quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Por que Vargas Pode ser Chamado de Fascista?

Muito embora eu considere Vargas uma figura complexa e fascinante, a hipótese de que ele foi fascista deve ser levada a sério. Devemos trabalhar com ela e refutar vigorosamente o que diz Frederico Krepe. Primeiro, Krepe ao definir o fascismo não utiliza nenhum autor marxista, apenas outros burgueses liberais como ele. E nos basearmos, então, em Gonzalo: Obrigado por ler Substack de Lúcio! Subscreva gratuitamente para receber novos posts e apoiar o meu trabalho. O que entendemos por fascista e corporativo? Para nós, o fascismo é a negação dos princípios demoliberais, é a negação dos princípios demoburgueses nascidos e desenvolvidos no século XVII na França; esses princípios tem sido abandonados pela reação, pela burguesia no mundo, assim como já na I Guerra Mundial nos fez ver a crise na ordem demoburguesa, por isso é que posteriormente o fascismo surge como insurgência.” “Consideramos também o fascismo como uma ideologia eclética, feita de retalhos, que recolhe aqui e ali o que lhe convém (...). Ele toma o que estiver mais à mão”. “O corporativismo seria organizar a economia em corporações. E seria a negação do parlamentarismo” (GONZALO, 1988). Vargas preencheu todos esses elementos: seu sucesso durante sua carreira implicou em pegar o que estava mais à mão. Embora ele leia Saint-Simon, é na ditadura de Júlio de Castilhos é que está sua identidade. E essa ditadura, embora modernizadora sob alguns aspectos, nega desde sempre a divisão em três poderes estabelecida pela revolução francesa, concentrando os poderes no executivo, criando absolutismo presidencialista que é sempre presente no fascismo. Krepe sabe disso: O projeto de Vargas, desde o início, é de modernização do Estado e de centralização do poder (KREPE, 2025), E também nega o direito de liberdade de expressão democrática perseguindo a oposição e reorganizando o sistema político e, com sua ideologia eclética, essa colcha de retalhos que possibilita disfarces (positivismo, socialismo utópico, castilhismo, doutrina social da igreja católica, fascismo e nazismo). E ao chegar ao poder, Vargas nega o parlamentarismo, dissolvendo o congresso, não governando inicialmente nem sequer com aquela apodrecida fachada liberal de latifundiários e assumindo a ditadura burguesa sob a forma do absolutismo presidencialista. Ele nega também a ideia de ser regulado por uma constituição, ele só a promulga depois de um outro levante e logo a seguir coloca em seu lugar uma constituição de corte fascista, abertamente copiada da ditadura militar polonesa. Vargas mesmo advogava por soluções dentro do sistema, até que, de ministro da fazenda de Washigton Luís, assumiu o poder numa quartelada que insistia em chamar de “revolução democrática”. Vargas, como Alvarado no Peru anos antes, fez reformas e trouxe direitos trabalhistas apenas para poder corporativizar as massas em seu favor. Alvarado falava em reforma agrária apenas para fazer evoluir o semifeudalismo. E o varguista Darcy Ribeiro trabalhou ativamente para Alvarado, identificando-se com ele como se identificou com Vargas anteriormente —e não por acaso! Por isso Vargas fala em reforma agrária nos anos 50, bem como Jango e Brizola, apenas para corporativizar as massas no campo. Mesmo quando realiza estatizações, sua finalidade é corporativizar toda a sociedade. Ele levanta a bandeira do nacionalismo, mas é sempre no sentido de negar a luta de classes, de negar os “elementos dissolventes do caráter nacional”. A nação como a negação da bandeira vermelha dos trabalhadores, a nação como conciliação do trabalho e do capital. Esse elemento reaparece até mesmo no fascismo bolsonarista. Krepe “esquece” a repressão brutal do levante antifascista da ANL em 35 e isso é intencional. E esquece que esse PC que ele detrata como “stalinista” rachou o exército nessa episódio e fez com que o comunismo fosse altamente