um ponto importante: o fato da dramaturgia ancorar no “autor”, em se tratando de Thomas, não é garantia de não-decifração. O autor mesmo possui diferentes falas conforme o momento. Em algumas situações ele é “O Rebelde Revolucionário do Teatro Carioca”, em outras ele é “Conservador Realista Norte-americano”, em outras ele fala alemão, inglês, francês. Thomas parece vivenciar, enquanto autor, a dissolução do sujeito de que trataram Nietzsche e Foucault.
A virada autoral de Thomas talvez tenha se dado no momento da grande polêmica gerada por Tristão em Isolda em 2003. Naquele momento, o gesto do autor de protestar diante das vaias da audiência foi extensamente noticiado, assumindo maior importância até do que o debate – que deveria acontecer – sobre a montagem. Na montagem, os elementos que surgiam por associação livre adquiriam maior relevância que a narrativa clássica. Podemos dizer que Gerald Thomas é pós-modernista no sentido em que Fredric Jameson analisou essas formas culturais de origem norte-americana em seu livro A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio: o pós-modernismo surge como uma aceitação e valorização do momento presente, representando, portanto, um abandono praticamente total das utopias da modernidade. Por isso em seu Tristão e Isolda aparece Freud cheirando cocaína, junto a desfiles de moda, etc. A modernidade (Freud, Wagner) foi ali problematizada e, em boa parte, desconstruída. Sua direção foi entendida no Brasil, muitas vezes, como provocação hermética “chata” ou “pretensiosa”, assim como proclamação do vale-tudo nas artes, o que é um grande equívoco.
Minha hipótese é que, a partir da enorme repercussão do gesto autoral ao final de Tristão e Isolda, Thomas tenha decidido tecer sua obra a partir da autobiografia e dos gestos autorais conscientes. O gesto de protesto do encenador em Tristão e Isolda resultou em um processo para Gerald Thomas, processo ao qual ele respondeu politizando os ataques aos quais foi submetido: a era Lula, do tão esperado governo “de esquerda”, favorecia uma nova censura e acusações de elitismo contra ele. O processo acabou arquivado, mas suponho que, mais do que a visão da queda das Torres Gêmeas em 2001, seja esse fato que pode fazer o papel de navio que nos pode guiar para o maelstrom (redemoinho) que é a obra de Gerald Thomas.
Para uma melhor compreensão dessa obra multifacetada é preciso ouvir a voz do autor. Mas esse é um dos enigmas de Thomas: o próprio autor se define como um significante tantalizado, ou seja: o Holandês Voador. Ele assume uma identidade multinacional, não desejando representar a arte de nenhum país, a não ser, quem sabe, a América mestiça e de muitas vozes. Ele é anfótero: conforme o meio, ele assume o papel de ácido ou de base.
Como comentou o crítico Alberto Guzik, em Kepler Gerald Thomas deixou limpa a cena, deixando a “máquina cênica” quase nua, ele que já elaborou complicadas máquinas cênicas tal como em Carmen com Filtro. Essa clareza cênica não implica a ausência de alguns estilemas que celebrizaram o encenador: a voz em off do encenador que substituiu a voz de um ator que está em cena (Duda Mamberti), o texto oscilando entre a simplicidade e o hermetismo, a iluminação que faz sobressaltar o jogo do claro e escuro, as referências eruditas (Susan Sontag), misturando-se às de massa (Led Zeppelin) e às artes plásticas (Magritte), assim como uma reflexão sobre o poder. A reflexão fáustica sobre o poder é muito presente na obra de Gerald Thomas e ele mesmo assume que não dissocia política e estética, tal como Jameson teoriza em A Lógica Cultural do Pós-Modernismo: a superestrutura, no capitalismo tardio, perdeu boa parte da autonomia anterior.


