Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Metáforas e Metonímias Oficiais
Sírio Possenti* - O Estado de S.Paulo
Tamanho do texto? A A A A
- Quase ao final do Roda Viva de 30/03/2009, um entrevistador perguntou ao vice-presidente, José Alencar, se é possível que ele e Lula apoiem candidatos diferentes em 2010. Em resposta, Alencar contou uma longa história que envolvia quatro antigos jornalistas esportivos do Rio, torcedores do Flamengo, do Fluminense e do Botafogo. Haveria um jogo entre Vasco e Bangu, nos dias seguintes e a única chance de um dos três clubes ser campeão era a derrota do Vasco. Discutiram longamente a possibilidade de isso acontecer e, não tendo chegado a um acordo, foram ouvir Neném Prancha. Expuseram-lhe o "problema". Ele pensou, pensou, pensou e, finalmente, disse: "Em sendo a bola redonda, tudo é possível". O vice riu, a bancada gargalhou.
Se a história tivesse sido contada por Lula em resposta a pergunta análoga, não faltaria quem dissesse que ele só fala por metáforas (análise errada, consagrada desde as menções ao tempo que jabuticabeira leva para produzir jabuticabas) e em geral as busca no futebol. Mas, sendo Alencar, louvar-se-á a habilidade mineira diante de uma pergunta incômoda.
Uns podem, outros não. É uma velha regra, que permite a Obama dizer "esse é meu chapa" e a Michelle abraçar a rainha, mas não vale para Lula. Lula erra, Obama faz estilo. Lula é ignorante, Obama é informal. A mesma coisa é outra, conforme se trate de um ou de outro cidadão. Levada ao extremo, a regra se enuncia todos os dias e está em música (imperdível) de Ary Toledo: rico correndo é atleta, pobre correndo é ladrão.
Que Lula não é letrado já sabemos. Não há razão para esperar que cite Montaigne ou Weber. Mas é bom analisar um pouco melhor o que diz e o estilo de que se vale, se se quiser entender melhor - se interessar, para combatê-lo - se o conjunto revela suas posições, estratégias diversas para públicos diferentes, possíveis contradições, se são eleitoreiras ou uma forma de governar, se isso é bom para a democracia, etc. Mas esqueçam um pouco a gramática (aliás, o Manual de Redação), por favor!
A questão do ajuste às diversas plateias, aparentemente um bom problema, é hoje menos relevante, já que falas de governantes, sejam proferidas onde forem, se destinam à mídia. Uma coisa é o repórter ou o cidadão que o ouve nos palanques. Bem outra é o verdadeiro destinatário, que o verá e ouvirá nos jornais.
Suas metáforas são insuportáveis? Pode ser. Eu posso não gostar, frequentemente não gosto, posso achar repetitivas ou simplórias, mas quem disse que ele fala para mim? A queixa esconde duas expectativas: a) ele deveria falar conosco, mas prefere falar com eles; b) um presidente deveria ser mais fino. Nos tempos de Collor x Lula, uma jornalista declarou preferência por Collor porque não envergonharia o Brasil em recepções oficiais. Referia-se ao uso de guardanapos!
Mas há algo de insuportável nesse assunto, que se repete há anos: as falas de Lula são genericamente classificadas como metáforas. Até Alencar fez isso, na mesma entrevista. Claro, deve haver muitas (o linguista Roman Jakobson mostrou que metáfora e metonímia são as leis básicas da língua), mas o que se classifica aqui de metáfora quase sempre foi outra coisa.
Talvez se devesse começar por um esboço de classificação das falas de Lula. Simplificando muito: há pequenas "parábolas", gafes, quebras de etiqueta (ou sinceridade inusitada) e passagens que podem lembrar metáforas, mas são mais propriamente comparações (como agora mesmo, no G-20, quando disse, pela enésima vez, que estamos num barco que faz água e temos que jogar a água fora e consertar o barco, senão afundamos). É bem menos chique do que febre de consumo e economia sadia... E, sim, eventuais metáforas.
As repetidas explicações de Lula para o que não acontecia em seus primeiros meses de governo - sobre o tempo que uma jabuticabeira leva pra dar jabuticabas ou uma mulher para dar à luz - não são metáforas. São comparações. Ambas têm efeitos parecidos, mas uma coisa é dizer "o país acaba de engravidar" e outra é dizer "um governo é como uma gravidez". Gente sábia deveria saber... Exigir um pouco de precisão de nós mesmos - não só dele (s) - seria um bom começo.
