domingo, 24 de agosto de 2008

"O Fim da Arte": Uma Carta ao Contrera

Caro Rodrigo:

Eu salvei essa entrevista com o Danto porque concordei com quase tudo o que ele disse. Só não concordo que a Filosofia não possa mais ajudar ninguém, mas aí acho que foi provocação. Mas penso que a arte serve para cicatrização. Um exemplo que ele deu foi do setember eleven. Poderia ter dado de Apenas Uma Prova de Amor.

Essa matéria me fez lembrar um dia em que eu vi um dos orientandos do Rodrigo Duarte nervosíssimo, defendendo uma tese sobre a inutilidade da poesia após Auschwitz. Que besteira, pensei! Mas, como cara estava muito tenso, falou, falou e não disse nada.

Diante da experiência negativa é que eu produzo! Eu e mais você, provavelmente. Adorno não queria teorizar nenhuma prática nem uma estética. A partir disso, houve quem entendeu (Baader Meinhof) que a saída era partir para a luta armada, já que não existiam possibilidades de reunificar as Alemanhas sob um socialismo democrático.

A entrevista clareou para mim: Adorno, Rodrigo Duarte e os discípulos querem tirar a arte de seu lugar e nela colocar a Filosofia. Trata-se de uma luta da Filosofia contra a arte. Antes, o site do Ghiraldelli ainda mais agressivo. Na lista de discussão, recebia-se bizarrices e loucuras. Eu parei de receber porque não aguentava mais ler defesas da invasão do Iraque.

Isto Não é Um Quadro

Hoje no Mais!

O influente crítico de arte americano Arthur Danto fala à Folha (em conversa com o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr) sobre "A Transfiguração do Lugar-Comum", que está saindo no Brasil, ataca as limitações de Adorno e Benjamin e discute o conceito de "fim da arte", que cunhou em 1984

Isto não é um quadro

PAULO GHIRALDELLI JR.

ESPECIAL PARA A FOLHA

Arthur C. Danto, filósofo e crítico de arte influente do "The Nation" (Nova York), publica agora no Brasil um de seus livros mais importantes, "A Transfiguração do Lugar-Comum" (ed. Cosacnaify, tradução de Vera Pereira, 310 págs., R$ 59). Indo de Andy Warhol a Hegel e Wittgenstein, passando por Cézanne, ele mostra uma forma de fazer da filosofia uma apreciadora da arte que honra a bela tradição norte-americana no campo da estética.

A famosa afirmação de Adorno de que escrever poesia após Auschwitz é obsceno me parece ela própria obscena

Ainda que Danto não compartilhe de idéias pragmatistas, ele vê a história da arte por meio de um pluralismo saudável, bastante comum entre filósofos dos EUA (e cada vez mais da Europa). O inovador em Danto, além do fato de ele vir da filosofia analítica para a crítica da arte sem transformar a arte em "linguagem", é que coloca para a nova geração um passo diferente -e melhor- do que aquele que a Escola de Frankfurt deu no mesmo campo. Como ele bem diz, os frankfurtianos tinham uma visão "medieval" de arte.

Folha - O sr. poderia falar sobre o conceito de "fim da arte"?

Arthur Danto - Em 1984, publiquei um ensaio sobre o "fim da arte". Naquela época as pessoas do mundo da arte pensavam em termos de "a próxima" coisa, como se, temporada após temporada, a história fosse se desdobrando. Até certo ponto me parecia que não havia nenhuma "próxima coisa". Meus argumentos estavam baseados em algumas das extraordinárias reviravoltas em arte nos anos 60. Estava pensando, principalmente, em Warhol, que havia exibido fac-símiles de cartões de remessa na galeria Stable em Manhattan, em 1964. Aquela exposição me pôs interessado em filosofia da arte.

A questão em que me engajei era esta: por que deveriam suas "Brillo Boxes" ser obras enquanto as caixas normais de palhas de aço, que vão da fábrica ao depósito do supermercado, são meramente objetos utilitários? Elas parecem quase exatamente iguais. E então achava que a diferença entre arte e não-arte tinha de ser invisível, uma vez que não havia nenhuma diferença física relevante entre as duas espécies de caixas.