4 A VOZ AUTORAL EM BATE MAN: O AUTOR COMO ISCA DE SI MESMO


Bate-Man, espetáculo mais recente de Gerald Thomas, revê, com precisas variações, questões que tratamos acima. Nessa peça o autor reflete sobre os processos que fazem sua arte através da apropriação de seu próprio trabalho e de suas criações passadas. Iconoclasta por vocação e desejo, era de se esperar que, em algum momento, fosse ao extremo de si mesmo para se recompor. Muitas são as referências paralelas a montagens recentes. As garrafas vazias (Ventriloqüist), o chão estéril de terra (Nowhere Man), as caixas e o encontro com os segredos históricos metaforizados em seus conteúdos de restos humanos (Circo de Rins e Fígados), o desfile de moda (Nietzsche x Wagner), o porão como lugar não-identificável (O Príncipe de Copacabana), os remédios e vitaminas (Terra em Trânsito), o corpo dependurado pelos pés (O Cão que Insultava Mulheres, Kepler, the Dog). Com paciência, papel e caneta chegaríamos a mais tantas outras. E o que isso quer dizer? Assim como assinala o argumento de Bate Man – o homem isca –, Gerald se fisga num panteão simbólico por ele criado, na última década, onde a construção de vocabulário particular identifica autoria e destreza. Poucos são, verdadeiramente, os artistas a constituírem um discurso preciso e particular, mesmo entre os bons artistas. Quase sempre nos defrontamos com apropriações circunstanciais, estímulos produtificados de alfabetos comuns e gerais. Gerald, não. Faz do palco e cena a expressão de um complexo sistema de metáforas organizadas a partir de percepções próprias dos fatos históricos, reavaliando suas origens através de provocativas reinterpretações sígnicas. O autor, mais do que tudo, conserva os valores deturpando qualquer possibilidade de estagnação histórica, levando os fatos e circunstância a constituírem um elaborado jogo de origens e conseqüências, como que nos avisando de haver muito mais no ontem na constituição do agora. Nessa perspectiva, por que deveria ele abrir mão de si mesmo? Bate Man argumenta, portanto, a favor do autor determinando sua particularidade e individualidade, tanto estética quanto argumentativa, em um panteão contemporâneo estéril de pessoalidades e olhares originais.
As garrafas de vinho tinto espalhadas pela cena oferecem ao espectador a possibilidade de contextualizar-se à história. E não qualquer história. A que nos torna piores do que desejamos ser. São vinhos originados em sangue humano produzidos durante a ascensão e queda do Terceiro Reich. Mas não devemos nos limitar ao tal período. A guerra hitlerista é outra vez argumento simbólico. Gerald fala de todas, identificando o horror inerente ao espectro maior do Holocausto. Assim, o homem isca, retorna à sua função de traduzir o coletivo, a face comum que nos identifica, num jogo metafórico digno de Charles S. Peirce e semioticistas de plantão. Está na guerra a maior atrocidade humana, o princípio destruidor que nos iguala e distancia, paradoxalmente. E Gerald, insistente sobre isso, vem tramando, sucessivamente, espetáculos cujo foco primordial é compreender em que momento desse paradoxo tombamos ao distanciamento. Se por um lado, o teatro reserva a comunhão dionisíaca, por outro, o discurso que se pretende questionador desagrada ouvidos. Gerald se utiliza da artimanha do humor, ou melhor, do ridículo para nos aprisionar interessados. Na construção de circunstâncias absurdas, revela o mais próximo de nossas idiossincrasias. O patético em ser humano. E a culpa histórica e religiosa configurada no absurdo da surdez autista. Um homem banha-se e serve-se voluptuosamente de vinho de sangue humano decorrente de guerras, assassinatos e atrocidades históricas. E rimos disso sem perceber que abrimos diariamente as mesmas garrafas, embriagados que estamos pelas manipulações. Enquanto nos distanciamos do ontem, na perspectiva errônea do novo, prostituímo-nos ao silenciar de toda e qualquer responsabilidade por nossos atos. Sim, nossos. Não o do indivíduo, mas de toda a humanidade. Somos, assim, iscas de um teatro ainda pior, maior, orwelliano. Nas guerras encenadas de Gerald Thomas, a humanidade é culpada por omissão, e em Bate Man, o homem devaneia embriagado pela crueldade da consciência. Como o homem de Dostoiévski, em Notas do Subterrâneo, o de Gerald opta por permanecer isolado, porém bêbado, travestido de estética e futilidade, conduzido ao sofrimento de Prometeu pelo exercício da reflexão.
Gerald exercita um saboroso monólogo sobre o silêncio, apoiado na consistência da trilha de Patrick Grant e das alongadas notas de guitarra. Não há como suprir a voz calada, nem mesmo como calar o som estridente e persistente. Bate Man mostra que estamos afundados em nossas ausências. E nada mais coerente, então, do que o autor, encenador, cenógrafo e iluminador, buscar socorro em si mesmo. O mundo se tornara excessivamente absurdo. E beber sangue humano não me parece nada além de uma possibilidade futura dentre as demais.
Gerald Thomas propõe trocadilhos para além das palavras em seu Bate Man, em cartaz do Espaço Sesc, em Copacabana, como se a ação, ou inação, do homem submetido ao “banho de vinho tinto de sangue” fizesse parte do jogo das inevitabilidades do nosso tempo. O indivíduo, torturado pela banalidade da violência, transformado numa peça de carne pendurada numa exposição de atrocidades, se esvai pelas frestas de uma realidade de sentidos duplos e aparências enganosas, que o imobiliza e atrai a sua perplexidade. Vejamos uma passagem do texto:

(Vira de costas e toma mais banho de vinho.
Murmura pra si mesmo.)
Sabe que… eu acho nunca vi….
Sinceramente.
Eu vou dizer uma coisa para vocês…
Ai…
Sinceramente.
Ai….
(pigarreia algumas vezes, como se preparando para falar.
Murmurando.)
Acho que….
Eu nunca achei que agradar a Burguesia seria desperdiçar aquilo, aquilo que eles acreditam ter de melhor. E agora? Que eu fiz tudo isso aqui.
Qual será a próxima?
(tempo, pensando.
Conclui.)
Um banho de caviar?
Banho de caviar.
(olha para baixo e vê caixas de caviar.
Encontra caixas de caviar.
Se assusta com a surpresa.)
Ahhh (...).
E OLHA QUE LOUCURA ESSA AGORA!
MEU DEUS DO CÉU.
Roupas FASHION!
Não posso acreditar.
Um John Galiano direto da próxima coleção de verão!
WOW!
(entra música. Bate Man se veste e começa a desfilar) (THOMAS, 2008).

Portanto, o que resta a esse homem, bêbedo do real, mas que desconhece as razões para o que vive, encharcado de incoerência e de culpa. No teatro de meias verdades ou de mentiras cínicas, interpreta o papel do bufão ensangüentado que bebe vinhos de safras incontornáveis e participa, como foi visto acima, de patético desfile de moda, numa antropofágica deglutição da imensa solidão do silêncio dos tempos.
Nas metáforas da existência na atualidade, Gerald Thomas não abandona as citações, a busca de representar o momento com fatos do passado, de reinterpretar significados e reverberar a imobilidade ruidosa. A escrita cênica de Gerald Thomas capta a intensidade com que expõe as suas próprias dúvidas e inflexiona a arte contemporânea. A capacidade de criar identidade visual para suas montagens permite que o autor, diretor e cenógrafo deixe, a cada espetáculo, a sua marca também na ambientação. Em Bate Man, a semi-arena coberta de areia, com caixas de vinho espalhadas pelo chão e um simulacro de palco ao fundo, cuja cortina se abre para desvendar atrocidades, confirma a sua mão firme para o desenho da cena.