Dizer da capital da Namíbia que é uma cidade limpinha é uma enorme gafe, e revela uma representação absolutamente estereotipada da África, mesmo que fosse verdade, como disseram alguns auxiliares, que ele queria combater o estereótipo. De qualquer forma, uma análise mais fina não faria mal.
Há expressões que estão no limite entre um discurso e outro. Quando disse que d. Marisa engravidou na primeira noite porque pernambucano não deixa por menos, foi pura gabolice besta. Ver aí machismo é superinterpretação. Só foi pouco fino. Pelo menos, ninguém falou em metáfora (embora "primeira noite" seja uma). É um ganho.
Chegou-se a ver racismo na declaração de Lula culpando brancos de olhos azuis pela atual crise. Não há um discurso racista, uma memória racista, que pretenda basear-se na suposta incapacidade de brancos, por serem brancos, de gerir instituições financeiras. O sentido da declaração é "parem de acusar os habitantes do Hemisfério Sul (ou "não os culpem pelo menos desta vez"), ora por causa do clima, ora por causa "das raças", de serem, por isso, incapazes de se governar, ou de serem, por isso, mais corruptos. E, definitivamente, "brancos de olhos azuis" não é uma metáfora. É uma metonímia - parte pelo todo, já que nem todos os de lá são brancos de olhos azuis.
"Tsunami" e "marolinha" são metáforas (enfim!): uma palavra por outra, melhor ainda, uma palavra de um campo por outra de outro campo. Dita por um francês ou por um acadêmico, é uma figura de linguagem. Por um brasileiro, ex-operário, é vício de linguagem. Ah, as gramáticas e os manuais!
Certamente, as falas de Lula são "populares" - em mais de um sentido. Nos palanques, lembra os animadores de auditório. Profere comparações e expressões do dia a dia, avaliadas negativamente em função da imagem que temos da figura presidencial. "Sifu", forma destinada a evitar um palavrão, foi analisada como se fosse um. Sua última fala "chocante" desapareceu, soterrada por Obama falando de Lula como se fosse um companheiro de quadra. Caso contrário, teria alcançado repercussão bem maior e negativa sua declaração de que, numa reunião como a do G-20, "você não faz negociação com o pé na parede, dá ou desce, existe uma negociação". Expressão informal? Grosseira? Pode achar. Mas não é uma metáfora.
Acho que o segredo de Lula é que usa terno e macacão ao mesmo tempo. Ora sua roupa de baixo é o terno, ora o macacão. Às vezes, o macacão aparece quando está de terno. E vice-versa.
Creio que isso seja uma metáfora.
*Professor do Departamento de Linguística/Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
O Descanso de Duchamp
por Daniel Piza, Seção: artes visuais 08:12:13.
Baptistão
Marcel Duchamp continua a ser o ídolo-mor de artistas contemporâneos e a besta-fera dos que odeiam a arte contemporânea, entendendo por isso basicamente as instalações. O primeiro a rir desse papel central no debate do século 21 seria o próprio Duchamp. Qualquer pessoa que caminhe pela boa exposição em cartaz no MAM, no parque do Ibirapuera, sabe desde a entrada que não é para levá-lo tão a sério, nem por um lado nem por outro. E o que menos vê são instalações como as que tomaram conta de bienais mundo afora.
Já é lugar-comum notar que o artista que um dia ironizou os museus e pintou bigode na Mona Lisa é agora homenageado por eles. Sua Fonte de 1917, o urinol invertido que enviou para um salão de “belas artes”, virou objeto de culto; os “ready-mades”, utensílios do cotidiano que desvirtuava num exercício de livre associação visual, não são vistos como efêmeros, mas duradouros. Suas frases sobre o acaso e o inacabamento foram convertidas em dogmas, em doutrinas. Acima de tudo, é como se ele tivesse o gênio de Pablo Picasso, capaz de reinventar todos os gêneros. Mas ele não tinha – e sabia disso.
Duchamp passou por todos os “ismos” do início do século passado, como futurismo e dadaísmo, mas me parece claro que sua natureza tendia ao surrealismo, com seu gosto por sonhos, nonsense e trocadilhos (como “prière de toucher”, um seio para tocar, em que “prière” é “por favor” e também “prece”). Seu alvo era o modo de vida tido como “burguês” e “racional” que se traduzia na monogamia religiosa e na arte que se pretendia um espelho da natureza. Como mostra Calvin Tomkins na biografia que fez do artista, ele declaradamente se preocupava em provocar a moral da época, mais do que em ter uma “obra”. Não espanta que tenha convertido sua pessoa em assunto, tal como Dalí e Warhol depois que disseram o que tinham a dizer em arte.
