domingo, 28 de fevereiro de 2016

Virei Sócrates!


Sim, virei Sócrates! O prefeito Fernando Cabral (PPS) está me processando, como se pode ver no linque aqui .

Embora seja somente uma notificação para explicações, apresentada na vara de infância e juventude, eu gostaria muito de saber porque vou ter que dar explicações a ele. 

Será que eu, como Sócrates, "corrompi a juventude" e "cultuei falsos ídolos"?




sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Algumas respostas a uma resposta do prefeito Fernando Cabral


1) Em primeiro, ele escreveu esse texto já como governante. Por isso, ele quer se eximir de responsabilidades o tempo todo. Sobre professores serem culpados pela falta de respeito com que são tratados, acho equivocado e esse texto mesmo é desrespeitoso. É uma resposta de Cabral a um professor do estado que estava, aos prantos, abandonando a profissão. Levando-se isso em conta, pode-se dizer que é um texto que também demonstra desprezo por professores e é agressivo.
2) A sociedade quer escola pública de qualidade também, não só "i-phone". E vamos parar com isso de colocar na boca da Senhora Gorda Comendo Pipocas aquilo que a gente pensa.
3) Quem "mata aula", por vezes, o faz porque o trabalho de professor implica em desgaste psicológico grande. A classe política, à qual vc pertence, o faz por gosto do ócio. Sua classe sim é privilegiada.
4) Se você tivesse seu salário aumentado, vc trabalharia mais e melhor? Eu acho que sim. Pode me julgar por isso. Seu julgamento é o de um neoliberal bobão.

Minha Entrevista no Grupo Cipriano Barata

 Leiam minha Entrevista no Grupo Cipriano Barata.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Minha Fala na Câmara de Vereadores (Bom Despacho)


Minha fala na Câmara dos Vereadores. Obrigado ao Rosemberg por ter colocado o vídeo online.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Discurso formatura 2014



Boa noite, amigos e amigas. Esta noite estou fazendo algo fora do comum para um filósofo de nossa época. Os filósofos da nossa época é fora de moda falar bem do futuro. Hoje em dia, na minha área, acreditar que o futuro vai ser melhor do que o hoje é algo cafona. Não está na moda. Eu fui pesquisar sobre futuro e a  Filosofia para esse discurso e encontrei falas como a do Paulo Arantes, filósofo da USP, dizendo que só podemos esperar o pior. Isto posto, eu quero dizer aqui que estando junto aos jovens eu me alegro, pois o jovem aponta para o futuro, mas também vive o momento, só que nunca encontramos, entre os jovens, um pensamento como o do filósofo Arantes, falando em só esperar o pior. Diante disso, então, eu prefiro dizer como o Papa Francisco disse aos jovens da Jornada Mundial da Juventude: não curtam somente o momento presente, sejam revolucionários. É porque Cristo é o exemplo que ele segue, exemplo de pessoa que se lançou para o futuro, mesmo sacrificando o presente. E hoje, embora o jovem seja menos confiante no futuro, ou melhor, pelo menos bem mais do que filósofo Paulo Arantes. A gente vê ainda, então, os jovens lutando pela utopia, como nas manifestações de junho. Cristo é uma pessoa que tanto percebeu que o jovem aponta o futuro que ele, quando foi transmitir uma mensagem singela, logo reuniu um grupo de discípulos, ou seja, alunos! Por que? Porque ele queria que aquela mensagem apontasse para o futuro: “Céus e terras passarão, mas minha palavra não passará”. Se você plantar a semente aqui, você vai colher lá na frente. Agora o que guiava Cristo, Tiradentes e outros revolucionários (no sentido em que o Papa falou) era o sonho. O sonho é que a gente tem que resgatar para poder ter um futuro melhor, um amanhã cantante. O sonho é que vai desencadear essa busca que vai ser proveitosa para vocês jovens, porque o que a gente quer é o estudante, não o aluno, o ser sem luz, a gente quer o estudante, o ser que busca! Então a mensagem que eu quero deixar é essa, é importante sonhar, é importante estar EM BUSCA!


Boa noite, muito obrigado e parabéns a todos nós da escola e aos formandos!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A Máscara de Zizek caiu

Assine a petição contra a participação de Slavoj Zizek no próximo Left Forum. Acusado de racismo e de posições reacionárias enfeitadas com argumentos de esquerda, finalmente ele mesmo se desmascarou. A máscara de Zizek caiu recentemente quando ele defendeu o golpe na Ucrânia e a intervenção militar contra os refugiados.


domingo, 14 de fevereiro de 2016

O Revisionismo Barato de Cicero Araujo


Paulo, a seguir algumas considerações sobre o artigo do seu amigo Cicero Araujo, o Stalinismo recauchutado de Domenico Losurdo.



Após a abertura dos arquivos da União Soviética e do Leste Europeu, a historiografia sobre a experiência do chamado “socialismo real” tem passado por um período de revisionismo. As pesquisas publicadas nos últimos anos vêm nuançando fatos e visões sobre aspectos os mais diversos daquela experiência, quando não os modificando substantivamente. Estado, sociedade e mesmo personalidades são reexaminados à luz desses trabalhos.

Em primeiro lugar, vale ressaltar a vulgaridade gritante do título do artigo. Repliquei aqui com título de ruindade semelhante. Ele merece! Ele merece!

Não é verdade: a versão predominante ainda é a versão da história da Guerra Fria.

Com isso, abrem-se espaços não só para críticas a respeito de atitudes há muito sedimentadas, especialmente durante os anos de Guerra Fria, mas também para a formação de novas atitudes, ideologicamente orientadas, tanto à direita quanto à esquerda. O livro de Domenico Losurdo traduzido e publicado no Brasil em 2010 – Stalin: História e Crítica de uma Lenda Negra (com ensaio de Luciano Canfora)1 – vai, nesse sentido, além do revisionismo histórico. Como o próprio título indica, o autor da obra não poderia ter escolhido tópico mais controverso para entrar na discussão. Losurdo não é um historiador profissional e, portanto, não lida com fontes primárias. Seu trabalho “empírico”, digamos assim, foi escrutinar um leque bem variado de estudos especializados, selecionar o material de acordo com seu ponto de vista e então produzir uma síntese de natureza político-filosófica. As teses ali defendidas, além disso, voltam a idéias discutidas em escritos anteriores – alguns deles também já publicados no Brasil – e ganham nova dimensão ao serem reinvocadas.
Desde já é preciso dizer que será impossível abordar, numa simples resenha, todas as matérias complexas que o livro se propõe a discutir. Como ele investe não só na crítica teórica, mas na interpretação de fatos, e recruta um verdadeiro exército de especialistas para ancorá-la, a crítica que aqui se fará tem algo de provisório. Para uma análise mais satisfatória do autor e sua obra, seria necessário verificar todas as inúmeras fontes de que o autor se vale, tarefa que permanece além das possibilidades deste resenhista. Este artigo, portanto, terá de ser lido apenas como uma primeira aproximação, esperando que outros colaboradores desta revista, depois de mim, possam completar a tarefa.
Embora reconheça “tragédia e horror” dos anos em que a União Soviética foi liderada por Stalin, e apesar de toda a sinuosidade de seus argumentos, a nenhum leitor escapará, ao concluir o livro, que o autor busca de fato uma defesa da biografia política do ditador soviético e das principais decisões que tomou ao longo dos quase trinta anos em que esteve à frente do país, após a morte de Lenin. ?Poder-se-ia pensar: estamos então diante de um sobrevivente da velha esquerda stalinista Sim e não. Ao contrário do típico stalinista dos velhos tempos, Losurdo não elude uma série de crimes cometidos pelo regime e seu ditador, nem os qualifica simplesmente como “erros”. Também ao contrário do stalinista clássico, o autor não se preocupa em mostrar a coerência de suas práticas com o marxismo ou o leninismo. Sempre que pode, o autor coloca o termo “stalinismo” assim mesmo, entre aspas, inclusive chamando a atenção para essa grafia. Não é a consistência doutrinária e mesmo de ação o que pretende pôr à prova em sua análise.2 Antes, é a capacidade e a perspicácia em enfrentar com realismo os grandes problemas de seu país e de seu tempo – mesmo contra as crenças e utopias mais arraigadas de seus ex-companheiros de viagem – que o livro procura colocar em relevo. A despeito de todas as barbaridades cometidas, Stalin e seu regime saem de sua avaliação multifacetada com um saldo positivo. Porém, não exatamente porque souberam construir o socialismo possível, o famoso “socialismo num só país”. Mas pela simples razão de terem logrado erguer um Estado e uma sociedade suficientemente vertebrada para enfrentar o caos do “segundo período de desordens” russo e a “segunda guerra dos trinta anos” européia, com seu mais mortífero subproduto (o nazismo), que, não fosse por aquela tremenda empreitada, embora sanguinária, estava destinado a destruir as nações eslavas ao leste.3 Stalin e o stalinismo são, enfim, defendidos por razões às quais qualquer admirador da construção de Estados como um bem em si, independente de suas finalidades e justificativas ideológicas, deveriam se render. “Socialismo num só país” torna-se, nesse sentido, apenas uma fórmula que o ditador e seus partidários improvisaram para encaixar essa tarefa elementar à linguagem que lhes era compreensível.


