quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Um relatório para uma chimpanzé ou: contra a criminalidade acadêmica

Pessoal: vale a pena ler esse conto do professor Márcio Seligmann sobre um assunto semelhante ao do meu conto.

http://www.cultura.mg.gov.br/arquivos/SuplementoLiterario/File/1332.pdf

E aviso, inclusive, que agora as coisas por aqui vão ser bem lentas aqui no revista cidade sol e penetrália, bem esporádicas. Estou com dor no tendão e tomando um cedrillax para acabar com ela. Para isso vou tentar diminuir a atividade diante do teclado.

Esse blog não vai acabar: só se minha escrita acabar comigo primeiro.

Dedico esse conto a todos que sofrem com a criminalidade acadêmica: com os pequenos crimes que se perpetram todos os dias nas universidades e que quase sempre ficam impunes: orientadores que não orientam, que se mostram arrogantes e autoritários ou abandonam os orientandos para se aposentarem; relatórios burocráticos infinitos que terminam em corte de bolsas e verbas; professores que copiam partes de textos de alunos e colocam em seus trabalhos, mas esculacham os alunos; vaidades e egos inflados, acompanhados da insistência louca para que se produza nesse ambiente. Contra as condições haitianas de trabalho e as cobranças harvardianas.

Tudo frescura perto do que o povo brasileiro passa, que inclui horrores como trabalho escravo e luta diária pela sobrevivência, mas mesmo assim são pequenos crimes, pequenas crueldades, mas mesmo assim são crimes.



Um relatório para uma chimpanzé
Lúcio Jr.