Em suas próprias palavras, Duchamp era um maníaco sexual, e atrás de toda a variedade de seu trabalho o único tema era esse. O Grande Vidro é um projeto em que os homens como máquinas tirariam a roupa da mulher com quem iam se casar, naqueles tempos em que muitas mulheres se casavam virgens. Étant Données é, como já escrevi, um “peep show” em que você vê uma mulher de pernas abertas deitada na natureza como a Giganta de Baudelaire, enquanto segura um lampião de gás. A sexualidade na era mecânica – e o próprio urinol foi acompanhado de um elogio irônico à engenharia americana de encanamentos e pontes – é o que motivava Duchamp. Não existe discurso político em sua arte.
E ele gostava de fazer coisas, de lidar com mecanismos e efeitos concretos; jamais caiu nessa arte conceitual que abandonou a noção do fazer. Apesar de ter abandonado a pintura em 1918, a figuração é uma constante em sua carreira, como em Étant Données (cena derivada de Courbet e outros pintores românticos), e ele sabia que uma diagonal ou uma simples transparência já implicam a sensação de perspectiva. Mesmo quando fazia algo mais gráfico – como os discos em movimento, que antecipam a “op art” – nunca deixava de associar uma simbologia. Chamava esse disco de “plafond pulsant”, com óbvia conotação erótica – como a espiral que Saul Bass fez para os letreiros de Um Corpo que Cai, de Hitchcock. Duchamp não deixou apenas más heranças.
Hoje não há mais “belas artes”, casamentos virginais, corpos cobertos por roupas fechadas e escuras, burguesia fácil de chocar em seu mundinho de carros e eletrodomésticos, etc. O público em geral apenas se diverte com as obsessões e os truques de Duchamp, enquanto os artistas o endeusam e os caretas o demonizam. Ri melhor quem ri primeiro.
("Sinopse")
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
POR QUE O CEM DO IBOPE É NOVENTA E NOVE
Há cerca de sessenta anos atrás, no desespero da eficiência rápida, imediata, os principais institutos de pesquisa dos Estados Unidos saíram em busca de uma cidade síntese da opinião dos norte-americanos. Valeu inclusive um filme protagonizado pelo ator James Stewart.
A preocupação se devia a uma soma de fatores. O primeiro deles a possibilidade de numa só pesquisa, num só universo, determinar a opinião média do cidadão do país sobre um determinado produto, medir suas ansiedades e desejos em relação ao consumo e por último evitar erros que por pouco não liquidam a credibilidade de um dos mais respeitados jornais dos EUA, o THE NEW YORK TIMES, que anunciou a vitória de Delaway sobre Harry Truman, nas eleições presidenciais de 1948 em manchete de primeira página e Truman ganhou.
E lógico, o principal deles, reduzir os custos de uma pesquisa de âmbito nacional, ou estadual, realizando-a num só município, o tal município síntese.
No Brasil, Sílvio Santos denunciou a “ditadura do IBOPE” sobre os números da audiência de emissoras de televisão no País e mostrou o modus faciendi do instituto para determinar quem lidera o que, horário, programa, o que seja.
O IBOPE, até hoje, tem na grande São Paulo (capital e entorno) pouco mais de 600 domicílios contratados e pagos onde instala um aparelho que registra, instantaneamente, o canal de tevê sintonizado. Ao final de cada dia faz um relatório mostrando nos índices de audiência. Se tomarmos por base que cada domicílio tem em média quatro pessoas, temos 2400 pessoas determinando quem é líder de audiência na tevê brasileira. Por horário, por programa, por dia, na média de cada mês.
O trabalho do IBOPE é feito para a REDE GLOBO.
Em 1998, no segundo turno das eleições para o governo de Brasília, o diretor presidente do IBOPE, Augusto Montenegro, declarou a jornalistas que se Cristóvam Buarque de Holanda, governador e que disputava a reeleição, não fosse o vencedor, rasgaria seu diploma e fecharia o instituto. Cristóvam perdeu e Montenegro nem rasgou o diploma e nem fechou o instituto.
