Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Fragmentos de um Discurso Horroroso: Lula, Benjamin, Calligaris, Pasolini, Gramsci
Calligaris queria dizer que não só a burguesia é boçal, mas o operário também pode ser, ou a classe operária; Lula, apesar da origem operária, pode agir como um boçal, dizendo numa piada que, em carência sexual, traçaria qualquer um, mesmo à força, esse é o argumento de Calligaris, utilizado em diálogo com os leitores. Uma tentativa rasa de psicanalisar o episódio e ajudar a Folha a não ser "enrabada" junto aos leitores. Ao tentar tirar o seu reto da reta, Calligaris faz com que a baixaria renda ainda mais; o assunto fede. Mas precisamos enfiar a mão na merda, mas depois tem recompensa, tem poesia. Vejamos.
Aliás, o que diria Pasolini de um episódio assim? Ele poderia psicanalisar Lula. Lula queria "enrabar" simbolicamente Benjamin com essa piada, pois Benjamin é bonito e Lula não é, mas acabou, agora, muitos anos depois, "enrabado" politicamente por ele, de surpresa, em seu momento mais feliz, aquele em que ele está construindo uma estátua de si.
Para mim, o escândalo não está no fato em si, na tentativa de estupro em si, que, pesquisada, não rendeu, não se confirmou, mas no episódio particular tornado arma política. Lula merece essa "enrabada" simbólica? Talvez ele sinta agora, como um personagem de Jabor em seus filmes, "um macho canalha morrendo dentro de mim". Ou não!
Pasolini talvez dissesse que a boçalidade do burguês é algo muito mais profundo, estrutural e sistêmico do que a estupidez ou a grosseria do proletário. Lula é um espetáculo repugnante aos olhos de um olhar que tome o ponto de vista da classe operária: um ex-operário que é tão irresponsável com os interesses da classe trabalhadora quanto a crítica infeliz de César Benjamin, que só tem o mérito de abrir o debate sobre O Filme Filho do Pai dos Pobres do Brasil, mais nada.
Depois de debater esses "fragmentos de um discurso horroroso", passemos para um poema do livro citado por Calligaris:
03 Novembro 2008
pier paolo pasolini / as cinzas de gramsci
IV
O escândalo de me contradizer, de estar
contigo e contra ti; contigo no coração,
à luz do dia, contra ti na noite das entranhas;
traidor da condição paterrna
- em pensamento, numa sombra de acção –
a ela me liguei no ardor
dos instintos, da paixão estética;
fascinado por uma vida proletária
muito anterior a ti, a minha religião
é a sua alegria, não a sua luta
de milénios: a sua natureza, não a sua
consciência; só a força originária
do homem, que na acção se perdeu,
lhe dá a embriaguez da nostalgia
e um halo poético e mais nada
sei dizer, a não ser o que seria
justo, mas não sincero, amor abstracto,
e não dolorida simpatia…
Pobre como os pobres, agarro-me
como eles a esperanças humilhantes,
como eles, para viver me bato
dia a dia. Mas na minha desoladora
condição de deserdado,
possuo a mais exaltante
das poses burguesas, o bem mais absoluto.
Todavia, se possuo a história,
também a história me possui e me ilumina:
mas de que serve a luz?
domingo, 28 de junho de 2009
Em defesa da Burca!
Claro que ela é um símbolo religioso. Sarkozy, o semiólogo gaullista-bushista quer dar a ela um significado de opressão, de subserviência e quer libertar as mulheres proibindo-as de usar uma roupa.
Vou fazer a semiologia do nariz do Sarkozy, se for assim. Nariz de Pinocchio.
Proibir para permitir. Libertar através do banimento. O que acontecerá com quem insistir em usar? Será preso? Expulso da França? Guilhotinado?
Sou contra a extração do clitóris, sim. Mas essa proibição do véu e da burca, ao meu ver, são parte do projeto de poder do Ocidente que é vendida como império da razão, da liberdade, da laicidade. Foucault, ao contrário do que escrevem Calligaris e Antonio Cícero, foi coerente ao ver mudanças no Irã.
Se o Estado desestimulasse, fazendo uma campanha contra a pirataria, por exemplo, ainda vai. Mas a proibição que Sarkozy impôs à troca de músicas na web, por exemplo, é a volta da postura autoritária do Estado na vida privada. É isso que representa Sarkozy. Fora o lobby Carla Bruni, claro.
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Artigo do Marcelo Melo
A coluna do Contardo Calligaris na Ilustrada de ontem apresentava o livro do John Hemingway, Strange tribe, para discutir como é complexo responder as expectativas dos protótipos de papéis estabalecidos. Sei menos dos Hemingways do que gostaria. Li um ou dois livros de Ernest, visitei a casa onde nasceu em Chicago, porque estava no meu caminho de visita às casas de Frank Loyd Wright, tive fantasias com suas netas na adolescência, Mariel e Margot, se não me engano. Descobri um pouco mais da vida de Gregory, seu filho e pai de John, quando minha mulher criou a capa do livro de um amigo, Aprendi com meu pai, e escolheu uma foto de Ernst com Greg, a idéia era mostrar uma relação singela entre pai e filho, a foto passava aquilo, mas aí o autor pesquisou um pouco mais e descobriu a vida “errante” de Greg, as prisões, a mania de se vestir de mulher e a transformação de sexo.