O Escritor Premiado resolveu que não queria ver o cadáver de sua mulher, mas sim o de Dona Durruti Buenasuerte, sua orientadora na universidade. Dona Durruti era estúpida e rude e o fazia reescrever os seus textos. O Escritor Premiado não suportava a aparência horrível e a mau humor de Dona Durruti, mas precisava dela para concluir seu mestrado sobre o escritor Asdrúbal Trombon, de quem ele tinha de puxar o saco para poder ganhar espaço no caderno de Cultura onde o Asdrúbal era editor-chefe.
Ele foi, então, à universidade procurar Dona Durruti. Encontrou-a com uma grande televisão em seu gabinete. “Meu caro, já trouxe novamente o seu trabalho?” No entanto, o Escritor Premiado ficou calado diante dela, esperando o melhor momento de estrangulá-la. “Fui premiado”. “Quê, você é viado?” Falou a naja, com seu rosto fazendo uma careta que a tornava ainda mais feia de sarcasmo. “Não, minha cara, fui premiado e vou abandonar esse mestrado”. Ela calou-se por um momento e deu-lhe as costas com desprezo, dizendo “um prêmio é algo insignificante. O bom é estar em Paris, sem agenda. Viva Paris, aproveite Paris!” O Escritor Premiado ficou ali em silêncio, enquanto Dona Durruti tentava arrumar a cabeleira desgrenhada tirando e colocando o seu arquinho. De repente, pareceu-lhe que Dona Durruti era um chimpanzé. Seus gestos denunciavam aquilo. Antes lhe parecia que o rosto enrugado de Dona Durruti era feio e parecia estar se decompondo. Pareceu-lhe, de repente, que Dona Durruti era uma criatura não tanto desumana, mas pré-humana. Ela era um chimpanzé que se disfarçava de gente e conseguira fazer graduação, pós-graduação e até ocupar um lugar na universidade, sempre escondendo sua origem não-humana. Perder aquele cérebro de chimpanzé nada significaria para a humanidade.
“Adeus, Dona Durruti”, disse ele, tendo descoberto seu segredo. “O poeta bisseto do modenimo”, balbuciou a mulher monga. “Hein?” “Você não vai mais fazer sua pesquisa sobre o poeta bisseto do modenimo?” De repente, a chimpanzé balbuciava uma súplica. O Escritor Premiado teve pena de Durruti, pois ela confundia, em sua mente que fingia ser humana, Asdrúbal Trombon com um escritor totalmente diferente. Mas o mestrado dele começara há dez anos! Dona Durruti, no entanto, não tinha conseguido, ainda, processar essa informação e fingia diante de todos sabê-la, tendo até organizado um grupo de pesquisa sobre A Modernidade de Asdrúbal Trombon, Poeta Bisseto do Modenimo. “Preciso pensar, Dona Durruti”, alegou O Escritor Premiado.
E foi saindo de sua sala. Andando pelos corredores, encontrou na cantina um amigo escritor, o Dr. Rafinha. Vestido de terno branco impecável e chapéu de malandro, sempre fumando cigarilhas chiques, Rafinha gostava de ser chamado de Dr., embora estivesse no mestrado há quinze anos, contando as passagens por várias universidades e programas e clínicas psiquiátricas. “Vamos tomar um vinho no restaurante Vecchio Della Vecchia, soube de sua premiação. Hoje é por sua conta!”. “Claro, vamos!”, concordou o Escritor Premiado.
O Escritor Premiado pretendia, finalmente, tratar o seu amigo rico de forma adequada. Era seu amigo antes de ser premiado, mas uma vez premiado poderia ser com Dr. Rafinha quem ele era de verdade. Chegando ao Vecchio Della Vecchia, Dr. Rafinha passou a falar da peça que estava escrevendo e que seria intitulada Cracolândia, tendo por epígrafe uma frase do poema de Drummond: “No meio do caminho tinha uma pedra”.
“Sobre o que será?” Perguntou o Escritor Premiado.
“É uma peça que quer pegar a onda espírita, sabe? Uma peça espírita. O espírito do baterista do Led Zeppelin volta materializado numa mesa branca lá de Uberaba e começa a lembrar sua vida num monólogo de cara para o próprio vômito, com apoio dos discípulos de Chico Xavier. O s médiuns que o evocam buscam criar uma máquina de materializar celebs, objetivando saber news do além. O Gerald Thomas, que estava em Uberaba buscando a cura de suas angústias, ganhou a missão de traduzir o finado, que só falava em inglês, surgindo então uma grande parceria surreal. No último ato, Gerald passa a discutir seu não comparecimento no velório da mãe. O batera, então, lê uma carta psicografada da mãe do Gerald dizendo que a recepção calorosa que recebeu no além a fez esquecer essa bobagem da presença ou não do Gerald no velório. Os problemas da parceria entre Boham e Gerald surgiriam a partir da falta de papel higiênico no quarto do hotelzinho que ele estava em Uberaba. O batera e Gerald começam, então, a escrever uma ópera juntos para futuramente estrear em Londres e Nova York. Gerald, no entanto, entra numa profunda crise existencial ao deparar-se com o retrato de Rembrant e de Dorian Gray num museu dedicado ao Peão Boiadeiro em Berlllândia...”
Quando, finalmente, Dr. Rafinha imitou a prosódia do Triângulo Mineiro, o Escritor Premiado não suportou mais:
“Você tem uma fixação doentia com o Gerald Thomas! Que viadagem é essa!”
Dr. Rafinha ficou arrasado e o Escritor Premiado pairou em silêncio diante dele. O Escritor Premiado sabia que Dr. Rafinha não conseguiria jamais se alegrar com o sucesso de um amigo. Dr. Rafinha fazia coisas malucas tais como obter dinheiro de uma Fundação subvencionada pelo estado e investir tudo numa revista que só publicava os seus próprios textos sob pseudônimos. Ele chegou a publicar um ensaio muito curioso, misturando Heidegger e Lukács num alucinante coquetel a respeito do ser da coisa da dança; tudo isso em nome do estudo da obra de uma bailarina obscura chamada Fuego Della Luna, que na verdade, como sempre, era um de seus alter egos. O artigo obteve considerável repercussão em Belo Horizonte e agora todos no meio artístico mineiro queriam saber mais sobre Fuego Della Luna.
“Você achou ruim, mesmo, a minha peça?” Falou ele, a custo.
“Evidente. Citar Gerald Thomas é cafona. Ele é totalmente...”
Não pode prosseguir, pois Dr. Rafinha atirou-lhe um copo de vinho no rosto e deixou o Escritor Premiado falando sozinho. Chegando a casa naquela noite, meia hora depois, a esposa do Escritor Premiado lhe mostrou uma carta da orientadora, onde a chimpanzé, sempre com sua concisão lapidar, pedia um relatório de sua pesquisa sobre Asdrúbal Trombon, como se nada tivesse acontecido!
“Ora, um relatório para a academia escrito por um chimpanzé ainda vai, mas um relatório escrito para uma chimpanzé, haja paciência. Acho que será tão difícil ser Escritor Premiado quanto sem prêmio”, concluiu o Escritor Premiado.

4 comentários:

fiquesabendobd disse...

Caro Lúcio!
O jornal Fique Sabendo está sempre saindo nas datas 15 e 30 de cada mês, as vezes, seria necessário te enviar todas edições, pra vc ver que o jornal é quinzenal, como vc e uma amiga sua acharam que era mensal na comunidade Bom Despacho. Gente da família dela pega o jornal toda vez q sai, a prova é q eles visitem também os nossos clientes. De repente, a sua amiguinha não deve saber disso né? E obrigado pelo voto do blog com o mais informativo.

tudo de bom!

Revistacidadesol disse...

Valmir: obrigado pela informação, mas Mel não é minha amiga, não a conheço pessoalmente.

Att
Lúcio Jr.

Wilson Torres Nanini disse...

Lúcio,

Dois irmãos é um de meus livros preferidos. Está numa lista dos 10 +.

Vamos aguardar o resultado na tela.

Se for bom, escrevo um poema com o título Yaqub e o dedico a vc!

Forte abraço!

Anônimo disse...

Seria melhor tê-lo escrito em Aramaico.