Pesquisas eleitorais deixaram de ser um instrumento para se medir intenção de votos num determinado momento nos períodos pré-eleitorais e passaram a ser parte de campanhas políticas no processo de indução e consolidação de intenções de voto. Cria-se a sensação que determinado candidato é o mais forte, tem um número maior de intenção de votos e isso, muitas vezes, na maioria das vezes aliás, funciona. O passo seguinte é consolidar esse voto criado nesse processo de indução, ou vir em socorro do candidato quando alguma coisa começa a dar errado.
O candidato/produto, desenhado, moldado e fabricado como resultado da soma de interesses de projeto pessoal (candidato), o que se presta ser transformado nisso, produto e interesses de grupos dominantes num determinado úniverso (município, estado ou país), ou ainda, no entrelaçamento, no caso do candidato/produto, de interesses vários convergindo para um determinado ponto ou grupo..
Institutos/empresas, lato senso, trabalham para quem paga. No caso específico o IBOPE funciona como rolo compressor tanto no campo de pesquisas de mercado, como no que gostam de chamar de segmento eleições.
O IBOPE é contratado da REDE GLOBO e do governo federal. Cumpre à risca o que os patrões determinam. Executa seu papel com fidelidade absoluta a quem paga.
Nas últimas semanas o País assistiu ao show explícito da cumplicidade entre os poderes públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário), em defesa de Daniel Dantas, uma síntese dos interesses das elites que compraram o País no governo de FHV (Fernando Henrique Vende) e mantêm o controle no governo de Lula no que Ivan Pinheiro com propriedade absoluta chama de “capitalismo brasileiro”.
Se em anos atrás, 2006 por exemplo, a GLOBO não noticiou o acidente com o avião da GOL para não atrapalhar o apoio a Alckmin e a necessidade de montar um dossiê para forçar o segundo turno nas eleições presidenciais (O IBOPE havia sinalizado que Lula seria reeleito no primeiro turno), Daniel Dantas conseguiu o prodígio de unir todos os supostamente diferentes no campo político partidário e um grande acordo para manter intocado o principal acionista do estado brasileiro, ou face visível dos verdadeiros donos (latifúndio, empresas e bancos).
Isso explica extraordinária ascensão dos números favoráveis ao presidente Lula nas duas últimas semanas. GLOBO e, pasmem-se, VEJA chegaram a grande acordo com o governo federal, leia-se Lula, para viabilizar a candidatura da ministra Dilma Roussef em 2010.
Daniel Dantas é parceiro de um dos filhos do presidente (envolveu é lógico, mas envolveu, comprou, fez e faz negócios), tem empregados em funções ministeriais, no exercício de mandatos de deputado, senador, alguns governadores como Aécio e Serra, é um grande anunciante e tem negócios diretamente ligados à GLOBO, controla como ele próprio disse o poder judiciário (inclusive o presidente do stf gilmar mendes). Enfim, é uma espécie de rei num trono acima do Estado brasileiro e seus poderes ditos institucionais (de fato são, instituíram e mantêm faz séculos o domínio das elites).
Tem o poder de mexer as cordinhas.
Vai daí que o IBOPE é parte disso e parte importante no processo eleitoral (no Brasil temos eleições de dois em dois anos). Cumpre o papel de vender o que o eleitor deve pensar e o voto que o eleitor deve dar em função desses interesses. O candidato, como disse, é produto.
Na cidade mineira de Juiz de Fora, varrida por um tsunâmi que ocupou o noticiário do País, o governo do ex-prefeito Alberto Bejani, corrupto de quatro costados, o IBOPE vende o peixe da candidata Margarida Salomão, do PM (Partido da Margarida), agregada ao PT, uma versão PhD de Bejani, capaz de recitar versos de Shakespeare de cor.
Os marqueteiros da cidade síntese, claro já têm uma, caso dos domicílios na grande São Paulo para medir índices de audiência de televisão, fabricaram um clone da ministra Dilma (Margarida Salomão), venderam a imagem em programas eleitorais sem a menor consistência, só o palavrório vazio da imagem show, espetáculo e montaram o circo para a candidata. Agora o IBOPE “consolida” a liderança nas intenções de voto e joga em condições de igualdade, para que se estraçalhem os dois candidatos que disputam a segunda vaga para o segundo turno.
Aí a soma dos números dá noventa e nove, mesmo que pela lógica, pelo elementar tenha que ser cem. Isso antes de ser o que vem depois da vírgula como dizem e é desprezado, é o esquema para justificar eventuais desarranjos na orquestra, tipo margem de erro, tudo armadinho, certinho, o que não significa que a candidata não esteja à frente nas intenções de voto. Montou-se um boneco de vento e o boneco inflou, no caso Margarida. Mas é só um pesadelo para a cidade se aterrissar na sede da Prefeitura e na cadeira de prefeito.
