Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
domingo, 6 de dezembro de 2009
Cesar Benjamin, Lula, Caetano, Filhos da Pátria que os Pariu
Benjamin é esquerda independente. Há muito vem criticando o governo Lula com bons argumentos, mas agora que fez uma observação pessoal na Folha, levantando a hipótese de Lula ter tentando forçar um garoto do Movimento da Esquerda Proletária na prisão em 1979, é que ele obtém repercussão. A mídia vende é com o escândalo, a baixaria é que é comentada. Triste, mas Benjamin vai continuar como importante crítico da esquerda pela esquerda. Lula já disse absurdos sobre a luta armada, dizendo que os guerrilheiros não deram conta nem de umas muriçocas. Ninguém se importou. Agora, Cezinha fez um ataque particular que pôs em polvorosa a militância petista e a base governista; ele fez despertar o fantasma da ex-mulher de Míriam em 1989, que com seu ataque pessoal devastou a campanha de Lula, assim como arrasou Lula psicologicamente, a olhos vistos.
Pena que ele não criticou a estética do filme do Lula, totalmente devedora da Globo e de suas telenovelas. Fora o anacronismo de colocar Zezé Di Camargo e Luciano como trilha sonora de acontecimentos dos anos 70. E isso, por sugestão política de gente do PT. Enquanto Dilma bate na Globo em seu blog, chamando os jornalistas da grande rede de tucanos, o filme de Lula transmite a mensagem contrária: produto audiovisual só dá certo com o melodrama sem distanciamento crítico algum da telenovela, filme nacional só dá certo copiando a estética subroliúde da Globo. É, Lula, as imagens falam por si!
Deve-se criticar Lula e seu filme: qual o legado teórico de Lula? Existe um certo obreirismo no PT, como subsequente mitificação da figura do operário? Que valores ou antivalores Lula representa? O filme ensina ao povo o quê, objetivamente, que ensinamento ele dá às massas? Ele simplesmente apela para que se mitifique um político, mostrando-o como um super-homem, dando a entender que se deve segui-lo e eleger a Mulher Maravilha que o Superman apontar?
Para fazer essa crítica tão necessária, deve-se evitar tanto o ataque particular de Cezinha (que, pelo menos, abre o debate sobre o filme de Lula) quanto o ataque boboca e confuso de Caetano Veloso, que insiste em dizer besteiras, agora dizendo que Lula não sabe conjugar "substantivos e artigos" (deveria falar em concordância nominal, conjugação é para verbos) e o pior, em Portugal. Caetano: não são os linguistas brasileiros que idealizam a fala de Lula, é você que idealiza, com a cabeça colonizada, o português de Portugal, desejando impô-lo aos brasleiros como o mais bonito, o mais chique, o mais elegante...
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Algumas anotações
Minha professora Angélica Sátiro está na Espanha. Coisas estranhas se passavam no te-a-tro & a conversa é toda muito break, blow, burn.
Cláudio: uns toques, ideias plásticas: No Limite é Survivor, Big Brother é da Endemol, é tudo versão de programas norte-americanos, holandeses, etc. A velha questão da cultura aqui ser postiça, que fala Schwarz. Na Globo é verdade porque a Globo é espuma flutuante, fútil, colonizada. No entanto, Milton cantando no Criança Esperança me comoveu, teve homenagem a Villa-Lobos e a Guignard, que a Angélica não sabe pronunciar, infelizmente, etc, mas deu alguma esperança. Mas não vou doar, pois não se consegue isenção fiscal e, afinal, quem vai declarar esse dinheiro no imposto de renda? A Globo? A UNESCO? Todo mundo pedindo. A trupe pedindo grana.
Glauber reagiu violentamente a Schwarz quando ele disse isso do tropicalismo (que era versão da arte pop): senão o Cinema Novo viraria versão complexa e cabocla da Nouvelle Vague e por aí vai. Hélio Oiticica, diante da Rolling Stone de 1972 também reagiu assim: por que precisa ser cópia da daqui, se tem tanta gente talentosa em design no Brasil? Voltando: Glauber esculhambou Schwarz: os tropicalistas eram anti-Beatles, anti-Rolling Stones.