Eu então achava que isso era perfeitamente geral, que se a "Brillo Box" de Warhol fosse arte, qualquer coisa poderia ser arte, e portanto não havia nenhum modo especial de ser da obra de arte.

Se não era mais possível dizer quais eram as obras de arte -uma vez que qualquer coisa poderia parecer uma obra de arte, e não ser uma obra de arte-, não havia mais nenhuma direção na história. Tudo era possível. Isso queria dizer que tudo que tivesse sido pensado como importante sobre arte não mais pertencia ao conceito de arte. Uma definição filosófica de arte não poderia excluir nada. A arte estava liberada da história da arte, era o que eu sentia.

Folha - Mas como fica a tese do "fim da arte" hoje?

Danto - Como crítico, a tese do "fim da arte" significava que não estaria interessado sobre se o que eu estava escrevendo sobre arte era "historicamente correto". Qualquer coisa era possível, a idéia de direção havia perdido todo o sentido. A cada dia estou mais convencido da verdade essencial da minha tese, o que é antes de tudo surpreendente. A tese era menos óbvia em 1984 do que veio a ser.

Não há direções. Haverá surpresas, mas não surpresas históricas ou filosóficas. E, com o advento do globalização, há verdadeiramente uma arte única no mundo, na qual qualquer um pode entrar. Não há nenhum centro real, como foram Paris ou Nova York.

Folha - Não haverá surpresas ... Bem, isso soa hegeliano, não?

Danto - Quando comecei a falar sobre "o fim a arte", alguém me contou que Hegel tinha tido tal idéia. Ninguém na filosofia analítica levava Hegel muito seriamente com um filósofo, mas eu então tinha de ler Hegel e realmente descobri que ele era um tremendo filósofo da arte. Sua visão do "fim da arte", contudo, era bastante diferente da minha. Ele acreditava que a arte não mais encontrava as necessidades espirituais da humanidade. Somente a filosofia poderia encontrá-las. Minha visão é a oposta.

Por causa de seu pluralismo radical, a arte é capaz de encontrar nossas necessidades espirituais de beleza -pense em arte feminista, arte gay ou no multiculturalismo. Mas a filosofia perdeu sua capacidade de fazer algo por alguém. Ninguém pode pensar como Hegel hoje em dia.

Minha visão do fim da arte é baseada na história interna da arte. Sua natureza filosófica emergiu para a consciência filosófica na década de 1960. Para Hegel, o fim da arte está baseado em sua filosofia do espírito -passamos da fase da arte e entramos na fase da filosofia. Mas no século 20, caímos verdadeiramente em tempos difíceis. Ninguém sabe realmente o que ela é, para mais além.

Folha - Pluralismo e Hegel! Isso rende mais uma explicação, não é?

Danto - Como disse acima, sou o crítico que sou porque sou o filósofo que sou. Como um pluralista, não tenho nenhuma base particular para sustentar uma espécie de arte sobre outra. Tomo cada coisa como aparece e tento tratá-la em seus próprios termos. Em "A Transfiguração do Lugar-Comum", avancei uma definição de obra de arte: algo em um "artwork", se este incorpora significado. Isso rende uma fórmula para a crítica. Tentar identificar o significado -a respeito de "o que é" a arte- e então mostrar como aquele significado está incorporado ao objeto que encontro e olho. Isto é: usar o significado para interpretar o objeto. Um objeto interpretado corretamente é a obra de arte.

Folha - O que pensa da Escola de Frankfurt?

Danto - Os filósofos frankfurtianos estão tão longe da arte como eu a entendo que eles poderiam muito bem viver na Idade Média.

Em parte porque não sou um europeu, mas um americano, e em parte porque eles não tiveram a experiência dos anos 60 que eu tive, vivendo em Manhattan. E, é claro, porque eu não vejo nada no marxismo ou no realismo socialista; todavia eu posso entender como intelectuais da geração dos frankfurtianos acreditaram nessas coisas.