levado a sério pelo exército e por todo o aparato de repressão brasileiro até hoje. E lembremos que Brizola e Jango não conseguiram efetivamente rachar esse exército em 64. Em 35 houve embate entre grupos no exército, em 64 não. Fausto Arruda, sociólogo, considerou-o o fundador do capitalismo burocrático brasileiro. Em outras palavras, do capitalismo selvagem brasileiro, esse capitalismo associado ao capital estrangeiro e ao latifúndio, em um importante artigo publicado em A Nova Democracia. Em primeiro, Vargas é uma figura muito mais oligárquica e conservadora do sistema do que Krepe imagina. Ele não foi contra as elites. Ele mesmo era uma figura da oligarquia gaúcha castilhista. Advogou, conforme Fausto Arruda, pela mudança dentro do pacto das oligarquias, até que não foi mais possível. Mas depois de sua quartelada, logo fez pacto com as oligarquias e imperialismos estrangeiros, optando pelo imperialismo yankee, que preferiu descartá-lo em 1945 em uma nova quartelada feita pelos mesmos generais reacionários que apoiaram sua ditadura fascista em 37. Os generais fascistas e os USA recusaram sua jogada perigosa com a URSS e os comunistas, pois só aceitam o serviçal por inteiro. No fim das contas, foi altamente perniciosa a aproximação dos comunistas com o social-fascismo varguista em 1945 e depois de 1954. Faltou realizar uma análise mais rigorosa do fenômeno desde sempre, o que não foi feito. Foram atraídos para um abraço de afogado em 1945-47, sendo ridicularizados “queremistas” e querendo “constituinte com Vargas”, para depois serem surrados em 54 por não apoiá-lo. Apanharam por apoiá-lo, apoiaram por não apoiá-lo. Constituinte com um inimigo da constituição, um espertalhão que advogava que “as constituições são como as virgens, nasceram para ser violadas”. Atacados pelas massas lumpen incitadas pelo varguismo —afinal, os varguistas sabem que os comunistas são seus inimigos e, com sua queda, poderiam se beneficiar —fazem aliança novamente, apenas para naufragar novamente em 64, apenas para perceber que, sem o líder, o projeto varguista já estava acéfalo e com a validade vencida desde 54. Os comunistas confundiram burguesia burocrática varguista com burguesia nacional. Não podemos reclamar porque até mesmo até hoje o equívoco continua e Frederico Krepe traz água para esse moinho, sem dúvida. E com o lulismo o erro continua vigente até a exaustão. Krepe apenas insiste em repor o varguismo como horizonte para pensar um projeto nacional, repor todos os equívocos sem aprender nada, enquanto o único horizonte possível é a nova democracia: no horizonte do país surge o dilema: nova democracia ou subcapitalismo (autocracia burguesa). Isso é querer girar a roda da história para trás devido à falência do projeto petista. Krepe sonha, em seus delírios platônicos e idealistas social-fascistas, que uma nova autocracia burguesa varguista possa assumir o poder e aí ele “galgar o caminho florido das posições”. Durante o período Vargas estavam vigentes leis que proibiam a imigração de pessoas de origem semita, ou seja, judeus. A ideia era trazer imigrantes para um projeto de embranquecer o país, imigrantes como os italianos, que se misturassem para que a raça branca fizesse valer sua superioridade “natural”. Daí que os judeus ficavam sendo esse grupo que não se integrava e não se prestaria ao projeto racista. A eugenia estava na Constituição de 34. O varguismo foi um projeto com data de validade. Na atualidade, o projeto petista assumiu seu lugar e, sob alguns aspectos, assumiu uma face de UDN operária, ligada a igreja católica (a doutrina social da igreja novamente, desta vez com liberais católicos criando o MST e tomando a bandeira da luta pela terra das mãos dos comunistas). Ao contrário do confronto anterior entre burguesia burocrática e burguesia exportadora, quando encenava-se um confronto entre desenvolvimentismo e entreguismo tendo como pivô a figura de Vargas, o confronto já é mais