Também combato essa ideia de que tudo no Brasil é versão de algo da metrópole, mas às vezes tem coisa que...tem uns bozos da vida, né? E tem Papai Papudo, Vovó Mafalda e o Socialismo Brasileiro de Televisão faz aniversário, como dizia meu amigo escritor Dênis Reis.
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Alencar, Schwarz, Caetano
A passagem que motivo a nota foi um fragmento do livro Sonhos d´ Ouro, de José de Alencar. O primeiro passo, segundo Schwarz, é dado pela vida social e não pela literatura. A crítica de Schwarz imaginar que o Brasil é mera cópia da Europa, o que desde o tempo da colônia é equívoco. E nessa edição de 78 há citações de Gilberto Freyre, que não aceita essa idéia da cópia, que sempre frisa a excepcionalidade da mistura de raças do Brasil. A passagem de José de Alencar é a seguinte:
Tachar esses livros de confeição estrangeira é, relevem os críticos, não conhecer a sociedade fluminense, que está a faceirar-se pelas salas e ruas em atavios parisienses, falando a algemia universal, que é a língua do progresso, jargão eriçado de termos franceses, ingleses, italianos e agora também alemães. Como se lhe dá de tirar a fotografia desta sociedade, sem lhe copiar as feições?
Já a nota diz:
A situação é comparável à de Caetano Veloso cantando em inglês. Acusado pelos “nacionalistas”, responde que não foi ele quem trouxe os americanos ao Brasil. E é claro que cantando em inglês com pronúncia nortista registra um momento substancial de nossa história e imaginação (Schwarz, 1978, p. 56)
E agora, o mais engraçado: Caetano canta em inglês, no disco Transa de 1972, por exemplo, em inglês britânico, disfarçando ao máximo seu sotaque baiano. Ele sempre teve orgulho em dizer que canta e fala em inglês “sem sotaque”. E outra: ele é nordestino, não “nortista”!
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Caetano X Cláudio Tognolli: A Luta contra a imprensa continua...
NEW YORK TIMES |
12/09/2008 6:47 am |
Robson, acho, pensou que creio que os grandes jornais americanos não permitiriam críticas negativas a medalhões. Eu não disse isso. De fato, se fosse assim a imprensa de lá seria o oposto de uma imprensa livre. E o desenvolvimento técnico dos artistas estaria estagnado. Mas não é assim. Citei dois ídolos de geração anterior à minha porque eram os exemplos que eu dava quando comecei a falar no assunto. Mas não seria muito diferente se se tratasse de Dylan, Prince ou Al Green. Mesmo Iggy Pop. Um tratamento grosseiro e de antemão desqualificador não fica bem em jornais como NYT ou o Washington Post, eis tudo. Citei o caso extremo da crítica a Chico na Ilustrada: poderia lembrar que lá também li que o cello de Jaques Morelenbaum é “assassino” (sendo ele um cellista de quem o grandes músicos, críticos e produtores do mundo todo dizem tirar o mais belo som daquele instrumento - além de ter uma capacidade de improvisar e entender os meandros da harmonia com uma sensibilidade sem competidores) - e que os músicos da Timbalada deveriam estar numa jaula. Não é isso, no entando, o que interessa. O caso é que, na crítica ao show de Roberto comigo cantando Jobim, não chegou a haver uma patada desse tipo (embora “naftalínico” e “necrófilo” tivessem aparecido no Estadão e, sei lá, “modorrento” ou algo assim na Folha). Eu apenas identifiquei que, por trás disso, havia o folclore de soar desabusado - coisa que vem manchando a crítica de música popular no Brasil há anos. E quis informar a quem não sabe que isso não é normal no mundo todo. Escrevi que a crítica de música popular é “o lixão” do jornalismo porque é o que observo desde sempre (e isso é assim em todo o mundo, diferentemente do hábito de escrever de modo forçadamente iconoclasta, que só vejo acontecer aqui; digo, na grande imprensa, pois nos tablóides pós-punk - sobretudo ingleses, mas com imitações francesas, italianas, portuguesas etc. - isso é a norma). Mas ressalvei que, com a virada dos Beatles, uma confusão interessante se deu - e ela é visível sobretudo nos