Manteve-se a foto na capa, dei a idéia de uma explicação de que o papel de pai é assim mesmo, difícil, complexo, e pode ter momentos “ideais”. Mas aquele menino sorridente da capa trazia dentro de si muitas dúvidas, inclusive a de gênero não é um caso isolado. Contardo faz uma comparação distante com o que aconteceu a Ronaldo e a solidariedade de uma faixa numa favela, solidariedade não ao homem e sim ao papel imaginado. A vida é isso, uma tentativa de aproximar os papéis imaginados, por nós e pelos outros, da existência concreta e difícil do dia-a-dia. Ter um pai como o de John deve ter propiciado a oportunidade de refletir bastante sobre isso.
quarta-feira, 28 de maio de 2008
A Lógica da Franga Encurralada
Marcelo Mirisola
O psicanalista e agora romancista Contardo Calligaris escreve todas as quintas-feiras no jornal Folha de S. Paulo. Até que começou bem a crônica da semana passada, de 15/5 (clique aqui). Ele estava intrigado com uma faixa no túnel Zuzu Angel, perto da favela da Rocinha. A faixa estampava: “Ronaldo, a Rocinha acredita na sua inocência, você sempre será nosso Fenômeno”. Diante disso, o psicanalista pergunta: “de que inocência se trata?”
Culpa? Crime? Inocência? Qual o problema em ir para o motel com três travecos? Nenhum. Claro que não. Se você não gostar de mulher, e não tiver um contrato de imagem com a Nike, beleza.
O problema é que Calligaris força uma aproximação de Ronaldinho com a família Hemingway, e – muito malandramente – tenta nos convencer que o autor de “O Sol também se levanta” enfiou um balaço na garganta porque teve medo de ser feliz. Igual o Ronaldinho – que não chegou a tanto.
Já o filho e o neto do escritor, segundo Calligaris, tiveram destinos diferentes. O primeiro,Gregory, virou uma espécie de arremedo de travesti, e o neto, John Hemingway contou a história da família num livro ainda não traduzido no Brasil, “Strange Tribe”.
Para Contardo Calligaris, você e eu, e o Ronaldinho, somos inocentes. Ele também é. Ou seja, da mesma forma que Ronaldinho não incorreu em nenhum crime (concordo) ele, Calligaris, também sentiu-se à vontade para fazer associações esdrúxulas e escrever um texto leviano no jornal. E já que é assim, também me sinto à vontade para dar meus pitacos, e tripudiar do psicanalista. Vou poupar Ronaldinho. Na visão de Calligaris só existe um crime: deixar de ser feliz. Ou, traduzindo para o português das padarias: ser feliz – e sobreviver à agruras da vida – é sinônimo obrigatório de soltar a franga, emboiolar. Anulam-se todos os dispositivos em contrário.
Vejam bem, não discordo completamente da tese de Calligaris. Em princípio, não. Ao contrário, faço questão de concordar para provar que ele está equivocado, e foi leviano. Digamos que o autor de “No Cais de Esmirna” era mesmo uma bichona. Diferentemente do filho, Gregory, que optou por ser travesti-ativo, o Pai escolheu um balaço na garganta. A leviandade está em afirmar que um travesti pode ser mais feliz que um suicida. Em ignorar a tragédia (ou a escolha) de um em detrimento da tragédia de outro.
Calligaris erra feio quando usa Ronaldinho como isca. Quis puxar a sardinha para o seu lado. Até aí, tudo bem. Eu também puxo a sardinha para o meu lado. Sou manipulador,e tenho minhas opiniões e adoro confundir as pessoas, e distorcer os fatos. Me divirto com isso,mas deixo muito bem claro que se trata de um artifício. Não defendo teses. Acredita quem quiser.
Olhem só o que Calligaris escreveu: “ao longo do livro, John Hemingway descobre que a estranha divisão de seu pai já estava em Ernest, o escritor, seu avô. Ernest aparece vestido de menina na infância, e há, na obra do grande escritor, passagens tocantes em que um homem e uma mulher que se amam são tentados por uma inversão de papéis pela qual o homem se tornaria mulher nos braços de sua amada”.
Para começo de conversa: John Hemingway não “descobre” nada, como diz Calligaris, apenas faz uma especulação primária. Quantos anos tinha o escritor na foto em que aparece vestido de menina? Três, quatro? Foi escolha dele ou da mãe? Por acaso tem algum crédito nessa foto que diz: “Mamãe, quando crescer vou escrever um livro chamado ‘Paris é uma festa’.Um luxo! ” ?
Pois essa é a interpretação de Calligaris.
