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terça-feira, 9 de agosto de 2011

QUEBRANTOS, RELANCES E ABISMOS VISTOS À LUZ: notas sobre a poesia de Wilson Nanini






Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior

RESUMO


Esse artigo busca analisar a poesia de Wilson Nanini. Ao abordar um poeta ainda inédito no formato livro, editado apenas no hipertexto, o artigo assume a tarefa de apresentar esse autor, para em seguida focalizar a análise nos recursos poéticos por ele utilizados, ainda que de forma breve, buscando nem tanto um estudo aprofundado quanto uma apresentação crítica dessa obra nascente. Esse artigo representa um estudo pioneiro dos poemas desse talentoso artista, aguardando tanto sua publicação em livro quanto a edição em texto de seus poemas, visando ainda maiores estudos no futuro. Com os estudos sobre sua poesia ainda incipientes, mas já dando entrevistas e sendo objeto de artigos de outros poetas, Nanini atualmente publica seus poemas pela web através de revistas literárias e blogs.


Palavras-chave: poesia, Wilson Nanini, hipertexto, crítica literária, blogs, Botelhos


1 INTRODUÇÃO


Desde que lançou seu blog na rede mundial de computadores, em 2007, o poeta Wilson Torres Nanini vem chamando a atenção de diversas pessoas, entre elas, poetas conceituados e de renome e que exploram este moderno mundo das letras.
Intitulando-se um poeta em fase de berçário, Wilson Nanini busca nos versos de “Quebrantos, relances e abismos ao relento”, seu primeiro livro de poemas (e que permanece inédito em papel), uma poética que oscila entre o sagrado e o profano. Ainda pouco conhecido, o poeta mesmo se intitula “um poeta em fase de berçário”. No entanto, ele não é poeta aprendiz e já se apresentada dotado de maestria no terreno da palavra poética.
Wilson Nanini, nascido em Poços de Caldas, mas criado desde o berço em Botelhos, chegou a cursar Letras na Faculdade de São João da Boa Vista, mas, após fazer um curso para soldado da Polícia Militar, em Lavras, teve que abandonar a faculdade, só voltando para Botelhos em 2007.
E foi em ambiente familiar da pequena cidade de Botelhos, junto de sua mãe e suas tias, todas as professoras, que Wilson Nanini teve seus primeiros contados com a literatura. Livros de fábulas e de histórias cotidianas moldaram sua veia poética. Morando numa cidadezinha de dezesseis mil habitantes, Nanini tem como leitora sua esposa, sempre a primeira leitora crítica de seus poemas. Graças à internet, estabeleceu contato com poetas tais como Cláudio Daniel, Renato Mazzini, José Aloise Bahia e Micheliny Verunschk, por exemplo, cujos contatos foram tão fundamentais para seu aprendizado, tanto quanto seus versos.
No Ginásio, incentivado pelas professoras, Divina Moreira, Silvana Siqueira e Márcia Frazão, Wilson Nanini começou a colocar no papel seus primeiros versos. O poeta narra ter começado fazendo letras de músicas para uma banda, formada por amigos, inspiradas principalmente na poesia de Renato Russo, da Legião Urbana. Assim, fui aperfeiçoando e buscando nas referências nas letras do Renato, como por exemplo, os poetas Arthur Rimbaud e Carlos Drumonnd de Andrade. Em 2000, participou do Concurso de Poesia Falada da cidade de São Paulo, promovido pela Prefeitura e pelo Instituto Mario de Andrade. Ficou em segundo lugar, com a poesia O corpo cervo corpo.
Em 2001, na cidade de Machado participou do Primeiro Concurso Plínio Motta de Contos e Poesias, promovido pela Academia Machadense de Letras, no qual foi premiado com a edição em livro com o conto Farfalhas de coisas ambíguas. No Rio de Janeiro também participou de um concurso de poemas promovido pela Editora Líteres, cujo 20 melhores poemas, incluindo o seu, foi publicado em livro. Segundo Wilson Nanini, todos estes anos de leitura e produção resultou em uma coleção de poemas que já tem um destino certo: o livro “Quebrantos, relances e abismos ao relento”, que mesmo ainda sem data e edição para ser apresentado ao público, traz toda sua verve literária, trazendo a poesia como forma lúdica e de descarrego. Os “quebrantos” estão ligados ao sagrado e ao profano, das rezas, das benzedeiras, dos mal olhados, das curas do corpo e da alma. Relances são as cenas cotidianas, da sua vida como filho, marido, o poeta com o seu olhar mais singular. Os abismos aos relentos trazem toda sua vivência como soldado militar, que faz das letras e formas um ato de purificar a si mesmo.
Entrevistado pelo escritor e poeta Marcelo Novaes, em seu blog, Wilson se define como uma pessoa, até certo ponto, melancólica, nostálgica. Devedor da ancestralidade, da própria e da alheia, detém gosto ao saudosismo, mas apenas pela alegria já vivida. Enquanto policial militar, o poeta lida com a morte alheia e com a possibilidade da própria morte, rotineiramente. Centenas de vezes esteve diante de pessoas com arame farpado e sangue nos olhos. Como se estivesse produzindo artesanalmente um bálsamo, um considerável número de seus poemas foi esboçado de manhã, após noites de intensa labuta de seu ofício profissional. Seus poemas remetem, então, aos poderes curativos e angelicais das palavras desse poeta-guardião.


2 A POESIA ENTRE ABISMOS E QUEBRANTOS


Wilson é um poeta do extravio. Para falar utilizando a conceituação de Ezra Pound, que divide os tipos de poesia em fanopeia, melopeia ou logopeia, pode-se dizer que os poemas de Nanini ficam entre o primado da imagem (“fanopeia”) e do ritmo e da musicalidade (“melopéia”) mais do que o pensamento disposto nos poemas (“logopéia”). Não há tanta intelectualização em seus poemas, há uma entrega aos sentidos e ao mundo como um fenômeno estético. O mundo subjetivo e objetivo, em especial a natureza e esse eu do poeta, derramam-se frequentemente um no outro. Aliás, essa seria a metáfora preferencial do amor em seus poemas. O poeta é como um toureiro que é muito hábil e muito elegante em lidar com os touros, mas detesta a violência e a vulgaridade da tourada:

O Touro

o touro em seu arfar
de provocada fúria
mal sabe do espetáculo
de seu destino de carne crua

o touro,confinado entre touros,
conhece-se e se basta
– embora seu dia fareje
o martelo do abate

máscula fera/bela humilhada pelas
lições da infecção da castração

pelos ferrolhos
(arame farpado e ferro em brasa)

agora, a meio-instante da
perícia do cutelo, o touro
– acaso, com seu berro reza? –
com as narinas dilatadas para
farejar o prazer de outras épocas (NANINI, 2010).

A escrita dele dá a sensação de precisão e de entendimento, embora muitas das imagens sejam enigmáticas, tais como as “facas da sina” (em Espólios de Infância) e os “obstetras de contêineres” (em Interferência Urbana). Por vezes, ele se utiliza de sinestesias tais como “penumbra rosa”, por outras, um simples substantivo adjetivado de forma inusitada: “cerâmica inepta” (ambos em “Desdonzelamento”). Nota-se, então, que há em sua poética uma busca de uma simplicidade que ao mesmo tempo possa ser complexa e não simplória (NANINI, 2010).
A poética de Nanini é a de um poeta do extravio. Ele combina substantivos com adjetivos inusitados de forma a causar estranheza. A escrita dele dá a sensação de precisão e de entendimento, embora muitas das imagens sejam enigmáticas, tais como as “facas da sina” (em Espólios de Infância) e os “obstetras de contêineres” (em Interferência Urbana). Por vezes, ele se utiliza de sinestesias tais como “penumbra rosa”, por outro, um nome adjetivado de forma inusitada: “cerâmica inepta” (ambos em “Desdonzelamento”). Nota-se, então, que há em sua poética uma busca de simplicidade que ao mesmo tempo possa ser complexa e não simplória. Mas qual a natureza dessa complexidade? A essa altura surge-nos a pergunta: Wilson Nanini seria barroco? Se considerarmos as afirmações de Omar Calabrese, sim:

Por ‘barroco’ entenderemos categorizações que ‘excitam’ fortemente a ordenação do sistema e que o desestabilizam em algumas partes, que o submetem a turbulências e flutuações e que o suspendem quanto à resolubilidade dos valores (CALABRESE, 1988, p. 39).

Wilson Nanini “desestabiliza” um modo de ver e sentir o mundo, criando uma obra que, tomada no seu conjunto, propõe uma nova ordenação da sensibilidade, sem deixar de produzir (através dessa nova ordenação) um sentimento de caoticidade (entendendo caoticidade como imprevisibilidade ou ininteligibilidade da informação estética) no momento da fruição dessa obra. Essa caoticidade é provocada justamente pela superposição das informações advindas dos poemas, que se configuram como labirintos de espelhos. Ao tentarmos compreender a lógica de um dos espelhos, o outro espelho modifica e complexifica a informação daquele, e assim ad infinitum (falar na poesia wilsoniana equivale a mergulhar num atordoante labirinto de espelhos). O labirinto, novamente segundo Calabrese, é apenas uma das formas do caos, entendido como complexidade, cuja ordem existe, mas é complicada ou oculta. Essa ordem "oculta" produz a perda do referencial acarretando o que Calabrese chama de "prazer da obnubilação", ou seja, o prazer de ver-se perdido e ser instigado a encontrar o centro do labirinto. O prazer motivado por essa desorientação e pelo "mistério do enigma" parece-nos semelhante ao prazer sentido por nós ao nos defrontarmos com a obra de Wilson Nanini (CALABRESE, 1998, p. 39).
Diante da criação labiríntica do autor de Quebrantos, os pontos de referência turvam-se e ocultam-se, fugindo de nossas mãos qualquer fio de Ariadne e causando em nosso espírito o prazer intelectual de descobrir uma ordem onde aparentemente não existe nenhuma, só caos e mistério. Novamente, seguindo Calabrese, poderíamos dizer que o labirinto wilsoniano cria um "saber aberto", posto que em seus meandros e intersecções podemos sempre descobrir novas ramificações e caminhos para novos e surpreendentes significados, deixando o leitor sempre sujeito ao risco da perda de orientação (CALABRESE, 1998, p. 39).
Para traçar essa simplicidade, os poemas encontram o sagrado no banal e o que há de cru naquilo que há de aparentemente sagrado, como nas freqüentes referências bíblicas e católicas de que se valem seus poemas, apontando, no entanto, para o catolicismo popular, onde há o contato direto com a divindade, deixando de lado intermediários e sacerdotes. A poesia é praticada, por Nanini, como um sacerdócio do extravio, uma “cerâmica das coisas simuladas”, como no poema “Lâmpada” (CALABRESE, 1998, p. 39).
E a poesia de Wilson transmite a impressão de alguém criando esculturas sublimes utilizando somente um barro ao qual ele atribui a leveza do sagrado, tal como nos quadros do artista contemporâneo vietnamita Duy Huynh, que representa um homem de chapéu vestido com formalidade, à la Magritte, mas com um carrossel infantil girando, transbordante, na cabeça. Alguns poemas misturam religiosidade e sensualidade com mitos universais, vendo a eternidade nos objetos e imagens mais transitórios ao mesmo tempo em que reafirmam o prazer dos sentidos como algo profundamente não superficial e sim sagrado (CALABRESE, 1998, p. 39).
Wilson é um poeta “ainda não de todo tocado de espelho e idioma", tateando a imagem-voz poética, ensaiando domar tempestades. Diante da tangibilidade do mal no mundo, o poeta responde que essa presença do mal provoca a poesia, a intima à sobrevivência, ainda que espremida entre uma rotina aterradora e alentos cada vez mais ineficientes (VERUNSCHK, 2010, p. 1).
O pano de fundo dessa poética de quebrantos é a quebra das instituições sociais, à constatação da falência de alicerces, antes imprescindíveis, e à tentativa frustrada de restaurar a espiritualidade religiosa dada à bancarrota, já há algum tempo. E diante desses impasses, o poeta, assim como os demais artistas, assume uma obrigação – quase social – pois testa em si ferramentas de transcendência, um caminho novo que perpasse ciladas, que perfure cegueiras, que dissolva obstáculos. Poesia é a possibilidade que ele tem de tirar o mérito do caos, interagir com as intempéries numa linguagem mágica, mítica, em pé de igualdade. Os poemas de Wilson são atos de solidariedade: só existem porque o poeta quer pôr no mundo o antídoto, a vacina que destilou dentro de si, de que foi a cobaia. Um de seus poemas, por exemplo, trata da alegria de ver uma mulher procurando a sombrinha pela casa. Esse pequeno encontro é algo sublime, é a esperança do encontro na vida, embora haja tanto desencontro no mundo:

Preces de um poeta em fase de berçário
que onde houver fronteira,
eu tenha muita asa!
que Carolina consiga encontrar
sua sombrinha cor-de-rosa
perdida pela casa!
pois, antes, em mim havia
um acúmulo de silêncios,
uma demora profunda
do punhal no peito,
uma dor-dor como a de um
caminhão de crianças
caindo na ribanceira,
mas hoje nada temo:
nem um trem de ferro dentro da insônia
nem um avião dentro da turbulência
embora eu não me veja como
um deus lembrado
das coisas ainda não-inventadas,
vou sendo um poeta impublicável:
à beira de ser tudo,
consigo ser só
quase
– embora, por vezes, feliz
como o primeiro cego
a ouvir gramofone (NANINI, 2010).