Não, Cícero, mesmo Lênin fala em socialismo em um só país no texto Estados Unidos da Europa.A que ponto chegamos, alguém que diz que Stálin tem pontos positivos, evidentes devido ao fato de ter derrotado Hitler, é hoje sempre rotulado de sobrevivente, de dinossauro, etc. E o pior: neostalinista, revisionista tal como o revisionismo que nega o holocausto.



Fórmula enganosa, porém. Pois o que faz do “stalinismo” de Domenico Losurdo algo muito peculiar, com pretensão a resistir à derrocada da União Soviética e do próprio socialismo enquanto ideologia, é que ele não se limita, com sua avaliação histórica dos atores em questão, a explicar o modo tortuoso pelo qual um Estado nacional conseguiu se afirmar perante os demais. Primeiro, porque a União Soviética, ao ver do autor, não era um Estado nacional, mas multinacional. Informando suas práticas (e não apenas a retórica oficial), estava um projeto de desenvolvimento das culturas nacionais dentro de uma mesma estrutura político-institucional. Em segundo lugar, e mais importante, é que esse projeto implicava uma proposta ainda mais ampla (e de caráter universal) de emancipação de todos os povos submetidos ao velho imperialismo dos países capitalistas centrais. Esse imperialismo se ancorava numa ideologia de teor mais ou menos racialista ou etnocêntrico, que hierarquizava o universo humano em dois tipos de povos, os “superiores” e os “inferiores”, o que justificaria a dominação sobre esses últimos. Uma ideologia ao qual não permaneceu imune nem mesmo o liberalismo que, apesar de seu aparente pendor universalista, restou acrítico (quando não endossou) em relação às práticas coloniais. Por conta desse ponto cego do liberalismo, entre outros fatores, as democracias dos países capitalistas centrais forjaram-se, na verdade, como “democracias de povos-senhores”. A isso Losurdo chama de “Ocidente liberal”.
Assim, olhando dessa perspectiva, a revolução russa não foi propriamente mais uma revolução européia, ou a quebra do “elo mais fraco” que desencadearia a revolução que realmente interessava, e que definiria todo o futuro da humanidade – a revolução do proletariado dos países do capitalismo desenvolvido –, mas antes a ponta-de-lança de uma revolta geral dos povos colonizados. Seu verdadeiro alvo – ao contrário da revolução francesa, essa sim uma autêntica revolução européia – não era o “Ocidente liberal”, mas todo o mundo da periferia do capitalismo. É justamente aqui que o termo “socialismo num só país” vai parecer enganoso. Pois, apesar de significar uma resposta aos internacionalistas mais puros, ela ainda permanecia no registro da expectativa “messiânica” da revolução européia (aquela que de fato interessava), e ainda mantinha a Rússia revolucionária na posição de subsidiária dessa missão. Sem dúvida, ela jogava um balde de água fria na idéia da iminência da revolução européia, adiando-a para um futuro indefinido. Porém, tal como o Tratado de Brest-Litovsk, defendido por Lenin (com apoio de Stalin, entre outros), tratava-se de uma resposta pragmática, comandada pela pressão irresistível das circunstâncias.


Cícero, essa teoria que vc apresenta --aderindo-- é a revolução permanente de Trotsky. Para ele, o que realmente interessava era a revolução europeia. Ele mantinha a Rússia no papel subsidiário dessa missão. Então Trotsky propôs: ou se volta ao que havia antes de 17 ou se invade a Europa em aventuras militaristas. Por isso ele foi chamado bonapartista. E ele foi derrotado, pois essa teoria evidentemente é péssima. Voltar ao que havia antes de 17 seria derrotismo; interferir militarmente, como foi visto na Polônia, também foi um fracasso.

Ao mesmo tempo, no entanto, a tese do “socialismo num só país” oferecia espaço para uma inflexão mais decisiva. De uma estratégia puramente defensiva, um compasso de espera para a vinda imprevisível do evento decisivo, excepcional, ela poderia transformar-se numa estratégia de normalização, de rejeição do excepcional, reorientando todo o sentido da ação revolucionária. Em outras palavras, reorientando-o para a política de longo prazo de (re)construção do Estado e da sociedade. Foi o que acabou acontecendo: de improviso a improviso, mas sempre rumando nessa direção, Stalin e seus partidários não só rompiam com a expectativa “messiânica” – encarnada especialmente pelos partidários de Trotsky –, mas, na medida em que permanecia latente na liderança soviética, passavam a combatê-la com ferocidade cada vez maior. Não por acaso, essa política passou a ser qualificada por seus adversários à esquerda como “traição”. Losurdo insiste, contudo, que esse caminho não transformava a revolução russa numa simples revolução nacional. O projeto da União Soviética punha em xeque a identidade entre Estado e nação e a perspectiva eurocêntrica da “raça de senhores”. Além disso, em seu choque com o Ocidente – seja em sua versão letal, exterminadora (o nazismo), seja em sua versão branda, ainda assim dominadora (o próprio “Ocidente liberal”) –, abria-se para uma proposta de pendor “internacionalista”, isto é, o ativismo em prol da luta dos povos colonizados. Uma questão, a seu ver, perfeitamente atual, quando aggiornamos o sentido clássico do colonialismo. Por aí se vê que a reflexão de Losurdo não se limita a tentar explicar uma série de acontecimentos do passado: ao fazer o acerto de contas com esse passado – selecionando, em seu proveito, a historiografia que o revê –, ela também embute um programa político, ainda que vago, e uma atitude ideológica que pretende orientar o presente. Enfim, o que Losurdo quer oferecer não é um stalinismo nostálgico, mas uma lição inspirada no stalinismo, e apta a tornar-se uma espécie de neostalinismo.


Cicero, você estava indo tão bem, entendendo o papel da revolução russa em relação ao terceiro mundo, mas tropeça novamente repetindo termos estigmatizantes e demonizantes. Não se pode tirar lição desse passado, diria você! Deve-se negá-lo em bloco. E os países colonizados pelo imperialismo? Imperalismo não existe, a classe trabalhadora está acabando, olha o terceiro setor aí, etc, etc.