CONCLUSÃO


A obra de Gerald Thomas é uma obra de signos em rotação. Concluímos aqui que entrou numa rotação ainda mais intensa recentemente, acelerando o seu maelstrom de referências. O “turning point” da obra, supomos, foi o gesto autoral de protesto em Tristão e Isolda. O resultado foi a guinada para relatos intensamente autorais ou até mesmo autobiográficos que realizou o autor em Terra em Trânsito e Rainha Mentira (Queen Liar). Analisamos também, brevemente, a blognovela O cão que atacava mulheres ou: Kepler, the dog, considerada por Gerald Thomas como continuação da trilogia iniciada em Terra em Trânsito e Rainha Mentira. A blognovela passou por uma transformação entre o seu formato original no blog e a encenação. Nessa mudança, investigou-se o traço autoral de Thomas. Ao verter a peça, originalmente apenas literária, para o teatro, Thomas tornou-a algo marcado pela preocupação em, com imagens de pesadelo, buscar mobilizar o inconsciente, refletir as relações entre arte e a política no mundo atual, referindo-se indiretamente a episódios de tortura em Abu Ghraib, por exemplo. Em Bate Man, ele continua esse trabalho autoral de encenação de si mesmo em um monólogo escrito para o ator Marcelo Olinto.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALBUQUERQUE, Severino J. O Teatro Brasileiro na Década de Oitenta. Latin American Review. No. 25.2 (Spring 1992), p. 23-36.


ALCANTARA, Marcelo. Crítica: O cão que insultava as mulheres: Kepler, the dog. Revista Bacante. Disponível em:. Acesso em 20/01/2009.


BOOTH, The Rethoric of Fiction. Chicago University Press: 1983.


BROOK, Peter. O Teatro e seu Espaço. Rio de Janeiro: Vozes, 1970.


FILHO, Rui. Kepler, o cão atordoado. Disponível em: . Acesso em 20/01/2009.


FONSECA, Mau. O Teatrocinema da blognovela. Disponível em: . Acesso em 20/01/2009.


GEORGE, David. Gerald Thomas postmodernist theatre: a wagnerian antropofagia? Luso-brasilian Review, XXXVII, 1998.


GUINSBURG, Jacó et. FERNANDES, Sílvia. Um encenador de si mesmo: Gerald Thomas. São Paulo: Editora Perpectiva, 1996.


GUZIK, Alberto. O Impacto de Kepler. Disponível em: . Acesso em 20/01/2009.


JAMESON, Fredric. A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Ática, 1996.


MACKSEN Luiz. Texto pretensioso de Gerald Thomas expõe crueldade de nosso tempo. Disponível em: . Acesso em 21/01/2009.


REIS, Luís Augusto. Piscator, Brecht, Boal e Artaud – Considerações sobre o teatro político. Disponível em: . Acesso em 21/01/2009.


THOMAS, Gerald. Press. Disponível em: . Acesso em 21/01/2009.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A Doçura de uma Vênus da Arte (Caetano Veloso)

Primeiro vi Pina Bausch na Nave de Fellini. Ela era linda e extraordinariamente expressiva, fazendo aquela bailarina cega. Ouvi muito sobre sus coreografias serem sombrias. Ao ver Sobre a Montanha Ouviu-se um Grito, no Municipal, fiquei surpreso com a abrangência e delicadeza de sua arte. Foi um alumbramento. Era a vida. Senti grande afinidade com a poesia do teatro de sua dança (...).

Quando vim a conhecê-la pessoalmente (depois da apresentação de Cravos aqui no Rio), eu já tinha convivido com ela em pensamento e em sonhos durante muito tempo. Pina não gostava de interpretações de seu trabalho. Eu, falante e opinioso como sou, me sentia importunando-a.

Mas ela comentou ao menos minha observação de que o uso da marcha brasileira Dama das Camélias -- com seu refrão "A minha vida se resume/Oh Dama das Camélias/Em suas flores sem perfume" -- parecia ter uma relação mágica com a cena do corpo de baile avançando por sobre aquele campo de cravos. "Eu escolhi a música sem saber o que a letra dizia: comprei esse disco aqui no Rio há anos".

domingo, 28 de dezembro de 2008

Sobre o Vazio Teatral (do Blog do Afonso)

Publico acima uma postagem do blog do Afonso Romano e pergunto: os festivais de teatro contemporâneo não aceitam peças "compreensíveis"?



AGORA O "VAZIO" TEATRAL
Enviada por as 23:22 - 27/12/2008


NOTA: ESTA CARTA RETRATA UM MOVIMENTO QUE NÃO É SÓ BRASILEIRO, MAS INTERNACIONAL, E ESTÁ SE ALASTRANDO EM VÁRIOS ESPAÇOS ARTÍSTICOS







Prezado Affonso Romano de Sant\'Anna,

Sou diretor teatral no Rio de Janeiro e professor na Escola de Comunicação da UFRJ. Consideradas apenas essas duas qualificações, teria eu todos os motivos para discordar de suas idéias em "O Engima Vazio", e mesmo dedicar o precioso horário de meus ensaios (teatrais) e aulas a difamar seu livro e o pensamento que ele expressa. Milito, afinal de contas, em dois campos dogmáticos da "contemporaneidade": o teatro carioca e academia brasileira.

O que ocorre comigo, no entanto, é exatamente o oposto: encontro em sua obra (e nas entrevistas a respeito dela) a sistematização de muito do que venho percebendo como artista e formador de outros artistas (sou professor de direção teatral), tanto em relação à própria criação

artística quanto à crítica que dela se faz. Por um lado, sofro na pele a discriminação de propor, como encenador, um teatro de clareza e respeito à inteligência do público; por outro, como docente,perturba-me a constante batalha contra o que meus pares semeam irresponsavelmente na cabecinha indefesa dos bacharelandos, um bombardeio de "pós-isso", "des-aquilo" e outras variações aleatórias de prefixos que tentam dar novos significados às coisas velhas, ou a coisa nenhuma.