Poemas que falam do cotidiano são uma constância inevitável e muito apetecível na poesia de Nanini, cuja poesia tenta se dissociar de um discurso literário rebuscado – e, por vezes, vazio – e da visão caolha de que o poeta é o porta-voz do enlevo. O rumor de um avião captado em meio à insônia, a mulher correndo ao varal para salvar peças-íntimas da chuva, abraços recebidos da avó, sua esposa procurando sua sombrinha cor de rosa, e tantos outros sinais de superfície simples de sua poesia, mas que é, em seu cerne, riquíssima, aceita os oferendas que o mundo acena ao poeta, e elas, depois de deflagradas, passam a habitar nele, num lugar entre pele e alma e, além de lhe fornecerem um bom material poético (CUNHA, 2011, p. 1).
Guimarães Rosa dizia que escrever é um ato de empáfia, enquanto publicar requer humildade. O poeta, matéria escassa, concilia, na alma, "pedra e vidro", silêncio e petardo. Sua poesia se alimenta da sintaxe de riachos, falas feitas de uma mistura de arame farpado, roseiras e poentes, rezas de benzedeira, totens domésticos, gemidos de facas. Pois um poeta é um poeta em qualquer âmbito: a noite o habita. Wilson Nanini é uma pessoa, até certo ponto, melancólica, nostálgica, um devedor da ancestralidade, da própria e da alheia. Detêm um gosto ao saudosismo, mas apenas pela alegria já vivida (VERUNSCHK, 2011, p. 1).
Em termos de afinidades poéticas, demonstra paixão preponderante pela poesia criada por poetas mulheres: Adélia Prado, Orides Fontela e Micheliny Verunschk estão entre os cinco poetas que mais visita. Os outros dois são Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade. A mulher católica fervorosa tornou-se, para ele, um par perfeito para o comunista de Itabira. Ele parte de uma premissa familiar católica, já devidamente abandonada, e a poesia de Adélia, repleta de nudez e Bíblia, encontrou nele terreno propício para inspirar-lhe a eclosão de uma nova poética. Quem sabe seja aí, nessa comunhão onde os dois poetam copulam “catecismos e assombros”, esteja seu ponto de contato com Adélia Prado. Ele chega até a dedicar-lhe um poema em homenagem a esse conúbio em verso:

Poema para Adélia Prado

Estrelas!
no pomar celeste da boca conso-
lidá-las
foto-
grafar o avesso
da treva do ventre do ferro do trem de ferro
convertido em sentimento

o hieróglifos
numa brancura fecunda
de constelar escuros,
de transgredir o tempo

mas recito insonte-
mente: besouros são
sementes
de rinocerontes;

o lunático com um guarda-chuva,
a virgem com uma cabaça,
a beata com um calvário
atravessam a nado meu poema

num olor inato interno que mescla
bois borboletas
Deus: todos os
artefatos álacres
de escavar cosméticos
entre distúrbios
que concretos ou telúricos noitinvadem-me às vezes (NANINI, 2010).

Os poemas, mesmo os Poemínimos, possuem um "ritmo de procissão". Lendo-os, não há como não ouvir como que uma sanfona ao fundo, um coro de beatas ou ladainhas, haja ou não andor, ainda que o tema do poema seja uma procissão de insetos em direção a um cadáver. A poesia de Nanini tem como fundo uma musicalidade do interior mineiro: folia de reis, banda de coreto, fanfarra, circo, procissão de santos, desfiles cívicos, sanfonas e violas. Sua poesia é filha de tudo isso: é um circo em plena missa, uma missa em plena orgia, uma orgia em plena ciranda, uma ciranda em plena procissão (VERUNSCHK, 2011, p. 2).
Alguns poemas misturam religiosidade e sensualidade com mitos universais, vendo a eternidade nos objetos e imagens mais transitórios ao mesmo tempo em que reafirmam o prazer dos sentidos como algo profundamente não superficial e sim sagrado. Não há tanta intelectualização em seus poemas, há uma entrega aos sentidos e ao mundo como um fenômeno estético. O mundo subjetivo e objetivo, em especial a natureza e esse eu do poeta, derramam-se frequentemente um no outro. Aliás, essa seria a metáfora preferencial do amor em seus poemas (NOVAES, 2011, p. 2).
A respeito da poesia de Wilson, pode-se dizer que se trata de uma poesia madura, que encontrou sua voz e estilo próprios. Muito embora ele se refira a Michelyni Verschunk e Adélia Prado com admiração, sua lírica é muito própria e independente. Sua poesia tem imagens leves e com colorido. A forma como compõe cuidadosamente seus versos curtos e a separação de sílabas no enjambement é pessoalíssima. É uma poesia que expressa emoções de forma contida e intensamente trabalhada em seu artesanato poético. Ele apresenta preferência por palavras fetiche: “orquídea”, “borboleta”, “rosas”, palavras relativamente comuns em contexto lírico, mas que nas mãos de Wilson adquirem significado bastante diverso em cada poema, significado, aliás, que muitas vezes surpreende pela criatividade e pela associação misteriosa que sugerem. Outro tema que o fascina é o labirinto; sua poesia é, mesmo quando ele faz um poema que é de amor, claramente, é barroca e labiríntica. Muitas vezes, o poeta usa uma combinação hermética das palavras. A poesia de Wilson é bem mais barroca e labiríntica do que cartesiana e seca. O poeta utiliza-se do paradoxo: a febre é normalmente anúncio de uma doença e não pode ser dócil nem partilhada. Nanini utiliza-se de combinações inusitadas entre palavras, da ironia, do contraste e das antíteses (que também fazem lembrar o barroco). A “cópula de catecismos e assombros” também se mostra profícua com Micheliny Verunschk, como nesse poema dedicado a essa última poeta:

Melancolia

luz lâmpada de torre telefônica
– a escureza dissimula o pedestal que a sustenta –
e vermelha verde vermelha amarela
(intermitente farol/sentinela
de pássaros insones/sonâmbulos
de aviões desgovernados/incautos)
paira: pseudo-astro alumbrado

ah meus cantares – policio
cata-ventos pipas em céus de ferrugem
: a alegria, devagar,
acata seus carrascos

e a cidade envolta em
catástrofes sem reparo
: próteses dentárias extraviadas
relógios de pulso abduzidos

eu – poeta (matéria
escassa)? – nasci para
conciliar pedra e vidro

mas percorro uma distância subterrânea
subcutânea
subterfúgica
e o mundo (tudo tudo!) –
esta manhã vai ficando
cada vez mais noite ampla (NANINI, 2010).

O poema acima, em sua primeira linha, apresenta uma sequência sem preocupação gramatical, para enfatizar a urgência: “luz lâmpada de torre telefônica”. A seguir, ele se desenvolve em uma sequência sobre a tristeza solitária de um amanhecer numa cidade sem nome. A frase seguinte intercala-se comentando a escuridão que faz com que a luz pareça estar flutuando. Assim, encontra-se em Melancolia um poema típico da lavra wilsoniana. Entre seus recursos já citados anteriormente, ele experimenta outro: como Drummond, ele aproxima a palavra do próprio signo, que é um sinal de trânsito: “vermelha, verde, vermelha, amarela”. Assim, faz com que o ritmo das palavras imite a mudança de cores no semáforo luminoso, como se as palavras fossem o próprio objeto que elas têm como referente. A frase intercalada, além de introduzir uma quebra no ritmo do poema, introduz um neologismo: “escureza”. A primeira linha relaciona-se com a terceira. As duas frases têm, em comum, o fato de se organizarem mais pela semântica do que por sinais de pontuação. Com esse poema, Nanini demonstra habilidade para, ao mesmo tempo, copular assombros e catecismos, pedra e vidro, o canto para alegrar a cidade e o duro ofício de patrulhá-la. O poeta também policia “pipas e cata-ventos em céus de ferrugem”, num verso que define tanto sua criação quanto, de certa forma, seu diálogo com o diferente (no caso, o feminino) e, de certa forma, também o autor no sentido biográfico (NOVAES, 2011, p.1).



CONCLUSÃO


Os poemas de Nanini estão em constante transformação, ele os trata a poder de faca, a corte impassível. O que se analisou aqui é apenas uma amostra, realizando uma apresentação mais que necessária do poeta na forma de um artigo acadêmico. O blog é um modo fantástico de expor aos olhos alheios o avesso transformado em palavras. E, consequentemente, de aferir sua relevância, diante de observações muito, muito pertinentes. Alguns dos poemas (em especial os da primeira safra) que foram publicados em meu blog já tiveram toda sua estrutura modificada. O poeta acredita em uma obra dada pela vida. Sua poesia nasce da pedra bruta: há poemas que vem trabalhando há anos, e, não raras vezes, pouco após achá-los bem esculpidos, se percebe algum lapso, ele os “despoema”, os dilacera rapidamente.
Wilson Nanini, afinal um poeta de 28 anos, traz em seus poemas uma carga de paixão que é bem a cara da juventude em processo de descoberta – e desilusão – do mundo. Para traçar essa simplicidade, os poemas encontram o banal no sagrado e o que há de cru naquilo que há de aparentemente sagrado, como nas freqüentes referências bíblicas ou católicas de que se valem seus poemas, apontando para o catolicismo popular, onde há o contato direto com a divindade, deixando de lado intermediários e sacerdotes. A poesia é praticada, por Nanini, como um sacerdócio do extravio, uma “cerâmica das coisas simuladas”, como no poema “Lâmpada”. Como no catolicismo popular, é sem cerimônia que Nanini se refere ao sagrado. E sua poesia transmite a impressão de alguém criando esculturas sublimes utilizando somente um barro ao qual ele atribui a leveza do sagrado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CALABRESE, Omar. A Idade Neobarroca. São Paulo, Martins Fontes, 1988.


CUNHA, Pedro. Pensamentos e outras letras. Disponível em: >. Acesso em 17 de junho de 2011.


VERUNSCHK, Micheliny. O cotidiano sagrado da poética de Wilson Nanini. Revista Cronópios. Disponível em: . Acesso em 19 de junho de 2011.

NOVAES, Marcelo. Nota de rodapé. Disponível em: . Acesso em 16 de junho de 2011.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O Desafio: Cinzas e Diamantes


O filme Cinzas e Diamantes, uma produção polonesa de 1958 dirigida por Andrej Wajda, passa-se em 1945, no último dia da guerra, narrando a vida de um jovem mercenário (Marciek) que é contratado por uma organização de direita para matar um líder comunista em uma aldeia. O guerrilheiro cai de amores por uma garçonete e começa a pensar em desistir de sua vida de combatente. A narrativa foi criada no contexto de subida ao poder de Kruschev na URSS, que resultou na afirmação dos chamados “comunistas-nacionais” de Wladislaw Gomulka. Daí que Wajda deixa explodir seu nacionalismo. Marciek, quando é atingido por uma bala, limpa o sangue num lençol em branco estendido num varal. O filme é em preto e branco, mas dá claramente para imaginar a bandeira polonesa (branca com vermelho ao centro). Posteriormente, quando entra numa igreja em ruínas com a moça por quem está apaixonado (o plano é dividido pela imagem do Cristo caído), Marciek encontra um poema em meio aos destroços:

CINZAS E DIAMANTES

Freqüentemente você é como uma tocha de fogo
Com fagulhas caindo sobre você
Flamejante, não sabe se o fogo liberta
Ou leva à morte,
Consumindo tudo o que você mais gosta
Apenas as cinzas restarão e o caos
Remoendo dentro de um eco

Ou as cinzas irão ocultar
A glória de um diamante estrelante,
A Estrela da Manhã
Do triunfo permanente

Cyprian Norwid

Eu descobri uma cena bastante parecida em O Desafio, filme de Paulo Cesar Sarraceni, possivelmente inspirada em Cinzas e Diamantes. O Desafio, produção brasileira de 1965. Primeiro filme a contestar a ditadura militar, o filme gira em torno da paixão de Marcelo, estudante de esquerda (Vianinha), pela esposa de um industrial (Isabela). Os dois simbolizam uma aliança entre o Partido Comunista Brasileiro e a burguesia nacional progressista (os empresários, como Wallinho Simonsen, que apoiaram Jango). Depois de 64, os empresários que apoiaram Jango desaparecem de cena, pois são punidos: Wallinho Simonsen perdeu a concessão de sua TV de então, a TV Excelsior, assim como sua empresa de aviação, a Panair, também teve sua falência decretada. Na belíssima cena, Marcelo e Ada visitam uma casa em ruínas, encontrando-se às escondidas. Ele encontra um livro e lê os seguintes versos:

INVENÇÃO DE ORFEU

VI

Também há as naus que não chegam
mesmo sem ter naufragado;
não porque nunca tivessem
quem as guiasse no mar
ou não tivessem velame
ou leme ou âncora ou vento

ou porque se embedassem

ou rotas se despregassem,

mas simplesmente porque

já estavam podres no tronco

da árvore de que as tiraram, (...).

Estão aqui as pobres coisas: cestas esfiapadas,
botas carcomidas, bilhas arrebentadas, abas corroídas

com seus olhos virados para os que
as deixaram sozinhas, desprezadas,
esquecidas com outras coisas, sejam:

búzios, conchas, madeiras de naufrágio
penas de ave e penas de caneta.
e as outras pobres coisas, pobres sons
coitos findos, engulhos, dramas tristes
repetidos, monótonos, exaustos,
visitados tão só pelo abandono,
tão só pela fadiga em que essas ditas
coisas goradas e órfãs se desgastam.


Jorge de Lima

Uma cena de Cinzas e Diamantes:


Para ver a cena no Youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=fdDo-gDkCFo&feature=related



sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ode ao Homem Brasileiro

Fernanda Young
Alexandre Machado


Ó homem brasileiro
Tão vigoroso e faceiro
Compreensivo e maneiro
Sempre com nós, mulheres, gastando dinheiro!