Olhando de longe e no atacado, a visão que este resenhista acabou de descrever pode parecer muito sedutora e eloquente. Mas o stalinismo enquanto acontecimento histórico teima em expor sua face terrivelmente sombria. Para muitos de nós (inclusive para este resenhista), sua verdadeira face: autocrática, despótica ou totalitária, por divergentes que sejam as palavras para qualificá-lo, todas lhe reservam uma avaliação profundamente negativa e até repugnante, somente ultrapassada – mas não em todas as avaliações, pois algumas as igualam – pela experiência do nazismo. É isto o que remanesce na memória coletiva.



Agora você não é mais um intelectual, é o porta-voz da memória coletiva. E, sem messianismo algum, você irá repô-la a qualquer custo. Não à toa, você toma partido da visão trostquista messiânica.


Losurdo tem plena ciência dessa percepção, e é por isso que não pode restringir-se a uma visão no atacado. A filosofia da história de Hegel, da qual se serve bem mais do que do materialismo de Marx, pode até ajudá-lo a transformar a história soviética como “matadouro onde se imola a sorte dos povos” num trabalho que, ao fim e ao cabo, progride, e então fazer de Stalin e seu regime como que agentes desse trabalho; mas essa dialética abstrata não vai convencer a ninguém que tenha os fatos relevantes em consideração. Até onde sei, e o escrutínio do autor não parece desmentir, nenhum dos grandes lances da pesquisa historiográfica recente, ainda quando modifica a fundo nossa visão sobre o passado soviético, põe em xeque a avaliação negativa, mesmo repugnante, acima mencionada. Daí que Losurdo tenha de conceder ao leitor, logo de saída, que se falará sim de “crimes impiedosos” promovidos primeiro por uma “oligarquia”, depois por uma pura e simples “autocracia”. Dando isso de barato, o autor procede como um advogado que, para salvar o cliente da pena capital, admite a culpa para providenciar os atenuantes. Com esse deslocamento ele pretende, na verdade, mudar o essencial, que incide exatamente sobre aquela avaliação e seu impacto na memória coletiva. E a disputa pela memória não é de menor importância; nesse caso, ela significa um trauma, um bloqueio: para que o neostalinismo se liberte, como cúmplice, do opróbrio (equivalente à pena capital) a que seu ancestral foi condenado, é preciso desbloquear a memória.


Cícero: derrotar o nazismo não é progresso para você? Então, o que é?


A missão, convenhamos, é hercúlea, quase impossível, se pensada no plano microscópio da intervenção de um simples filósofo, por mais ilustrado que seja. É claro que Losurdo deve estar contando com a ajuda do futuro – a absolvição da História –, para o qual seu esforço, para não soar quixotesco para si mesmo, pode ser entendido apenas como uma preparação do terreno intelectual. De qualquer forma, seu quadro de atenuações corre em dois registros: um externo e outro interno ao universo revolucionário e soviético. O primeiro, certamente, lhe garantirá alguma receptividade entre leitores de esquerda, pois se trata de defender acusando. Losurdo é mestre em encontrar, no campo adversário, um equivalente horroroso aos horrores do stalinismo.  Mas de que adversário se trata? Falar do nazismo como representativo das práticas do Ocidente capitalista seria, hoje em dia, muito pouco convincente. Mas aqui o autor se aproveita do reverso da moeda que é a farta historiografia recente sobre a Guerra Fria, com sua face voltada para revisar as práticas do lado “vitorioso”, e então acusa o “Ocidente liberal” segundo a estratégia jurídica (constrangedoramente recusada, lembra-se ele, pelos juízes do Tribunal de Nuremberg) do tu quoque, ou seja, algo como “vocês também fizeram”. E a acusação, como não poderia deixar de ser, parte menos do exame dos crimes cometidos pelos governantes da “raça de senhores” (os povos brancos) contra seus próprios membros, porém situados nos baixos escalões da estrutura de classe, do que dos crimes contra os povos “inferiores” (não-brancos) – pois é nesse deslocamento que a similaridade dos horrores se oferece mais claramente: massacres indiscriminados, campos de concentração e até genocídios.4




Tudo bem que "vocês também fizeram" é um argumento ruim.Mas quase ninguém lembra.




À primeira vista, a estratégia visa ao empate. Porém, de novo, para um leitor de esquerda (certamente é esse o público-alvo principal do autor), ela não poderia resultar numa mútua absolvição, mas apenas numa mútua condenação, talvez confirmando ainda mais a prévia avaliação negativa. Losurdo sabe, portanto, que tem de enfrentar o lado mais espinhoso da questão, mudando o registro das atenuações. Assim, a história interna da revolução russa e de seus revolucionários, do regime que ela gerou e de seus governantes, tem de ser reinterpretada, para então se chegar aos problemas ainda mais espinhosos do stalinismo. De fato, é impressionante a lista de casos difíceis que o autor se dispõe a reexaminar: a começar do relatório Kruschev que, afinal, é uma acusação assumida pelos próprios governantes do regime, em seguida retroagindo para os massacres provocados pela coletivização forçada da agricultura (1929-1932), a grande fome ucraniana (1932-1933 que segue dela, o assassinato do chefe do partido em Leningrado, Sergei Kirov (1934), a virtual dizimação do corpo de oficiais do Exército Vermelho a partir do processo contra o marechal Tukashevsky, a liquidação da velha guarda bolchevique e o Grande Terror (1937-1938), as deportações de povos inteiros ocorridas durante a guerra, o “Caso dos Judeus” e a subseqüente acusação de práticas antissemitistas depois da guerra, as quais culminam no “complô dos médicos”, pouco antes da morte do próprio Stalin. Losurdo não se furta nem mesmo de problemas relativamente menores, que não configuram crimes propriamente, mas servem para ajudá-lo a desqualificar as fontes das acusações mais pesadas: teria Stalin cometido erros grosseiros de avaliação ao ser surpreendido pelo ataque avassalador, e de resultados tão desastrosos, do Exército alemão em junho de 1941? Teria sofrido um colapso nervoso no início da invasão? E o que dizer do pacto germano-soviético, dois anos antes? Para todas essas questões, o autor mobiliza, como foi dito, uma avalanche de pesquisas historiográficas, e todas, diz ele, “insuspeitas de stalinismo”, além de depoimentos de personalidades históricas eminentes, igualmente insuspeitas.




Para Cícero, colar a pecha de stalinista já basta para desqualificar a pesquisa.



Mesmo que a cerrada argumentação do livro logre colocar essa série de problemas numa perspectiva geopoliticamente mais extensa e de longa duração, é muito duvidoso que ela consiga produzir o efeito de atenuação desejado, e assim limpar o terreno para uma avaliação qualitativamente diferente dos feitos do stalinismo. Para mostrá-lo de modo mais convincente, seria interessante criticar a interpretação de cada caso e cada passo da argumentação. Essa tarefa, como já se advertiu no início, ultrapassa os limites da resenha e do próprio resenhista. Que Stalin não foi, de modo algum, um líder provinciano e intelectualmente medíocre, mas, ao contrário, um político talentoso, parece um fato bem estabelecido, certamente reforçado no livro, e, de resto, muito plausível, a julgar por sua longa preservação na chefia do país, e considerando as gigantescas crises a que sobreviveu. Mas não se poderia dizer o mesmo de Hitler e até de Mussolini? Também suas biografias mais recentes revelam talentos nada desprezíveis, inclusive o das decisões pragmáticas, se levarmos em conta as não menores pressões ideológicas que tiveram de enfrentar de seus companheiros de viagem. Contudo, o juízo substantivo que fazemos deles naquilo que interessa (seu papel histórico fundamentalmente regressivo) não se altera por causa disso. De certo modo, até se intensifica: mesmo computando as circunstâncias favoráveis, sem esses talentos eles dificilmente teriam logrado realizar coisas tão monstruosas. E, afinal, para quem pretende, como o autor anuncia, se distanciar da crítica superficial do “culto à personalidade”, que acusa em Kruschev, não seria o caso de gastar menos tempo com essa questão?