Adorno era um homem pessimista, mas eu sou otimista por natureza. A famosa afirmação de Adorno de que escrever poesia após Auschwitz é obsceno me parece ela própria obscena. Por que as pessoas não escreveriam poesia? Em Nova York, após o 11 de Setembro, milhares de pessoas construíram santuários. Elas estavam bastante emocionadas. A arte é uma resposta natural após uma tragédia -de algum modo, ela cicatriza.

Walter Benjamin foi um homem brilhante, mas sua tese sobre a reprodução mecânica da arte se tornou falsa. Como filósofo da arte, foi sorte estar vivendo no tempo em que vivo, quando tudo está mais claro, quando tudo é possível.

Folha - Mas há scholars que lembram da noção de aura (de Benjamin) em relação ao seu trabalho.

Danto - A idéia de Benjamin de aura está em conexão com a arte e em contraste com a arte reproduzida mecanicamente. A cruz era a fotografia, que no tempo de Benjamin não havia sido aceita como arte por ser "mecânica". Mas agora os museus estão abertos à fotografia, e fotos são colecionadas, tornam-se algo bastante caro.

Benjamin tinha um tipo de agenda institucionalista -se mudamos as instituições de arte, a política segue o costume. O que ele não previu era que o museu abriria as portas para todos, tornando-se amplamente popular. Isso era uma teoria muito original, mas ela não funcionou na prática. Em um sentido importante, a aura estava associada com artesanato e com a mão, e a reprodutibilidade mecânica, com as máquinas, com câmeras. Isso, ao fim e ao cabo, não teve nenhuma importância.

Folha - E como fica a arte em relação à moral, para aqueles que defendem a tese do "fim da arte"?

Danto - A visão de que qualquer coisa pode ser uma obra não implica que qualquer coisa seja moralmente permissível na medida em que é arte. Se alguém decide assassinar seis crianças e exibir os corpos como arte, isso que é arte de nenhum modo diminui a atrocidade moral que é matar crianças.

Minha visão da permissividade artística deixa a moralidade exatamente como ele era: algo pode ser arte e imoral. A liberdade de expressão é absoluta, mas o meio de expressão pode ser moralmente proibido. Pois não acredito em religião, não acredito que algo seja uma blasfêmia em essência -mas certamente as coisas podem ser de mau gosto. Diferença de gosto é algo com que temos que aprender a conviver.

Folha - O filósofo Richard Rorty tem se mostrado pessimista em relação aos EUA. E o sr.?

Danto - Vejo um bom futuro para os EUA. Isso por que eles têm as grandes instituições do século 18 e daí, no fundo, uma filosofia iluminista encravada nessas instituições. Essas instituições protegem as liberdades individuais básicas a despeito das imensas pressões que de vez em quando emergem, de modo que os EUA são o país mais livre no mundo.

E temos vivido como uma democracia por mais de 200 anos, sem um rei, uma aristocracia ou, nos tempos modernos, um ditador ou uma junta militar. Na Guerra Fria, que durou 40 anos, coisas terríveis foram feitas pelos Estados Unidos, mas coisas terríveis também foram feitas pela União Soviética. Foi uma guerra de filosofias em conflito. Aquela guerra acabou, e a filosofia que os EUA sustentaram venceu.

Dadas as violações terríveis dos direitos humanos sob o socialismo, eu sou feliz por termos vencido, mas o preço foi horrível, especialmente para a América do Sul, onde há a questão dos ditadores que foram sustentados pelos Estados Unidos. Acho que tem de haver uma anistia de ambos os lados agora.

Nova York, que eu amo, é um modelo para o mundo. Todo mundo consegue se entender com todo mundo, mesmo se, em outra parte do mundo, eles estejam se dividindo -judeus e árabes, sérvios e croatas, curdos e turcos. O ar de Nova York é feito de tolerância e liberdade. Em todos os lugares do mundo as pessoas estão interessadas na cultura norte-americana. Eles gostam da vida retratada nos filmes, nas canções e na arte.