Perdoa essas suas fêmeas insensatas, tão falastronas e chatas,
Que reclamam em revistas baratas
À espera de orgasmos na lata!

Ó Macho Nacional
Entre jararacas
Matando a cobra
E mostrando o pau

És mesmo sensacional!

E se roncas feito um animal,
Tudo bem, não faz mal!

Agüentas diariamente,
Além da mulher tão carente,
Um escritório repelente,
Numa economia emergente,
Volta e meia decadente!

Um belo futuro pela frente,
Mas que nunca chega na gente!

Por isso, não esquente,
Homem Brasileiro
Tão inteligente!

Na língua do amor fluente
Quem disser o contrário, mente!


Como fiz eu, frígida, incompetente!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Crônicas de um Velho Ranheta e Reaça

Está na hora de Ferreira Gullar ir para o museu. É isso que concluo, diante de suas últimas entrevistas e prêmios.

Gosto muito de seus ensaios e poemas. Foram importantes para mim. Mas a pessoa do poeta já está na hora de Deus chamar ou de entrar num museu para virar parte do patrimônio.

Leio no site dele que ganhou o prêmio Jabuti pelo livro Resmungos, crônicas escritas na Folha de S. Paulo. Ora, "resmungos"? Por que não ser mais vanguarda e escrever logo: Crônicas de um Velho Ranheta e Reaça?

Mais espantoso é o site pessoal dele, onde registra que introduziu o "pós-modernismo" em São Luís do Maranhão ao lado do ex-presidente José Sarney. Que horror. Eu teria vergonha de ter feito uma coisa dessas. Introduzir pós-modernismo junto com um poeta que escreve livros chamados "Marimbondos de Fogo". Ainda que fossem "Marimbondos de Néon", "Marimbondos Punks Aidéticos", uma coisa assim, mais pós-pós.

E haja paciência para os Resmungos. Para ele, presidente constitucionalmente eleito de Honduras é Pepe Lobo e não Zelaya. Isso me cheira podre, vindo de quem foi vítima de um golpe militar. Numa outra crônica "inteligente" sobre Guilherme Habacuc Vargas, o artista plástico que deixou morrer um cão numa instalação, Gullar fez o possível para reduzir o trabalho do artista a uma caricatura e expô-lo à execração pública. Má fé não, deixa. Assim ele faz com a luta antimanicomial e muitas outras coisas, inclusive o PT, que até faz por merecer esses resmungos. Resmungando, Gullar faz crítica de artes plásticas para destruir as artes plásticas.


Gullar diz que a lei antimanicomial foi criada pelo PT e dá a data de 2001. Ora, em 2001 o governante era o seu saudoso FHC. Quem sabe ele não se entende a respeito do assunto com Serra, ex-ministro da Saúde e agora seu candidato do coração, como foi outrora Roseana Sarney, aquela musa que anda merecedora de um poema que a chame de "monstro de olhos verdes"? Mais recentemente, o "monstro" jantou o PT do Maranhão.

Agora, me espanta profundamente a atitude dele diante da esquizofrenia dos filhos. Ele acha que isso não tem nada a ver com a sociedade e a família e isso é "doença mental". Quem sabe ele deveria reintroduzir para valer o pós-modernismo no Maranhão, agora quem sabe com a esquizoanálise deleuziana.

O que eu acho mais curioso em Gullar é que ele parte de uma geração de comunistas que foi fazer "entrismo" na Globo, nos anos 70, entrar nos aparelhos do sistema capitalista para obter a hegemonia à la Gramsci. Mas a TV Globo é que fez "entrismo" neles; ela os arrombou, devorou. Se esculhambaram, se perderam totalmente.

Mas Gullar, nada existe de mais esquizofrenizante do que a posição de esquerda na sociedade capitalista e isso Deleuze registrou muito bem: a esquerda tende à esquizofrenia, a direita à paranóia. Na verdade, Gullar não é mais esquerdista: fala em Marx, em poesia, mas suas posições são como das do velho reaça do DEMO Jorge Bornhausen. Que termo define isso melhor do esquerdofrenia?

Para quem quiser resmungar com ele, tá aí o endereço:


http://literal.terra.com.br/literal/calandra.nsf/0/DC04A0DC1539C12903257679004F96D5?OpenDocument&pub=T

Eu, pessoalmente, vou continuar lendo a obra e torcendo para que o poeta vá se arrumando para pedra.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Um Poema da Colômbia (do blog Bitácora del Párvulo)

OJALA Y NOS INVADAN

Y ahora qué más da;
Si nos hemos quedado solos,
que nos invadan sería lo mejor.

Sería una bendición para nuestra tierra
que rodeen nuestras fronteras
y que nos invadan nuestros
hermanos latinoamericanos.

Que nos invadan los ecuatorianos,
tal vez así volvamos a tener
de tierno maíz el corazón que perdimos.

¡Que nos invadan los cubanos!
Para que nuestros niños
se eduquen gratuitamente
y no mueran en las puertas
de los hospitales privados.

Que venga lo mejor de nuestra América.
Que venga un contingente
de garotas brasileras
que nos hagan el amor hasta
perder la leve fuerza que se necesita
para apretar un gatillo.

Sería lo mejor para Colombia
una invasión brasilera a gran escala;
De pronto así, algún día,
ganemos un mundial de fútbol.

Necesitamos urgentemente
una invasión venezolana,
para volver a decir
las cosas con claridad,
con franqueza, sin santanderismos,
con elocuencia bolivariana.

Se requiere con urgencia
Una invasión boliviana,
que nos quite esa vergüenza
de ser indios; esa vergüenza,
que nos condena eternamente
al peor de los subdesarrollos.

Reclamo con ansias la invasión
de tropas de piqueteros argentinos,
de madres y abuelas de plaza,
que nos cuenten historias
en donde podamos reconocer
en nuestras propias historias.

Que vengan tropas españolas y chilenas,
a contarnos como se pudre el corazón
de una patria fascista.

Que Vengan los uruguayos
con sus mates amargos
a contarnos la milonga dulzona
y triste de sus desaparecidos.

Que vengan todos los hermanos
del mundo a esta tierra olvidada
a hacernos entender que nuestro
país no es el mejor país del mundo,
porque es una patria injusta.

Que Colombia es pasión...
y muerte.

Ojala nos invadan la batucada festiva
que acabe con nuestro luto,
que acabe con este silencio que aturde.

Estamos solos, a la derecha del mapa.

Sólo nos acompaña nuestro buen amigo
el que invadió el país de las mil y una noches.


Lizardi Carvajal
Neogranadino

terça-feira, 9 de março de 2010

Poema: Economia Bandida

(Para meu amigo Fabricio Estrada):

Em escravidão, pelo mundo vivem vinte e sete milhões de pessoas.
Um terço do peixe que comem
No Reino Unido
É bacalhau da máfia russa.

Revelam-se forças
Que da lei conhecem
A revelia.

Degrada-se da humanidade
Uma parcela expressiva.

Prostitutas do Leste Europeu
São levadas a Gaza
Aos milhares
Escravas
Eslavas:
Existe demanda de sexo
Por parte de judeus conservadores haredin.

Os presidentes Zelaya e Aristide
Têm agora da pátria
A experiência banida

A internet é a mais bem sucedida
Das colônias
Da economia bandida.

(Improviso a partir do texto "Cafetões de Mercado", da economista Loretta Napoleoni, por Gustavo Fonseca, no caderno Pensar do Estado de Minas de 6 de março de 2010).

Monodrama

Monodrama

Carlito Azevedo

O inferno refletido nos olhos de um
viralata que cruzava
as pistas do Aterro
varado pelos feixes
dos faróis
(relâmpagos de nenhum céu)
dos 4 X 4
a toda velocidade.

Emblemas

Carlito Azevedo

Um imigrante bate fotos
trepado
no toldo de um quiosque
a multidão grita
em frente ao Banco (...).
Mas na foto buscada só
aparece a imagem da menina
com seu coelho
de pelúcia
Sua dobra
cor de ferrugem e luminosidade

terça-feira, 2 de março de 2010

Blog do Johnny de novo

Indico esse blog de novo:

http://johnnyguimaraes.blogspot.com/

Gostei muito de comparar as críticas ao livro dele de 1996 com a minha. Fiquei orgulhoso de verificar que meu texto convergiu com o do experiente José Afrânio Moreira Duarte.

Wilson: dê uma olhada nesse blog, acho que tem tudo a ver você conhecer o Johnny, ele é policial federal em Varginha.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Poesias e Gerações e Outras Coisas

O livro de Johnny Batista Guimarães, Dentre Outras Coisas (lançado pela Editora Mulheres Emergentes), mistura prosa poética, frases e poemas. Ás vezes o poeta tenta expressar-se através da leveza do hai-kai; às vezes através de poemas caudalosos, aproximando-se bastante de seu padrinho involuntário (cujos textos abrem e fecham o livro): João Cabral de Melo Neto.

O livro tem resquícios do estilo de ser e de se expressar de vários outros autores, além de João Cabral, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes e os concretistas se insinuam. Influentes, bem-sucedidos e fortemente presentes na mídia, estes artistas tendem a influenciar os mais novos. O que está faltando é uma revisão crítica do movimento tropicalista/concretista.

O dilema de Johnny é este, o de toda uma geração: encarar os "pais" ou "padrinhos" imaginários e encontrar sua identidade, sua voz própria, acreditando na palavra, num mundo onde mesmo a juventude privilegiada grunhe, emite sons ininteligíveis e não lê nem jornais, quanto mais poesia.

E Johnny se encontra em meio a este impasse. Apresenta preferência pelo verso curto (muito em voga a partir do livro Caprichos e Relaxos, de Paulo Leminski, que foi um best-seller da poesia dos anos 80) e pela utilização de várias formas (prosa poética, frase, poema sucinto) numa busca de expressão que melhor se adapta a seu estilo florescente.

Sua poesia está mais consistente e segura quando lida com o cotidiano com leveza, como em Penitência: "Maria, a lavadeira evangélica lá de casa,/Foi demitida por deixar uma torre de roupas sujas alcançar os céus". A observação poética do cotidiano, do quarto, da cidade e de sua própria vida é o forte da poesia de Johnny, como demonstra o poema Apelido: "Vão dos dedos dos pés parecem gaivotas/ Joelho, essa rocha esquisita/Cotovelo, esquina perigosa./Unhas, periferias esquecidas/Gansos, algumas veias/Eu pareço uma nuvem".

Lúcio Emílio é formado em Filosofia (artigo do Jornal Plenário, 1996).

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Zabriskie Point: cena final

Cena comentadíssima e estudada, na UFMG, pelo professor César Guimarães, por exemplo. Muito poética! Adoro!

sábado, 7 de novembro de 2009

Comentário sobre o último livro de Costa Lima

EXTRA! EXTRA!

Pessoal: esse blog do Ronald Augusto, poesia-pau.blogspot.com, é excelente. Não percam lá o texto Decadência do Império Caetano, que mereceu de Caetano até mesmo uma resposta (sem citar o nome, sempre, pois Caets nunca cita seus adversários intelectuais, assim como Pasquale faz com Marcos Bagno e Sírio Possenti).


sábado, 8 de agosto de 2009
O controle e a afirmação do traidor dilacerado


Sem que isso seja mencionado em seu prejuízo, O controle do imaginário & a afirmação do romance é em princípio um livro voltado para uma audiência acadêmica, já que até certo ponto, para a sua compreensão, se requer o conhecimento de obras anteriores do autor mais afeitas aos cânones da instituição. Mesmo no design da capa se denuncia essa medida de livro — com suas quase quatrocentas páginas — ofertado à cobiça professoral e científica. Os motivos mondrianescos ajustados aos quadrículos coloridos, alguns cortados diagonalmente; a alusão ao concretismo publicitário enquanto estilema gráfico-visual, presente no lirismo de diagrama a evocar as “bandeirinhas” de Volpi, e que, agora, na prateleira das livrarias, exposto ao olhar do leitor compenetrado, dir-se-ia tratar-se de um livro de lógica, de análise das estruturas do discurso, enfim, dessas coisas que demandam anos de dedicação, e que só podem ser levadas a cabo pelo pathos meticuloso de secretários do castelo. Vale dizer, ainda, que a obra aqui resenhada é um prolongamento de análises publicadas — quer em âmbito universitário, quer em comercial — e de cursos que Luis Costa Lima vem apresentando desde a década de 1980. Na “Nota introdutória” (pág. 13), o crítico e professor, refere que José Mário Pereira tomou a iniciativa de patrocinar a reedição de um conjunto de estudos, a Trilogia do controle (2007), que na década de 1980, ele, Costa Lima, escreveu sobre a questão do controle do imaginário.

Por outro lado, O controle do imaginário & a afirmação do romance é de interesse para outros leitores não restritos àquelas instituições de ensino. É uma obra bem escrita, seu refinamento de linguagem não provoca o sono. Agora, se o livro é dedicado à memória de alguns escritores consagrados, e, ao que tudo indica, amigos e interlocutores de Luis Costa Lima, a presente resenha, escrita por alguém que não leu as obras anteriores do autor de que se ocupa, é dedicada à memória do leitor interessado, ou do leitor “malandro” naquela acepção cunhada pelas análises de Antônio Candido acerca de uma determinada forma de romance. O leitor motivado pelo desejo, cujo tempo dedicado à leitura de estudos críticos ou hermenêuticos é o mesmo que dedica à leitura de textos artísticos, isto é, o tempo que dura o prazer textual.