rebaixado: entre a UDN operária que congrega trotskistas, católicos liberais ligados ao partido democrata e burocracia sindical, opondo-se a UDN abertamente entreguista de Collor, FHC, Bolsonaro, Temer. Embora assuma faces grotescas de combate, não há projeto algum em disputa, bem menos do que antes. O que antes era esporte radical virou jogo de porrinha. Em termos de gerar confusão e divisões no seio do partido comunista brasileiro, o varguismo foi incrivelmente bem sucedido, bem como o sr. Darcy Ribeiro ao desenvolver na UNB as teses trotskistas. Krepe também apresenta essa face: por um lado flerta com Aldo Rebelo, hoje um bolsonarista mais abertamente fascista que advoga a anistia, por outro comunga com Jones Manoel em convescotes trotskizantes e bolivarizantes, tendo ao lado outros órfãos do lulismo. A evolução de Aldo Rebelo do PC do B revisionista ao fascismo aberto é digna de ser estudada por Elias Jabbour. Jabbour por um lado trabalha contra o Brasil para o imperialismo chinês e por outro para a degenerada burguesia burocrática carioca, com Eduardo Paes. Nada de bom pode sair de algo assim. Os revisionistas costumam, como o passar do tempo, assumir posições mais abertamente burguesas. Jabbour advoga tolices como “Lula se conciliou com Vargas na cadeia”. Absolutamente não ocorreu tal. Lula intui sabiamente que o projeto anterior da burguesia burocrática está falido, ao contrário das tolices de Krepe —até porque ele veio para parasitar sua carcaça. Lula não instaurará uma autocracia burguesa, abrirá alas para ela, como por pouco não aconteceu em 2022. . Foram todos muito bons nisso, desde Brizola falando em “socialismo moreno” e na prática seguindo o castilhismo fascistizante e autoritário. O trabalhismo, por sua natureza social-fascista, em suas alas à direita se aproxima do fascismo e à esquerda, liga-se ao trotskismo. Mesmo Nildo Ouriques e Jones Manoel apresentam essa oscilação, alternando-se entre os polos do bolivarianismo e do trotskismo em suas inúmeras variantes. Júlio de Castilhos gerenciou o estado do Rio Grande do Sul com reeleições sucessivas, concentração do poder no executivo e perseguição aos seus opositores. E o resultado de sua longa ditadura no poder foi uma guerra civil sangrenta. É bem curioso que o varguismo quase levou a essa guerra civil em 64 e o lulismo em 2022. As frações da burguesia sabiamente preferem a conciliação, pois a guerra civil sempre acelera a história; com ela, ambas terão muito a perder. Vargas assumiu um lado naquela guerra, era ligado a Borges de Medeiros e aos centralistas contra os federalistas que usavam lenço vermelho. O pai de Brizola era desse grupo que usava o lenço vermelho como símbolo, mas foi morto pelos seguidores de Borges de Medeiros, mas mesmo assim conciliou-se com eles. Tanto Vargas quanto Brizola utilizaram o lenço vermelho simbolizando uma conciliação local. Tanto Brizola e Vargas não deixaram a herança autoritária castilhista, pelo contrário, eles a dvogavam. Brizola, fundador do PDT onde pontifica o filósofo Krepe, advogava claramente que seu objetivo era transformar o Brasil num país como a Austrália, um país imperialista, ou seja, algo inatingível. Brasil jamais será país imperialista, ou será subcapitalista ou socialista. Krepe insiste em um hipotético “estado de bem-estar social brasileiro” que só seria possível se o país pudesse se tornar um país imperialista como a Austrália, país, inclusive, que mandou tropas para o Vietnã, segundo a ativista vietnamita Luna Oi comentou em vídoe recente. Por outro lado, Brizola, como o Kuomintang de Chiang Kai Shek, nunca escondeu que queria esmagar com uma mão o imperialismo yankee e com o outro o comunismo de Moscou. Para tanto, escudava-se na doutrina social da Igreja Católica (assim como fizeram ditadores fascistas como Mussolini e Dolfuss, da Áustria). Mesmo Hitler também conseguiu essa conciliação com a religião. Darcy Ribeiro, um trânsfuga do PCB que passou ao