Penso, também, que qualquer um está interessado no futuro dos EUA. Se outros países vão mal, o mundo segue seu curso. Mas se os EUA vão mal, isso é ruim para o mundo. Eu realmente gosto de ser americano.

O fato de pessoas de outros países estarem interessadas em minha filosofia significa que elas têm de pensar melhor sobre os EUA, uma vez que minha filosofia não teria sido possível em qualquer outro lugar.

Mas há um monte de coisas erradas com os EUA. O país poderia aprender muito com a Europa sobre bem-estar social, por exemplo. A vida americana é cruel de uma maneira que não ocorre em outros países. Poderia ser melhorada e deveria ser melhorada. Mas acho que a idéia de ser melhor está encravada na própria idéia de EUA.

Folha - O que o sr. acha do governo de George W. Bush?

Danto - Bush é um presidente ruim, em minha opinião. Sua filosofia é essencialmente aquela da maioria das pessoas conservadoras dos EUA, que são os menos americanos dos americanos. Eles estão convencidos de que aqueles que discordam deles estão errados, que são completamente não-americanos. Seus interesses estão com a pior parte dos interesses de negócios americanos.

Assim, eles se opõem às pesquisas sobre célula-tronco e ao Protocolo de Kyoto [acordo que busca reduzir as emissões de gases causadores do aquecimento global].

A Guerra do Iraque foi algo para a qual ele, Bush, estava disposto e que fez do mundo um lugar bem mais perigoso. Ele tem violado os direitos privados de seus próprios cidadãos para ampliar o poder presidencial.

Tudo isso é amplamente conhecido e entendido. E na hora certa, forças opositoras irão emergir para suplantar o programa de Bush. Todas as coisas têm sido distorcidas por medo do terrorismo, assim como, na Guerra Fria, elas foram distorcidas por medo do comunismo.

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Blognovela Penetrália: Capítulo 3

Capítulo 3: A CRUZ DO CRUZ & SOUSA

(O Gugol Júlio Fantasma informa que a blognovela foi interrompida de forma abrupta na última sessão).

João Paulo: sou eu que tenho uma abelha na cabeça. O Mário é o que tem o celular que toca sempre Pour Elise e o faz chorar. É que ele leu Adorno e a regressão acústica. Ele lembra que para ele, Lukács, Hegel e Adorno, a arte morreu. E ele não sabe nada de Filosofia. Tem também o cara do trem e o do cometa.

Trem: eu só volto daqui a quatro anos.

Cometa: eu sou o Halley, só volto daqui a setenta anos.

Lúcio (sapateando): Trem? Eu deixo aqui uma sugestão para uma polêmica no blog: o gesto dos Kaiapós de passar o facão no engenheiro da Eletrobrás foi antropofágico? Para mim, foi.

Guzik: Nem é preciso ir atrás de teorias de historiadores e sociólogos. Bastam uma hora à noite sem energia ou vinte e quatro horas sem água (as duas carências rolaram aqui entre terça e quinta) para percebermos como são precárias todas as nossas "qualidades" de vida. que civilização frágil essa que construímos!

Contrera: no encontro entre a barbárie da civilização e a civilização da barbárie sempre há quem sirva de comida aos cortadores de cabeças. o que não significa que não deva existir porrete a demandar um limite entre as facas ou os canhões.

Rio Maynart: Caro Andrei, te sinto mais “Andrei” do que “escrava isaura”, assim como vejo o Vamp mais vampiro do que Odete ‘Róitman’, ele não é um vilão como ela. O Vamp, caro Andrei , é lindamente sensível!!! Ele até teve um surto só pq eu questionei uma frase meio non-sense sobre a mão num sapato ser o mesmo que uma mão no cadáver e parece que o Lúcio Jr. tb teve o mesmo questionamento q eu, (segundo o Gerald)… Para surtar c/ isso, é necessário ter muita sensibilidade (A Odete ‘Róitman’ nunca surtaria c/ essa pergunta. Ela é uma vilã fria, crua, cruel e durona), e olha que ele (mesmo surtado) ainda teve sensibilidade e tesão para agarrar alguém no escuro… Eu acho que ele agarrou foi a Dra. Paloma. Fábio, meu caro, não gosto de rótulos.

