terça-feira, 20 de agosto de 2013

Bilhete Sobre as Manifestações

Caro Italo Coutinho:

Lendo seu artigo Pescar o Peixe é Fácil, que você já comentou que gostaria que eu "debulhasse", assim como posta reiteradamente, comento o seguinte: eu acho um artigo que entendeu pouco ou nada das manifestações.

Primeiro, você se equivoca ao pensar que o objetivo do Movimento Passe Livre era somente baixar vinte centavos da passagem. O objetivo do movimento sempre foi transporte público gratuito para todos. Não acho que o objetivo é "tupiniquim, piegas, chinfrim, safado". Muito pelo contrário. No final de seu artigo, você é conivente com a safadeza do empresário que dá cano em seu público: "que pena do Fred". Pena nada. 

Essa analogia de "pescar peixe", sinceramente, é que eu penso que não explica nada. Nem tudo na vida se explica usando o powerpoint, Italo.

Ainda mais se tratando das já históricas Jornadas de Junho. O que posso adiantar é que, de agora em diante, estão ganhando destaque movimentos e coletivos não alinhados nem com o PT e nem com o PSDB: Rede Ninja, Jornal Nova Democracia, Movimento Passe Livre, os anarquistas do Black Block, os maoístas do MEPR.

Como você está em simbiose com a mídia das corporações, de extrema-direita, assim como seu olhar é de uma classe média bastante tradicional, fica evidente que mesmo o pacto social lulista lhe repugna, mas essas manifestações são sintoma de que esse pacto social, esse projeto de conciliação de classe, está falido, mas continuará vigente, por inércia, ainda muito tempo. Assim, você só tem como ver "safadeza" em uma militância de esquerda não cooptada. Mas as manifestações não param. E já são história.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Gell-Horny & Hemingway

Hemingway e Gellorn é um filme centrado na história de amor de Ernest Hemingway com Marta Gellhorn, jornalista e escritora representada por Nicole Kidman.  O filme, realizado para a TV, mistura documentário e ficção, tanto em termos de imagens históricas das guerras quanto na estética pela qual opta, com Nicole Kidman falando diretamente para o espectador: "Amor? Devemos?" O charme da frase, em inglês, entre tragadas de cigarro, é intraduzível, pois marca a fragmentária estética modernista que influenciou Gellhorn e Hemingway.
Embora com esse filme o desejo tenha sido tirar a história de Gellhorn da sombra de Hemingway, o filme foi totalmente dominado por sua figura e por imagens retiradas de sua ficção, como o grande plano geral do espadarte, que evidentemente representa Hemingway, pois quando ele morre, ao final, o espadarte reaparece num mar de sangue. Outras imagens surgem: ao separar-se de Hemingway, Pauline Pfeiffer comenta o episódio em que Hemingway mediu seu pênis com Fitzgerald, verificando que o de Fitzgerald era menor, episódio mencionado posteriormente em Paris é uma Festa (mas com outra leitura: Fitzgerald, ansioso, é quem teria mostrado o membro para exame de Hemingway).
A guerra joga um papel central nas vidas de Hemingway e Gellhorn. A imagem dos dois fazendo sexo selvagem em uma forte cena em meio a um bombardeio deixa bem claro que Hemingway é visto como mais que um homem: ele é um touro, uma força da natureza. Depois da Guerra da Espanha, onde os principais inimigos de Hemingway são os russos que interferem na Espanha e um crítico que questiona sua masculinidade excessiva e a supõe duvidosa (Max Eastman) nunca mais Hemingway e Gellhorn conseguem encontrar sua paz, ou melhor dizendo, uma guerra tão excitante. E eles tentaram: II Guerra Mundial, Finlândia e, finalmente, China. Na China os problemas se multiplicam e Hemingway tem uma crise de ciúmes quando Gellhorn fica encantada com Chu En Lai. Nessa altura, é o namoro de Gellhorn com o comunismo que os afasta. Depois disso, a vida de Gellhorn torna-se uma espécie de tourada sem um touro. O tom desse filme, com relação  a Hemingway, é azedo. Ele não aparece sob uma boa luz: é fanfarrão, vive bêbado e puxando brigas, termina por traí-la, busca jogar com o governo, tornando-se mais patriótico para evitar que o governo pensasse que ele estava ligado ao comunismo (critica ela). Gellhorn consegue ir bem além de ser mera nota de pé de página na vida de alguém, mas esse alguém praticamente domina, como um fantasma, praticamente toda sua obra. Hemingway e sua obra foram figuras dominantes na vida de Gellhorn e foram ainda marcantes, trinta anos depois da morte de Hemingway (apresentada no filme como complementar à morte de Gellhorn, através da imagem de um corvo).


sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Uma Vida em Cartas: George Orwell

A Companhia das Letras acaba de lançar algumas das cartas de George Orwell, Uma Vida em Cartas. Algumas delas saíram na Revista Piauí. 

Nelas, Orwell mostra porque tende ao maniqueísmo em Revolução dos Bichos e em 1984. Ele vai à Espanha e passa a torcer claramente pelo POUM e por Trotsky. E passa a militar por eles, sem medo de exagerar e mentir, agindo não como repórter que olha os dois lados e registra os fatos, mas como partidário apaixonado dos trostquistas e anarquistas. Ele nem sequer reconhece que houve um levante contra a frente popular (ou seja, contra o governo espanhol) em maio de 37, por exemplo, atropelando os fatos. 

George Orwell mentiu em suas cartas ("Espero sair com vida para escrever", Revista Piauí_81) a respeito da não-existência da conspiração entre trotsquistas e franquistas. A conspiração existiu, há evidências. Vejam uma prova abaixo, uma transcrição de um julgamento na Alemanha nazista:
No início de 1938, durante a Guerra Civil Espanhola, o acusado obteve a informação, graças à sua capacidade de oficial, de que uma rebelião contra o governo local vermelho no território de Barcelona estava sendo preparado com a co-operação do serviço secreto alemão. Esta informação, com colaboração de Pöllnitz, foi transmitida por ele para a Embaixada da Rússia Soviética, em Paris."
Pöllnitz" era Gisella von Pöllnitz, uma recente recruta da "Orquestra Vermelha" (Rote Kapelle), rede anti-nazista de espionagem soviética que trabalhou para a United Press e que "empurrou o relatório através da caixa de correio da embaixada soviética" (Brysac, resistindo a Hitler: Mildred Harnack e a Orquestra Vermelha. Oxford University Press, 2000, p 237).
A prova está num livro que reúne os julgamentos no terceiro reich, de autoria de Norbert Haase: Haase, Norbert. Das Reichskriegsgericht und der Widerstand gegen die nationalsozialistische Herrschaft. Berlin: Druckerei der Justizvollzugsanstalt Tegel, 1993). O parágrafo relevante está na página 105.