Essa aproximação com Hitler e Mussolini é inevitável do ponto de vista de um ocidental liberal. Eles têm só um problema, digamos, perderam a guerra. Claro que não deve gastar menos tempo, pois um pesquisador liberal sempre vai levantar o tal argumento do culto da personalidade.


Mas o problema maior que vejo em sua argumentação é o non sequitor da tentativa de contextualização e esclarecimento dos motivos dos atores para o que eles acabam fazendo com isso. Só para ficar nas reações mais formidáveis e bárbaras: vamos assumir que fosse verdade que Stalin não tenha sido o mentor do assassinato de Kirov, e que houvesse razões para suspeitar de um complô de dissidentes bolcheviques. Qual o vínculo minimamente plausível entre esse fato e a razia que se abate sobre os quadros do Estado e do partido nos dois anos seguintes, atingindo indiscriminadamente centenas de milhares de acusados e de seus familiares?



O vínculo é: eles eram uma quinta-coluna.




 Ao contrário, há mais fortes razões para se pensar o episódio como um pretexto, mesmo que inicialmente fora de controle do regime (o próprio assassinato) – como, aliás, também parece ter sido o incêndio do Reichstag alemão logo no início da ditadura nazista, mas com resultados semelhantes –, para em seguida desatar a ação terrorista do aparato repressivo do Estado. Algo similar se pode dizer da suposta conspiração (tentativa de golpe de Estado) do marechal Tukhatchevski: como explicar que daí se siga a eliminação de praticamente todo o alto comando do Exército Vermelho, além de dezenas de milhares de oficiais, causando prejuízos incalculáveis a seu patrimônio de experiência, capacidade técnica e elos de comando, a ponto de o próprio Hitler suspeitar, na época, de um acesso de loucura do ditador? E o que dizer do Terror que ceifa não só o que resta da velha guarda bolchevique, além de seus familiares, mas leva de roldão uma enorme quantidade de quadros políticos e técnicos, agora com prejuízos incalculáveis para a administração civil? E isso de modo ainda mais impressionante que os anteriores, pois que o expurgo, como estipulavam as famigeradas “ordens operacionais” do NKVD, se faz através de quotas, vale dizer, metas puramente quantitativas para as diferentes seções do partido espalhadas pelo país: não importa se inocentes ou culpados (de quê?), se leais ou não ao regime, o aparato repressivo deveria “produzir” um tanto de fuzilados, outro tanto de condenados a prisões mais ou menos longas, ou ainda a trabalhos forçados ...


Não houve tantos prejuízos, pois o país ganhou a guerra. De outro modo, afetados pela quinta-coluna a exemplo da França, eles a perderiam.



Enfim, como, a partir da mera suspeita de “conspiração, infiltração e espionagem” contra o regime, ainda que razoável, em vista do contexto – admitindo, outra vez, a plausibilidade da construção que faz o autor, inspirado em depoimentos e estudos históricos “insuspeitos” exibidos no livro –, se poderia chegar a um grupo tão grande e indiscriminado de condenados, no qual são explicitamente irrelevantes os motivos de suspeita, e do qual seria fácil presumir, ao contrário, que a esmagadora maioria fosse composta de leais stalinistas? O fosso é grande demais para imaginar que a motivação real da fúria repressiva fosse de fato uma guerra contra putativos dissidentes – “guerra civil”, para usar o incrível eufemismo encontrado pelo autor para designar o que não passou de um imenso abatedouro humano.5 Nesse ponto, continua tendo força as teses de H. Arendt – alvo de frequentes ataques do autor ao longo do livro – sobre a semelhança formal (malgrado a grande divergência dos conteúdos ideológicos) dos regimes qualificados como “totalitários”, de direita ou de esquerda: a necessidade contínua de movimento, que resulta na produção imaginária do “inimigo” (objeto da mobilização) e o subsequente desatamento do terror de Estado. Mesmo que levando enormes prejuízos à capacidade operacional do regime, o terrorismo ideologicamente motivado torna-se um imperativo superior à eficiência e à racionalidade do Estado, na medida em que extorque de seus cidadãos a obediência incondicional e cega.6




Sim, Hannah Arendt tem responsabilidade na chegada de um tolo aqui dizendo que o nazismo é de esquerda.



Porém, se desprezamos teorias como essas, resta a possibilidade da paranóia sistêmica – não necessariamente em contradição com aquelas teorias –, que leva a uma espécie de giro em falso de um regime movido pela suspeita, prefigurando, tal como a paranóia psíquica, sua autoaniquilição. E é talvez por conta dessa vertigem autodestrutiva que os subordinados acabam levados a propor, como o grupo liderado por Kruschev, a crítica da autocracia e o retorno à oligarquia. Diga-se de passagem, como lembra um ácido crítico do livro de Losurdo, o relatório Kruschev não ataca o período stalinista como um todo, mas tão somente o que se inicia com a erosão da “direção coletiva” (1934, justo o ano do assassinato de Kirov) até a morte do autocrata. Por mais frágil que seja em termos intelectuais, a crítica do “culto à personalidade” pretende exatamente aquilo que a própria expressão sugere: atingir a pessoa de Stalin, mas não o stalinismo. É certo que o documento contribuiu não pouco para o processo de distorsão da verdade histórica e o correspondente impacto, ainda que remoto, sobre a memória coletiva, contra o qual Losurdo se diz insurgir. Compreende-se sua indignação: quem acaba vítima dela é a própria memória do stalinismo! Mas para isso contribuiu, em grande parte e da maneira mais tosca, o mesmo Stalin, ao fabricar despudoradamente uma série de “histórias” da revolução, do partido e da União Soviética, até com direito a manipulação e apagamento de imagens em fotos, filmes e outras tantas iconografias. E não foi também ele que certa vez disse a Ignátiev, um de seus agentes terroristas no após-guerra: “Nós mesmos seremos capazes de determinar o que é e o que não é verdade”?7 Está aí a lição do stalinismo, pelo menos no que tange ao exercício da memória coletiva: não se brinca com a verdade impunemente.


Leia o relatório Kruschev, ele volta até o período Lênin. Não demonstre ignorância! Brincar com a verdade impunemente, arrogando-se porta-voz da memória coletiva é o que você faz.