Um dos candidatos a prefeito, empresário e com ligações com a GLOBO, aproveitou o ensejo e supostamente fez propaganda para si, mesmo sabendo-se fora da disputa. Omar Peres. Criou “Omar/garida no segundo turno”. Não é nada disso. É acordo para vender a mercadoria Margarida.
Ao consumidor eleitor.
Em Gloucester, na Grã Bretanha, um instituto de pesquisa quis medir a possível aceitação de um produto apontado como exótico e criou como parte do processo, da campanha, a moda de calças compridas com uma perna só, a outra exposta. Vendeu como água, como se diz. O público consumidor/eleitor bombardeado pelas “informações/desinformações” do mundo do instantâneo, mas que se dissolve ao bater, estava no ponto de comprar o que queriam vender e imaginar que ele público/eleitor decidia alguma coisa.
É o caso de eleições no Brasil. Estão lançando a moda de calças compridas com uma perna só. No caso que citei, Margarida Salomão, candidata do PM (Partido da Margarida), ela aluga uma das mais fortes marcas dos tempos atuais no Brasil. A marca PT, mesmo porque, em outros tempos, já alugou outras. Mas pode ser o contrário, Kassab em São Paulo, o que melhor convém a parte dos sócios do Brasil. São os muitos universos, aparentemente diferentes.
E a marca é tão boa e está tão escorada que como lembrou o jornalista Celso Lungaretti, em 5 563 municípios brasileiros, a marca PT está coligada com o PSDB em 1 095, o que vale dizer, 19,7% e ao DEM em 957 cidades, ou seja, 17,2%, ou ainda em 20,3% ao PPS de Roberto Freire, que considera Lula um presidente corrupto e ocupa, ele Roberto Freire, com sua honestidade de fachada, um cargo numa estatal do governo de São Paulo. Mais. como assinala Lungaretti, em 3 181 municípios brasileiros, a marca PT fez alianças com 57,2% dos partidos de oposição ao governo federal, os principais e seus satélites.
E também como define o próprio Celso Lungaretti são “partidos gelatinosos”.
Não têm nada a ver com democracia, com luta popular. São “farinha do mesmo saco” num mundo que começou a despencar em Wall Street, se espalha por todo o entorno, todo o resto e vai deixar uma baita conta para o eleitor/consumidor.
Margaridas são muitas. Márcio Lacerda, Kassab, Eduardo Paes, Crivella, cada qual busca um lugar no palco ou no centro de decisões, menor ou maior, mas um lugar onde possam jogar o jogo do poder em favor de si próprios e dos interesses que representam e aos quais se submetem.
terça-feira, 2 de setembro de 2008
Mais Imprensa
comentário | Assuntos: |
![]() |
MAIS IMPRENSA |
30/08/2008 5:28 pm |
Sempre penso em como a crítica de cinema tem sido mais bem servida do que a de música popular. Não quero desmerecer os críticos de música, mas em toda parte há maior seriedade cercando o crítico de cinema. Seriedade editorial, para começar. Embora o cinema seja arte novíssima - e tenha começado como mera atração de feira de novidades - , ele ganhou status de assunto respeitável. Suponho que isso aconteça porque o público de cinema é mais adulto, melhor de vida e mais letrado do que o público da canção. Mas acho gostoso esse desequilíbrio que veio com o upgrade britânico para o rock nos anos 60: os críticos de cinema mantêm seu ambiente tradicionalmente sério, mas os de música misturam ignorância com hiper-erudição e petulância nos julgamentos. Só não deixo passar o uso que se faz disso para manter o mito de que somos cronicamente inviáveis. Acho que se o professor da USP elogia o filme de Sergio Bianchi e desconhece o romance de Diogo Mainardi é só por demarcação de território entre “esquerda” e “direita”. Os dois livros de Mainardi que li (aconselhado por Paulo Francis que dizia, ainda na Folha, que Diogo era o cara) são muito melhor literatura do que “Cronicamente inviável” é bom cinema. O que não é dizer muito. É raro alguém escrever de modo inteligente e equilibrado sobre música popular. Mas a maluquice desproporcional da crítica de rock, feita de elogios extravagantes e desaforos, excita. É sinal de que samba (etc.) não é resguardado, não é coisa de classes dominantes. Me sinto bem nesse lugar. Vai aí abaixo uma leitura/piada do artigo do cara do Estadão. É