citados tablóides e revistas roqueiras, a um tempo esnobes e chulas. A imprensa neo-conservadora tende a ser grosseira (a Veja é exemplo gritante, mas vemos isso na Fox News, até na Newsweek e na Time, com seus “ele está errado”) e, com isso, adotou algo do linguajar desses tablóides. Mas vê-se que mesmo aí há exigência e cuidado quando se trata de crítica de cinema: alguém pode imaginar Isabela Boscov escrevendo absurdos como os que o Martins da música pop escreve? Alguma matéria sobre cinema é, de longe, irresponsável, errada, cínica, grotesca como a que li em Veja sobre supostos seguidores do Los Hermanos? Não. A Boscov mostra que estuda, que faz o dever de casa. Martins põe que Zé Miguel é “pior do que Moby“. Mas eu, eu mesmo, não sou vítima desses malucos. Recebo mais elogios do que mereço. Claro, os ódios contra mim são espalhafatosos. As mesmas razão que me protegem contra uma desqualificação unânime serve para deixar meus detratores espumando: minhas relações decisivas com o rock, que me levam a ter um certo protagonismo na história do gênero no país e, ao mesmo tempo, minha independência de - e mesmo relativa desatençao a - ele. Quando a Ilustrada abriu o gosto para uma perspectiva internacional e anti-provinciana, eu era do cânone - enquanto Bethânia, Chico e Milton, por exemplo, estavam no Index. Chiei muito contra isso. Milton, naquela época, era o músico brasileiro com maior prestígio internacional. Bethânia e Chico eram as duas mais sólidas reputações do mundo da música no Brasil. Era desproporcional um caderno de cultura e entretenimento reservar-lhes espaço pequeno e palavras de leve desprezo. Roqueiros dos 80 mais Gil, Caetano e Gal - fora, é claro, toda a inglesada e alguns americanos - me parecia programa estreito. Disse isso a Marcos Augusto e a Matinas. Ouvi pessoas próximas a mim dizerem, em tom de piada violenta, que não-sei-quem ou não-sei-quem deveriam ser despedidos. Sempre desmereci essas piadas, mesmo como piadas. Mas já li até na Caros Amigos, contado por um jornalista que está em plena e brilhante atividade, que destruí a carreira de jovem e promissor repórter por ele ter se negado a namorar comigo (eu teria recusado dar-lhe entrevista em Londres por ele não se entregar a mim - quando, na verdade, a entrevista foi feita, publicada e tudo, sem que ninguém tenha forçado ninguém a fazer nada com ninguém). Nessa mesma entrevista foi lançada a expressão “máfia do dendê” para caraterizar-nos a mim e a Gil - a aos baianos em geral - como manipuladores dos meios de comunicação. Unanimidade? Nunca, em nenhum período da minha vida, experimentei tal status. Não estou preocupado com isso: nem a desejo nem a temo, a unanimidade. E, pensando bem, até Machado de Assis recebe reiteradas estocadas (às vezes bem violentas e injustas) de Millor Fernandes. Colombo e Jotabê, no entanto, não parece que miravam em mim. Miravam institivamente no ambiente celebratório que cerca os eventos dos 50 anos da bossa nova. E ainda por cima com antipatia pela evidente ligação com o Rio que esses eventos fatalmente teriam. Houve um descompasso suspeito, sintomático, que foi flagrado por Bárbara Gância, colega e amiga dos dois críticos. Eu não me sinto impedido de me manifestar (com o desleixo que o assunto merece, mas não sem o esforço de precisão que a luta contra as consequências nefastas desses gestos exige). Finalmente, só tinha lido o trecho do Jotabê que Robson citara - e tinha achado forte (embora não me escapasse a falsidade da visão de meus poderes de cortador de cabeças). Fui ler hoje o texto inteiro. Achei bem menos forte do que o trecho fazia esperar. Mas o português está melhor (será que há um antropólogo copidescando o lance dele?). Hermano aqui só conserta coisas como Pasquali, Zizec… Aquele maravilhoso ato falho de, contando que trocara um “s” por um “z” num texto criticando o português (e a ética) do Xexéo, eu ter escrito “veses” ele deixou. E o “trexo” foi só uma vez, num texto que tinha a palavra grafada corretamente várias