Aí eu me pergunto: foi assim que o neto de Hemingway escapou – segundo Calligaris – da maldição que assolou a linhagem dos Hemingway? Por que reforçar a tese de que, tanto Ernest Hemingway, como Gregory, o filho travesti, sofriam de “psicose maníaco depressiva, depressões profundas e uma constante incerteza de identidade de gênero”?
O fato de John, o neto, escrever um livro em que simplesmente especula sobre a identidade sexual do pai e do avô, por acaso o afastará desses males? Explica o balaço que o avô enfiou na garganta? Então foi assim, escrevendo bobagens, que John, o neto de Hemingway, escapou da maldição da família? Calligaris acredita que sim. Eu já acho que esse sujeito, o tal do John Hemingway, não se salvou de porcaria nenhuma, ele é apenas um aproveitador, um canalha da pior espécie.
Todavia, Calligaris insiste na leviandade ao sugerir que a inversão de papéis pela qual o homem se tornaria mulher nos braços de sua amada, é algo diferente de literatura. Se fosse diferente, ele mesmo, Calligaris, no mesmo parágrafo, não chamaria Hemingway de “grande escritor”. Texto infeliz.
Calligaris usa a expressão “grande escritor” para dizer que Hemingway, como Ronaldinho, também é inocente. Que todos nós, e o Ronaldinho, estamos encurralados. Que temos que soltar a franga para alcançar a felicidade! Olha eu aqui, contaminado pela euforia de Calligaris, a fazer meu diagnóstico de beira de balcão.
Se fôssemos levar a sério a tese de Calligaris, então teríamos de acreditar que Hemingway, além de uma bichona frustrada, também era um assassino da pior espécie. Os livros dele são violentos, né? Ou que Nabokov era um pedófilo porque escreveu Lolita. Às vezes quero acreditar que não se trata de má fé. Que Contardo Calligaris é um simplório. Mas não é o caso, o psicanalista tem uma coluna na Folha de S. Paulo há um bom tempo (saudades de Carlinhos Oliveira, Nelson Rodrigues ... os escritores, onde estão os escritores?) e acaba de estrear na literatura com um romance erudito – dizem – à
Seguindo a lógica da franga encurralada, o livro de Calligaris deve ser tão brilhante quanto o livro escrito por John, o neto calhorda de Hemingway. Contardo Calligaris não é um simplório. Não, de jeito nenhum. Homem viajado, Psicanalista e Doutor em psicologia clínica pela Université de Provence na França. Professor de Antropologia na Universidade da California em Berkeley (EUA), e de Estudos culturais na New School de Nova York (EUA), Calligaris não é exatamente um ingênuo. Ele sabe usar um instrumento muito do safado chamado sofisma para distorcer os fatos à sua conveniência, logo ele que desfruta da admiração de intelectuais do porte de Gerald Thomas, Reinaldo Azevedo, e Marcos Augusto Golçalves, logo Calligaris que deve entender de vinhos, e falar vários idiomas, não, ele não pode ser um simplório. Mas que foi leviano,manipulador e desonesto, foi.
Em seguida, Contardo Calligaris recorre aos lugares-comuns mais insossos a fim de especular sobre da vida de Hemingway. E dá lhe touradas, caçadas, guerras e pescarias em alto mar. E sugere que “talvez” (percebam a má-fé nesse “talvez”) “seu show de virilidade fosse uma maneira de conter a fascinação feminina”. Então, tá.
Almanaque de psicanálise para analfabetos iniciantes. Calligaris deve fazer sucesso nas creperias da Vila Madalena, e muito provavelmente vai incendiar a imaginação das balzacas na Festa de Paraty. Viva a inteligência brasileira!
Outra coisa. Eu também sou um cara subversivo pela própria natureza (será que tenho alma de travesti?), e creio que a ficção de Hemingway é... ficção. Só isso. Jamais atribuiria a criação de uma cena erótica ao erotismo. Isso é desonestidade intelectual, e falta de conhecimento literário.
A título de ilustração: o narrador do meu livro “Bangalô” (na primeira pessoa) leva um consolo no meio das pernas e “rebola gostoso”. Se Calligaris o interpretasse, na certa me acusaria de ser inocente também. O que eu tenho a dizer? Simples. Hemingway já teve leitores mais qualificados. Que é fácil dizer que Hemingway era uma bicha frustrada, difícil é escrever um livro chamado “Adeus às armas”.
O problema de Calligaris é que eu não me matei, nem virei travesti. Nem pretendo, ainda não. Digo, parar de escrever. Portanto, estou aqui para dizer aos aspirantes a escritor, incluindo Contardo Calligaris, que boa literatura não é sintoma, e não é uma questão de ordem sexual.
Ou será que Contardo Calligaris escreveu esse monte de bobagens porque, nos meandros do seu inconsciente de almanaque, queria ser desnudado em sua má-fé, e depois ser possuído – “possuído” é bom hein? – em público por um justiceiro literário? Se foi isso, conseguiu.
* Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros. Publica em revistas, sites e jornais de todo país.
PUBLICADO EM:19/05/2008