só para divertimento. Eu mesmo, antes de reler o que escrevi, vi que tinha grafado “trexo” em vez de “trecho” numa das veses em que usei a palavra. Quando, por causa de um bate-boca ridículo sobre um outro show-tributo a Tom Jobim, mandei um texto pro JB chiando com o Xexéo e chamando-o de ignorante, a primeira frase da resposta dele era uma denúncia de que eu escrevera um “z” onde deveria ter escrito um “s”. Sou apaixonado pela língua portuguesa e por gramática (ao contrário de lingüistas e demagogos em geral, acho o sucesso público de figuras como o professor Pasquali um bom sintoma) mas sou muito desarmado em matéria de ortografia. O Jotabê e a Colombo só receberam tanta atenção (de quem não tem tempo para quase nada além da Obra em Progresso para preparar o novo CD) porque sou obsessivo com a afirmação das glórias nacionais (justo eu que escrevi aquele samba para Aracy - e a pedido dela!). Escrevi a “aula” abaixo porque Paulinha adora minhas gramatiquices e só a posto para você ler: Caetano, o Rei e o show de naftalina Mais preocupados em lustrar prestígio de Tom Jobim do que em ousar e suplantar-se, totens da MPB fazem noite tediosa Crítica Jotabê Medeiros Os melhores momentos do show de Roberto Carlos e Caetano Veloso em homenagem a Tom Jobim acontecem quando o próprio Tom Jobim, no telão, surge cantando suas canções e tocando-as ao piano. É um efeito sintomático: quando a homenagem, ao vivo, é menos vibrante do que a imagem vítrea, a memória, algo vai errado. Na segunda frase temos logo uma formulação torta: “é um efeito sintomático”. Mas isso é problema de estilo. Já as vírgulas que separam a expressão “ao vivo” são mais do que desnecessárias: constituem erro, uma vez que “ao vivo” tem o mesmo papel de adjetivar “homenagem” que “vítrea” tem de qualificar “imagem”. Trata-se de uma mania de usar vírgulas em excesso, coisa que tem prejudicado tantos textos jornalísticos (e mesmo literários) entre nós. Há também imprecisão (e mau gosto estilístico) em chamar “a memória” de “imagem vítrea” (por quê? porque se tratava de projeção de vídeo? será que alguém pensa que vídeo é vidro? ou apenas quer dizer que imagens na memória são de vidro?). Roberto e Caetano fizeram de tudo para Tom Jobim: bajularam-no, superlativaram-no, choraram-no. Como o autor justificaria o uso da preposição “para” com os verbos (seguidos de pronomes átonos) que vêm depois dos dois pontos? A platéia entendeu, compreendeu, participou, emocionou-se junto - talvez mais pela própria força das canções do que pela grandeza das versões. “Entendeu, compreendeu” e “participou, emocionou-se junto” formam um par de incômodas redundâncias. E o “talvez mais” diz que a “grandeza das versões” é imensa, já que a “força das canções” em pauta é reconhecidamente extraordinária (apreciação da qual o jornalista nem de longe discorda). Todo o texto (e seu título) gostariam de dizer exatamente o contrário disso. Mas tudo que Roberto & Caetano não conseguiram foi fazer com que a obra de Tom suplantasse a solenidade, a paródia, o gesto imitador. Afinal o tom criticado era de solenidade ou de paródia? E “gesto imitador” vem para ilustrar uma ou outra? O período resulta incompreensível. Aboleraram Tom Jobim, regrediram sua canção à idade da pré-bossa, ao barroquismo da fase Orlando Silva (nem ao menos um Mário Reis pintou ali). Mas afinal os cantores não conseguiram sair da solenidade ou “aboleraram Tom Jobim”? Sem querer entrar muito nas questões de conteúdo, não se pode deixar aqui de notar que foram cantadas muitas canções do Tom da fase pré-bossa nova, período em que o samba-canção era tido como “abolerado”, com o qual Orlando Silva nada tinha a ver. Orlando Silva, um estilista típico dos anos 30, é o cantor que mais influenciou João Gilberto (João não se cansa de dizer que Orlando era “o maior cantor do mundo”). Com todo o respeito por Mário Reis (e o reconhecimento das afinidades superficiais entre seu canto e o de João), sempre senti que João é mais Ciro Monteiro e Orlando Silva filtrados por Chet Baker do que Mário. Para piorar a confusão, o jornalista qualifica como “barroquismo” as características do