Dirigi recentemente espetáculo adaptado de "O Processo", de Kafka, que esteve em cartaz no Maison de France. Kafka é, de certa forma, um "Duchamp" da literatura, no sentido de que sobre ele já se teorizou muito mais do que o próprio escritor desejaria. "Limpar a área" de toda a impostura analítica sobre o tcheco foi esforço constante na construção da peça, de minha adaptação. Procurei contar a história que no romancese conta, sem lançar declaradamente o "meu olhar" sobre a obra; ou melhor, fazendo isso na função de diretor que interpreta seu texto sob

forma cênica, e não no programa da peça ou na entrevista do "Segundo Caderno". Mas fui cobrado, pelo que se chama de "crítica teatral" no Rio, exatamente pela falta da "angústia kafkiana" e pela "heresia" deinvestir no humor de um autor "tão sombrio". Agora estou para estrear "O Bilontra", torcendo para que não haja, sobre Arthur Azevedo, carga tão pesada de "TIORIA" (assim mesmo, com "I"). Na faculdade, luto para que alunos-diretores procurem entender Ésquilo,já bastante complexo, antes de macaquearem Beckett. É tarefa árdua e ingrata, porquanto nas demais aulas muito se ouvem as doutrinações da "pós-modernidade" e da "des-construção", sem que ninguém tenha explicado o que é moderno ou como se constrói algo. Sou o "careta", o "ranzinza", o "ultrapassado". Tudo isso aos 43 anos; imagine quando eu completar 60! Parece que o sonho de cada estudante é emplacar uma vaga nos próximos festivais de "teatro contemporâneo", que invariavelmente recusam inscrição às peças compreensíveis.

Enfim, não lhe tomarei mais tempo com a descrição de atrocidades que já são de seu conhecimento. Escrevo-lhe somente para cumprimentá-lo por sua reflexão sadia e desejar-lhe um Feliz 2009.

E se quiser aparecer em "O Bilontra", a estréia é no dia 13/1, no Solar de Botafogo, onde aliás também está em cartaz a excelente "Traição" (produção com a qual não tenho nenhuma relação), de texto do Harold Pinter, falecido ontem como o último dos dramaturgos lúcidos...



Um abraço cordial,

José Henrique Moreira





José Henrique, meu caro:



Claro que gostei de sua carta, pela franqueza e pela lucidez. E você captou bem: a partir da crise evidente nas artes plásticas temos que proceder a uma análise de todo o sistema artístico atual. Não para voltar ao passado, mas para por no seu devido lugar as "in-significâncias" que pretendem passar por criatividade.

Neste sentido, tenho recebido emails e mensagens de artistas em várias áreas, alguns acuados, outros desiludidos, muitos revoltados, todos querendo resolver essa " aporia" em que nos metemos e que faz parte de uma questão maior que só pode ser encaminhada com uma análise crítica da modernocontemporaneidade.

Com clareza você assume o peso de estar "em dois campos dogmáticos da "contemporaneidade": o teatro carioca e academia brasileira". Este o desafio: pensar o sistema, a despeito do sistema, além do sistema, sem se enquadrar na "ideologia dominante". Lembro-me de uma frase do poeta alemão Enzensberger, que ironicamente retrata a pretensão de muita gente que conhecemos:entrando para o rebanho, muitos carneiros se julgam carneiros-guias.

Quem sabe está surgindo a ocasião e o espaço para uma discussão que interessa a muitos criadores dentro e fora do Brasil?



ARS

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Jeff Koons em Versalhes: é o mundo de pernas para o ar!


11/09/2008 | Mise à jour : 09:45 |
Commentaires 41
.
Jean Clair : «Jeff Koons n'est que le terme extrême d'une longue histoire de l'esthétique moderniste que j'aimerais appeler l'esthétique du décalé. Le mot «décalé» est apparudans la langueil y a sept ou huit ans. Rien d'intéressant qui ne soit décalé !»
Jean Clair : «Jeff Koons n'est que le terme extrême d'une longue histoire de l'esthétique moderniste que j'aimerais appeler l'esthétique du décalé. Le mot «décalé» est apparudans la langueil y a sept ou huit ans. Rien d'intéressant qui ne soit décalé !» Crédits photo : BALTEL/SIPA

Jean Clair, de l'Académie française, dit ce que lui inspire l'exposition de Jeff Koons à Versailles et stigmatise l'omniprésence de l'art contemporain, le mélange des genres et la spéculation financière.

La ciccia, en italien,c'est la graisse, les ciccioli, ces petits bouts de lards grillés qu'on mange à Bologne, un cicciolino, c'est le diminutif affectueux qu'on adresse à un enfant un peu rond, genre «ma petite boule», Cicciolina, c'est le surnom donné à une jeune fille rose et fondante,mais qui désignait peut-être plus précisément une partie de son anatomie qu'elle exposaitsans gêne et qu'en latin, vu son apparence, on appelait souvent «le petit cochon». La Cicciolina fit la fortune de l'homme avec qui elle s'ébattait alors, dans les années quatre-vingt, un certain Jeff Koons, dadaïste attardé, qui se plaisaità façonner de petits cochons roses en porcelaine. La Cicciolina fut élue député au Parlement de Rome puis, devenue mère, coule aujourd'hui, retirée du monde,des jours de mamma comblée.

Jeff Koons est entre-temps devenu l'un des artistes les plus chers du monde. La mutation s'est faite à l'occasion des transformations d'un marché de l'art qui, autrefois réglé par un jeu subtil de connaisseurs, directeurs de galeries, d'une part, et connaisseurs, de l'autre, est aujourd'hui un mécanisme de haute spéculation financière entre des maisons de vente, Sotheby's ou Christie's par exemple, et de nouveaux riches sans grande culture et sans goût. Jeff Koons se présente aujourd'hui non plus tout nu mais vêtu sévère comme un gentleman de la City, un attaché-case à la main.