Por conta de tudo isso, parece menos defensável ainda a conclusão da obra: Stalin e seu regime foram toda aquela “tragédia e horror” a despeito de si mesmos, em virtude de um embate que lhes foi imposto em duas frentes – de dentro e de fora do campo revolucionário, causando ao regime um “estado de exceção” quase permanente. De fora, o embate com as “condições objetivas”, a herança negativa da história russa e a absoluta escassez de recursos, somadas às ameaças dos adversários ocidentais, que, contando com enormes vantagens materiais e as da própria normalidade, impunham desafios que de tempos em tempos interrompiam os esforços de normalização. De dentro, o embate contra o “messianismo anarcóide” e o “utopismo abstrato”, levando a um prolongamento adicional do estado de exceção. Esse segundo fator, explica Losurdo, “desde logo fortemente estimulado pelo horror da Primeira Guerra Mundial, e todavia intrínseco a uma visão que espera a dissolução do mercado, do dinheiro, do Estado, da ordem jurídica” (p. 303 da edição espanhola). Cito o resumo da ópera: “Nos três decênios de história da Rússia soviética dirigida por Stalin o aspecto principal não é a passagem da ditadura de partido para a autocracia, mas sim as repetidas tentativas de passar do estado de exceção a uma condição de relativa normalidade, tentativas que fracassam por razões tanto internas (utopia abstrata e messianismo que impedim o reconhecimento dos resultados alcançados) como internacionais (a ameaça permanente que paira sobre o país de Outubro), ou então pela soma de umas e outras”. (Idem, p.157)
Porém, não lhe ocorre discutir seriamente a hipótese de uma lógica intrínseca ao regime e às ações de seu ditador, no sentido da busca visceral da exceção, da fuga da normalidade através do terror, como forma de enfrentar a ameaça de perda da lealdade de seus cidadãos. Como se viu, ainda que reais os embates indicados acima, eles estão longe de explicar, em si mesmos, a reação inteiramente desproporcional do regime. Ao contrário, é bem mais plausível supor que este último, partindo daqueles embates, vai tornando-os funcionais à sua legitimação, até que se dê o salto na pura fantasmagoria: fabrica-se o inimigo para que, pelo negativo, se fabrique legitimidade e obediência. No fim das contas, a fantasmagoria é a “droga” que faz o regime subsistir, ainda que ao custo de levá-lo à “fadiga de material” e à beira do abismo – sua autoaniquilação. É evidente que, funcionando assim, nem Stalin, nem o stalinismo, nem qualquer regime similar poderia um dia, por sua própria iniciativa, almejar uma transformação no sentido da democracia. O máximo que se pode esperar é aquela oscilação entre a autocracia e a oligarquia do partido único que caracterizou a história da União Soviética e de tantas outras experiências passadas e presentes. Eis o ponto: a vontade de democracia, essa sim, é que acaba sendo o fator estranho à sua reprodução, aquela que ou se impõe, aqui e agora, na luta desafiadora dos governados, ou sucumbe na espera ilusória da boa ação dos governantes, tão logo as supostas condições adversas deixem de existir.



Ainda que nem todos os condenados tenham sido culpados, não se pode supor que havia "fantasmagoria", que fossem todos inocentes, que não houvesse quinta-coluna alguma, nem sabotadores, nem espiões. Que fosse tudo invenção do regime para validar a repressão.



Com base na explicação insatisfatória que oferece do passado, pode-se adivinhar as bases igualmente insatisfatórias do discurso que o neostalinismo losurdiano tem a oferecer para o presente. Note-se uma de suas possibilidades: a luta contra o imperialismo ou a versão atual do colonialismo precede a luta democrática. Não há democracia possível sem a vitória sobre o primeiro, pois este empurra qualquer empreitada emancipatória para o campo da anormalidade, por sua vez caldo de cultura do messianismo e do utopismo, que retroativamente só empurra a empreitada para mais anormalidade. A quê isso leva? A não ser que o discurso previna, em virtude das lições da história, a sedução do poder político e da construção do Estado – mas então como seria possível ao menos tentar vencer a dominação colonialista? –, o neostalinismo, cedendo mais uma vez ao que supõe ser a face cinzenta (mas inescapável) do realismo, não oferece outra alternativa senão... o velho stalinismo!


Losurdo está certo: uma filosofia que não pensa o imperialismo e o colonialismo, assim como a opressão do terceiro mundo, não é emancipatória. Como um bom liberal, Cícero acha a visão de Losurdo aterradora. Ele liga fortemente a negação do holocausto à negação dos tais horrores stalinistas. Mas Stálin derrotou Hitler, Cícero. Não há nada que você possa fazer quanto a isso.











Zizek e Kamel Daoud e a "colognização" do Mundo

No final do ano de 2015, graves acontecimentos em Colônia, Alemanha, espantaram o mundo. Segundo os relatos da mídia, imigrantes recém-chegados do Oriente Médio estupraram mulheres alemãs. Posteriormente, no entanto, ficou evidente que os autores dos estupros não eram islâmicos e nem recém-chegados. O que valeu, no entanto, para Zizek e Daoud, foram os relatos da mídia. Bateu o medo da "colognização" do mundo.

Bastou isso para Kamel Daoud e Slavoj Zizek começassem a deitar falatório contra o islã. Daoud, que não é religioso, falou de "porno-islamismo", esclarecendo-nos que o islã é recalcado sexualmente, é contra a mulher. Daoud esbanjou fantasias e comungou da "islamofobia" ocidental muito em moda, pois é um autor laico e absolutamente paranóico num país islâmico --foi recentemente ameaçado por uma fatwa (sentença de morte por parte de radicais islâmicos). Daoud repete clichês tolos:


"Todos os fascismos se parecem, o III Reich, os neoconservadores americanos, os comunistas fundamentalistas. Todos se apoiam na negação do outro e sobre uma visão totalitária".

Um anônimo pediu-me aqui para rebater os argumentos do professor de História Danilo Tirapani, defendendo que "nazismo é esquerda". O nazismo mobilizou principalmente contra o anticomunismo. Em sua obsessão contra o marxismo, argumentava que os alemães deveriam pensar no orgulho alemão, organizar-se em termos de país e não de classe. E em segundo plano vinha a associação judaísmo/marxismo.


Zizek ficou com rodeios, mas deixou claro que quer intervenção militar já, assim como muitos lunáticos brasileiros. Para ele, a questão não seria abrir fronteiras e sim acabar com o capitalismo global. Bela fórmula, bela "pegadinha" é Zizek. Enquanto milhares de mulheres e crianças estiverem nas fronteiras, Zizek e o exército lhes dirão para aguardar a queda do capitalismo global. O esloveno não se envergonha de dizer absurdos, tais como dizer que os exércitos dos europeus devem montar bases na Síria, Líbia e em outros desses países e dizer quem deve e quem não deve imigrar. E para fechar com chave de ouro, Zizek falou em islamofascismo (ulalá!).  Sempre que ele elege um inimigo, sejam os comunistas revisionistas de Tito, sejam os nacionalistas sérvios, ele o estigmatiza como "fascista". Se as variantes políticas do islamismo são fascistas, poderíamos também falar dos "cristo-fascistas" Hitler e Mussolini?

Porém, se alguém aqui dissesse o que ele diz do islã, não existiriam condenações? Já pensou se alguém --que escrevesse na Folha e falasse na televisão, por exemplo-- dissesse, como ele disse da Argélia e das tradições islâmicas, que o Brasil ficaria melhor sem suas tradições cristãs? Parece que não corremos esse risco, pois esse alguém seria censurado muito, mas muito antes disso.


Fonte: ttp://www.ledevoir.com/culture/livres/456378/tous-les-fascismes-se-ressemblent


Mexendo com Mexia: Cartas sobre o Acordo Ortográfico



2014-03-16 16:26 GMT+00:00 :

Oi, Pedro. Saiu uma nota --equivocadíssima -- na Revista Piauí, aqui do Brasil, neste mês, referindo-se a você. Poderias explicar por que te opões ao acordo ortográfico?

Abs do Lúcio Jr.
Caro Pedro:

Obrigado. Estou encaminhando meu e-mail para a Revista Piauí. Abs do Lúcio Jr.