Mas, mesmo num livro em que é patente seu escopo de gosto enciclopédico e seu apetite de scholar, há lugar para a confissão e para a solidariedade corporativa. Fique esclarecido que tais inconfidências aparecem na mencionada “Nota introdutória”, o lugar correto para isso, situado aquém do ponto onde o rigor da análise tenta cancelar o contingente. Assim, Costa Lima admite que este talvez seja o seu último livro apoiado em uma longa pesquisa, pois se encontra em estação provecta, isto é, já não tem idade para essas coisas. E, mais adiante, menciona sua opção por não fazer parte da tribo dos especialistas por constatar a tortura que seria batalhar por manter-se “atualizado em um país em que bibliotecas permanecem um artigo de luxo”, mostrando-se, por sua vez, atento às vicissitudes dos seus colegas universitários.

Mas, continuando, O controle do imaginário & a afirmação do romance se divide em duas partes. Na primeira, Costa Lima situa o leitor no ambiente teórico-contextual do controle, sua proposta é apresentar o “Renascimento italiano como o tempo de que parte não só a hostilidade contra o romance como a motivação para ele”; na segunda e última parte, o autor se dedica ao estudo hermenêutico de romances que são paradigmáticos a propósito do tema eleito, pois é sobre as obras desse período (dos séculos XV e XVI para cá) que por excelência o controle do imaginário é exercido de modo mais severo. Estamos mais ou menos dentro dos limites da Reforma e da Contrarreforma.

Luis Costa Lima não faz uma investigação puramente textual, isolada das condições da sociedade, e tampouco se restringe a questionamentos historicizantes. O estatuto que emerge de sua argumentação e que aponta para a “teoria geral do controle” não é depositário de uma análise meramente sociopolítica. O grande excurso histórico da primeira parte parece contradizer a afirmação anterior, inclusive porque um pouco a contragosto do próprio autor essa primeira parte resultou maior do que o imaginado. Com efeito, o autor procura demonstrar que o controle se plasma sob duas situações. Em primeiro lugar, não é difícil constatar que sempre está implícito alguma forma de controle na estrutura das sociedades, pois estas se assentam sobre regras, “e onde há regras há controle. Mas, Luis Costa Lima anota uma coisa importante: o controle “não assume um aspecto visível e marcante se a instituição ou a sociedade que o ativa não está em crise, ou sob sua iminente ameaça”. O controle do imaginário... investiga então em sua primeira parte como o controle do romance é dependente da crise que afetara tanto a Igreja “enquanto matriz dos valores institucionalizados” como o poder configurado nas cidades-Estados italianas. O ponto de partida da crise que irriga o controle é, portanto, o Renascimento, onde se reitera o mundo antigo como norma, e que se intensifica “com a Reforma e a reação católica, a Contrarreforma e o Concílio de Trento”.

Mas, eu gostaria de voltar à questão quase óbvia que diz respeito à afirmação: “onde há regras há controle”. O estudo de Luis Costa Lima nos permite uma reflexão em perspectiva e em outras direções. O controle está implicado em todas as estruturas sociopolíticas que representam a forma consagrada para normatizar as relações de poder entre os cidadãos. Estas relações se definem por meio de uma ordem que objetiva assegurar as necessidades e os desejos do grupo em detrimento dos do indivíduo. O controle do imaginário se beneficia das relações de força e dominação que estão em jogo quando se estabelece o teatro conflituoso e/ou conciliatório na cena social. Mas o controle, ao contrário da censura, quase nunca é explícito. Para Luis Costa Lima a censura “é de imediato visível e localizável”. Já o controle do imaginário, como foi dito mais acima, não só lhe é gentilmente hostil, mas como que também o motiva.

Essa condição por assim dizer multifária do controle torna-o maleável e capaz de naturalizar-se, e de neutralizar, por exemplo, hoje, as tensões estéticas atinentes ao ficcional. Romances fundamentais, até então criadores de caso e de fervorosos debates como Ulisses, Finnegans Wake, Grande Sertão: Veredas tornaram-se agora obras a respeito das quais não se diz se não o rotineiramente tolerável, e com muita boa-vontade. Elas são escassamente referidas por meio de um discurso em estado de lápide, isto é, as afirmações e/ou negações se prestam, quando muito, a inscrições tumulares e controvérsias de fachada. O resultado é que tanto os que as repudiam quanto os que as incensam, em fim de contas, acabam se encontrando numa zona de intransigência anódina ou de indiferença estética que não gera movimento nenhum. Essas obras que alargaram os limites do romance clássico, segundo a atual dinâmica do controle do imaginário, já estão catalogadas e fartamente interpretadas; não servem mais de insumo ao tacanho realismo desses prosadores para quem a simples menção a um “público refinado” lhes provoca uma cusparada de clichês antidecadentistas. Como diz Luis Costa Lima em entrevista, o controle, — que, em sua análise se refere a jogos de poder dos grupos dominantes ao longo da História — se associa também à lógica de mercado. Com efeito, o mercado busca moldar menos este ou aquele autor em particular do que um modo de escrita que não entre em atrito com o repertório de um hipotético público leitor. O crítico literário Frank Kermode menciona ainda a presença nefasta de um “controle institucional da interpretação”, instância de poder de cuja função se espera a classificação do que é e do que não é canônico, fazendo, assim, em versão secular as vezes da figura do Concílio da Igreja que tinha como atribuição decidir quais os santos passíveis de canonização. Ora, sob esse aspecto a ideia de cânone se funda num modelo de controle que mais aprendemos a apreciar e respirar do que prestar-lhe uma atenção crítica. Cito alguns dos representantes do controle da interpretação: a universidade, a crítica especializada, os grupelhos de beletristas bem relacionados, os ocupantes de órgãos públicos e/ou privados ligados à cultura, etc.

É também na primeira parte de O controle do imaginário & a afirmação do romance que vamos encontrar a interessante análise a respeito da dialética da simulação e da dissimulação como forma de convivência ou de conciliação com o controle. O olhar de Luis Costa Lima procura desvelar “o que se ocultava sob a alegre docilidade dos cortesãos e a resignação dos modestos escribas”. A legitimação dos condottieri assentava-se sobre bases ilegítimas. E porque ilegítimos “tais senhores precisavam compensar traições e crueldades com gestos e requintes de chefes finos. Por exemplo com o estímulo à cortesania”. Baldassare Castiglione, de acordo com o autor, é quem decodifica a gramática e a conduta do cortesão no seu Il Corteggiano (1528), obra escrita entre o humanismo e a Contrarreforma. O cortesão encarna a figura do intelectual e do artista que esposa o compromisso de fazer a mediação entre culturas diversas e disputas palacianas. Seu jogo não se faz num espaço público. Seu jogo dramático assume a forma de um “drama da contenção, contudo não mais a contenção da paixão ou da loucura, e sim a contenção da perspicácia”. Esse personagem apóia o seu discurso em afirmações e contraditas que se fazem acompanhar da marcação de um ridendo, senha de uma metalinguagem a assinalar que suas palavras não devem ser levadas a sério.

Luis Costa Lima define o cortesão como uma ficção externa (isto é, realizada fora do âmbito de uma obra de arte); um esteta, uma ficção ambulante. Um entertainer que dominasse a arte da esgrima. Os condottieri, com sua proverbial obstinação em deixar-se enganar e cobiçosos de ver menos vacilantes as bases de sua legitimação se aproveitavam indiscriminadamente dos serviços dos cortesãos. Com isso também eram chamuscados pelas chamas de sua cortesania cheia de charme. E às vezes acabavam favorecendo aqueles que talvez só merecessem seus desfavores. O cortesão como ficção externa, no entanto, não faz uso de normas preestabelecidas. Segundo Costa Lima, “em vez de normas, por éticas que pareçam” a prática cortesã se decide pela cautela. Esse artista alcoviteiro, se podemos assim dizer, compósito de escritor, secretário do castelo, e conselheiro, situa-se na entrelinha, no intervalo, e cumpre com tamanho virtuosismo os seus vagos afazeres que a impressão causada é a de que faz bem o que faz, mas sem demonstrar o menor esforço; ele se refugia na displicência. Metáfora da arte que sobrevive ao controle, que se aproveita de um cochilo ou outro do sistema e dissimula aquilo que é. No exercício divino e malévolo de sua bouffonerie o artista-cortesão nos demonstra que a dissimulação supõe a “habilidade de não fazer ver as coisas como são”. Reduzir e dissimular são termos dessa estratégia de sacrifício a que se dedica cotidianamente, com o propósito mais secreto de confrontar-se com a ordem social. De acordo com Luis Costa Lima, o cortesão, condenado a fazer falar lateralmente o silêncio da supressão e da autossupressão, presume em perspectiva que o “estilo da perda converte-se em estilo da revanche”. Metáfora do escritor como um traidor dilacerado: “simula-se aquilo que não é, dissimula-se aquilo que é”. A ficção externa como dissimulação na tentativa de convivência e conciliação com o controle acaba por fortificar o centro deste, porquanto as armas de que se serve aquela (astúcia, ambigüidade, embromação e alguma falsidade) são as mesmas de que se aparelham os mecanismos de controle.

Na segunda parte de O controle do imaginário & a afirmação do romance, Luis Costa Lima se detém em alguns romances paradigmáticos que começam a travar uma relação de outra ordem com os processos de controle da imaginação atuantes nas sociedades de corte católicas. Trata-se agora de enfrentar os primeiros lances de uma ficção interna — em oposição ao ridendo da ficção externa do cortesão — que se constitui num como se assumido. O autor detecta neste conjunto de romances (Dom Quixote, As relações perigosas, Moll Flanders e Tristram Shandy) o índice do ficcional como alternativa discursiva — a máscara que se declara máscara —, e não mero jogo de cena e dissimulação. Mas aqui minha fabulação manca, pois das quatro obras investigadas por Luis Costa Lima só pude ler o Dom Quixote. E eu diria apenas o seguinte: a obra máxima de Miguel de Cervantes ajuda a fundar a categoria moderna da “ficção”, que se constitui como um tipo de linguagem que não é nem “verdade” nem “mentira”, senão que tem um estatuto próprio. Em Dom Quixote lemos menos a dissimulação que a simulação da loucura. De outra parte, devo dizer que não tenho tempo nem paciência para a longa leitura que os outros romances exigiriam de mim. Como não costumo ler comentários ou análises de textos que ainda não li, resolvo parar por aqui mesmo. Mas pelo que consegui ver em minha leitura mais curiosa da primeira parte de O controle do imaginário & a afirmação do romance, tenho certeza de que Luis Costa Lima se houve muito bem na interpretação dessas obras clássicas, e na afirmação, por meio delas, da capacidade de o romance bom propor novos esquemas críticos e inventivos na sua relação com o controle.
Postado por ronald augusto às 15:39 0 comentários

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Um poema de Cláudia Isabel

Aquí
es donde se extravió
tu cuerpo de nube
Aquí
en mis manos de viento

perladejanis.blogspot.com

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Tributo aos Vivos

Um blog de poesia e fotografia muito bom que descobri:

wilsonnanini.blogspot.com

Um poema de lá:

Tributo aos vivos

Poema Para Adélia Prado

Estrelas!
no pomar celeste da boca conso-
lidá-las
foto-
grafar o avesso
da treva do ventre do ferro do trem de ferro
convertido em sentimento

o hieróglifos
numa brancura fecunda
de constelar escuros,
de transgredir o tempo

mas recito insonte-
mente: besouros são
sementes
de rinocerontes;

o lunático com um guarda-chuva,
a virgem com uma cabaça,
a beata com um calvário
atravessam a nado meu poema

num olor inato interno que mescla
bois borboletas
Deus: todos os
artefatos álacres
de escavar cosméticos
entre distúrbios

que concretos ou telúricos
noitinvadem-me às vezes.
Postado por Wilson Torres Nanini às 02:44 1

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Um poema de Fabrício Estrada

No, ni en nosotros, ni en nadie: la traición no es un punto a negociar
Consigna de los vientos

Nada en el mundo
pudo enseñarnos mejor
que la amarga intuición de la herida.

Así es como aprendimos
a saber de la justicia antes que de la ley,
del mar extendido
antes que del río manso que socava nuestras casas.

Preferimos por lo tanto
abrazarnos a las olas
y señalar de frente a los asesinos.

No somos los hambrientos
que se rompen los dientes
con el pan duro de la filantropía,
ni los sedientos
que se atragantan
con la empozada saliva de los discursos.

Hemos llevado las espigas
a las tierras donde todo alimento se multiplica
y donde sobran manos para esculpir la cosecha.
No llegamos hasta las cumbres
para caer de pronto
llenos del vértigo de los cobardes;
no somos quiénes,
no.

A un paso del camino se yergue
el destino que nuestra propia sombra ha señalado.
Como enjambre de nubes, llegamos
al punto
donde todos los inviernos
revientan
en un millón de pájaros
insurrectos.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Lembrança de Morrer

LEMBRANÇA DE MORRER
Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.


E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.


Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;


Como o desterro de minh'alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.


Só levo uma saudade — é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!


De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos — bem poucos — e que não zombavam
Quando, em noite de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.


Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!


Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.


Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo....
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!


Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nelas
— Foi poeta — sonhou — e amou na vida.—


Sombras do vale, noites da montanha
Que minh'alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!


Mas quando preludia ave d'aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua prantear-me a lousa!

Álvares de Azevedo

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Recado de um poeta

Lucio: mientras más corramos la voz más lograremos resistir. Brasil debe conocer a fondo que Honduras es su costa más cercana, un territorio libre que busca acercarse cada día a una latinoamérica que en la práctica está muy despedazada.

29 de septiembre de 2009 20:30

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Situação em Honduras hoje

miércoles 23 de septiembre de 2009
Situación 23 de septiembre
A los golpistas le llega a la conciencia un rumor: se asalta, se desbanda, se acomete en turba contra los centros de almacenamiento de alimentos.