La consécration est venue par Versailles. On l'y expose, on l'y célèbre, on l'y loue, demain on l'y vendra peut-être. Jeu spéculatif à l'accoutumée : on gage des émissions très éphémères et à très haut risque par une encaisse or qui s'appelle le patrimoine national.

Laissons cela. Ce qui m'arrête dans ce phénomène, c'est qu'il s'inscrit dans une longue série de faits semblables : pas moyen de voir une exposition de Courbet sans qu'on vous inflige des photos d'un artiste contemporain d'un pubis velu pour vous rappeler que les dames autrefois n'étaient pas rasées. Pas moyen de visiter une exposition au Musée d'Orsay sans se voir imposer la vision d'un abstrait ou d'un minimaliste qui vous convaincra que Böcklin ou Cézanne n'avaient jamais fait, les malheureux, que les annoncer. Pas moyen enfin de méditer devant des retables du XVe siècle sans s'écorcher au passage aux cornes d'un animal «dragonnesque» imaginé par un Jan Fabre. Le Louvre a vendu son nom. Encore fallait-il qu'il fît la preuve que ce nom, comme Bulgari ou Prada, est devenu la griffe de produits de haute modernité…

Jeff Koons n'est que le terme extrême d'une longue histoire de l'esthétique moderniste que j'aimerais appeler l'esthétique du décalé. Le mot «décalé» est apparu dans la langue il y a sept ou huit ans. Rien d'intéressant qui ne soit «décalé». Une exposition se doit d'être «décalée», une œuvre, un livre, un propos seront d'autant plus goûtés qu'ils seront «décalés».

Décaler, ça veut dire ôter les cales ; on décale un meuble - et il tombe, on décale une machine fixée sur son arbre, et elle devient une machine folle, on décale un bateau, et vogue la galère… Une nef des fous, en effet.

Mais des propos décalés qui font tache dans l'harmonie d'une conversation provoquent l'attention. Jeff Koons à Versailles ou l'acmé du décalage. En langage populaire, on dirait «débloquer»… Le décalage, c'est la version populaire de la déconstruction derridéenne, tout comme les graffitis sur les monuments, autre phénomène apparu il y a une quinzaine d'années, en sont la version sauvage.

Ça vient de loin en effet : «Beau comme la rencontre fortuite d'une machine à coudre et d'un parapluie sur une table de dissection.» Duchamp : les moustaches mises à la Joconde. Mais Duchamp n'y voyait guère plus qu'une plaisanterie d'humoriste normand. Vinrent les surréalistes et leur sérieux de pions. Collages, mots en liberté, liaisons libres, écrits automatiques, apparentements choquants… Jeff Koons à Versailles, c'est Breton et Péret à qui le directeur de lieux remettrait l'ordre national du Mérite pour mise à niveau du patrimoine ancien.

Le monde à l'envers donc. L'âne qui charge son maître de son fardeau et qui le bat, le professeur traduit en justice pour avoir giflé l'élève qui l'insultait, le bœuf découpant son boucher au couteau, les objets de Koons déclarés «baroques» appendus dans les galeries royales. Fin d'un monde. Fête des fous et des folles, comme à l'automne du Moyen Âge.

Tout cela, sous le vernis festif, a un petit côté, comme à peu près tout désormais en France, frivole et funèbre, dérisoireet sarcastique, mortifiant. Sousle kitsch des petits cochons roses, la morsure de la mort. Sous la praline, le poison.

L'objet d'art, quand il est l'objet d'une telle manipulation financière et brille d'un or plaqué dans les salons du Roi-Soleil, a plus que jamais partie liée avec les fonctions inférieures, et les valeurs symboliques qu'on leur prête. Les glaces et les portraits d'apparat de Versailles n'avaient pour fin que de célébrer le culte exclusif d'un roi. L'image de culte est faite de l'or d'une société. Mais contre son or, la société contemporaine ne peut plus rien échanger de vital et, si elle adore une image, comme les objets kitsch de Jeff Koons, c'est pour pouvoir danser devant elle. L'or de bon aloi se change alors en ce qu'on sait de malodorant.

On rêve à ce que Saint-Simon, dans sa verdeur, aurait pu écrire de ces sculptures «dondonesques» et entortillées, désormais déposées à Versailles. Elles lui eussent rappelé peut-être la mauvaise plaisanterie du duc de Coislin : «Je suis monté dans la chambre où vous avez couché ; j'y ai poussé une grosse selle au beau milieu sur le plancher…»

.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Parque do Sul: Museu de Brumadinho na ArtForum

Gary Garrels (center) with Inhotim founder Bernardo Paz (right). (Photos: Bruno Magalhães)

Picture one thousand people crowding a dilapidated country road in the midst of a record-shattering tropical storm and you will have some idea of the mise-en-scène for last weekend’s celebrations at Brazil’s Inhotim Contemporary Art Center. There are no shortage of reasons to fly to Belo Horizonte, the sadly overgrown capital of Minas Gerais, one of the country’s twenty-six states, and then spend another hour driving to Bernardo Paz’s eighty-seven-square-acre Shangri-la, but this was an occasion more special than most: the introduction of two new pavilions to the park’s already impressive repertoire, one dedicated to the work of Colombian sculptor Doris Salcedo, the other to that of the Brazilian painter Adriana Varejão.

If you’re throwing a party for the Brazilian elite, here is how, as a seasoned event planner explained to me, you estimate your congregation. Take the number of people who bother to RSVP, then throw in another half so you can stock the right amount of caipirinha ingredients. Brazilians are notoriously commitment-phobic, so you can only count on them coming once they’ve shown up.

And show up they did. As the epic storm rocked the procession of hired taxis, buses, and minivans, the guests—dressed down to communicate affluent ease with scientific sartorial precision—were treated to the natural performance of falling trees and overflowing rivers. On reaching Inhotim’s entrance, most resigned themselves to donning the white hooded rain ponchos being distributed by park employees. First stop, the elegantly designed restroom—yes, even the restrooms were eye-catching. Inside, a young woman stared at the lineup of uniformly dressed women reflected in the mirror and exclaimed, in casual Portuguese, “We look like the Ku Klux Klan!” Here, some four thousand miles south of where such a reference might ruin an evening—or at least ruffle a feather—the remark went unnoticed.