-------- Original Message --------
Subject: Mexendo com Mexia
Date: Sun, 16 Mar 2014 21:30:55 -0300
From: lucio@bdonline.com.br
To:
Cc:

Caros editores da Piauí:

A matéria "A Batalha do Asterisco", de autoria de Cláudio Goldberg Rabin, encontra-se cheia de equívocos a respeito do novo acordo ortográfico.
Primeiramente, o acordo começou a ser negociado nos anos 90, mas só foi assinado no governo Lula. Timor, Angola e Moçambique também o ratificaram. Macau é agora parte da China, por isso "nem entrou na conversa".
De forma alguma o acordo esteve "encampando as teses de linguistas mais libertários de que a fonética deveria servir de guia acima do critério etimológico." De forma alguma: quem coordena sua implantação no Brasil é a conservadora Academia Brasileira de Letras.
É também errôneo escrever que esse acordo "abrasileirou o português por força do escore populacional". Ele apenas é pioneiro ao fazer com que os portugueses aceitem mudanças já presentes no Brasil, uma vez que aqui as consoantes mudas e dobradas (como em objecção) não são escritas há muito.
Igualmente, é bastante curioso que editoras portuguesas tenham ignorado o acordo, a propósito de não dar vantagem a concorrentes brasileiros. Ignorar o acordo só iria dar força aos concorrentes brasileiros, uma vez que agora o mesmo livro pode ser editado em todos os países sem precisar ser reescrito.
Nos últimos parágrafos, Cláudio abandona o termo "acordo" e passa a utilizar outro, "reforma", como se fossem sinônimos, o que também é equivocado. O termo é acordo, é acordo entre países para intercâmbio acadêmico. Mexia reclama que o acordo "permite duas grafias com base em tradições locais". Ora, toda gramática é baseada na tradição. A linguística é que é científica.
E aliás, o que é "celebrar o que parecia ser o epitáfio das perguntas sem respostas das palavras hifenizadas"??? Por acaso não seriam palavras "infernizadas", quem sabe, pela "língua do Lula", comparável, segundo o "libertário" presidente da ABL, à língua do partido que os comunistas quiseram impor à União Soviética na época de Stálin (sic)!

Atenciosamente, Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior

On 17.03.2014 21:33, Pedro Mexia wrote:

Caro Lúcio, dei, de facto, uma entrevista sobre esse tema, mas não vi o texto.  Aqui vão dois artigos publicados no semanário «Expresso» Que tentam explicar o meu ponto de vista. Um abraço
Pedro Mexia


On 19.03.2014 08:36, Pedro Mexia wrote:
Caro Lúcio, neste momento as relações entre Portugal e Angola são bastante más, já houve várias crises diplomáticas, editoriais inflamados, processos judiciais, livros de denúncia, cimeiras canceladas, etc. O Acordo é uma ínfima parte dessa disputa, mas certamente Angola não seguirá o que Portugal decidir em questão nenhuma.

Um abraço. PM

Oi, Pedro.

No Brasil, a tônica é atacar o acordo, por senti-lo como parte das microrreformas que faz o governo PT. O Brasil não é uma potência. É um país semicolonial que não resolveu nem sequer a questão do latifúndio. É uma empresa para outros, avançou ainda pouco no sentido de ser uma nação para si mesmo. Estranhamente, os textos que você me manda parecem, mais do que se opor, desconhecer o acordo, atropelando-o. O critério, repito, foi o uso e desuso de algumas formas, que, por estarem em desuso, ao serem suprimidas da forma escrita favoreceriam a simplificação.
Eu, por mim, advogo em prol do desligamento do português do Brasil do português aí da terrinha. Sinto muito. Sou plenamente a favor de uma gramática do português brasileiro, aliás, já escrita por Marcos Bagno. O futuro do português está em nossas mãos e não nas vossas. Infelizmente, Portugal está em decadência e a Europa também. A decadência se aprofundará. Espero atitudes enérgicas da Rússia para novamente reconquistar seu prestígio. Espero que agora os russos parem em Lisboa e não em Berlim. There´s no future for you, já cantaram os sex pistols. Yes. The Queen is dead. Falta civilizar a Europa. O futuro da língua portuguesa, até por uma questão populacional, ficará mais e mais nas mãos do Brasil, invertendo nossa experiência histórica. A Europa, esgotada em seus recursos naturais, tenderá a ir para a periferia da história, posição onde só não está devido ao apoio norte-americano.
No entanto, embora nacionalista em termos linguísticos, sou a favor do intercâmbio cultural com Portugal. Queria ver lançada a obra Não És Beckett, Não És Nada, queria ver seus textos publicados nos jornais aqui. João Pereira Coutinho escreve na Folha, mas não como português e sim como um norte-americano expatriado.
O professor Marcos Bagno, da UNB, foi quem indicou-me um texto O governo Dilma adiou sua vigência, o que não significa que ele será revisto. Agora, o critério da fonética sobre a etimologia seria aberrante e anticultural? O que irrita extremamente os intelectuais é o fato de que Lula pouco se importa com a cultura acadêmica e a gramática. Suas falas são informais, não-padrão, são o que os escritores chamam "patuá" que "dói no ouvido", mas evidentemente ele domina tanto o padrão quanto o não-padrão. O acordo, embora negociado anteriormente, reforça os medos de uma certa extrema-direita de que estejamos vivendo o marxismo cultural, a transformação de tudo em pequenas doses, etc. Por isso a paranoia da "língua do Lula".
Quanto à linguagem do celular, do telemóvel, creio que é algo a ser estudado e aceito. A tecnologia altera a vida do homem: o surgimento do telégrafo, por exemplo, originou textos em estilo telegráfico hoje aceitos.

Abs do Lúcio Jr.

Caro Lúcio:

Obrigado pela atenção. Apenas três notas:

1) Angola não ratificou o AO; ainda recentemente o jornal oficioso do regime publicou um violento editorial contra o Acordo, explicando Por que o Estado angolano o recusa. Creio que o texto se encontra online.
2) Macau é parte integrante da China, mas existe um acordo de princípio sobre o uso (limitado, porque há poucos luso-falantes) da língua portuguesa no território; portanto, Macau não está de fora da conversa, até porque existem vários jornais em língua portuguesa.
3) A minha objecção não diz respeito às duplas grafias já existentes, mas apenas às duplas grafias que o Acordo cria, e que não existiam antes, quando o propósito do Acordo seria «unificar» o idioma, não acrescentar novas variantes. Devo dizer-lhe que no contexto português eu estou do lado dos «moderados» anti-Acordo, visto que os mais radicais têm por exemplo um tom anti-brasileiro que me desagrada. E vários escritores e colunistas chamam regularmente ao Acordo «aborto», «crime», etc.
Envio-lhe também o parecer que o Director da Faculdade de Letras Da Universidade de Lisboa (um dos mais brilhantes académicos portugueses) mandou ao Parlamento português, quando consultado Sobre o Acordo. Um abraço, e obrigado por ir seguindo os meus escritos.

Pedro Mexia

Oi, Pedro. Li o texto de Feijó.

Na prática, contêm uma inconsistência: o intercâmbio acadêmico se faz através de um padrão, não de dialetos, diferentes grafias, etc. O padrão é sempre estabelecido pelo estado, ele legisla sobre o padrão que ele vai adotar. Se não há exemplos semelhantes nos USA, na França o padrão veio da Ille de France, p. ex.  O critério utilizado pelo acordo, novamente explico, foi o de uso e não o fonético no lugar do etimológico Nós brasileiros passamos a abandonar o trema, pois ele já está em desuso em Portugal. Já vocês abandonariam as consoantes mudas, como o "c" em director e objecção, que são pronunciadas na fala, mas são escritas, que estão em desuso aqui, mas não aí. Retirando o que está em desuso nos vários países, buscou-se uma simplificação.
Nada disso impede um poeta de continuar usando a antiga grafia, mas o poder do estado costuma pressionar e ser mais forte, muito forte. O poeta brasileiro Abguar Renault buscava escrever numa antiga ortografia, antes da reforma de 1945. Ele escreve "pharmacia" e "abysmo" e todos os editores brasileiros sempre rejeitavam e o obrigavam a atualizar-se. Tal não julgo correto. Os escritores que escrevam como queiram; quem forneceu os textos que deram a base da gramática foram eles --e isso desde Camões e a Grécia Antiga.