Sandra: SENSACIONAL! Ar-ra-sou!

Lúcio: Mas não tem nenhum Andrei aqui, só um boneco. Sarapateus e sarapatetas: sabe o q eu acho mais complicado nessa história do setember eleven? É que agora, um nacionalismo árabe pragmático não pode mais apoiar os USA nem aceitar um programa democrático liberal! Eles venceram, fecharam o sinal. Mesmo o Talibã e Saddam se aliaram aos USA em certos momentos. De agora em diante isso é impossível!

Laerte Braga: para quê apoiar o imperialismo americano?

Andrei Golemsky (o boneco volta a falar, aparentemente sem motivo, numa nova gravação): Ah, seu Laerte, a morte é uma divindade, a morte é uma festa! Certo dia, ouvi num noticiário que dez pubs londrinos, daqueles bem tradicionais, planejam oferecer um novo serviço no mercado gerado pela morte. O referido serviço consiste em, expressando o morto (com alguma antecedência, evidentemente) o desejo de que assim seja feito, ser o corpo e as cinzas depositadas numa urna funerária (até aqui não há novidade). E essa mesma urna contendo as cinzas do antigo cliente seria armazenada, ou exposta, no interior do próprio pub que o morto costumava freqüentar com seus amigos, acompanhada de uma placa convencional de lembranças eternas.

Cruz do Cruz e Sousa: Prezado Sr, estou realmente estarrecido com sua atitude, tanto no seu blog quanto aqui, revelando uma intimidade que jamais tive nem tenho com colegas, ex-colegas, amigos, ex-amigos, companheiros, ex-companheiros, aliados, ex-aliados, adversários, ex-adversários, e digo mais: nem mesmo com parentes de primeiro, segundo, terceiro graus etc.

Até onde me lembro - e estou vivo e lúcido o suficiente para me lembrar completamente de todos os meus atos - jamais o agredi, jamais o desqualifiquei, jamais encaminhei qualquer ação com objetivo de lhe causar danos de qualquer natureza. Todas as vezes em que conversamos, dentro e fora da UFMG, cumpri com minha obrigação elementar, enquanto humano (e certamente o Sr. é daqueles que duvidam da humanidade dos negros, dos pobres e outras minorias), de respeitar o outro.

Como tantos, escolhi o trabalho intelectual, desde o início da vida adulta, como "métier": penso, pesquiso, falo, escrevo, enfim, exponho-me. Evidente que esse tipo de trabalho, o conjunto de idéias que o caracteriza, freqüentemente desagrada a outras pessoas, grupos, facções, partidos, guetos, bairros, turminha da mônica e outras turmas, contraria seus princípios, sua etiqueta social etc. Entretanto, nada justifica o linchamento daquele que, com suas idéias, desagrada a qualquer grupo, o que significará sempre a velha e intolerável confusão de fronteiras que tantas tragédias já causaram à humanidade. Tive e tenho o direito a emitir as idéias que entendi e entendo que são mais plausíveis, direito que também lhe assiste, bem como a qualquer outro mortal. Neste momento em que o Sr., que tem idade suficiente para responder pelos seus atos, pavoneia-se debilmente com o meu nome, procurando, como outros, seus 15 minutos de fama (afinal, quem é o Sr.mesmo?), creio que esteja cônscio sobre as conseqüências de chutar um cachorro-não-morte, creio que conheça bem o ditado paranaense que Leminski gostava de recordar: quem come pedra, sabe...

Lúcio (sapateando cada vez mais, com as mãos na cintura): era só o que me faltava...Fala, minha cruz! Quem chamou você aqui nessa blognovela?