A los que asaltan los supermercados y que por primera vez participan indignados y furiosos en la convulsión del golpe les llega a la conciencia un rumor: ah, es con nosotros, el toque de queda y el cierre de los supermercados es con nosotros.

El golpe ha tocado por fin a un sector que vive al día, comiendo al día. Con el cierre por el toque de queda las pulperías se desabastecen y los fantasmas de las calles vacías deciden por sí mismos, vandalizan sin control ni ideología... y esto asusta más que nada a los señore empresarios... rezan a través de cadenas televisivas preguntándose el por qué la gente chusma es tan mala, tan desordenada, tan... no sé cómo traducirlo... tan animal.

Alrededor de 15 colonias y barrios salen a protestar en sus respectivas zonas, y aportan sus muertos, sus jovencitos y jovencitas y adultos que ya entienden a fondo lo que le pasó al Departamento de El Paraíso cuando le extendieron el Estado de Sitio por más de dos semanas continuas.

Como respuest a los fuertes piquetes que han seccionado a las grandes marchas de la Resistencia, la Resistencia misma ha surgido ubicua en Tegucigalpa y San Pedro Sula.

Los golpistas tienen una salida que los llama y llama: la guerra civil... necesitan urgentemente que la Resistencia se arme para encontrar el argumento filosofal para desatar la masacre. Sólo así podrían zafarse en estos momentos del acorralamiento que tienen. El dilema se les ha clavado en el centro del pecho, el jaque pende filoso y su nombre es José Manuel Zelaya, y la tierra de nadie ante la cual lloran y lloran es la Embajada del Brasil.

Muchos que necesitaban la prueba de fuego de Zelaya cruzando la frontera, ahora militan a despecho de todo, saben que metieron los dedos en la llaga y que también, la lucha es verdadera.

Saiba mais: fabricioestrada.blogspot.com

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Destruição, por Anelito de Oliveira

Meu ex-colega de mestrado em Letras, o genial Anelito de Oliveira, editor, poeta e ensaísta que, depois de polemizar comigo por minha fúria blogueira, por fim abriu um blog: anelitodeoliveira.blogspot.com. Eu recomendo o blog dele, que fala da greve na Unimontes, poesia, africanidades, Cruz e Sousa. Taí um fragmento do poema Destruição:



5.

Eram 29 anos e a
Premência de chegar
Aos 30. São agora
38 anos e a premência
De chegar aos 39
E resultar apenas
Nos 40. A premência
De perder a vontade
De descobrir, de se
Dar por descoberto,
Conhecido de si, o
Mais trivial vizinho.


Eu já tive "n" problemas com Anelito, mas com essa postagem aceno em termos de reconciliação: Anelito, não perca a vontade de escrever, você é um talentoso poeta, um ensaísta que meu querido professor Lauro referiu-se como "uma das cabeças pensantes da Letras". E eu acreditei. Ele sempre disse que você iria à França. Eu também acredito.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Parque: Um texto de Felipe Moreira

ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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PARQUE





Felipe Moreira





PERSONAGENS

(todos fazem parte do CORO)



MENINA RODAMOINHO



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



MULHER CADELA



HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA



MENINA DE TORTA DE MORANGO



HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



HOMEM COM ARAMES NA BOCA



O AMANTE DE AGULHA E LINHA (com diversas palavras costuradas no corpo)



A AMANTE DE AGULHA E LINHA (com diversas palavras costuradas no corpo)









Improvisações para MENINA RODAMOINHO com pedaços do seu corpo: rodando o braço direito com a mão esquerda, o coração saindo pela boca, os cabelos enrolados aos intestinos, o útero escorrendo pela orelha...





MENINA RODAMOINHO



Diferença... Alguma?



CORO



Talvez.



MENINA RODAMOINHO



E agora?



CORO



Talvez.



MENINA RODAMOINHO



desletrando/reletrando xx ou xy até bailarina sem ossos

desletrando/reletrando bailarina sem ossos até arionossosembaila



(run

live to fly

fly to live

aces high)



CORO



Talvez.

MENINA RODAMOINHO



Eu-monstro, tu-monstro, ele monstro, eu me deformo, tu te deformas, ele se deforma... E ainda precisa de toda água sanitária da língua para lavar o corpo do desejo do tédio dos olhos da boca?



CORO

Precisa!



MENINA RODAMOINHO



Precisa de toda água sanitária da língua para lavar os pés dos lábios dos fios dos cabelos do fígado dos dedos?



CORO



Precisa!



MENINA RODAMOINHO



Dos mamilos das pálpebras do sexo do umbigo da barriga do baço?



CORO



Precisa!



MENINA RODAMOINHO



Do estômago do cu dos braços dos peitos das pernas da língua da pele falante de mim?

Toda água sanitária da língua até secar? Secaria? Arionossosembaila! E eu deverei ter nenhum osso!



CORO



Talvez.



MENINA RODAMOINHO



Traz um aparelho pra me aperfeiçoar.



CORO



Teu corpo?



MENINA RODAMOINHO



Meu corpo.

CORO



Corpo de oceano? Oceano de corpo?

Kkkk. (= risos)





MENINA RODAMOINHO



Eu espanquei ondas!

Meus lábios nunca foram mais laranja gordos.





CORO



Tipo de dez versos des-forma de versos dez ex? Tipo de teta, poça, chafariz, nuca, língua, rio, nariz, teta, poça, chafariz, nuca, língua, rio, nariz, teta, poça, chafariz, nuca, língua, rio, nariz...





MENINA RODAMOINHO



Tipo de teta, poça, chafariz, nuca, língua, rio, nariz, teta, poça, chafariz, nuca, língua, rio, nariz, teta, poça, chafariz, nuca, língua, rio, nariz...





Até que MENINA RODAMOINHO se torna uma espécie de SCARLLET JOHANSSON deformada. Alguns membros do CORO se tornam CACHORROS brincando, mordendo, mastigando ela.





CORO



Por pornografia de infarto solar amarelo, amarelo, amarelo,

nós mastigamos corpo de Scarllet Johansson

e quando tudo comestível, tudo cagável, tudo cu-boca, cu-boca, cu-boca,

nós também somos bebê macaco obeso, desbraçado, despernado

pondo-se

(quando ali entre pernas enfiado)

a esparramar-se em desfigurada torta de manga:

pêlos, clitóris e pêlos.





Improvisações para MULHER DE LENÇOL DE LEITE com leite (de uma altura considerável, ela fica derramando leite de um copo para outro): 1- não chorar sobre ele derramado. 2- Me mergulhar nele com biscoitos. 3- Ser feita dele e me derramar pela cozinha. 4- Talvez meu rosto: como ele. 5- Ferver um elefante de leite. Beber um elefante de leite. 6- Ele com vodka, com café, com chocolate. 7- Um céu de leite. Um sol de leite. ...





Improvisações pornográficas para MULHER CADELA e HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA com chupar, pau, buceta, fuder, putinha, boca...: brinca com a minha buceta, brinca com o meu cu, brinca de mamar meu pau, chupa a minha língua tesuda, de tesudinha, eu deixo também lamber a língua do meu cu, do meu sovaco, do teu suor, do meu fedor, goza na minha boca, quando eu brinco com saliva no teu pau, todo o cabo, todas as gotas, eu mamo, e goza gostoso na sua putinha, na sua vaquinha, goza, me arregaça, me deixa molhadinha, lambe meu saco, rasga meu piru, benzinho, sangra minhas costas, morde a minha boca, quero gozar na tua cara, mijar na tua cara, rasgar o teu rasgo, comer a tua pele, lamber os teus órgãos, chupa meu rasgo, castiga meu cuzinho, esfola meu pau, senta na minha cara, deixa eu mastigar a tua merda das entranhas do cu, fica calada, puta, bota o pé na minha cara, se eu não quiser ficar calada, esporra na minha boca, deixo eu te rasgar, me rasga, me rasgo toda, eu me rasgo, eu me arregaço toda, eu sou a sua fadinha, eu sou a sua putinha, corta minha pau útero mastiga teu sangrar gostosa peito arromba meu boca orelha pelos poros pêlos suor ereto corta, mastiga meu cu, vaca, tesudo, até o útero, te fazer sangrar merda, me dá um beijinho, lindinha, enfia um gato na minha buceta, enfia um coelho, enfia um braço, me espanca com vara, me fode com vara no cu, bate, bate mais forte, goza na minha cara, deixe eu chupar tuas tetas até teu leite de vaca jorrar, deixa eu beijar teu útero, deixa eu te castigar, sua putinha, esfolar teu peito, arrancar teu mamilo, bate na minha cara, me manda calar a boca, diz que você quer chupar todos os pêlos da minha buceta até secar...





MENINA DE TORTA DE MORANGO e MULHER CADELA pegam o boneco do GIGANTE COM BARRIGA DE ÁGUA DE SOL, tentando fazer com que ele faça, aquilo que dizem.





MENINA DE TORTA DE MORANGO



Precisa fazê-lo esfaquear a barriga de água de sol de linguagem.



MULHER CADELA



Precisa fazê-lo engolir sol: permitir a analogia: órgãos/estampados — pele/abajur.





MENINA DE TORTA DE MORANGO



Precisa barriga de água de sol: os raios de sol respigando por toda parte: gotas de sol, nos corpos, gotas de sol, nos lábios, gotas de sol, nas folhas...





MULHER CADELA



Precisa também raios de sol de pôr de sol vermelho/lilás fazer brilhar, raios de sol de sol azul / rosa / roxo / laranja / verde... fazer brilhar.





HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA toma a voz do BONECO DO PADRE ANTÔNIO VIEIRA.





HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA

(fazendo o BONECO DE PADRE ANTÔNIO VIEIRA mergulhar na barriga do gigante)



Ó entranhas piedosas

de vosso divido amor.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA pega e toma a voz de uma BONECA DE ARAME COM GENITÁLIAS DE BORRACHA (feita com os arames que saem da boca dele).





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Evoluindo uma metáfora de mar até "o mar está no copo".



(ele joga o copo no chão)





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Agora morremos afogados!





HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECA DE ARAME COM GENITÁLIAS DE BORRACHA



E depois?





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Nós ressuscitamos.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECA DE ARAME COM GENITÁLIAS DE BORRACHA





E depois?





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Você anima de mastigar água com vidro comigo?







HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECA DE ARAME COM GENITÁLIAS DE BORRACHA



E depois?





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Faço um retrato do teu coração com cacos de vidro d´água.







HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECA DE ARAME COM GENITÁLIAS DE BORRACHA



E depois?





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Faço um vestido de água de vidro.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECA DE ARAME COM GENITÁLIAS DE BORRACHA



E depois?





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Eu deverei ser água.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECA DE ARAME COM GENITÁLIAS DE BORRACHA



E depois?





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Tu deverás ser vidro.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECA DE ARAME COM GENITÁLIAS DE BORRACHA





E depois?





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



nunca

mais alegria de

farrapo

de pássaro

fiapo

de flor

de algo que ver

com beijo

medo

susto

e súbito

foi

mas

concentrada

como o álcool

instaurada

pelos poros

feito um suor

um fervor

um amor

através do qual

eu

com muito esmero

com muito esmero

vou

e já estou

e já estou

e vou

e vôo

pr´uma

fotografia

estourada

de luz

fritada

por Deus

atualizada num presente

contínuo

de rios

de riso





HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECA DE ARAME COM GENITÁLIAS DE BORRACHA



E depois?

...





MENINA DE TORTA DE MORANGO

(cantarolando e rolando)



Eu só quero bola de bebê de neve rolar.

Eu só quero bola de bebê de neve rolar.

Eu só quero bola de bebê de neve rolar.

Eu só quero bola de bebê de neve rolar.

...





Os AMANTES DE AGULHA E LINHA pegam e tomam as vozes dos BONECOS DE MÃE e FILHO: a mãe está dando banho no menino que está em pé e nu, numa bacia.





A AMANTE DE AGULHA E LINHA / MÃE



Deixa-me ver essas unhas.



(MÃE pega a mão do menino)





A AMANTE DE AGULHA E LINHA / MÃE



Prefira unhas limpas.





O AMANTE DE AGULHA E LINHA / FILHO



Mas eu nunca tive unhas limpas.





(MÃE joga água, na cabeça do menino)



O AMANTE DE AGULHA E LINHA / MÃE



Deixa-me ver essas unhas.





(MÃE pega a mão do menino)



O AMANTE DE AGULHA E LINHA / MÃE



Prefira unhas limpas.



A AMANTE DE AGULHA E LINHA / FILHO



Mas eu nunca tive unhas limpas.

...





Ao redor da bacia, entram ULTRALEVES voando com faixas publicitárias excessivamente grandes, nas quais se lê a próxima fala do CORO.





CORO



máquina

publicitária

promete

para

próximo

verso

coelhinhos

coelhinhos

coelhinhos

e

os

derradeiros

antílopes

sem

alma

sobre

teus

mamilos

violeta





O CORO rasga as faixas, sujando todo o palco e se veste com jornais.

Metade 1 (A AMANTE DE AGULHA E LINHA, HOMEM COM ARAMES NOS DENTES, HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS e MULHER DE LENÇOL DE LEITE) varrendo o palco.

Metade 2 (O AMANTE DE AGULHA E LINHA, MENINA DE TORTA DE MORANGO, MULHER CADELA e HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA) rasgando jornais e espancando com jornais a metade 1.





Alternar:

METADE 1



Limpar, limpar, limpar, limpar...





METADE 1

(cantarolando)



...e o banheiro e o quarto, e a cozinha e a sala, e na louça, os pratos, os talheres e os copos, e o banheiro e o quarto, e a cozinha e a sala, e na louça, os pratos, os talheres e os copos, e o banheiro e o quarto, e a cozinha e a sala, e na louça, os pratos, os talheres e os copos ...