outras. Mas já confessei que me atrapalho em ortografia. F. Scott Fitzgerald dizem que era bem pior. E ninguém escreveu nada como “O Grande Gatsby”. Mas num blog, escrito nas migalhas das madrugadas, “typos” abundam. (”Typos”, para quem não sabe, pronuncia-se “táipôs”, com tônica na primeira sílaba, e é expressão inglesa para dizer “erro de digitação” ou “troca de uma letra por outra na gráfica”). Chega desse papo. Como crítico, adoro os versos que chegam nos orgasmos mútiplos em “Homem“. E os de “Lapa”, então, com Lula e FH, nem vou falar. Mas hoje gravei violão e voz em “Lobão tem razão“. Ficou “pronta” pela primeira vez. Ia gravar mais, mas as relações da lendária mesa (que também foi onde se gravou todo o “Clube da Esquina“) com a outra mesa maior, e dessas com Moreno e Daniel, não foram harmônicas: eles perderam horas com os técnicos do estúdio AR tentando desvendar o mistério de um problema que pintou. Amanhã ouvimos como ficou gravada hoje e, a depender do que achemos do resultado, gravamos de novo. E, com fé em Billy Wilder, gravamos outras duas. Estou com pressa? Kind of. Aliás, falando em inglês, eu queria responder a um americano que escreveu duas vezes faz tempo: acho que vai ser legal um post bem curtinho em inglês. Mas será que eu sei escrever posts bem curtinhos? Comecei com vergonha de tocar volão. Depois relaxei mais. Daí fui cantar e perdi todo o entusiasmo com o disco. Me achei sem graça, chato, com essa trava que aparece no estúdio (em show isso é bem melhor). Mas depois de cantar umas cinco vezes a canção toda (até para Daniel e Moreno chegarem à captação de som que queriam) comecei a me animar com as possibilidades. E terminei gostando de algo ali. E voltou à toda meu entusiasmo pelo disco. A escolha da primeira música a ser gravada obedeceu a um critério apenas prático: era a primeira música que estava na fita em que só tem uma versão de cada arranjo e, portanto, não precisa de Daniel fazer reduções complicadas nem de nós todos elegermos qual das versões se presta mais à adição do violão e do canto. |
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Ai, Que Preguiça!
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
Marginal Pinheiros

MARGINAL PINHEIROS |
28/08/2008 3:22 am |
Estou tão enfronhado no Rio com esse projeto da Obra em Progresso que tenho me sentido longe à beça de São Paulo. Vim aqui fazer o show com o Rei no belo teatrinho do Niemeyer no Ibirapuera e senti o tamanho da saudade que eu estava de Sampa. O teatro é elegante e induz à quietude. Se o show fosse no Ginásio do Ibirapuera, o ruído dos aplausos assustaria a boba da Folha e o burro do Estadão que escreveram sobre o show. Há anos não leio nada tão errado sobre música brasileira - e, mais uma vez, envolvendo Roberto Carlos e este transblogueiro que vos fala. Se eu tivesse direito a convite, teria chamado Augusto de Campos para estar presente ao encontro: foi ele quem escreveu o primeiro texto de apoio crítico à Jovem Guarda, prefigurando o tropicalismo e opondo a energia da turma de Roberto e Erasmo à pretensão da turma de Elis. São Paulo é isso. Quando vi a Ponte Otávio Frias em frente aos prédios pós-modernos da Marginal Pinheiros (prefiro prédios pós-modernos aos chamados modernos que encheram nossas cidades de desarmonia, em nome da racionalidade) me senti esperançoso. Dei entrevista a Jô (onde disse isso) e segui para o lançamento do livro do Mangabeira na Casa das Rosas. Agora (já às duas e meia da manhã) o provincianismo fraco dos articulistas dos dois grandes jornais locais não conseguiu abalar essa sensação. O Brasil de Tom, que é o Brasil que precisa estar à altura da bossa nova, cresce para fora e para longe do Brasil dos débeis de cabeça e de coração. Escrevo isso só para mostrar aos que comentaram as críticas hilárias da província paulistana que também li e que fiquei com pena dos dois fanfarrões que não sabem nem escrever. O do Estadão então é inacreditável. Como é que qualquer editor deixa sair um texto com tantos