Left: Artist Doris Salcedo. (Photo: Bruno Magalhães) Right: Inhotim Park artistic director Jochen Volz. (Photo: Lúcia Guimarães)


How do you spot VIPs when everyone’s dressed in white plastic bags with holes? The cross-dresser Patrício Bisso, an Argentine-born actor who made his career in Brazil, once survived a challenging television assignment. Told to scout for Rio de Janeiro celebrities during a carnival parade, Bisso, an outsider, proceeded to stick the microphone in people’s faces, asking point-blank, “Are you somebody?” Not even Bisso would dare be so cheeky with Salcedo, who at that moment looked prepped for an appointment with her dentist. The famously press-shy Colombian grimaced through the opening of her pavilion—an austere edifice that houses her lyric steel and plasterboard installation, Neither, itself a reference to the architecture of concentration camps, seen once before at London’s White Cube gallery—then quickly retired.

Varejão, far more congenial, bore the brunt of the celebration, playing host to an unwieldy hodgepodge of dealers, curators, journalists, and friends from three continents. Varejão’s pavilion houses three new works, including Celacanto Provoca Maremoto (Coelacanth Provokes a Tidal Wave), which evokes the manner in which tiles are replaced in old baroque panels. Thus far, thanks to its artful marriage of architecture, landscaping, and painting, her pavilion is the most breathtaking of Inhotim’s many shrines to contemporary art. Varejão is married to Paz, Inhotim’s soft-spoken bwana, though to obviate suspicions of curatorial nepotism, it should be noted that they met when both were married to other people and Paz invited the talented young artist to survey the park for her site-specific works. The result of that first meeting, their sunny, gorgeous two-year-old Catarina, was also present.

Left: Collector Gilberto Chateaubriand and artist Adriana Varejão. (Photo: Bruno Magalhães) Right: A view of Adriana Varejão's pavilion at Inhotim. (Photo: Vicente Mello)


Having amassed an impressive collection of post-1960s works by artists such as Matthew Barney, Hélio Oiticica, Cildo Meireles, and Tunga, Paz has planted them in gardens laid by famed landscape designer Roberto Burle Marx, far from the madding crowds of the art world’s nervous centers. The park’s proprietor, whose passions are financed by a fortune made in mining and metallurgy, doesn’t want to be called a collector, “because it reminds me of accumulation.” How does he want to be remembered, now that Inhotim has attracted more than 140,000 visitors in its third year, evolving into a nonprofit foundation with ambitions ranging from biological research to education to tourism and the performing arts? “Can you call me a conceiver?” That would be like calling Peggy Guggenheim a socialite with taste. As he continues to lavish commissions on artists like Doug Aitken, Janet Cardiff, and Pipilotti Rist, it’s easy to understand that Bernardo, as he prefers to be called, enjoys, for the moment anyway, being the primary curator of his reputation.

Lúcia Guimarães

Left: Artist Cildo Meireles with dealer Luisa Strina. (Photo: Bruno Magalhães) Right: Artist Ernesto Neto with Bernardo Paz. (Photo: Lúcia Guimarães)


All rights reserved. artforum.com is a registered trademark of Artforum International Magazine, N

domingo, 24 de agosto de 2008

"O Fim da Arte": Uma Carta ao Contrera

Caro Rodrigo:

Eu salvei essa entrevista com o Danto porque concordei com quase tudo o que ele disse. Só não concordo que a Filosofia não possa mais ajudar ninguém, mas aí acho que foi provocação. Mas penso que a arte serve para cicatrização. Um exemplo que ele deu foi do setember eleven. Poderia ter dado de Apenas Uma Prova de Amor.

Essa matéria me fez lembrar um dia em que eu vi um dos orientandos do Rodrigo Duarte nervosíssimo, defendendo uma tese sobre a inutilidade da poesia após Auschwitz. Que besteira, pensei! Mas, como cara estava muito tenso, falou, falou e não disse nada.

Diante da experiência negativa é que eu produzo! Eu e mais você, provavelmente. Adorno não queria teorizar nenhuma prática nem uma estética. A partir disso, houve quem entendeu (Baader Meinhof) que a saída era partir para a luta armada, já que não existiam possibilidades de reunificar as Alemanhas sob um socialismo democrático.

A entrevista clareou para mim: Adorno, Rodrigo Duarte e os discípulos querem tirar a arte de seu lugar e nela colocar a Filosofia. Trata-se de uma luta da Filosofia contra a arte. Antes, o site do Ghiraldelli ainda mais agressivo. Na lista de discussão, recebia-se bizarrices e loucuras. Eu parei de receber porque não aguentava mais ler defesas da invasão do Iraque.

Isto Não é Um Quadro

Hoje no Mais!

O influente crítico de arte americano Arthur Danto fala à Folha (em conversa com o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr) sobre "A Transfiguração do Lugar-Comum", que está saindo no Brasil, ataca as limitações de Adorno e Benjamin e discute o conceito de "fim da arte", que cunhou em 1984

Isto não é um quadro

PAULO GHIRALDELLI JR.

ESPECIAL PARA A FOLHA

Arthur C. Danto, filósofo e crítico de arte influente do "The Nation" (Nova York), publica agora no Brasil um de seus livros mais importantes, "A Transfiguração do Lugar-Comum" (ed. Cosacnaify, tradução de Vera Pereira, 310 págs., R$ 59). Indo de Andy Warhol a Hegel e Wittgenstein, passando por Cézanne, ele mostra uma forma de fazer da filosofia uma apreciadora da arte que honra a bela tradição norte-americana no campo da estética.