METADE 2



Você não está bem informado! Você não está bem informado!







HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA



Tive idéia para roteiro de poema de TV:

sem eventos até que se viu que

bem que podia se masturbar com bibelôs-torre Eiffel.

No quinto verso, havia

vinte e três mil genitálias secando no varal.

Depois,

nada com a,

nada com b,

nada com lantejoulas

se espalhando como nariz nunca deveria

numa família.

E,

quando trouxe meu casaco de penas de pomba,

ninguém se importou,

daí no próximo verso: arrancar pele, lamber ossos...

Porque somente poema programado

para ser lido em 2027 e

provocar outro que

teria 25 versos inaláveis

seria tão cheio de

meninas, árvores e lagos.





Entra MENINA RODAMOINHO equilibrando-se sobre uma imensa maçã verde rodando sobre si e descendo sobre o palco. Nela, várias imagens indiscerníveis são projetadas.





MENINA RODAMOINHO



cinema tela-maçã descascando maçãs: lençóis: pétalas: pele (corpo descascado de sol, eu tentando pegar a tua pele, mas a pele descascava): olho: fatias aquosas de pétalas do olho da imagem: no cinema tela-maçã, milhões de cascas de telas maçãs descascando um avião-geléia deformável pelo ar que a nuvem-máquina de cortar papel cortou um meu olho, ou um teu olho, ou um seu olho se descascando: despetalando: olho meu minha maçã flor! pra culminar num cinema tela-maçã.



CORO



Olho meu minha maçã flor!





Por vezes, como se por acaso, certas imagens se fixam, antes de descascar.



Exemplo 1: ADOLESCENTE ROMÂNTICA olhando pela janela.





ADOLESCENTE ROMÂNTICA



Havia (eu preciso de)

você,

ou, sobretudo,

a ópera

que argumenta pássaro, veias e terror

em você,

quando,

na tarde violeta de inverno,

as janelas dos meus olhos

se liquidificam,

pombinha celeste tranqüila tom

ba.



Eu quero um beijo





Exemplo 2: uma pipa, quebrada pelo vento, tombando, um pássaro, uma mulher se jogando da ponte, um homem andando na rua.





OFF



uma não pássaro pipa voando ou um pássaro com asas de galhos quando o vento apertou quebrou tombou era como ela morrendo ou ela morrendo era como uma pipa tombando ou eu era como ela morrendo ou como um pássaro com coleira voando





MENINA RODAMOINHO



Eu espanquei ondas!







CORO faz com que o BONECO DE GIGANTE COM BARRIGA DE SOL esmague o cinema tela-maçã num olho verde: ele levanta e vira a maçã, fazendo-a parecer com uma roda, um olho girando. A MENINA RODOINHO fica em cima, rodando a maçã / olho / roda, enquanto que por dentro ou, ao menos ao redor dela, o CORO entra correndo.





MENINA RODAMOINHO

(cantarolando)



Poema parque! Poema puteiro!

Poema parque! Poema puteiro!

Poema parque! Poema puteiro!

Poema parque! Poema puteiro!



CORO



mergulhamos nos teus olhos verdes

(como vacas transcendentes imersas

em campos verdejantes de verde pastamos)



mergulhamos nos teus olhos verdes

(enfiamos um vestido verde

pelos teus poros arrombados os ratos)



mergulhamos nos teus olhos verdes

(mastigamos os órgãos

dos alienígenas verdes mortos)



mergulhamos nos teus olhos verdes

(afogamos em vísceras gelatinosas

de limão de veias verdes com porcos)



Cinema tela maçã sai rodando para fora do palco. Pausa longa. Alguns membros do CORO fingem estar GOTEJADOS NAS ÁRVORES.



Alternar:



1

CORO / GOTEJADOS NAS ÁRVORES



Eu-árvore.

Tu-árvore.

Ele-árvore.

Nós-árvore.

Vós-árvore.

Eles-árvore.



2

CORO / GOTEJADOS NAS ÁRVORES

(cantarolando)



Coisar, coisar, coisar, coisar, coisar, coisar, coisar...



3

CORO / GOTEJADOS NAS ÁRVORES

(cantarolando)



Enquanto poema pra pausa não vem,

não vem, não vem.

Enquanto poema pra pausa não vem,

não vem, não vem.





HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA

(enquanto entram areia, barraca, duas cadeiras, onde ele e a MENINA DE TORTA DE MORANGO se sentam e se beijam)





Prefira superpor



"Veio um sopro de otimismo: agora sou contente.



Queria manter com álcool.



Queria manter com afeto.



Levo palavras e meu amor na praia,

pra ver se eles pegam uma cor.



Nesse verão, nós não morremos.



Somos felizes e o sol sustenta ser amarelo, alegre e leve",



quando disser:



"eu te amo como um golfinho!".





MENINA DE TORTA DE MORANGO



Eu te amo como um golfinho!







Entram MULHER DE LENÇOL DE LEITE e HOMEM COM ARAMES NA BOCA, abraçados.





MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Me beija.



(ele beija)



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Me beija!



(ele beija)



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Mais forte!



(ele beija)



HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Passamos a noite toda fracassando uma metáfora de violeta ou de anjo.

Quero que você seja minha violeta.





MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Eu sou sua violeta.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Quero que você seja meu anjo.





MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Eu sou seu anjo.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Fracassando.



(Dizer (a) e / ou (b))



(a)

Até despedaçar metáforas numa literalidade de pele:

Pegue essa maçã e passe na buceta.



(b)

Até materialização da metáfora de anjo num rubor de rosto.

( ele diz algo no ouvido dela. Ela sorri. Eles se beijam.)





Em cima de um BRINQUEDO DE ÔNIBUS entra o HOMEM COM AS GENTITÁLIAS CORTADAS tomando a voz do BONECO DE EXECUTIVO. Ele tenta puxar uma imensa camisa azul / céu que balança e ocupa boa parte do palco.





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS / BONECO DE EXECUTIVO



O céu é azul,

como uma camisa

que eu pudesse

puxar para dentro

pela janela

e enrolar

na cabeça

um céu,

como um mar

que eu pudesse

puxar para dentro

pela janela

e enrolar

na cabeça

um mar.

...





Pausa longa.





HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA



Vamos brincar de cristianismo agora.

Eu vou tentar ser bom.

Você vai ser bom?



Prefira pensar na perfeição do reino do senhor, quando cantarolar:

nós

anjinhos

gostosos

felpudos

dengosos

nós

os

leitões

leitosos

de

brancura

brancosos



(ele fica repetindo várias vezes, até todos decorarem)







CORO

(cantarolando, repetindo várias vezes)

nós

anjinhos

gostosos

felpudos

dengosos

nós

os

leitões

leitosos

de

brancura

brancosos



MENINA RODAMOINHO



Quero ser anjo.

Coloco asas de papel, e

vôo até voar.



CORO



Mais!





MENINA RODAMOINHO



Eu fico voando até voar...





CORO



Mais!





MENINA RODAMOINHO



Fico voando até voar

Voando até voar!





CORO



Mais!





MENINA RODAMOINHO



Súbito:

asas que se petrificam no vôo

me fazem tom

bar.

Eu sou teu anjo de pedra!

Peço:

amarele-me de amarelo,

faça de cabelos loiros

um tanque de amarelo surgir

nascer / renascer.



CORO



Mais!



MENINA RODAMOINHO



Humano humaniza-me.

Sou a estátua do anjo de pedra

tombando no tanque de amarelo

dos cabelos de uma menina

bem boba alegra

sofrendo:

quero mais vida



CORO



Mais!

...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Agora vamos brincar de des-ser:

O primeiro que mexer...

(alguém mexe)

Perde!



Ou prefira não andar na cozinha sem passos andando,

não abrir a geladeira sem dedos abrindo,

não beber cerveja sem boca bebendo...





Todos tentam ficar parados por alguns instantes, até que a MENININA DE TORTA DE MORANGO interrompe.





MENINA DE TORTA DE MORANGO



Prefira...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não prefira!



MULHER CADELA



Prefira...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não prefira!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



Prefi...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



Pre...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE

Não!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



P...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não! Não! Não! Não prefira! Não queira! Não goste! Não ame!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



Prefi...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



Pre...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



P...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não! Não! Não! Não prefira! Não queira! Não goste! Não ame!





Entram os AMANTES DE AGULHA E LINHA costurados um ao outro.





AMANTES DE AGULHA E LINHA

(cantarolando, tentando se mexer)



beija minha boca, beija minha testa, beija minha bochecha, beija minha orelha, beija minha nuca, beija meu pescoço, beija meu ombro, beija meu peito, beija meu mamilo, beija minha barriga, beija meu umbigo, beija meus pêlos, beija minha buceta, beija meu piru, beija minha bunda, beija meu cu, beija minhas costelas, beija minhas costas, beija minhas coxas, beija minha perna, beija meu calcanhar, beija meu tornozelo, beija meu pé, beija meu dedo, beija minha unha, beija minha sola...





AMANTES DE AGULHA E LINHA



Nós — amantes de agulha e linha —

nos costuramos: "inefável",

"amor", "eterno"... Toda minha

língua, todo o meu / seu — "amável!",



"amável!": costurar por — corpo:

(não?) "sim". Sem rosas, ou elefantes,

ou violinos, surgem (transtorno)

notas — entre linhas — infantes:



"lindinha", "fadinha"... Queria

soprar um elefante rosa

de espuma: queria! Não consigo:

costuro: "pétala". Des-rosa:



a letra num "te amo", "te adoro"

costurando / des-costurando

até leitmotiv da metáfora

de vestido indo: eleeu!, quando



em resquícios de ego de pano,

corria, corria: "por que?" "você,

eu...". Amantes de agulha e linha,

queríamos um oceano plano.





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Sobre erguer bem estar e catedrais.



(ele pega esses objetos e brinca)



Sentindo uma improvisação com vestido de princípio de gravidez e natimorto, uma improvisação com grama e aborto, uma improvisação...





MULHER CADELA



Ergues um bem estar assim?





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Ó, tão difícil quanto catedrais.





MULHER CADELA



Por que não tenta erguer com sol, sorvete de limão e Ipanema?





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Ó, tão difícil quanto catedrais.





MULHER CADELA



Por que não ergues com ventilador de teto, beijos e amor?





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Ó, tão difícil quanto catedrais.

Mas nunca ninguém

uma

improvisação com avião e acidente

sentiu

como eu

agora

ninguém

nunca.





MENINA DE TORTA DE MORANGO



Abelha...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE

Não abelha!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



Abelha...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não abelha!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



Abel...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



Ab...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



A...



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Não! Não! Não! Não abelha! Não quero! Não gosto! Não amo!





O AMANTE DE AGULHA E LINHA

(ainda costurado com A AMANTE DE AGULHA E LINHA, o que se mantém até o final da cena)



Nunca mais volto a chupar teu sol varizento,

porque nunca estás nua o bastante.



Mesmo liquidifiquei o último e-mail de amor

em cavalos marinhos, rosas, Educação sentimental e veias.



Pouca importa

— fio desencapado

em carne e viva da linguagem —,

"lindinha", "fadinha".



Quando de pássaro morto com gárgula encharca esgoto pano de prato seca coxas da menina gorda morta se desprende de flor da pele da corda estupro de garganta vermelha rosa inflamada

som

que poema para pausa não virá,

mas apenas mais cisnes e crianças incestuosas,

termina sempre dizendo:

"ai, como deve ser bom ser amado por uma italiana".





A AMANTE DE AGULHA E LINHA



Eu sou a sua bonequinha-robô.

Aperta a tecla "amor", eu amo.

Aperta a tecla "falar", eu falo.

Aperta a tecla "beijar", eu beijo...





A AMANTE DE AGULHA E LINHA



Você gosta de mim?



O AMANTE DE AGULHA E LINHA



Gosto.



A AMANTE DE AGULHA E LINHA



Muito ou pouco?



O AMANTE DE AGULHA E LINHA



Muito.



A AMANTE DE AGULHA E LINHA



Você gosta de mim?



O AMANTE DE AGULHA E LINHA



Gosto.



A AMANTE DE AGULHA E LINHA



Muito ou pouco?



O AMANTE DE AGULHA E LINHA



Pouco.



A AMANTE DE AGULHA E LINHA



Você gosta de mim?



...





HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA pega e toma a voz do BONECO DE BEBÊ DINOSSAURO.





HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA / BONECO DE BEBÊ DINOSSAURO





Se bebê dinossauro

não sabe dizer: "bom dia"

para sua namorada,

diz: "bomzia",

se não sabe,

diz: "bomlia"

se não sabe,

diz: "bombia",

se não sabe...





HOMEM COM ARAMES NA BOCA pega e toma a voz do BONECO DE PALHAÇO.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECO DE PALHAÇO

(com bateria des-ritmada)



História do

era uma vez ninar do mais boneco horrendo querido meu mastigando vidro gratuito pra sangrar bochecha

(ah! e sempre tão nostálgico das meninas que fuzil deflorou vermelho quase não podia que lacrimejar)

termina em súbita corrente contínua suor maquiagem escorrendo donde em poça só tinta

pulgas

pululam

pulgas

pulgas

pululam

pulgas

pulgas

pululam

pulgas

pulgas

pululam

pulgas...





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS monta na MULHER DE LENÇOL DE LEITE.





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Prefira passear pelo jardim cheio de som e comida.



Agora coma sons.



Agora cante comida.



Rasteje por migalhas sonoras.



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Corpo, porco, polvo, nojo, louco, horto, rouco, roxo...



HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Diga: "por favor", senão não vai vir nada de bom.



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Por favor.



HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Diga: "por favor".



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Por favor.



HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Você ainda não está toda arrombada e escorre.



Você ainda não escorre.



Diga: "por favor". Diga: "por favor", vadia.





MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Por favor, por favor, por favor, por favor...







Improvisações para MENINA RODAMOINHO com pedaços do corpo: a cabeça no pé, sobre a cabeça, o coração, os pés dentro do estômago, o útero na boca, as orelhas nas mãos... : 1- eu sou a MENINA RODAMOINHO. 2- fatiei minha língua em carreirinhas de cocaína. 3- a pele da pele da pele da pele do útero do útero do útero do útero da letra da letra da letra da letra... 4- vísceras que eu chupei de mim morta culminam por vezes por acaso numa claridade de sexo de fadas azul transcendente brilhando... 5- Fui até a esquina de "fora de mim", não fui?Não sei se comprei, se não comprei pão. 6- ´Gora eu vou pegar um corpo pra mim / talvez de peixe e destroços de avião, / ou de folhas com migalhas de pão / de pele de atriz morta com jasmim. 7- flor, folha, fada até bolhas da língua, flor, folha, fada até bolhas na língua, flor, folha, fada até bolhas da língua, eu passei o dia todo, eu passei a noite toda...





Ao fundo, todos discutindo.





CORO



...eu sou Nietzsche, eu sou super-homem: nã, nã, não, eu sou Nietzsche, eu sou super-homem: eu sou Nietzsche, eu sou super-homem: nã, nã, não, eu sou Nietzsche, eu sou super-homem: eu sou Nietzsche, eu sou super-homem: nã, nã, não, eu sou Nietzsche, eu sou super-homem...





Até começarem a cair grandes bolas de tinta branca sobre toda a cena.





CORO



grossas gotas de silêncio e branco tombando feito um princípio de loucura grossas gotas de silêncio e branco tombando feito um princípio de loucura grossas gotas de silêncio e branco tombando feito um princípio de loucura...





Enquanto escuta-se uma mistura de trechos de óperas com som de trânsito, o CORO pega e toma as vozes de BONECOS de personagens de óperas (TANNHÄUSSER, SALOMÉ, CARMEN, DON GIOVANNI, MELISANDE, SIEGRIFIED, FIGARO...) para improvisações com av. Presidente Vargas até destruir os bonecos: engolindo miniaturas de carros, vans, táxis e ônibus, miniaturas de carros e ônibus, engolindo miniaturas... vomita, engasga, engole, estagna: engole de novo miniaturas: vomita, estagna, engole, vomita, estagna, engole...





MENINA RODAMOINHO

(tentando fazer as ações, descritas na fala)



Precisa de uma coreografia gratuita para abelhas:

abelhas furando um olho azul até a cegueira do mar morto.



Ou um engaiolar pombos e bebês, chacoalhar e libertar até bebês mortos com bicos e penas voarem.



Ou viver como vendedor de sapatos pelos próximos vinte anos:

"Quando o dia termina, eu coloco as sandálias e vou para casa.

Amanhã, eu acordo às 6:00

e chego na loja às 7:30".



Ou sou só um ator com formigamento na coxa estapeando-a:

"vou tentar estapear a falta simultaneamente",

(tem que fazer doer mais)

"vou tentar estapear a falta simultaneamente"

(tem que fazer doer mais),

"vou tentar estapear a falta simultaneamente"

(tem que fazer doer mais)...



Muito pouco. Muito osso.

Precisa escorrer pelos azulejos.



Muito muito. Muita carne.

Precisa esquematizar o vento.



Eu vi o anjo

e o anjo disse:

"siga os imperativos de prazer até o absoluto".





HOMEM COM ARAMES NA BOCA e MENINA DE TORTA DE MORANGO pegam e tomam as vozes de dois BONECOS DE TÉCNICOS.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA / BONECO DE TÉCNICO 1

(fazendo a ação descrita na sua fala)



Estou cortando um fiapo dessa lâmpada.

Metaforicamente: estou roendo a unha dessa lâmpada.

Estou colando esse pedaço de unha de lâmpada sobre o meu dedo.

Essa será a minha consolação materialista.



MENINA DE TORTA DE MORANGO / BONECO DE TÉCNICO 2

(jogando as lâmpadas para o alto, estourando no corpo, estourando na cabeça, amassando com a mão, pisando em cima...)



eu sou

não sou

a

idéia

da garrafa

de cerveja

cacos

da gema

da lâmpada

do ovo

da bola da memória

de tênis

mais fosforescente

fosforescendo

agora súbito





O CORO constrói / destrói um corpo de homem de cidade de casa (estende-se um pano com miniaturas de prédios, casas, carros...; sofás, cozinhas, banheiros...; cabeças, pernas, braços... e fica-se montando / desmontado, arbitrariamente).





CORO



Entra homem de cidade de casa.



Ele diz: dos meus braços de prédios, suor de carros escorre até a sala.



Ele diz: minha boca, cansada de cuspir banheiros de azulejos com olhos, engoliu uma casa amarela.



Ele diz: eu sou um gigante surgindo da rua, erguendo uma onda de concreto para deformações, ou favelização da cidade do corpo da casa.



Ele diz: minhas pupilas angustiadas da casa se dilatavam se espalhando até a rua.



Ele diz: puxar minha pele de corpo da cidade da casa faz explodir carros nos olhos.



Ele diz: tomar banho faz encharcar a sala, alagar toda a cidade fica inundada.





Improvisações para CORO com casa, cidade, corpo: 1- esprema meus olhos até que eu chore um barraco. 2- vou chupar tua língua até que todas essas ruas estejam pálidas, como azulejos pálidos. 3- me explode um prédio sob as pálpebras, talvez dos escombros eu possa erguer uma casa cheia dedos. ...



Improvisações para MULHER DE LENÇOL DE LEITE passando no corpo de homem de cidade de casa, em cima de um brinquedo de ônibus com suicídio, Grécia, essência, intensidade, falta e amor...: 1- a falta de amor... 2- se eu me matasse... 3- se eu fosse grega... 4- a intensidade... 5- a experiência essencial... 6- o meu sofrimento sofrendo sofre, ó, o meu sofrimento sofrendo sofre...



Improvisações para o CORO comendo BONECOS e OBJETOS de comida (MULHER DE CABELOS DE RIOS DE SUCO DE LARANJA, MÃE DE SALADA DE BATATAS, MESAS DE CHOCOLATE BRANCO, ÁRVORES DE ALFACE, BALANÇO DE FARELO DE PÃO...): 1- teus — pastiches de Wagner — cabelos de rios suco de laranja escorrendo, quando tuas coxas de sorvete derretendo... 2- nós mastigamos as mesas de chocolate branco dos escritórios. 3- feijão de pele, arroz de pele, batata de pele: feijão, arroz, batata, feijão, batata, arroz, feijão, batata... 4- vidro com sol com cacos de vidro de sol mastigáveis, ou um sol de batatas coradas amassadas: luz: se cortar, escorre batatas coradas, escorre sangue, escorre cacos, pois estraçalhando as bochechas com cacos de sol escorrendo luz, entre dentes, entre pele... 5- (cantarolando) Ó, balanço de pão, / não se esfarele não, / eu não gosto de tombo, / nem de bumbum no chão. ...





HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA

(segurando a mão da MULHER CADELA)



Eu sou o homem obeso de bolo de laranja,

quando eu anda,

eu deixa cair migalhas que eram meus dedos.



(ele começa a voar, feito um balão)



Mas eu-redondo,

eu balão gigante rodando,

vou até a lua,

vou até Marte

te comprar

sorvete que dá

vontade de viver.





MENINA DE TORTA DE MORANGO

(falando para um BONECO DE MÃE DE SALADA DE BATATAS)



Mamãe, penso que o mundo hoje é como um arco íris podre escorrendo pelo esgoto!



Meu pai de chocolate me estuprou.

Isso não foi um estupro.

Ele é de chocolate.

Eu sou contente.





CORO começa a ler no cenário e nos seus próprios corpos, bilhetes de suicídio. Como se os bilhetes de suicídio se tornassem a substância da cena e estivessem impressos em todos os brinquedos e personagens.



Improvisações para CORO com bilhetes de suicídio: 1- Entediei-me. Desculpa. 2- Eu sou lixo. Eu me odeio. Eu quero morrer. 3- Me mato hoje, Angela. Imagino que você esteja contente. 4- Percebo que esse bilhete é também derrota: criativa, agora. Mas, ao menos, há algo de positivo, dessa vez: trata-se da última. 5- Fracassei. 6- Eu te desprezo. Mas eu me desprezo mais. 7- (...) Naquele dia, você estava usando aquele vestido azul, e eu até tive vontade de viver. Foi uma exceção. De resto, você sabe como eu tenho que ser sempre o mais detestável. Nossa vida conjugal foi... não sei... Ah, a sua vulgaridade dificultou tudo!... 8- Quando eu era criança, eu era uma menina alegre. Eu era talvez a mais alegre menina da escola. Sei lá, eu nunca vi uma criança se suicidando... 9- Suicido-me hoje e que vocês todos se fodam! 10- nunca amei, mas talvez tenha sido amado... Chamem todas minhas ex-amantes e ex-namoradas. E que elas sofram... 11- Vocês não encontrarão minha camisa havaiana no armário. Quando terminar essa carta, me jogo do prédio com ela. Sempre quis morrer de laranja. Acho que é uma coisa otimista. 12- Eu me mato, porque me acredito imortal, e porque eu espero. 13- Descobri a maneira mais fácil de não acordar: matar-me. 14- suicídio súbito de mim, ou esse poema termina agor. ...



Improvisações para CORO com peças de suicídio de brinquedo de borracha: mordendo, chupando, engolindo, sujando, jogando, quebrando, brigando por peças de suicídio de brinquedo de borracha até que MULHER DE LENÇOL DE LEITE engasga (silêncio): tosse 1, tosse 2, tosse 3. Volta. Revolta.





CORO

(cantarolando)



suicidando pra lam-bé

cu rosado da mor-té

de vestido de flo-rés



ama-relés

estu-pidé

mente-até

esto-magué

...





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Eu escorreguei no "sofrimento" do pula-pula.



MULHER CADELA



Vê se não vai engolir o "tédio"

Vê se não vai engolir o "inerte"

Vê se não vai engolir o "te odeio"

do canteiro de areia agora.





Alternar:

1

CORO



Se eu me enforcasse.

Se tu te enforcasses.

Se ele se enforcasse.

Se nós nos enforcássemos.

Se vós vos enforcásseis.

Se eles se enforcassem.

2

CORO



...ou ler Descartes, ou me matar, ou "eu te amo", ou me matar, ou limpar janelas, ou me matar, ou "por há simplesmente o ente e não antes o nada?", ou me matar, ou andar de bicicleta, ou me matar, ou ir ao cinema, ou me matar, ou torta de limão, ou me matar, ou me drogar, ou me matar, ou sucesso, ou me matar, ou surfar em alto mar, ou me matar...





MENINA DE TORTA DE MORANGO se transforma numa espécie de babá, enquanto os demais personagens se tornam CRIANÇAS e formam um círculo para escutar uma história.





MENINA DE TORTA DE MORANGO



O HOMEM EM FORMA DE SOL pediu

um beijo para a

MULHER EM FORMA DE ILHA DESERTA.



Ela disse: "não!".



Desde então, eles sabiam: "nós somos humanos".



O HOMEM EM FORMA DE SOL disse:

agora eu serei a

CRIANÇA EM FORMA DE OVERDOSE.



A MULHER EM FORMA DE ILHA DESERTA

não se importou,

bebeu água de coco na chuva,

e rodou, rodou, rodou.





MENINA RODAMOINHO saltitando, cruzando o parque.





MENINA RODAMOINHO



O beijo-robô da língua-robô propôs:

"eu vou secar o sol

do bloco ainda borbulhante

da morte com cavalos marinhos".



Conseguiria eu

pôr em ato

uma (plena de passarinhos)

morte engraçada ?



Seca

(mais: anorexizada)

da sua gravidade

esterilizada

(queria)

a morte passível agora de pôr o pé

a ponta dos dedos

a passeio na beira do mar

morno na banheira

provar a (morte é uma) gota de leite

da mamadeira abobada abestalhada morte

engraçada.





MULHER CADELA pega e toma a voz de uma BONECA DE BABÁ, enquanto os demais personagens se tornam CRIANÇAS e formam um círculo para escutar uma história.





MULHER CADELA / BONECA DE BABÁ



Chegando no meio de um... lá

— metáfora da metáfora

da metáfora da... —,

vendo uns... lenços amassados

com pétalas (?), um passarinho

se lançou: "por que continuo?",

e continuou.



Um segundo passarinho

também ali passou.

Este se perguntava: "por que continuo?,

por que

continuo?, por que

continuo?,

por que continuo? ...".





A cena se enche de balões, de modo que parece que os personagens e as coisas se tornaram balões.





MENINA DE TORTA DE MORANGO

(infantilmente)



A tua bochecha é um balão!





MENINA RODAMOINHO e HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA pegam e tomam as vozes de dois balões.





MENINA RODAMOINHO / BALÃO 1



Eu era uma menina interessante.



HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA / BALÃO 2



Por que?



MENINA RODAMOINHO / BALÃO 1



É, eu não era uma menina interessante...





Entra o HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS sobre uma geladeira / carroça — na qual vê-se uma BONECA DE MULHER IDEAL congelada — puxada pela MULHER CADELA.





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS

(para a BONECA DE MULHER IDEAL)

À você

que é mais perfeita

que a alma

não permitirei

nem mesmo

piscar.