erros de português, tantas redundâncias e obscuridades, tamanha incapacidade de articular pensamentos? A da Folha não sabe pensar mas exprime de forma primária esse seu não-saber. O outro, nem isso. O texto dele é tão mal escrito que a gente tem de adivinhar o que ele pensa - e chega à evidência de que pensa errado. Mas de alguma forma o artigo da mulher parece ser mais prejudicial do que o do cara. Não respondo aqui a ela nem a ele. Nada digo aos jornais que os publicaram. Deixo aos leitores paulistanos que viram o show. Eles vão escrever protestando. Os jornais talvez publiquem algumas das cartas. Chega de verdade. “Lobão tem razão” vai ficando muito bonita dentro de mim. Cada vez que a canto ela parece melhor. Fui cantar um trechinho no Jô e fiquei emocionado. “Lapa” nos pareceu - a mim e aos caras da Banda Cê - boa de cara. “Lobão tem razão” cresce com o tempo (em nós, pelo menos). Agora vamos começar o trabalho de estúdio: três dias de ensaio e, na segunda, começa a gravação do CD. O DVD, feito de números em construção, tirados das apresentações no Vivo Rio e no Oi Casa Grande, vai ser um documento da Obra em Progresso. Mas o CD será a prova dos noves (é dos noves, sim: a gente parece que tem medo de pôr os numerais no plural! - até o Oswald de Andrade, naquela grande frase de um dos seus manifestos, escreveu “a alegria é a prova dos nove”; bem, não está errado, mas a própria prova é sempre feita com o uso da expressão “noves fora…”; e como eu já gosto de nove, essa idéia de noves - muitos, múltiplos noves - me dá enlevo). Muito aprenderemos sobre essas canções e suas concepções sonoras quando as ouvirmos gravadas em estúdio. De minha parte, estou curioso e um tanto impaciente. Suponho que a gente vai lançar o CD ainda este ano. O DVD, como recordação do processo que chegou até ele, fica para um pouco depois. Depois do carnaval? Acho que todo o mundo devia ler o livro “O Que a Esquerda Deve Propor”, de Roberto Mangabeira Unger. É um livro pequeno, denso mas muito claro, que faz renascer o sentimento de “ser de esquerda” em nós. Há propostas concretas interessantes e sobretudo uma visão do mundo hoje que nos liberta para pensar. De minha parte, vejo ali formuladas muitas das idéias que tentei eu próprio encontrar dentro de mim. O capítulo sobre os Estados Unidos e seu papel no mundo hoje é obrigatório - e independe de você querer ou não apostar nas sugestões de mudanças institucionais que Mangabeira oferece. Leiam e vejam se não está ali tudo o que precisamos saber agora sobre a morte das formas de política de esquerda que conhecíamos - sem que seja necessário passarmos a ser conservadores. Há décadas que venho dizendo que Brasil não pode jogar fora a contribição que nos quer dar esse pensador. Agora vejo que o Brasil não vai fazer isso. Temos um dever de originalidade. Temos algo a dizer ao mundo. Mesmo que nunca o disséssemos - mesmo que nunca o digamos - nós o temos. Mesmo que o calemos ou nos recusemos a articulá-lo, temo-lo (e é com prazer que o digo assim, homenageando o português lusitano, que também é nosso e que não devemos ignorar: um dia desses vou escrever sobre lingüistas que agridem os gramáticos em nome de uma demagógica receptividade ao que às vezes é mera limitação opressora dos falantes - mas não vou voltar aos erros do carinha do Estadão). Estou escrevendo qualquer coisa hoje porque fiquei muito pegado com os shows de Tom/Roberto e nunca mais tinha escrito nada. Mas voltarei. |
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Direto da edição: atrás do transamba |
22/08/2008 1:05 am |