Cruz da Cruz e Sousa: Deixo bem claro, mais uma vez: não admito nem jamais admitirei que pessoas maledicentes, mesquinhas e autoritárias, em bom uso ou não de suas faculdades mentais, procedam a julgamento sumário da minha pessoa nem do empreendimento que, orgulhosamente, fundei há quase dez anos e é - para aumentar o ódio de figuras ridículas como o Sr., típicos remanenescentes do nosso nazionalismo merdavarelo - uma das referências de um tempo, de uma geração e de um lugar nos anos 90. Quanto a discutir meu ensaio "A Desarmonia da Harmonia" com o Sr., ensaio cuja importância o Sr. mesmo reconhece ao escrever todo um outro ensaio a respeito, considero uma proposta altamente indecente. Volto a lhe perguntar, com toda sinceridade: quem é o Sr. mesmo? Eu, como o Sr. bem sabe, sou A CRUZ DO CRUZ & SOUZA.

Lúcio (sentado, segurando o pé): Olha, eu não tenho nada a ver se o poeta do desterro foi recebido friamente. E você vem com essa velha frase: “Você sabe com quem está falando?” E que negócio é esse de nazionalismo. A Sra. Cruz é que ficou louca.

(Nesse momento, Lúcio observa que há outros bonecos, esses minúsculos, de sarapatetas pela sala. Mas primeiro, ele precisará resolver o problema da Cruz, que traz junto uma enxurrada de lama que ameaça encher a sala. Os bonecos dos sarapatetas flutuam juntamente com Rio Maynart, Laerte Braga, Contrera e Guzik, que gesticulam pedindo socorro).

sábado, 23 de agosto de 2008

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Blognovela Penetrália, capítulo 2: Sarapatetas, Sapateiem!

Blognovela Penetrália. Capítulo 2: SARAPATETAS, SAPATEIEM!

(Os sarapatetas se ausentam, deixando em seus lugares meros bonecos de cera que caricaturam seus rostos. Sobrou apenas Lúcio, que fala agora com o rosto do Lúcio da propaganda do governo federal que sugere que você, eleitor, não vote em maus políticos).

André Duarte (ouve-se uma voz gravada saindo de seu boneco, inicialmente dando um email): http://sarapateta.tripod.com/ Certamente nossos sapientíssimos leitores já procuraram conhecer a incrível cultura dos povos pré-fetófagos que habitavam em distantes tempos ancestrais as construções cujos restos formam o sítio arqueológico de Al Benakor. É um lapso absurdo para todo aquele que envereda pelos caminhos do conhecimento não ter sequer ouvido falar desses povos e das ruínas descobertas em 1967 pelo arqueólogo inglês Sir Anthony Ivor e que têm mobilizado um enorme contingente de arqueólogos, paleontólogos, antropólogos e outros estudiosos num esforço conjunto e coordenado para elucidar parte da história desconhecida e repleta de mistérios de toda a região do vale do Baixo Nor. Toda esta região situa-se em um dos mais inóspitos e misteriosos territórios da face da Terra: os pântanos de Gotzey, tido por alguns também como um lugar repleto de forças mágicas de cujas origens não se tem notícias...

Lúcio (sapateando): André, isso tudo é mentira. Al Benakor nunca existiu. Não minta aos leitores (dirigindo-se para os leitores): meu nome é Lúcio, quando eu fico nervoso, eu sapateio!

(Entram em cena outros personagens do teatro do absurdo da política: Mariana, que anda em círculos quando fica nervosa; João Paulo, que cria uma abelha no ouvido esquerdo).

João Paulo: eu sou uma abelha na orelha da esquerda! Heloísa Helena confirmou Glauber naquela frase: quem é revolucionário na política geralmente é reacionário em arte. Citou o poeta Dedo Ivo em entrevistas. Ledo e Ivo engano, só porque ele é alagoano? Oswald de Andrade disse que ele era o chulé de Apolo! Eu votei em Heloísa, mas quando perguntaram se ela apoiava o aborto, ela disse que aborto era o chulé de Rosa Luxemburgo!