canto de Orlando, que nada tem a ver com o sambolero pré-bossa nova, com o qual Tom, sim, tem tudo a ver. E o verbo “regredir” - é transitivo direto? Naftalínico, o concerto cedeu à nostalgia, à vontade de que o tempo fique congelado, que as coisas sejam imutáveis e polidas ad infinitum. Que miséria redacional! “Naftalínico”, esse horrendo neologismo (o adjetivo existente é “naftalênico”, referente ao naftaleno, de que “naftalina” é um nome comercial) abre o período, que é confuso em si mesmo e incongruente com o aparente argumento central do artigo. Além de o abandono da preposição “de” na última frase deixar o trecho capenga, surge a pergunta: cedeu-se à vontade de que “o tempo fique congelado” e as coisas sejam “imutáveis” ou que elas sejam polidas “ad infinitum”? Digamos que o jornalista creia que “imutáveis” e “polidas ad infinitum” sejam expressões sinônimas: como ele concilia isso com a afirmação de que se “abolerou” Jobim? O pianista Daniel Jobim, neto de Tom, usava o chapéu característico do avô, como que para reiterar a onipresença do compositor. Um gesto dispensável, já que o próprio repertório tinha essa função. Deus do céu! O repertório tinha a função de reiterar a onipresença do compositor? E o chapéu de Daniel (que é um dos elementos constantes na maneira poética e desconcertante de ele incorporar a persona do avô - traço de sua própria personalidade que se salva da estreiteza pelo modo espontâneo com que sua musicalidade abissal se expressa) foi usado “como que” para reiterar essa reiteração? Foi como num jogral escolar em homenagem ao Duque de Caxias ou coisa parecida, em que as qualidades do homenageado são discorridas de forma artificial, mal ensaiada. Um lustro tedioso num monolito de ouro. “Um lustro tedioso” faz pensar num qüinqüênio sem novidades. Mas será que o jornalista crê que essa imagem do monolito de ouro (supostamente a obra de Jobim, que, em outros lugares do texto, ele lamenta que se tenha deixado “congelada”) a que se dá um “lustro tedioso” é uma boa imagem literária? E as qualidades do homenageado “são discorridas”? O verbo “dicorrer” aí pode ser tomado como transitivo direto? E o Duque de Caxias, como pôde o autor colocá-lo tão perto desse monolito? É isso que se aprende nos manuais de redação? Jesus de Nazaré! Caetano (animado com suas sambadinhas à Rubens Barrichello) mostra que é mais eficiente nas versões de clássicos da chamada música brega brasileira (como fez em Moça, de Wando, ou Sozinho, de Peninha). Aí, ele consegue “emprestar” elegância e prestígio à canção e, em contrapartida, revestir-se de sua “sinceridade”. Mas, confrontado com a fineza de Jobim, parece diluir-se, perder lastro ou, então, é apenas reiterativo, com reverência exagerada. Nunca soube que Rubens Barrichello sambasse. Tenho horror a corridas de automóveis. Comento esse trecho pessoalmente, não como professor. Está mal escrito mas parece conter crítica justa a minhas limitações. Mas o fato é que para mim não há como exagerar a reverência a Tom Jobim. Há pouca ousadia no repertório: Garota de Ipanema, Samba do Avião, duas vezes Chega de Saudade. Um dos momentos é quando Caetano, em seu set solo, canta Caminho de Pedra. “Essa é uma canção não muito conhecida de Tom Jobim. No disco de Elizeth, que ouvi com Bethânia em Salvador, nos anos 60. Fico feliz em ter a chance de cantá-la aqui, com orquestra. Muito modestamente e muito inseguramente, mas com coração”, avisou, ao finalizar com um “peeeeedra” de doer os ouvidos. A gente se pergunta: a que exatamente se refere a frase “um dos momentos é quando…”. Aí voltamos e relemos lá em cima que “há pouca ousadia no repertório”. Ah!, um dos momentos em que há alguma ousadia é quando… Ter de fazer força para adivinhar o que um jornalista quer dizer (ou ter que, mentalmente, redigir por ele) - sobretudo sendo algo afinal tão simples - é de lascar. E a voz de Roberto é tamanha que às vezes ela precisa de controle. Sim, nós já sabemos da extensão de sua voz, ele não precisava exibir-se tanto. E ele ousa muito pouco também, porque não é do seu feitio -mas bem que podia ter algum ás na manga. Apenas um número poderia