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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O Desafio: Cinzas e Diamantes


O filme Cinzas e Diamantes, uma produção polonesa de 1958 dirigida por Andrej Wajda, passa-se em 1945, no último dia da guerra, narrando a vida de um jovem mercenário (Marciek) que é contratado por uma organização de direita para matar um líder comunista em uma aldeia. O guerrilheiro cai de amores por uma garçonete e começa a pensar em desistir de sua vida de combatente. A narrativa foi criada no contexto de subida ao poder de Kruschev na URSS, que resultou na afirmação dos chamados “comunistas-nacionais” de Wladislaw Gomulka. Daí que Wajda deixa explodir seu nacionalismo. Marciek, quando é atingido por uma bala, limpa o sangue num lençol em branco estendido num varal. O filme é em preto e branco, mas dá claramente para imaginar a bandeira polonesa (branca com vermelho ao centro). Posteriormente, quando entra numa igreja em ruínas com a moça por quem está apaixonado (o plano é dividido pela imagem do Cristo caído), Marciek encontra um poema em meio aos destroços:

CINZAS E DIAMANTES

Freqüentemente você é como uma tocha de fogo
Com fagulhas caindo sobre você
Flamejante, não sabe se o fogo liberta
Ou leva à morte,
Consumindo tudo o que você mais gosta
Apenas as cinzas restarão e o caos
Remoendo dentro de um eco

Ou as cinzas irão ocultar
A glória de um diamante estrelante,
A Estrela da Manhã
Do triunfo permanente

Cyprian Norwid

Eu descobri uma cena bastante parecida em O Desafio, filme de Paulo Cesar Sarraceni, possivelmente inspirada em Cinzas e Diamantes. O Desafio, produção brasileira de 1965. Primeiro filme a contestar a ditadura militar, o filme gira em torno da paixão de Marcelo, estudante de esquerda (Vianinha), pela esposa de um industrial (Isabela). Os dois simbolizam uma aliança entre o Partido Comunista Brasileiro e a burguesia nacional progressista (os empresários, como Wallinho Simonsen, que apoiaram Jango). Depois de 64, os empresários que apoiaram Jango desaparecem de cena, pois são punidos: Wallinho Simonsen perdeu a concessão de sua TV de então, a TV Excelsior, assim como sua empresa de aviação, a Panair, também teve sua falência decretada. Na belíssima cena, Marcelo e Ada visitam uma casa em ruínas, encontrando-se às escondidas. Ele encontra um livro e lê os seguintes versos:

INVENÇÃO DE ORFEU

VI

Também há as naus que não chegam
mesmo sem ter naufragado;
não porque nunca tivessem
quem as guiasse no mar
ou não tivessem velame
ou leme ou âncora ou vento

ou porque se embedassem

ou rotas se despregassem,

mas simplesmente porque

já estavam podres no tronco

da árvore de que as tiraram, (...).

Estão aqui as pobres coisas: cestas esfiapadas,
botas carcomidas, bilhas arrebentadas, abas corroídas

com seus olhos virados para os que
as deixaram sozinhas, desprezadas,
esquecidas com outras coisas, sejam:

búzios, conchas, madeiras de naufrágio
penas de ave e penas de caneta.
e as outras pobres coisas, pobres sons
coitos findos, engulhos, dramas tristes
repetidos, monótonos, exaustos,
visitados tão só pelo abandono,
tão só pela fadiga em que essas ditas
coisas goradas e órfãs se desgastam.


Jorge de Lima

Uma cena de Cinzas e Diamantes:


Para ver a cena no Youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=fdDo-gDkCFo&feature=related



quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Fragmentos de um Discurso Horroroso: Lula, Benjamin, Calligaris, Pasolini, Gramsci

Contardo Calligaris, em artigo a respeito da sórdida polêmica César Benjamin/Lula, citou hoje Pier Paolo Pasolini em artigo na Folha de São Paulo. O artigo é para fundamentar o argumento "a boçalidade não é prerrogativa de classe", compartilhado até por um Reinaldo Azevedo, ou melhor, desculpa para um Reinaldo Azevedo rebater críticas a Lula que seriam dirigidas a toda uma classe social.


Calligaris queria dizer que não só a burguesia é boçal, mas o operário também pode ser, ou a classe operária; Lula, apesar da origem operária, pode agir como um boçal, dizendo numa piada que, em carência sexual, traçaria qualquer um, mesmo à força, esse é o argumento de Calligaris, utilizado em diálogo com os leitores. Uma tentativa rasa de psicanalisar o episódio e ajudar a Folha a não ser "enrabada" junto aos leitores. Ao tentar tirar o seu reto da reta, Calligaris faz com que a baixaria renda ainda mais; o assunto fede. Mas precisamos enfiar a mão na merda, mas depois tem recompensa, tem poesia. Vejamos.

Aliás, o que diria Pasolini de um episódio assim? Ele poderia psicanalisar Lula. Lula queria "enrabar" simbolicamente Benjamin com essa piada, pois Benjamin é bonito e Lula não é, mas acabou, agora, muitos anos depois, "enrabado" politicamente por ele, de surpresa, em seu momento mais feliz, aquele em que ele está construindo uma estátua de si.

Para mim, o escândalo não está no fato em si, na tentativa de estupro em si, que, pesquisada, não rendeu, não se confirmou, mas no episódio particular tornado arma política. Lula merece essa "enrabada" simbólica? Talvez ele sinta agora, como um personagem de Jabor em seus filmes, "um macho canalha morrendo dentro de mim". Ou não!

Pasolini talvez dissesse que a boçalidade do burguês é algo muito mais profundo, estrutural e sistêmico do que a estupidez ou a grosseria do proletário. Lula é um espetáculo repugnante aos olhos de um olhar que tome o ponto de vista da classe operária: um ex-operário que é tão irresponsável com os interesses da classe trabalhadora quanto a crítica infeliz de César Benjamin, que só tem o mérito de abrir o debate sobre O Filme Filho do Pai dos Pobres do Brasil, mais nada.

Depois de debater esses "fragmentos de um discurso horroroso", passemos para um poema do livro citado por Calligaris:


03 Novembro 2008
pier paolo pasolini / as cinzas de gramsci





IV



O escândalo de me contradizer, de estar
contigo e contra ti; contigo no coração,
à luz do dia, contra ti na noite das entranhas;

traidor da condição paterrna
- em pensamento, numa sombra de acção –
a ela me liguei no ardor

dos instintos, da paixão estética;
fascinado por uma vida proletária
muito anterior a ti, a minha religião

é a sua alegria, não a sua luta
de milénios: a sua natureza, não a sua
consciência; só a força originária

do homem, que na acção se perdeu,
lhe dá a embriaguez da nostalgia
e um halo poético e mais nada

sei dizer, a não ser o que seria
justo, mas não sincero, amor abstracto,
e não dolorida simpatia…

Pobre como os pobres, agarro-me
como eles a esperanças humilhantes,
como eles, para viver me bato

dia a dia. Mas na minha desoladora
condição de deserdado,
possuo a mais exaltante

das poses burguesas, o bem mais absoluto.
Todavia, se possuo a história,
também a história me possui e me ilumina:


mas de que serve a luz?