Mariana (monologando em círculos): para lá, para lá. Quatro anos é muito tempo, não quero o terceiro mandato de Lula, mas José Alencar gostaria de consultar o povo. Zé, não tema a morte! Tema o terceiro mandato! Tema que esse referendo existia na constituição da Venezuela e não do Brasil! Eu sou uma personagem de Beckett, de Ionesco. Fail. Fail again. Fail better. Eu não posso ir. Eu vou, andando em círculos! Caetano Veloso, lendo uma entrevista de Lobão no show, disse que era stand up comedy. Vô, vô, por que não? Lobão criticou João. João Gilberto. João Grandão. Me chama, me chama, me chama, me chama, João, mas no sue apartamento de bosta nova não vou não. Essa é uma linguagem morta, beatlemaníaca, eu ligo o rádio e jabá, jabá, eu te amo, é para tocar no rádio, no rádio do seu coração, para chupar com Paul mole. Mas João cortou a mágica do absurdo, não as lágrimas no escuro. E Lobão tem razão? Lobão colocou Caetas como signatário-gilete de um abaixo-assinado pela numeração de CDs!

Lúcio (sapateando): sempre que eu fico nervoso, eu sapateio. Eu sapateio na empresa, diante de todo o staff, eu sapateio para me casar, eu sapateio...só no sapatinho. Eu tinha que ir à Lapa antes que Lobão acabe com ela, eu me solidarizo com os marxistas branquelos universitários e loosers. Eu sou LOOSER, Jesus é LOOSER, IRAQUE E AFEGANISTÃO SÃO PAÍSES-LOOSERS, Lobão é WINNER?

(Subitamente, outros bonecos começam a falar):

Marcos Xavier: de grão em grão a galinha enche o saco! Se repararmos bem as atitudes humanas, não será difícil perceber o quanto o homem ainda preserva de seu lado animal, principalmente ao analisarmos seu comportamento alimentar. Não satisfeito com toda a infinidade de alimentos que a natureza lhe proporciona, o homem insiste vorazmente em provar absolutamente tudo. Animais? Já saboreou todos, sem deixar escapar nada, aproveitando rabo, focinho, língua etc. Muitos devem ter morrido ao comer plantas desconhecidas que eram venenosas. A fome, sem dúvida, faz com que muitos sejam obrigados a comer, dramaticamente, até lixo. Porém, o apetite humano vai além da fome: não bastassem os peixes, há que se comer toda a população marinha, até mesmo as ovas do peixe. Há restaurantes na Flórida que servem caranguejos ainda vivos. Sabe-se também que num exótico restaurante situado nas proximidades de New York servem-se larvas negras que se proliferam em madeiras podres. Lembre-se ainda que em algumas tribos nômades de uma república da Ásia central, uma das iguarias mais apreciadas são olhos de carneiro cozidos. Independentemente de fatores sociais, o fato é que o homem não passa de um bebê que sai engatinhando e vai colocando na boca tudo que acha pela frente. Ou uma galinha que sai ciscando. O mais radical, sem dúvida, nessa gula sem precedentes, são as tribos canibais. Entretanto, não duvido que muitos de nossa espécie "civilizada", ao verem algumas banhas humanas, imaginem suculentos torresmos. A bem da verdade, sabemos bem de alguns que não resistiram à tentação e foram condenados à prisão e mesmo à morte. O que é isso? O resultado aberrante de uma fase oral psicótico-megalômana? Ou é simplesmente a natureza humana? Bem, resta-nos ter esperança no grande salto evolucional da antropofagia dos Andrade de 22!

Lúcio (sempre sapateando): quero comer essas LARVAS PODRES em New York! Elas são a cura para o meu sapateado.

(O boneco de Érico se aciona): ... e eis que eu me vejo envolto numa auréola de fumaça, num véu de formas cambiantes, fugidias, hipnóticas, promessas de segredos indecifráveis, desde sempre perdidos.

(Lúcio, sapateando, resolve calar o boneco, pois o google não aceita apologia de cigarro. Algumas frases saem entrecortadas): Não sou o Marlboro Man, não vivo nas pradarias, não habito o paraíso fácil de quem não morre... nem nunca morrerá de câncer de pulmão. Cultivo um hábito decadente... que pode me levar a morte, mas afirmo que saber cultivar um vício é uma virtude, é uma arte...Nada de niilismo indolente aqui... que o cigarro é um veneno, mas é um santo veneno, um veneno enviado por deuses que não existem mais -- amém! uma névoa sinistra....Ora, e o que há por detrás da fumaça? Multidões de não-fumantes indignados com...Confinados em nosso pequeno mundo, ascendemos em espirais de fumaça, o planeta em combustão lenta e programada, os céus ... e meu sorriso na névoa cinza como uma meia-lua, como o sorriso do gato de Chelshire...