AQUI FALA O HERMANO: Quito Ribeiro é parceiro de longa data. Acho que nos conhecemos quando ele era adolescente. Era um dos amigos do Moreno, que se tornaram também meus amigos queridos e hoje têm carreiras artísticas/intelectuais tão interessantes e diversificadas, algumas já ilustres: Pedro Sá, Kassin, Lucas Santtana, João Miguel, Pedro Süssekind e muita gente mais. Turma bacana essa… Quito é músico, produz seu próprio transamba baiano/jamaicano. Disco e shows excelentes e poderosos. Mas é também roteirista, editor etc. Fizemos juntos o roteiro de Tempo Rei, documentário sobre Gil. Ele participou da edição do Música do Brasil, do Central da Periferia. Montou O Maior Amor do Mundo, filme de Cacá Diegues. Etc. Etc. Agora está editando as entrevistas de Obra em Progresso, para o DVD. Da ilha de edição da Natasha, no seu segundo dia de trabalho, ele manda este texto, cheio de boas questões de quem está mergulhado nas horas e horas de material filmado por Toni Vanzolini: “Estou aqui começando a editar o material de entrevistas que vai ser incluído no DVD. Faz parte deste processo inicial a idealização de um roteiro, ou de vários, à medida que vamos tomando conhecimento do material que dispomos. Um ou vários, todos são, em geral, diferentes do roteiro que foi escrito antes do material ser filmado ou gravado. Neste caso específico nunca houve um roteiro. Estamos fazendo o que em linguagem cinematográfica chama-se cinema direto. Seguindo os passos dos nossos “personagens” sem fazer maiores interferências. Resolvemos em conjunto tentar falar sobre o transamba. Fico então aqui na ilha de edição, montando estes roteiros virtuais, tentando tornar o transamba compreensível. E as perguntas não param de aparecer. Seja para tentar fazer conexões entre as partes do material; ou forçá-las; ou tentar cobrir buracos onde eles eventualmente surgem. A edição de um material sempre carrega consigo certa insatisfação com o material que foi obtido. O que é natural porque uma dose de insatisfação é inerente ao próprio processo; ou seja: ao fazer as perguntas, não quer dizer que eu esteja levantando as questões fundamentais para que o filme tenha uma narrativa fluida e coerente ao final. Enfim, como este trabalho permite este tipo de situação, resolvi compartilhar essas questões aqui no blog e publicar as perguntas que em outros trabalhos não tenho a oportunidade de fazer. Não sei se essas respostas, se vierem, estarão melhor no blog ou nesta sequência que estou montando (no momento essas respostas me ajudariam sobremaneira), mas seguindo o mantra da Obra em Progresso… ****** Uma vez ouvi Caetano dizer que pensou, junto com Pedro Sá, antes do Cê, em fazer um disco meio anônimo, mas que seu lado leonino não deixou e eles acabaram fazendo o Cê. Fico pensando em “Todo errado”, em “Lobão tem razão”, em Caetano e Moreno cantando “Be kind to your parents”… E pra mim isso tudo por algum caminho soa meio lado B de um Caetano que faz do seu show um ritual todo marcado, todo solar. Jacques Morelembaun e Arto Lindsay falaram algo disso nas suas entrevistas. Ao mesmo tempo penso no samba como um lado B de um ritual religioso. E aí me dá vontade de saber: porque que Caetano escolheu o samba para ser o mote desta Obra em Progresso? *********** Agora ouvi Moreno dizer na entrevista, que também é atitude de um leonino, se quisermos continuar nestes termos astrológicos, expor o processo inacabado. Ele conhece o pai dele melhor do que ninguém. Donde concluo que o lado B de um leonino é tão solar quanto o lado A. Eu, da minha parte, tenho consciência que este transamba que estou procurando no material filmado, de alguma maneira é transcaetano. Ele já está presente aqui e ali ao longo da carreira dele. Já esteve iluminado aqui e ali, por assim dizer. Mas agora ele resolveu nomear. Que situação ou situações levaram Caetano a querer fazer isto agora? Ainda não encontrei no material a resposta. **************** Estou aqui vendo a entrevista de Ricardo e chego a mais uma conclusão. Transamba é um apelido, a elaboração de algo que surgiu naturalmente. Surgiu a partir da coincidência de gostos estéticos testados pelo tempo, pelos ensaios, pelas passagens de som, pelas turnês. Essa coincidência na concepção dos arranjos gerou o que se costuma chamar “soar como banda”. Essa maneira como a banda soou e os músicos começaram a querer que ela continuasse a soar a partir daí, gerou o transamba. Desde o momento