dizer-se que é surpreendente: Por Causa de Você. Roberto lembra da forma como foi composta - Jobim a deu a Dolores Duran, que a levou ao camarim e fez uma letra para ela escrevendo com “lápis de sobrancelha”. O número era surpreendente porque Roberto contou que Dolores usou o lápis de sobrancelha? É um tanto ridículo, mas tomara que seja isso que o jornalista quis dizer. De outro modo, o que há de surpreendente em Roberto cantar “Por causa de você”? A identificação dele com Dolores é antiga (e registrada). A história da letra dessa música é folclore conhecidíssimo. Consta que Vinicius já tinha escrito uma letra (ou que Tom já lhe havia entregue a música para que ele o fizesse) mas que, ao ouvi-la ao piano, Dolores escreveu imediatamente as palavras que ficaram coladas para sempre a ela. Teria sido tanta a urgência em fazê-lo que Dolores, sem uma caneta por perto, usou o lápis de maquiagem. Seja como for, Roberto não tem voz muito potente. Tem é musicalidade e naturalidade de emissão, relaxamento no ataque das notas. O “português ruim” do jornalista não dá conta da poesia contida no reinado e na modéstia do autor de Detalhes. O que me soou mais surpreendente na voz de Roberto (embora não necessariamente mais emocionante) foi o “Samba do avião”. As duas orquestras seguiam caminhos diametralmente opostos. Em Roberto Carlos, sob a regência de Eduardo Lages, a big band servia à música romântica de salão, marca do ?Rei? nas últimas décadas. Com Jaques Morelenbaum, sideman de Caetano, ela ia ao ponto extremo de sofisticação, mas as idas e vindas sugeriam alguma esquizofrenia aos ouvidos. “Sugeriam alguma esquizofrenia aos ouvidos”????? O que uma frase dessas nos sugere aos ouvidos então? Paranóia? Pânico? Claro, não seria honesto dizer que foi tudo um porre. Houve bons momentos, especialmente nos números menos solenes, como em Tereza da Praia, que Caetano e Roberto trataram como uma espécie de embolada. Embolada? Não! Será que ele estava pensando em “desafio” nordestino? Embolada? Muito difícil de entender. Não seria honesto usar a palavra “porre”, nesse sentido, nesse lugar. Mas “Tereza da praia”, da fase do sambolero, foi a única canção tratada de forma abolerada. A cenografia e a direção do show eram de bom-gosto, com intervenções precisas, procedentes, sem exageros rocambolescos. Puxa, Felipe Hirsch, Daniela Thomas e Monique Gardenberg adorariam poder dizer algo semelhante do texto do Jotabê, mas é duro ler “intervenções precisas, procedentes, sem exageros rocambolescos”. Rocambolescos? - perguntam-se os pobres Felipe, Daniela e Monique. E: intervenções? Houve dois concertos cruciais das homenagens à bossa nova nesses últimos dias, os dois do projeto Itaú Brasil: o de João Gilberto, mestre do estilo, e o de Caetano e Roberto, epígonos de João. Por que o de João é mais moderno, menos necrófilo? Talvez porque João é a criatura que se confunde com sua criação - ele parece ter sido engolido pela música, está em uma simbiose doida e sonha com o desaparecimento em pleno palco. Essa condição o salva da armadilha de ser cover de si mesmo. A bossa de Caetano e Roberto, ao menos nesse show, está doente e chamaram dois totens da MPB para fazer a necrópsia. Suponho que “necropsia” seja uma palavra paroxítona. O acento agudo no “o” que o jornalista pôs não procede. Mas, necrópsia ou necropsia, isso se faz em doentes. E o autor quis florar seu estilo com essa dupla jogada de passar da doença à morte e de separar “Caetano e Roberto” de “dois totens da MPB” numa mesma frase? Seria horrível, mas, dada a debilidade do resto do texto, nem isso parece ser o que está aí. Parece confusão mental e incapacidade redacional a serviço do velho hábito de não permitir que nada brasileiro se afirme. Nos Estados Unidos um texto semelhante poderia significar a perda do emprego por parte de seu autor. Na Inglaterra também - a menos que fosse no New Musical Express ou na revista Mojo (se bem que, do ponto de vista da língua, nem mesmo nessas publicações um artigo desse nível seria admissível). |
13 comentários » | Assuntos: bossa nova, Estadão, jornalismo cultural, língua portuguesa, Tom Jobim — |