(Lúcio desliga o gravador de todos os outros bonecos): Só vou deixar vocês falarem daqui a quatro anos, quando vou tentar parar de sapatear de novo!

Segredos de Alcova de Coquita Rugello: Minha Vida, Meus Amores

Lúcio E. do E. S. Júnior


O livro de memórias de José Vicente dos Santos (Minha Vida, Meus Amores, Brasília, 2008) do famoso gay bom-despachense Zé Toniquinho, é claramente um livro com um co-autor: Pedro Rogério Couto Moreira, filho do ex-presidente da Academia Mineira de Letras. A editoração é cuidadosa, realizada em Brasília; o livro conta com fotos coloridas e papel de muito boa qualidade. Faltou, no entanto, um índice para essa narrativa de mais de 150 páginas.
O gênero “memórias” talvez seja aquilo que fica melhor definido em termos de gênero dentro desse livro. Afinal, o gênero sempre foi o grande problema do autor: José é uma alma de mulher dentro de um corpo de homem. A identificação do autor (afinal, o sexo é um suplemento, não bastando para definir a identidade de alguém), foi com a figura da puta, hetaira, messalina. E é assim que o leitor é levado a ler esse livro: colocando-se na posição de quem ouve uma cortesã leviana contar seus segredos de alcova. A linguagem, embora tenha passado pela pena de um letrado, foi mantida crua, o que faz com que o texto beire o pornográfico e não seja recomendável para todos os gostos: é, definitivamente, um livro para adultos, indicado para os mais debochados e brincalhões.
O livro mantêm a âncora no social nas primeiras páginas, enquanto descreve sua infância em meio ao drama da pobreza e da fome, com a família desfeita após o desaparecimento da mãe no Rio de Janeiro. Aí está o verdadeiro valor desse relato, aquilo que será objeto de estudo dos historiadores das mentalidades e monografias de final de curso para os psicólogos.
Após o capítulo sobre as primeiras safadezas, não se pode mais tanto falar no autor e sim em Coquita Rugello, personagem andrógina, travesti e picaresca que ele soube, muito bem, criar. Mais do que um co-autor, esse livro tem um cu-autor. Freud escreveu que, para os invertidos, a penetração per anum torna-se um sucedâneo do ato realizado com a mulher: parece estar falando de Minha Vida, Meus Amores. Nesse texto orientado para dar prazer ao leitor com a penetração do leitor dentro dos recantos mais íntimos do corpo e da alma do autor, tudo converge para o ânus, que se torna uma espécie de substituto da vagina primordial.
O ânus ávido da personagem, CU-AUTOR, é um anus horribilis que só é conciliável com a religião se costurado, conforme afirma o próprio José, é o monstro que devora padres e abala a ordem social, buraco negro que tudo suga, constituindo o centro de suas memórias. O mundo contado de José Toniquinho é aquilo que se pode esperar ao ouvir uma puta veterana no cais de um porto: delírios de mau gosto e fantasias fálicas misturando-se a instantes em que a hipocrisia social é toda posta a nu. Pode-se dizer que o livro termina numa estranha espécie de empreendedorismo do próprio ânus e marketing pessoal “orientado para o leitor”: na página 161, o autor proclama que tem 70 anos, está velho, mas ainda tem o rabo quente, está ativo e amando muito, como se estivesse convidando o leitor a procurá-lo para também fazer parte dessa história.

Site do Suplemento Literário de Minas Gerais

Uma dica: cadastrem-se nesse site, leitores e colaboradores, e recebam o SLMG gratuitamente em casa. Eles pagam pela colaboração.


http://www.cultura.mg.gov.br/