A famosa afirmação de Adorno de que escrever poesia após Auschwitz é obsceno me parece ela própria obscena

Ainda que Danto não compartilhe de idéias pragmatistas, ele vê a história da arte por meio de um pluralismo saudável, bastante comum entre filósofos dos EUA (e cada vez mais da Europa). O inovador em Danto, além do fato de ele vir da filosofia analítica para a crítica da arte sem transformar a arte em "linguagem", é que coloca para a nova geração um passo diferente -e melhor- do que aquele que a Escola de Frankfurt deu no mesmo campo. Como ele bem diz, os frankfurtianos tinham uma visão "medieval" de arte.

Folha - O sr. poderia falar sobre o conceito de "fim da arte"?

Arthur Danto - Em 1984, publiquei um ensaio sobre o "fim da arte". Naquela época as pessoas do mundo da arte pensavam em termos de "a próxima" coisa, como se, temporada após temporada, a história fosse se desdobrando. Até certo ponto me parecia que não havia nenhuma "próxima coisa". Meus argumentos estavam baseados em algumas das extraordinárias reviravoltas em arte nos anos 60. Estava pensando, principalmente, em Warhol, que havia exibido fac-símiles de cartões de remessa na galeria Stable em Manhattan, em 1964. Aquela exposição me pôs interessado em filosofia da arte.

A questão em que me engajei era esta: por que deveriam suas "Brillo Boxes" ser obras enquanto as caixas normais de palhas de aço, que vão da fábrica ao depósito do supermercado, são meramente objetos utilitários? Elas parecem quase exatamente iguais. E então achava que a diferença entre arte e não-arte tinha de ser invisível, uma vez que não havia nenhuma diferença física relevante entre as duas espécies de caixas.

Eu então achava que isso era perfeitamente geral, que se a "Brillo Box" de Warhol fosse arte, qualquer coisa poderia ser arte, e portanto não havia nenhum modo especial de ser da obra de arte.

Se não era mais possível dizer quais eram as obras de arte -uma vez que qualquer coisa poderia parecer uma obra de arte, e não ser uma obra de arte-, não havia mais nenhuma direção na história. Tudo era possível. Isso queria dizer que tudo que tivesse sido pensado como importante sobre arte não mais pertencia ao conceito de arte. Uma definição filosófica de arte não poderia excluir nada. A arte estava liberada da história da arte, era o que eu sentia.

Folha - Mas como fica a tese do "fim da arte" hoje?

Danto - Como crítico, a tese do "fim da arte" significava que não estaria interessado sobre se o que eu estava escrevendo sobre arte era "historicamente correto". Qualquer coisa era possível, a idéia de direção havia perdido todo o sentido. A cada dia estou mais convencido da verdade essencial da minha tese, o que é antes de tudo surpreendente. A tese era menos óbvia em 1984 do que veio a ser.

Não há direções. Haverá surpresas, mas não surpresas históricas ou filosóficas. E, com o advento do globalização, há verdadeiramente uma arte única no mundo, na qual qualquer um pode entrar. Não há nenhum centro real, como foram Paris ou Nova York.

Folha - Não haverá surpresas ... Bem, isso soa hegeliano, não?

Danto - Quando comecei a falar sobre "o fim a arte", alguém me contou que Hegel tinha tido tal idéia. Ninguém na filosofia analítica levava Hegel muito seriamente com um filósofo, mas eu então tinha de ler Hegel e realmente descobri que ele era um tremendo filósofo da arte. Sua visão do "fim da arte", contudo, era bastante diferente da minha. Ele acreditava que a arte não mais encontrava as necessidades espirituais da humanidade. Somente a filosofia poderia encontrá-las. Minha visão é a oposta.

Por causa de seu pluralismo radical, a arte é capaz de encontrar nossas necessidades espirituais de beleza -pense em arte feminista, arte gay ou no multiculturalismo. Mas a filosofia perdeu sua capacidade de fazer algo por alguém. Ninguém pode pensar como Hegel hoje em dia.

Minha visão do fim da arte é baseada na história interna da arte. Sua natureza filosófica emergiu para a consciência filosófica na década de 1960. Para Hegel, o fim da arte está baseado em sua filosofia do espírito -passamos da fase da arte e entramos na fase da filosofia. Mas no século 20, caímos verdadeiramente em tempos difíceis. Ninguém sabe realmente o que ela é, para mais além.

Folha - Pluralismo e Hegel! Isso rende mais uma explicação, não é?

Danto - Como disse acima, sou o crítico que sou porque sou o filósofo que sou. Como um pluralista, não tenho nenhuma base particular para sustentar uma espécie de arte sobre outra. Tomo cada coisa como aparece e tento tratá-la em seus próprios termos. Em "A Transfiguração do Lugar-Comum", avancei uma definição de obra de arte: algo em um "artwork", se este incorpora significado. Isso rende uma fórmula para a crítica. Tentar identificar o significado -a respeito de "o que é" a arte- e então mostrar como aquele significado está incorporado ao objeto que encontro e olho. Isto é: usar o significado para interpretar o objeto. Um objeto interpretado corretamente é a obra de arte.

Folha - O que pensa da Escola de Frankfurt?

Danto - Os filósofos frankfurtianos estão tão longe da arte como eu a entendo que eles poderiam muito bem viver na Idade Média.

Em parte porque não sou um europeu, mas um americano, e em parte porque eles não tiveram a experiência dos anos 60 que eu tive, vivendo em Manhattan. E, é claro, porque eu não vejo nada no marxismo ou no realismo socialista; todavia eu posso entender como intelectuais da geração dos frankfurtianos acreditaram nessas coisas.

Adorno era um homem pessimista, mas eu sou otimista por natureza. A famosa afirmação de Adorno de que escrever poesia após Auschwitz é obsceno me parece ela própria obscena. Por que as pessoas não escreveriam poesia? Em Nova York, após o 11 de Setembro, milhares de pessoas construíram santuários. Elas estavam bastante emocionadas. A arte é uma resposta natural após uma tragédia -de algum modo, ela cicatriza.