MULHER CADELA



Já eu, cadela sendo, não me domestico: pulo em cima da mesa e jogo os pratos no chão. Daí ser preciso certa disciplina, como que para dizer: "não, isso você não pode fazer", ou "não, aí você não pode entrar", ou "o fogo queima"... Friso: "como que", porque às vezes é preciso — literalmente — me estapear e, por vezes, até mesmo mais... Ora, assim como um leão não entende, um tigre ou um macaco não entende, eu não entendo. Mas isso não quer dizer que eu não queira ser amada. Apenas acrescento: "me ame, mas como quem ama um animal". Ou seja, tenha certa prudência: não me deixe sozinha com as crianças, nem fique de costas e sempre mantenha o chicote próximo. Pois saiba que eu, tal como qualquer besta, a qualquer momento, posso te roubar um olho.



HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



COISAR: PAISAGENS DE LETRAS: DEUS COM KARAMAZOV: ENTRE CAVALOS MARINHOS O SIGNIFICADO ENTRE CAVALOS MARINHOS ESCORRENDO PRA FORA: SE EU ME ENFORCO SE TU TE ENFORCAS SE ELE SE ENFORCA DA SIGNIFICÂNCIA NA TARDE VIOLETA NO VENTILADOR DE TETO DAS TUAS VEIAS: TUDO: SEQUÊNCIA: SINÔNIMICA: VIRA: PUTARIA: BANAL: LITERAL: MINHA BUCETINHA: COISAR: A PELE DA PELE DA PELE DA PELE DO ÚTERO DO ÚTERO DO ÚTERO DO ÚTERO DA LETRA A-DISSE FADAS FADAS FADAS: COISAR



Nos olhos do HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS começam a crescer dois balões, como se de Cartoon, aos quais ele próprio estoura com um alfinete.





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Meio dia

nos meus olhos

vermelho

enchendo

voando fora

da minha cabeça.



BOOM!

(ele estoura um dos olhos com um alfinete)



É assim que se explode o sol!

BOOM!



(ele estoura o outro olho com um alfinete)



É assim que se explode o sol!

Eu tô cego.

Eu sô Pernalonga.





MULHER CADELA se liberta da coleira, corre ao redor do palco, latindo e abanando o rabo, alegremente, depois volta para perto do HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS, que re-coloca a coleira nela. Eles saem da cena, junto com a geladeira / carroça.





HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA



Precisa sonhar com mil modelos peladas numa sala.



Que diziam que:" nós somos suas mães-parque,

nós somos suas mães-parque...".



Quando elas eram muito magras,

elas eram muito fadas.



Eu brincava.



Eu pulava.



CORO

(fazendo um círculo ao redor dele)



Nós somos suas mães-parque.

Nós somos suas mães-parque.

Nós somos suas mães-parque.

Nós somos suas mães-parque.

...





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Vocês teriam melhores antiinflamatórios?

Vocês teriam melhores antibióticos?

Para a minha garganta.

Minha garganta está doendo.

Está doendo, quando eu falo.

Quando eu falo, está doendo.

Está doendo, quando eu falo.

Mas quando eu espirro é bem pior.

Antes, eu amava espirrar.

Era um maior prazer que eu tinha: espirrar.

Mas agora é como um raspão.

Preciso não espirrar.

Preciso não espirrar.



(ele espirra)



Preciso não espirrar.

Preciso não espirrar.



(ele espirra)





MULHER DE LENÇOL DE LEITE

(bebendo um copo de vodka)



Vou tombar como uma lágrima,

ou a lágrima vai tombar como eu.



Você nem vai sofrer.



Você está saudável como uma morte gorda.



Você se alimenta de mim.



Você costumava sempre vir fracassando seu caminho até aqui.



Você...



Que essa fosforescência de luz e azulejos se espalhe por mim

feito uma beatificação.



Gostaria de te fazer lamber todos os meus dedos do pé.



Gostaria de me tornar vodka ou o copo de.



Eu não vou ser a sua putinha.



CORO



Precisa inscrever nas mil e uma páginas das mil e uma noites das mil uma camadas de tinta das paredes da pele da língua do âmago do coração do ser da vida:



(eles fazem um círculo e dançam, ao redor da MULHER DE LENÇOL DE LEITE, cantarolando)



Ela é coisa diversa: diverte

Ela é coisa diversa: diverte

Ela é coisa diversa: diverte



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Eu ainda estou sofrendo

CORO



Ela é coisa diversa: diverte.

Ela é coisa diversa: diverte

Ela é coisa diversa: diverte



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Eu ainda estou sofrendo.



CORO



Ela é coisa diversa: diverte

Ela é coisa diversa: diverte.

Ela é coisa diversa: diverte.



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Eu ainda estou sofrendo

...





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS

(junto com a MULHER DE LENÇOL DE LEITE, tentando fazer o que descreve na fala)



Você será minha Angústia.



Você será a minha Angustiazinha.



Eu te cubro e te beijo no pulso.



Nós somos os amantes ascéticos.



Estamos nus.



Eu não te toco.



Você não me toca.



Mas o mais próximo de.





O AMANTE DE AGULHA E LINHA

(para a AMANTE DE AGULHA E LINHA)



Meu anjo,

quando eu disse: "amar", você não entendeu: "amar", meu anjo.



Meu anjo,

então, eu despedacei a tua foto, eu embaralhei os pedacinhos, para te amar com todo um outro gosto, com todo um outro gosto desconhecido de novo, meu anjo.



Meu anjo,

quando eu disse: "meu", você não entendeu: "meu", quando eu disse: "anjo", você não entendeu: "anjo", meu anjo.



Meu anjo,

eu te amo, eu te amo, eu te amo muito, meu anjo, eu te amo.





Improvisações para CORO com verbos e "como os deuses": vamos brilhar, como os deuses, amar, como os deuses, destruir, como os deuses, pular, como os deuses, pensar, como os deuses, desejar, como os deuses, nascer como os deuses, criar como os deuses...





Improvisações para CORO com "feito os deuses brincando": 1- Liquidificar-te-ei em pó. 2- Voar, como quem dorme, voar. 3- Quero ser um monstro. Agora sou um monstro. Quero ser um mar. Agora sou um mar. Quero ser um cisne. Agora sou um cisne. 4- Não me faça ter que me evidenciar Deus. Direi: "eu te amo", como quem explode e explodirei. 5- Azul que me transborda céus e mares, te afoga céus e mares, azul que me transborda céus e mares, te afoga céus e mares... 6- Eu não tenho mais coração e não me importo. Você me ofendeu. Eu te enforco pelas tuas próprias mãos você morta. 7- Criei um mundo: fui irônico. 8- Eu sou supersônico! 9- Se eu fosse mortal... 10- Agora preciso que você seja inflamável para mim. 11- Arruinar você e os teus, como quem espirra. Porque vocês, mortais, fedem. Porque vocês, mortais, são vulgares e feios, como a comida que comem. 12- As suas vidas não são que um tatear inútil. Mas eu trago o necessário. 13- Tão deus agora sou que nem mais me agüento eu / de num surto súbito recriar tudo. Tuas cidades. Tuas cidades de sorvete. Tuas cidades de coxas de sorvete derretendo... 14- Te instaurei um de desejo. Por exemplo, o de ver borboletas o dia inteiro. Te instaurei um desejo. Por exemplo, o de correr até desfalecer. Te instaurei um desejo. Por exemplo, o de lamber, lamber, lamber. ...





Pausa longa.





MULHER CADELA



Conta uma piada engraçada pra rir.



HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA



Com a minha namorada,

ninguém fica parado,

ela é feita de melado

e adora bananada.



MULHER CADELA



Agora seja mesquinho, como quando você era criança.



HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA



Ó, não, por favor, não.



MULHER CADELA



Seja mesquinho, como quando você era criança.



HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA



Ó, não, por favor, não.



MULHER CADELA

Então, diga

(com mais gosto que às outras palavras)

uma única até dormir



HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA



(dizer: (a) ou improvisar)



(a)

Alumbramento, alumbramento, alumbramento, alumbramento...





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS atira na cara do HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA.





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Assassinei,

novamente.



Uma bala

que era um extraterrestre

tombando no mar e

que abrindo uma cratera

no corpo

revoltou um rodamoinho de vísceras

que fez talvez

pensar: "nuvens",

um instante antes

no depois corpo

morto

nada

ser.



Todos os peixes dali morreram verdes.



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Assassinei,

como uma criança afogaria gatos,

no tanque,

e corri:

eu, tensa, rio, tensa, eu, rio, tensa, eu...

quando a poeira tem olhos,

a poeira tem ouvidos?

Mas os adultos

só iriam chegar às sete horas,

e eu pude fracassar,

como se abortos,

enterrar,

como se pombos

no jardim,

os corpos

mortos.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA amarra MENINA DE TORTA DE MORANGO numa cadeira. Ele fica batendo e jogando dardos nela.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Passei a manhã toda atirando dardos em galinhas.



No teu corpo / sítio,

velhas como só galinhas velhas

podem ser tão velhas,

galinhas ciscaram

a manhã toda.



Havia flores no teu umbigo.



Havia milho no teu mamilo.



Uma galinha entrou pela tua boca.



MENINA DE TORTA DE MORANGO



Não, não entrou.



HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Abre a boca!



MENINA DE TORTA DE MORANGO



Eu não quero mais brincar.



HOMEM COM ARAMES NA BOCA

Mas você vai brincar.



Se uma galinha descer pela tua goela abaixo,

eu vou ter que arrombar uma fenda na

tua garganta,

no teu estômago...



Mas se ela ainda estiver na boca,

eu posso acertar um dardo na tua língua.



Abre a boca.



(ela abre)





Improvisações para CORO com bonecas russas (desde bonecas pequenas até algumas do tamanho de um homem): 1-abri uma boneca, tinha outra boneca, abri outra boneca, tinha outra boneca, assim, sucessivamente, abri outra boneca, tinha outra boneca, abri outra boneca, tinha outra boneca, assim, sucessivamente... 2- fecha uma boneca dentro de outra boneca dentro de outra boneca dentro de outra boneca dentro de outra boneca... 3- (cantarolando) desmonta / remonta, desmonta / remonta... 4- a cabeça da boneca 32 no corpo da boneca 12, o corpo da boneca 76 na cabeça da boneca 9, a cabeça da boneca 97 no corpo da boneca 3.... 5- meu castelo de bonecas, meu exército de bonecas, minha escultura de bonecas... 6- quebrar bonecas, feito guitarras, quicar bonecas, feito bolas, beijar bonecas, feito bocas, queimar bonecas, feito versos, afogar bonecas, feito cisnes...





Centenas de ursos rosas tombam no palco.





CORO



mosquitinho

poetiquinho

pousando

no

pezinho

da

sua

lingüinha

e

chupando

todos

os

ursinhos

rosinhas

gordinhos

pulando

pulando

que

você

falou

...





HOMEM COM ARAMES NA BOCA estica os arames da sua boca, prendendo alguns no cenário e dando outros para os personagens.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Comi horas repetitivas como comida:

estou triste,

quero ficar alegre,

estou triste,

quero ficar alegre,

estou triste,

quero ficar alegre,

estou triste,

quero ficar alegre...



Por favor, puxem todos os meus dentes fora.

Minhas gengivas querem sangrar som agora.



(Eles puxam)



Agora vou simplesmente engolir.





Improvisações pornográficas para HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA e MENINA DE TORTA DE MORANGO com BONECAS DE BEBÊS RECÉM NASCIDOS e GATINHAS: recém nascidas chupando bucetas de gatinhas de borracha até olhos azuis do cu do útero: de bucetas recém nascidas chupando gatinhas até cu do útero olhos de borracha azuis do: olhos do útero de borracha até gatinhas de recém nascidas chupando bucetas azuis do cu: do olhos borracha gatinhas até do de recém de útero chupando nascidas azuis bucetas cu...





HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS

(para o HOMEM OBESO DE BOLO DE LARANJA, enquanto come algodão doce)



Prefira superpor:

"eu tenho uma capacidade uma afetiva desumana",

quando disser:

"com minha boca,

cheia de algodão doce,

sufoco Angústia no rosa".



HOMEM COM AS GENITÁLIAS CORTADAS



Com minha boca,

cheia de algodão doce,

sufoco Angústia no rosa.





MULHER DE LENÇOL DE LEITE / MULHER CADELA

(abraçadas)



(Quis)

pétreas pétalas da pele

(fazer surgir): eu deverei não respirar viva!

Eu deverei...

Viva.

Petalar-me em pétalas.

Pedrar-me em pedras.

Pétalas ser.

Pedras ser.

Des-sujeitar-me de mim.

Objetar-me para ventos.

Para vôos?

Para pouso?



(falando para HOMEM COM ARAMES NA BOCA)



Ou você deveria escrever

a tua autobiografia do vento

improvisando com folhas e latas

sobre nossos corpos agora.



MULHER DE LENÇOL DE LEITE



Eu serei folhas!



MULHER CADELA



Eu serei latas!





MENINA DE TORTA DE MORANGO joga um balde d´água no HOMEM COM ARAMES NA BOCA. Ele corre atrás dela.





HOMEM COM ARAMES NA BOCA



Calmaria. Veio um balde d´água que sorria.

Eu tive que trocar a camisa do dia

— que ela não suportava mais tanta alegria.

Ela é! E me encharcou do excesso que vivia.





FIM


*


Felipe Moreira tem 23 anos, mora no Rio de Janeiro e é formado em Comunicação Social pela UFF. No momento, busca editora para publicação impressa. E-mail: felipegustavomoreira@yahoo.com.br.

*

*
escreva para ZUNÁI: revistazunai@hotmail.com



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