primeiro de preparação, quando Caetano tomou a decisão de compor para esta banda. Será? É a procura deste tipo de material que estou indo atrás: a banda Cê elaborando o transamba. Conversei com Henrique Alqualo, que está trabalhando aqui comigo e ele diz que temos. Será que isto vai dar caldo? ********************** Na entrevista de Arto Lindsay, ele situa o transamba entre o transa e um R&B contemporâneo feito por gente como Raphael Saadiq. Por este ponto de vista transamba seria “samba atravessado”, ou um samba que traz em si a sobreposição de vários sambas. Ao mesmo tempo, ouvindo as musicas novas nos shows, vejo citações nas letras de Guinga, Pedro Sá, Kassin, Francisco Alves, Seu Jorge, Los Hermanos. Cabe a pergunta: Transamba tem uma linhagem?” VOLTA O HERMANO: Como dá para perceber vai ser também bacana acompanhar o progresso da edição também por aqui. Toda fez que Quito for encontrando as respostas ou novas perguntas, haverá novos posts no blog Obra em Progresso. |
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domingo, 17 de agosto de 2008
Folha Explica Caetano
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Caetano Veloso é, certamente, uma das mais "inexplicáveis" personalidades brasileiras. Não apenas por ser um artista polêmico e camaleônico, cuja força sempre esteve na capacidade de escapar às classificações e desautomatizar chaves convencionais de interpretação, mas também por se tratar de alguém que não cansou de se auto-explicar ao longo dos seus quarenta anos de vida artística (iniciada em 1965), a ponto de parecer esgotar tudo o que de novo se poderia dizer a seu respeito.
Ao mesmo tempo, continua a atrair para si a atenção de um público imenso --dentro e fora do país--, mantendo-se como um foco de controvérsias a exigir sempre novas explicações. Quer dizer: a "explicação", aqui, não é dispensável ou redundante. Na verdade, ao atacar a autonomia formal da canção, incluindo uma série de outros elementos no seu interior --encenação, ruídos, referências visuais, cultura de consumo--, o tropicalismo deu ao discurso conceitual um papel construtivo, transformando a música popular brasileira em um campo de cruzamentos onde as coisas estão todas postas em estado de explicação.
Pode-se dizer, portanto, que a partir daí a canção passa a fazer parte de uma polimorfa explicação da cultura. E ao fazê-lo, de forma sempre heterodoxa e dissonante, termina também por explicar o Brasil. Assim, não são poucas as explicações que, de um modo ou de outro, estão pressupostas neste pequeno livro.
Paralelamente, ao fazer de Caetano Veloso o título de um Folha Explica, será preciso lembrar que ele tem sido um dos artistas que mais discutiram não só com a crítica musical especializada, mas com a imprensa em geral --na qual a Folha de S.Paulo teve destaque, ao lado do Jornal do Brasil e da revista Veja. A postura de assumido --ou suposto-- cosmopolitismo adotada pelo caderno "Ilustrada" nos anos 80, no caso particular da Folha, levou-a a relativizar ou desqualificar freqüentemente valores defendidos e representados por artistas da música popular brasileira.
Caetano, acusando nessa posição aquilo que sente como desprezo pelo Brasil, da parte de uma certa inteligência paulistana ciosa de se distinguir e se desincompatibilizar das marcas paradoxais do país colonizado e periférico, apelidou-a ironicamente de "A Falha de S. Paulo".
Como se verá, o roteiro desse livro não segue uma cronologia linear. Antes, propõe um certo embaralhamento de tempos, que intenta dialogar com a prosa poética do artista, essencialmente elíptica e antinarrativa. O que não quer dizer que se tenha, aqui, descuidado de preocupações didáticas. Ao contrário, essa opção procura dar maior ênfase a questões essenciais que atravessam sua obra, visto que esta é marcada por inúmeros pontos de adensamento e ruptura em que o artista veio, ao longo do tempo, a reinventar-se diante de impasses e desafios renovados, embora nem sempre com pleno domínio dos seus desígnios.
