domingo, 23 de abril de 2017

Teorema de Pasolini: Uma Crítica

O filme Teorema de Pasolini inicia-se com uma discussão marxista. A seguir, ela é a discussão que o filme passa a ilustrar e demonstrar. O início do filme mostra um debate público com um dono de uma empresa que decide dar sua empresa aos operários. O que levaria um burguês a isso? O filme busca responder essa pergunta.

A resposta, ao invés de materialista como Marx, é mística. O que podemos supor que o burguês fez foi começar uma experiência em que os operários passaram a ser sócios, ou alguma experiência de autogestão depois que a empresa faliu. O fato é que, para um marxista, o socialismo não começa com um burguês cedendo pacificamente sua empresa aos operários.

A resposta de Pasolini está longe de ser marxista. Ele imagina a intervenção de Deus numa família burguesa, evento que culminaria nesse gesto de caridade do burguês. No filme, Deus é anunciado por um gay saltitante ao ritmo de rock and roll. É o deus-bunde, afinal, era 1968. As respostas para a pergunta materialistas serão rigorosamente não-marxistas.

O filme começa preto e branco e depois fica colorido. E tem muito de cinema mudo. O que desbunda os personagens são Rimbaud e Francis Bacon. O que desbundava as pessoas em 68 eram maconha, LSD, a nova liberdade sexual.

Visto cinquenta anos depois, o que se apresenta como transgressão na época é bastante ingênuo e o filme parece não poder ainda trazer nudez. Trata-se de um tempo em que usar cabelos compridos era ser chamado de homossexual. E havia quem dizia que usar cabelos compridos era comunismo.
O que ressalta é que os caminhos para enfrentar o novo contexto anunciado na pergunta inicial --afinal, o do capitalismo desenvolvido--tem muitas respostas no filme, exceto a militância marxista. Antes do burguês decidir dar a empresa, um filho decide desbundar literalmente. E torna-se artista pós-moderno, faz um quadro azul e o completa mijando sobre ele, dentre outras obras. A arte abstrata, pós-moderna no sentido de abranger formas culturais de origem norte-americana, foi vista como uma possível saída para o jovem artista. Na arte abstrata, sonha em apresentar o seu mundo interior, apresentando então suas aspirações mais secretas e menos burguesas.

A mulher do burguês se entrega ao misticismo radical e passa a fazer milagres e levitar, escapismo místico que o filme autoriza ao invés de criticar. Não por acaso, essa ambiguidade fez com que o filme fosse inicialmente aplaudido por um crítico católico, que posteriormente, devido a pressões, voltou atrás. Mas sem dúvida ali o misticismo como resposta para os desafios do capitalismo desenvolvido é ali apontado como solução. E desde então houve voga do misticismo oriental como uma outra opção de metafísica. O poeta Amiri Baraka fez essa crítica a Allen Ginsberg: o poeta de Uivo teria escolhido uivar para uma outra metafísica, ao contrário de reconhecer que o que existe é matéria em movimento.

No entanto, a única arte que combate a exploração é o realismo socialista. Embora sociedades capitalistas desenvolvidas sejam de população pequeno-burguesa e urbana, ou de estilo de vida e ideologia pequeno-burguesa mesmo sendo proletários --aí o problema --as reflexões marxistas caminham no sentido contrário: o sistema capitalista é concentracionário ao ponto de destruir a pequena burguesia.

Para Pasolini, então, a resposta é que o burguês só daria a fábrica aos operários se ficasse nu, desbundasse, visse que a mulher o está traindo, traísse também deixando de lado o casamento burguês tradicional. O burguês daria a fábrica acaso tocado pelo Deus-bunde.

Para um marxista, as fábricas precisam ser tomadas. Não há que confundir uma grande corporação com a razão, como Pasolini parece fazer. Chamar a Coca-Cola ou a Ford de racional é elogiá-la. Não se deve confundir a razão com a burguesia.