Abs do Lúcio Jr.
2014-03-19 11:16 GMT+00:00 :

Caro Pedro:

Até onde foi divulgado aqui no Brasil, Angola e os outros territórios sempre aguardam e seguem o que Portugal decide, pois o padrão que seguem é o de vocês. O problema, aqui no Brasil, é que críticas ao acordo confundem-se com críticas a Lula e Dilma, sempre buscando colar em ambos o rótulo de ignorantes, analfabetos. Tenho acompanhado seu blog. Agrada-me Radiohead, Silver Jews, etc.

Abs do Lúcio Jr.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Entrevista a Pedro Marques



Dei entrevista para um blogueiro português, Pedro Marques. Segue um trecho abaixo:




O que o inspirou a estudar, e a escrever sobre o líder da União Soviética e o principal seguidor de Marx e Lenin? O intuito da comunidade é combater “as mentiras inventadas pelos anti-comunistas e oportunistas de todo o tipo.”



Meu interesse foi acadêmico, sou interessado em pesquisa e debates. Minha paixão em Filosofia é Nietzsche. Não encontrei pesquisas acadêmicas sobre Stálin, mas notei como elas são numerosas sobre Nietzsche, daí quis “inverter perspectivas”, como diz o filósofo alemão e anti-Marx por excelência. Minha geração é nietzschiana e há nietzschianos genais como Rogério Lopes e Guaracy Araújo. Eu fui aluno de José Chasin, um marxista revisionista. Eu sou muito grato a ele, pois ele desenvolveu uma forma tão extravagante de revisionismo que me marcou para sempre. Ele, indiretamente, abriu meus horizontes, vacinando-me contra o revisionismo ao praticar uma forma horrenda de revisionismo.

Confiram o restante no blog;


Entrevista a Pedro Marques



quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A Patrulha Ideológica Número 1

Xica da Silva e a Patrulha Ideológica Número 1
Lúcio Jr

           
                A escravidão em Minas Gerais criou uma figura até hoje misteriosa e emblemática: Xica da Silva. Amante de um comendador português, essa mulher negra foi uma personagem influente em Diamantina em seu tempo. Tornou-se tema de um filme de Cacá Diegues e de uma canção de Jorge Ben que marcaram época. E gerou, via Cacá, uma expressão até hoje corrente: a patrulha ideológica. Foi o termo que Cacá Diegues criou para revidar a crítica recebida no jornal Movimento.
A escravidão nessa província foi atípica em relação a outras regiões do país e mesmo em relação à própria região durante o século XVIII. Então, na capitania foram registrados cerca de cento e oitenta quilombos. No século seguinte, tal agitação diminuiu e, embora sendo a província com maior número de escravos, Minas não foi a maior em movimentos conhecidos. Teve apenas um levante um pouco maior em 1833. Passou, então, de foco de rebeldia negra para um estado conformado. Como compreender essa metamorfose?
            A crítica entrou em choque com a concepção de Cacá Diegues através de artigos publicados na imprensa, em especial um artigo de Wolfgang Leo Maar no jornal O Movimento. O artigo é uma crítica ao filme chamada Novo Samba Enredo de Chica da Silva, mas que vai além:

Muitas vezes retomamos a velha prática inquisitorial de desenterrar os mortos para voltar a matá-los na fogueira .Nos referimos a Cacá Diegues, que não perdoou Xica da Silva. Tirou-a dos enterros faustosos dos desfiles de escolas de samba para arquibancadas de turistas estrangeiros, e voltou a matá-la numa rica superprodução, igualando a Xica às damas parvenues das cortes européias, e vendo ainda a nossa história colonial com os olhos liberais do século XIX.
A Xica da Silva de Cacá Diegues é uma escrava que conseguiu pela astúcia escapar à sua condição, participando do mando e da riqueza dos homens livres. Branqueia-se na medida em que não contesta a escravidão, apenas mostra-se condescendente para com alguns escravos, mas mantém-se tão insensível quanto qualquer outro branco diante do açoite de negros. E, com a volta de João Fernandes para Portugal, refugia-se num reduto de futuros libertadores. Xica da Silva pôde seguir esse roteiro, utilizando-se justamente daquilo que era negado aos negros pela escravidão: a astúcia, o sexo, o gosto pela vida. A violência da escravidão não estava na exceção, ou seja, quando ocorriam os castigos ou pelo azar do escravo em cair nas mãos de um mau senhor, mas no próprio cotidiano, no dia-a-dia, a cada minuto em que se vivia a condição de um escravo. Pelos seus próprios mecanismos ela era embrutecedora, tolhia as iniciativas e a criatividade, vigiava a cada passo o escravo, deixando a ele apenas a ladinagem. Entretanto, esta não era tolerada, pois significava a fuga ao trabalho, às tarefas, à rotina, implicando em perdas para o senhor.
            Desse modo a astúcia demonstrada por Xica em manobrar seu antigo senhor, João Fernandes e, depois, o próprio conde, de modo a praticamente inverter as relações entre senhor e escravo, parece não pertencer ao quadro geral da escravidão. Se ocorresse algo parecido com o filme, quer dizer, uma ex-escrava que se movia facilmente tanto entre seus antigos senhores, por exemplo, quando obriga uma outra escrava a limpar os seus vestidos, como entre os escravos, mostrando-se como uma benfeitora deles, veríamos a possibilidade de ter havido uma escravidão mais branda, cabendo uma maior dose de humanidade na instituição, traduzindo-se em termos de uma sociedade mais móvel e flexível.
Esse mesmo culto da inteligência fora do lugar aparece também quando Diegues opõe à atitude puramente repressiva do intendente, a solução dada por João Fernandes no combate aos contrabandistas, deixando-os participarem da exploração dos diamantes, já que estavam melhor preparados para achá-los. Se assim fosse, quer dizer, se o sistema de colonização não tivesse implicado numa sociedade rigidamente estratificada, ambos teriam se perpetuado, para glória dos senhores e do colonizador. Desse modo, a visão política de Cacá Diegues é bastante parecida com a de José Bonifácio (o velho patriarca): procurar fazer o colonizador compreender as pequenas razões e exigências do colonizado, pois este compreende o poder e os direitos dos senhores.
Também a sexualidade atribuída a Xica é apresentada de uma perspectiva essencialmente colonialista. Até o conservador Gilberto Freyre em “Casa Grande e Senzala”, procurou mostrar como era falsa a visão que tinham os brancos da sexualidade do negro. Enquanto estes dependiam de uma série de práticas rituais introdutórias, como a dança, para a realização do ato sexual, eram os brancos que estavam sempre disponíveis ou que induziam, ou melhor, obrigavam, as escravas a disporem-se a qualquer momento e sob qualquer forma já que as viam como objeto e não como pessoa. Se o sexo entre negros tinha uma maior naturalidade, não era desprovido de regras comportamentais como ideologicamente quis se mostrar. Mas o que ficou oculto é de como aos brancos o contato com as escravas revestia-se de um gosto sádico, uma vez que se viam libertos dos freios do cristianismo e dos pruridos a que eram obrigados com suas mulheres, claro que quando não existia o consenso.
Descobre-se aqui o centro da idealização pretensamente tropicalista de Diegues: de que se os negros ocupassem a fortuna e a liberdade dos brancos a vida teria tido muito mais colorido e intensidade, já que não haveria os preconceitos nem a resistência à incorporação da rica cultura negra africana à vida cotidiana. Entretanto, sabemos muito bem que não bastava inverter-se simplesmente os homens no poder para tornar o gosto pela vida mais intenso. Basta vermos a experiência do império negro criado no Haiti, admiravelmente retratado no livro “Reino deste Mundo”, de Carpentier. Aqui a opressão não é de cor, de cultura ou nacionalidade, mas de sistemas. A reconstrução histórica do filme é informada por uma visão do liberalismo brasileiro do século XIX, quando se pretendia formar uma nacionalidade sobre o repúdio ao colonialismo português, e, sem pôr fim ao trabalho escravo, reformar a escravidão. Desse modo, a tensão da sociedade colonial é unilateralmente apresentada, apoiando-se no conflito de interesses entre portugueses e colonos sem que se deixe perceber a tensão entre senhores e escravos (MAAR, apud: VANOYE, 1998, p. 116).