Estrategicamente, este ensaio se inicia focalizando o último momento de adensamento nessa trajetória até agora: o show Circuladô (1992), em que, ao completar 50 anos de idade e 20 anos da sua volta do exílio em Londres, Caetano faz uma releitura de sua carreira situando-a em novas bases, como desdobramento vital de um desconforto apontado em Estrangeiro (1989), na passagem dos anos 80 para os 90, em que o artista tematizava o eclipsamento das utopias surgidas no ambiente libertário e contracultural dos anos 60.
Ao fazer essa revisão, Caetano recupera a experiência do exílio (1969 a 72) como um dado fundamental em sua obra. O que, ao mesmo tempo, ilustra a sua concepção de que o golpe militar de 64 não significou a corrupção de um Brasil puro, e sim uma expressão cruel mas verdadeira de sua "geléia geral", feita de forças antagônicas e contraditórias em que não se divisam separações esquemáticas entre o bem e o mal. Essa é a ponte que nos leva, voltando atrás no tempo, para o segundo capítulo, dedicado ao exílio e à superação da paródia tropicalista, apontando para um aprofundamento lírico afiado pela cultura nordestina em suas canções.
A volta do exílio prefigura uma situação muito representativa do papel cada vez mais pregnante da canção popular no Brasil, como uma resistência subterrânea à opressão do regime militar que tematiza o poder vital da música e do canto como superação mitopoética dos conflitos, abandonando a polarização que havia marcado o fim dos anos 60 entre engajamento político e experimentalismo estético, regionalismo folclórico e internacionalismo tecnológico. Esse assunto, que constitui o núcleo do livro, está dividido em dois capítulos: "Acordes Dissonantes Pelos Cinco Mil Alto-Falantes", que trata do tropicalismo (1967-68), e "Transa Qualquer Coisa Jóia, Bicho. Muito Cinema Transcendental", que aborda os anos 70.
Por fim, em "Lançar Mundos no Mundo" se discutem temas variados, como a relação de Caetano com a composição de canções e com as diversas cidades do mundo a partir de Santo Amaro da Purificação, sua cidade natal, situada no recôncavo baiano. Nesse capítulo final é debatida também a retomada do Brasil como questão em sua obra a partir de Velô (1984), no momento da abertura política do país com a campanha pelas "Diretas Já", em um percurso --agora sim cronológico-- que volta a encontrar o ponto inicial do livro (1989 a 92) e o ultrapassa, abrindo-se para uma breve reflexão acerca da sua produção nos últimos tempos.
Nesta, uma longa crise parece explicitar-se, deslocando o foco de inquietação da composição de canções para a vocação de intérprete em sentido amplo: intérprete-ensaísta do processo de "formação" brasileira, lido pelo prisma de sua singularidade cultural --que se consuma na redação do livro Verdade Tropical (1997)--, e cantor-leitor de um vasto repertório da música popular mundial a partir de uma dicção própria --na interpretação dos cancioneiros hispano e anglo-americano em Fina Estampa (1994) e A Foreign Sound (2004), além do cruzamento entre canções brasileiras do período pré-bossa nova e o universo das canções italianas tendo como inspiração os filmes de Fellini, feito em Omaggio a Federico e Giulietta (1999).
Afirmando-se, a partir daí, como um artista de enorme trânsito internacional, em diálogo produtivo com figuras como a dançarina e coreógrafa alemã Pina Bausch --que o convidou para tocar na festividade de 25 anos da Companhia Tanztheater Wuppertal (1998)--, e o cineasta espanhol Pedro Almodóvar --que inclui, em "Fale Com Ela" (2002), uma cena em que Caetano canta "Cucurrucucú Paloma" no set. Isto é: consolidando-se como intérprete do Brasil e divulgador internacional privilegiado da experiência de sua música popular, numa atitude que aponta para a reversão artística dos complexos de subdesenvolvimento herdados da colonização.
*
"Folha Explica Caetano Veloso"
Autor: Guilherme Wisnik
Editora: Publifolha
Páginas: 200
Quanto: R$ 20,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo televendas 0800-140090 ou pelo site da Publifolha
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