Walter Benjamin foi um homem brilhante, mas sua tese sobre a reprodução mecânica da arte se tornou falsa. Como filósofo da arte, foi sorte estar vivendo no tempo em que vivo, quando tudo está mais claro, quando tudo é possível.

Folha - Mas há scholars que lembram da noção de aura (de Benjamin) em relação ao seu trabalho.

Danto - A idéia de Benjamin de aura está em conexão com a arte e em contraste com a arte reproduzida mecanicamente. A cruz era a fotografia, que no tempo de Benjamin não havia sido aceita como arte por ser "mecânica". Mas agora os museus estão abertos à fotografia, e fotos são colecionadas, tornam-se algo bastante caro.

Benjamin tinha um tipo de agenda institucionalista -se mudamos as instituições de arte, a política segue o costume. O que ele não previu era que o museu abriria as portas para todos, tornando-se amplamente popular. Isso era uma teoria muito original, mas ela não funcionou na prática. Em um sentido importante, a aura estava associada com artesanato e com a mão, e a reprodutibilidade mecânica, com as máquinas, com câmeras. Isso, ao fim e ao cabo, não teve nenhuma importância.

Folha - E como fica a arte em relação à moral, para aqueles que defendem a tese do "fim da arte"?

Danto - A visão de que qualquer coisa pode ser uma obra não implica que qualquer coisa seja moralmente permissível na medida em que é arte. Se alguém decide assassinar seis crianças e exibir os corpos como arte, isso que é arte de nenhum modo diminui a atrocidade moral que é matar crianças.

Minha visão da permissividade artística deixa a moralidade exatamente como ele era: algo pode ser arte e imoral. A liberdade de expressão é absoluta, mas o meio de expressão pode ser moralmente proibido. Pois não acredito em religião, não acredito que algo seja uma blasfêmia em essência -mas certamente as coisas podem ser de mau gosto. Diferença de gosto é algo com que temos que aprender a conviver.

Folha - O filósofo Richard Rorty tem se mostrado pessimista em relação aos EUA. E o sr.?

Danto - Vejo um bom futuro para os EUA. Isso por que eles têm as grandes instituições do século 18 e daí, no fundo, uma filosofia iluminista encravada nessas instituições. Essas instituições protegem as liberdades individuais básicas a despeito das imensas pressões que de vez em quando emergem, de modo que os EUA são o país mais livre no mundo.

E temos vivido como uma democracia por mais de 200 anos, sem um rei, uma aristocracia ou, nos tempos modernos, um ditador ou uma junta militar. Na Guerra Fria, que durou 40 anos, coisas terríveis foram feitas pelos Estados Unidos, mas coisas terríveis também foram feitas pela União Soviética. Foi uma guerra de filosofias em conflito. Aquela guerra acabou, e a filosofia que os EUA sustentaram venceu.

Dadas as violações terríveis dos direitos humanos sob o socialismo, eu sou feliz por termos vencido, mas o preço foi horrível, especialmente para a América do Sul, onde há a questão dos ditadores que foram sustentados pelos Estados Unidos. Acho que tem de haver uma anistia de ambos os lados agora.

Nova York, que eu amo, é um modelo para o mundo. Todo mundo consegue se entender com todo mundo, mesmo se, em outra parte do mundo, eles estejam se dividindo -judeus e árabes, sérvios e croatas, curdos e turcos. O ar de Nova York é feito de tolerância e liberdade. Em todos os lugares do mundo as pessoas estão interessadas na cultura norte-americana. Eles gostam da vida retratada nos filmes, nas canções e na arte.

Penso, também, que qualquer um está interessado no futuro dos EUA. Se outros países vão mal, o mundo segue seu curso. Mas se os EUA vão mal, isso é ruim para o mundo. Eu realmente gosto de ser americano.

O fato de pessoas de outros países estarem interessadas em minha filosofia significa que elas têm de pensar melhor sobre os EUA, uma vez que minha filosofia não teria sido possível em qualquer outro lugar.

Mas há um monte de coisas erradas com os EUA. O país poderia aprender muito com a Europa sobre bem-estar social, por exemplo. A vida americana é cruel de uma maneira que não ocorre em outros países. Poderia ser melhorada e deveria ser melhorada. Mas acho que a idéia de ser melhor está encravada na própria idéia de EUA.

Folha - O que o sr. acha do governo de George W. Bush?

Danto - Bush é um presidente ruim, em minha opinião. Sua filosofia é essencialmente aquela da maioria das pessoas conservadoras dos EUA, que são os menos americanos dos americanos. Eles estão convencidos de que aqueles que discordam deles estão errados, que são completamente não-americanos. Seus interesses estão com a pior parte dos interesses de negócios americanos.

Assim, eles se opõem às pesquisas sobre célula-tronco e ao Protocolo de Kyoto [acordo que busca reduzir as emissões de gases causadores do aquecimento global].

A Guerra do Iraque foi algo para a qual ele, Bush, estava disposto e que fez do mundo um lugar bem mais perigoso. Ele tem violado os direitos privados de seus próprios cidadãos para ampliar o poder presidencial.

Tudo isso é amplamente conhecido e entendido. E na hora certa, forças opositoras irão emergir para suplantar o programa de Bush. Todas as coisas têm sido distorcidas por medo do terrorismo, assim como, na Guerra Fria, elas foram distorcidas por medo do comunismo.

Últimas notícias

* 30.07.2008 Filô das 11 Sempre às quintas feiras! Vai perder?

* 29.07.2008 Universidade do MST Isso é lixo. E a Universidade Afro, escapa disso?

* 03.07.2008 Erro crasso de Gustavo Ioschpe Articulista da Veja inverte frase de Paulo Freire. A direit