Bibliografia:

VANOYE, Francis. Usos da Linguagem. Problemas e técnicas na produção oral e escrita. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Entrevista com Laerte Braga (31/10/2003)

Passando em Revista: Blitz Com Laerte Braga 
Lúcio Jr. (31/10/2003)


1. Lúcio: Gostaria que você contasse um pouco aquelas suas histórias. Seu pai era do partido republicano? 


Laerte: Meu pai era jornalista, tinha duas paixões na vida, Botafogo e PR. Partido republicano. Com a revolução de 30 isso aí começou a aparecer. Você tinha partido republicano paulista, tinha o paulista. Primeiro porque os partidos ficaram nacionais, e também porque o Vargas era um regime ditatorial. Não existia uma normalidade constitucional; de 1930 a 1934 foi um governo provisório. De 1934 a 1938 ele ocuparia o cargo e passaria adiante. Os candidatos, que eu saiba, eram Armando Salles e José Américo. 

Lúcio: Eu penso que em 1937 o Plínio Salgado também estaria concorrendo com a AIB. 

Laerte: Em 1937 ele deu o golpe. Ele ia ter que sair em 1938 mas antes deu o golpe. A desculpa para o golpe foi um tal de Plano Cohen, elaborado por um capitão chamado Olímpio Mourão Filho, um integralista. Em 1964, Mourão Filho foi um dos líderes do golpe militar. Foi um negócio como esse aí do Tony Blair, que junto com o serviço secreto inglês montou documentos para falar que o Iraque tinha armas químicas. Mourão Filho era ligado ao Juscelino, porque era de Diamantina. 

Lúcio: Ele usou essa carta várias vezes....Já em 1964 como general. 

Laerte: Mas, como ia dizendo, eu pai era jornalista, tinha paixão pelo Botafogo, foi amigo do João Havelange, foi dirigente do Botafogo e de alguns clubes aqui em Juiz de Fora. 

Lúcio: Acompanhava times do Rio e não de Minas (risos). 

Laerte: Até a UNESCO deu a ele o troféu Fairplay, pouco antes dele morrer. O melhor futebol de Minas era praticamente Juiz de Fora. Isso até a década de 70. Tinha um grupo chamado Guarani, de Conselheiro Lafaiete, que disputava campeonato aqui em Juiz de Fora e não em Belo Horizonte. O campeonato de Juiz de Fora era mais lucrativo do que o de Belo Horizonte [...]. 

Lúcio: Ele se dedicou mais ao futebol do que a política? 
Laerte: Ele gostava do Partido Republicano. O PR tinha uma vertente que se aliava ao PSD e outra à UDN. A vertente do papai se ligava ao PSD. Ele votou no Juscelino, no Jango, no Marechal Lott. Meu pai era, eu não diria de direita, mas era um conservador. 

Lúcio: O Getúlio foi assim um divisor de águas... 

Laerte: O PSD era um partido de gente com jogo de cintura. Um exemplo que dou seria um entrevista que deu o boçal do Eliseu Resende, dizendo que o Tancredo era velho demais. Aí o Tancredo disse que Nero tinha trinta e três anos quando pôs fogo em Roma. Muita gente defendeu o Tancredo, e inclusive o Cícero Sandroni fez um artigo dizendo que o PSD em Minas era a própria mineiridade. 

Lúcio: Eles eram as chamadas raposas. 

Laerte: Tancredo foi o único a não apoiar o Castelo em 1964. Ele tinha sido primeiro-ministro do governo anterior e não votou. Mesmo Ulisses Guimarães, Juscelino, todos votaram a favor. 

Lúcio: Tem gente que acha que o PSDB é aquele antigo PSD mais o B, mas eu acho que é sem o B. O que pensa, eles são social-democratas ou liberais? 

Laerte: O PSDB é um partido rançoso, udenista. O Aécio Neves é só o neto de Tancredo, se não fosse isso, não seria nem um síndico. São oligarquias: o Aécio Neves é filho do Tancredo Neves, o Renato Azeredo é o pai do Aécio. 

Lúcio: Fale para mim da sua relação com o jornalista e sambista Antônio Maria. 

Laerte: Quando eu fui para o Rio de Janeiro trabalhar em jornal. Meu trabalhava nos Diários Associados. Meu pai era amigo de Ary Barroso. Ele viveu algum tempo no Rio. Os mineiros iam muito para o Rio nessa época. Até hoje vão. Nosso governador Aécio Neves, na verdade, mora em Búzios. Como ia dizendo, a TV era incipiente naquela época. Eu acompanhava o Antônio Maria, meu pai me apresentou. Eu trabalhava em O Jornal, um grande jornal. 

Lúcio: O Antônio Maria era um sambista? 

Laerte: Ele era um poeta, um compositor. Ele escreveu Canção do Amor, é letra dele e música do Bonfá, muitos chamam de Manhã de Carnaval. 

Lúcio: Acho que entrou no filme Orfeu, aquele do Marcel Camus. Eu infelizmente nunca vi. 

Laerte: Esse filme foi uma produção franco-brasileira, e que ganhou o festival de Cannes. Não uma produção totalmente brasileira. 

Lúcio: Muita gente comenta esse filme até hoje. 

Laerte: Um detalhe interessante. Quem dava os pulos naquele filme, o filme tem uma cena de pulos para a favela, era o Ademar Ferreira da Silva, campeão mundial do salto tríplice. E quem fez o papel principal foi um centro-avante chamado Breno, jogador do Fluminense, reserva do Valdo, que depois foi vendido para o Atlético de Madrid. O primeiro Orfeu foi melhor que o segundo. Depois também o Pagador de Promessas também ganhou um prêmio lá em Cannes. 

Laerte: Mudando de assunto: Eu discuto muito o progresso. Só é progresso aquilo que faz bem à maioria. 

Lúcio: Eu queria falar sobre o Lula. Ele veio para reformar e foi reformado. Ele veio para mudar, mas ele é que mudou. O PT apareceu como uma nova alternativa de um socialismo, sempre dizendo batendo na tecla de que “o socialismo é com liberdade”. Ao mesmo tempo era ruptura. Ele se colocou como coisa nova. 

Laerte: Ele se rendeu. Vou procurar a frase do Millôr Fernandes, que define bem o Lula. 

Lúcio: Está difícil? 

Laerte: Millor diz que admira quem chega ao capitalismo pela esquerda. Para ele é o máximo da habilidade política. O governo Lula não quer fazer uma virada, fazer uma reforma agrária, acabar com as estruturas arcaicas. Ele e essa cúpula não querem fazer isso. Dizem que não há como impedir que plantem transgênicos no País. O que há é a apropriação de uma bandeira de luta popular por uma cúpula. Eles deviam fazer uma mudança como fez o Chávez. A empresa do Furlan é uma das maiores exportadoras de transgênicos. E, por outro lado, os latifundiários reagem, fazem o que querem, baseados em juízes corruptos. 

Lúcio: Eles estão encastelados no poder. 

Laerte: A tunga que vai se fazer com a Reforma da Previdência vai beneficiar fundos de pensão norte-americanos. É o desmanche dos serviço público em benefício desses fundos e de bancos norte-americanos, e isso junto com seus sócios. 

Lúcio: Eles querem o filé aqui, né? 

Laerte: O governo Lula é o que o César Benjamin disse: Ele dá o filé para a direita e os adereços para a esquerda. Eu vou encerrar dizendo assim: O governo Lula é uma falácia.