segunda-feira, 5 de abril de 2021

O Encontro Marcado: Fernando Sabino e o Maestro das Águas

 

O Encontro Marcado: Fernando Sabino e o Maestro das Águas

 

                                   Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior

 

Nesse domingo de Páscoa, infelizmente, Bom Despacho perdeu um dos maiores artistas de maior expressão que já pisou e viveu nessa terra, o maestro Nivaldo de Oliveira Santiago (1929-2021), o chamado “Maestro das Águas”. Amazonense, Nivaldo aclimatou-se muito bem em Minas, tinha inclusive um estilo discreto de ser, muito mineiro, nunca buscando publicidade. Isso, com certeza, fez com que muitos de vocês leitores não o conhecessem.

Lembro-me que estávamos numa festa quando professora Maria do Socorro, minha querida colega de universidade, contou-me que ela e Nivaldo já eram eternos, tornados que foram personagens de um dos maiores escritores mineiros e um dos maiores brasileiros: Fernando Sabino, autor de O Encontro Marcado, O Homem Nu, O Grande Mentecapto, esses dois últimos adaptados para com sucesso para o cinema.

O livro Encontro das Águas, Crônica Irreverente de uma Cidade Tropical (1977) traz Nivaldo e Maria do Socorro Santiago entre seus principais personagens.

 

Encontro Márcio Souza e Nivaldo Santiago me esperando no aeroporto: --estamos aqui há mais de duas horas (...). Márcio Souza é escritor. Nivaldo Santiago é maestro. São ambos da Fundação Cultural, e a eles fui em boa hora recomendado (SABINO, 1977, p. 16).

 

Ambos me contaram que o texto de Sabino foi encomendado pela Sharp e recusado, pois não falou bem da Zona Franca de Manaus; Sabino transformou-o, então, em livro. A empresa ficou desgostosa, especialmente, com uma frase de Nivaldo: “Quando lhe digo que me sinto como se estivesse dentro d´água, Nivaldo Santiago sorri: --Nós temos aqui mesmo o cérebro meio aguado” (SABINO, 1977, p. 34).

Nivaldo contou-me que falou isso com Sabino em meio a muitas outras conversas e ele pegou e colocou no livro. Essa frase foi considerada muito crítica e foi um dos motivos da recusa da empresa em adquiri-la para um encarte para seus clientes. O texto, em geral, é positivo quanto a Manaus, mas salga quando fala na Zona Franca.

Muitas de suas características curiosas são captadas: Maria do Socorro dirige, Nivaldo não, enquanto isso, Nivaldo ficava “orquestrando” o trânsito. Eu ainda observei isso quando “naveguei” junto aos dois em Bom Despacho.

Nivaldo e Socorro são os astros do livro de Sabino. Além de servirem de interlocutores, algumas das situações vividas pela intrépida dupla repetem-se junto a outras pessoas da cidade, o que tornou-os símbolos de toda Manaus: ao pegar um táxi, Sabino encarnou o maestro ao auxiliar o rapaz a enfrentar o confuso trânsito manauara; ao sair de barco para conhecer a floresta, saindo do porto cheio de outros barcos e canoas, Sabino é quem transforma-se em maestro preocupado com a orquestra que é o trânsito fluvial! Como diz canção, todo encontro é também despedida. Como contou Sabino no final do Encontro das Águas:

 

Conta-nos [Nivaldo Santiago] que em breve irá ao Rio para contratar músicos: o governador assinou o ato criando a orquestra sinfônica de Manaus. É uma boa notícia: para celebrar, consumimos o resto de uísque que sobrou de meu primeiro dia. E eles se vão, deixando-nos a sós – integrados, nós próprios, em terna harmonia. Já nos despedimos dos outros amigos que fizemos aqui. E já dissemos adeus a Manaus. Agora vamos partir. Manaus, Manaus! Em breve estaremos lá em cima e esta cidade que durante alguns dias me desnorteou com suas contradições, me entusiasmou com sua grandeza, me deprimiu com seus problemas, me seduziu com seus encantos não será mais do que um ponto de luz cercado pela escuridão. De luz e de esperança (SABINO, 1977, p. 110).

 

Há dezessete anos partiu Sabino, agora partiu Nivaldo. Um dia todos vamos partir. Esperamos encontrá-los em outro plano agora, lá em cima. Já são sem dúvida dois pontos de luz. E a esperança, essa eles deixam aqui dentro de nós.

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