trabalhismo, igualmente serviu a essas ideias quando trouxe um não-marxista pernicioso e trotskizante, André Gunder Frank, para a UNB e disseminar teorias trotskiszantes contra o PCB de Nelson Werneck Sodré. Foi incrivelmente bem sucedido. Teorias semelhantes são até hoje hegemônicas na universidade brasileira em seus poucos núcleos que estudam marxismo. Francisco de Oliveira diz que o país não é subdesenvolvido, é um “ornitorrinco”, enquanto Florestan Fernandes chegou à absurda conclusão de que aqui temos um “capitalismo completo”. Todas teorias nessa linha de achincalhar as teorias do velho PCB que, apesar de tudo, elaborou hipóteses que devemos repensar, mas jamais levando em conta hipóteses tolas. Apenas porque o país tem industrialização dependente (e mais e mais, retrocede para economia agro-exportadora), é que devemos deixar de lado a hipótese de que é um país semifeudal e semicolonial. Vargas ao chegar ao poder aboliu a fachada podre de liberalismo e adotou no governo federal uma ditadura bastante similar ao seu castilhismo natal. E podemos dizer que nunca governou bem sem ela. Um dos motivos para seu suicídio em 54 foi não conseguir governar sem ser dessa forma ditadorial com a qual estava acostumado. Frederico Krepe liga-se ao PDT, partido que até bem pouco tempo estava na base do governo petista. E escreve na blogosfera petista, em blogs como O Cafezinho, Disparada, etc. Dialoga alegremente com o petucano Haddad em podcasts conservadores, etc. E defende que não chamemos Vargas de fascista. Mas o que dizia de Vargas o professor Marco Aurelio Garcia, um importante intelectual petista já falecido? Vejamos sua fala citada numa coletânea de Martha Hornecker: No caso brasileiro, a única forma pela qual a classe operária tinha aparecido na política brasileira tinha sido através do mecanismo do populismo, muito submissa ao Estado. Alguém poderá dizer que na Argentina também houve populismo, mas na Argentina surgiu através de um movimento operário já muito organizado e forte, que tem uma certa capacidade de negociação com o líder, o Perón. O presidente argentino tem que fazer mais concessões aos sindicatos e, por isso, o peronismo é muito mais radical que o varguismo. No caso brasileiro, o varguismo tem uma inspiração fascista muito mais pronunciada, a idéia de paz social, de equilíbrio, de modelo corporativo. (Garcia, Marco Aurélio. Apud: HONECKER, 1992: p. 28) Essa posição era a predominante nos primeiros tempos do PT. Ela só mudou a partir de quando Lula chegou ao poder em 2002. Sua posição passou a ser simpática a Vargas, mas simpática principalmente a uma de suas práticas: corporativizar os sindicatos com o nosso velho estado. Autocracia Burguesa ou Nova Democracia Krepe não verá realizados seus sonhos mofados de uma nova autocracia burguesa que caminhe para um “projeto nacional” (quando em realidade é da burguesia burocrática) e que saiba “mediar conflitos sociais” corporativizando as massas. O que surgiu no horizonte desde 2013 é uma autocracia burguesa que garanta a situação semicolonial, o semifeudalismo. Krepe não verá um outro autocrata burguês que como aquele que “(…) suspendeu a ordem liberal para construir instituições de Estado”. Ao dizer isso, depois não adianta reclamar que é ruim “associar nacional-desenvolvimentismo a autoritarismo” —se você acaba de fazê-lo. O dilema do Brasil em nosso tempo é entre autocracia burguesa ou nova democracia, subcapitalismo ou socialismo. A tentativa de reviver PTB de Vargas é uma tentativa de arregimentação dos trabalhadores em prol dos interesses de um setor da burguesia burocrática-latifundiária no capitalismo selvagem. Seus rótulos e apelos ao estilo desse de Krepe sobre Vargas sempre os tornarão massa de manobra para seus objetivos. Frederico Krepe https://fredkrepe.substack.com/p/por-que-getulio-vargas-nao-foi-um/comments?utm_source=post&comments=true&utm_medium=web>>

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