segunda-feira, 30 de junho de 2008

Parlamento Europeu aprova a directiva do retorno

Imigração - 18-06-2008 - 04:06
© Belga/AFP

Retorno de imigrantes ilegais: o regresso voluntário deve ser privilegiado

O PE aprovou hoje o compromisso negociado entre o seu relator e o Conselho sobre a directiva do retorno de imigrantes ilegais. Esta directiva, que constitui uma primeira etapa no sentido de uma política de imigração europeia, visa promover o regresso voluntário de imigrantes ilegais e estabelecer normas mínimas no que diz respeito ao período de detenção e à interdição de entrada na UE, bem como garantias processuais. Os Estados-Membros poderão continuar a aplicar normas mais favoráveis.

O compromisso sobre a chamada "directiva do retorno", que estabelece normas e procedimentos comuns nos Estados-Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, foi aprovado por 369 votos a favor, 197 contra e 106 abstenções.

Na votação que hoje teve lugar no hemiciclo de Estrasburgo, os eurodeputados apoiaram as alterações de compromisso apresentadas pelo grupo PPE/DE (família política do relator, Manfred WEBER). As alterações apresentadas pelos grupos PSE, Verdes/ALE e CEUE/EVN não obtiveram os votos necessários, tendo acontecido o mesmo com as alterações que propunham a rejeição total da directiva.

O tratamento de nacionais de países terceiros em situação irregular deverá respeitar normas mínimas comuns. O texto impede que os Estados-Membros apliquem normas menos favoráveis do que as previstas nesta directiva, dando-lhes simultaneamente a liberdade de aplicar normas mais favoráveis.

Promover o regresso voluntário

A directiva visa promover o "regresso voluntário" de imigrantes ilegais, harmonizando as condições de regresso e estabelecendo certas garantias. O documento estabelece um período máximo de detenção que não poderá ser ultrapassado em nenhum Estado-Membro e introduz uma interdição de entrada na UE para as pessoas que forem expulsas.

A directiva estabelece um procedimento harmonizado em duas fases: uma decisão de regresso numa primeira fase e, se o imigrante ilegal em causa não regressar de forma voluntária, uma medida de afastamento numa segunda fase.

Período de detenção de seis meses, extensível por mais doze meses

O período para a partida voluntária deverá situar-se, de acordo com a directiva, entre sete e trinta dias. Em Portugal é entre dez e vinte dias, segundo o artigo 138° da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (também conhecida por "lei da imigração").

O período de detenção não poderá exceder os seis meses. Em casos específicos, este período poderá ser prorrogado por mais 12 meses. Uma alteração do PSE visava reduzir o período de detenção para três meses, que poderia ser extensível por mais três.

Em Portugal, a detenção de um cidadão estrangeiro em situação ilegal não pode exceder 60 dias, de acordo com o artigo 146°, n°3 da lei da imigração, que deverá ser mantido na legislação nacional.

A detenção será, de acordo com a directiva, ordenada pelas "autoridades administrativas ou judiciais". Quando a detenção tiver sido ordenada por autoridades administrativas, os Estados-Membros "preverão um controlo jurisdicional célere da legalidade da detenção, a decidir o mais rapidamente possível a contar do início da detenção". A proposta inicial previa que as ordens de prisão preventiva fossem proferidas pelas autoridades judiciais. Em casos urgentes, poderiam ser emitidas pelas autoridades administrativas, devendo ser confirmadas pelas autoridades judiciais no prazo de 72 horas a contar do início da prisão preventiva. Uma alteração do PSE que visava reintroduzir o prazo das 72 horas foi rejeitada em plenário.

A directiva prevê que, "em todo o caso, a detenção será reapreciada a intervalos razoáveis, quer a pedido do nacional de país terceiro em causa, quer ex officio. No caso de períodos de detenção prolongados, as reapreciações serão objecto de fiscalização por uma autoridade judicial".

A duração da interdição de entrada na UE não deverá ser superior a cinco anos. Essa duração poderá ser superior "se o nacional de país terceiro constituir uma ameaça grave à ordem pública, à segurança pública ou à segurança nacional". Os Estados-Membros poderão retirar ou suspender uma interdição de entrada em determinados casos concretos.

No caso português, a interdição de entrada é aplicável em caso de afastamento coercivo (ao cidadão estrangeiro expulso é vedada a entrada em território nacional por "período não inferior a cinco anos", de acordo com o artigo 144° da lei da imigração). O imigrante em situação ilegal que se decida pelo regresso voluntário passa a estar numa situação mais favorável do que a do expulsando, na medida em que pode voltar a imigrar legalmente, embora quando o faça no período de três anos tenha a obrigação de reembolsar o Estado pelas quantias gastas com o seu regresso.

Menores e famílias: detenção apenas em "último recurso"

A directiva estipula que os menores não acompanhados e as famílias com menores "só serão detidos como medida de último recurso e durante o período adequado mais curto possível".

Os menores detidos "deverão ter a possibilidade de participar em actividades de lazer, nomeadamente em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade, e, em função da duração da permanência, deverão ter acesso ao ensino", diz a directiva. Os menores não acompanhados beneficiarão, tanto quanto possível, de alojamento em instituições dotadas de pessoal e instalações que tenham em conta as necessidades de pessoas da sua idade.

Antes de afastar um menor não acompanhado para fora do seu território, "as autoridades do Estado-Membro certificar-se-ão de que o menor será entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada".

Assistência jurídica

De acordo com a directiva, o nacional de país terceiro "terá a possibilidade de obter a assistência e a representação de um advogado e, se necessário, os serviços de um intérprete".

Os Estados-Membros "asseguram a concessão de assistência jurídica e/ou representação gratuitas", a pedido, nos termos da legislação nacional pertinente ou da regulamentação relativa à assistência jurídica, e "podem prever que a concessão dessa assistência ou representação gratuitas está sujeita às condições previstas na directiva relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados-Membros" (Directiva 2005/85/CE).

O texto realça a possibilidade de co-financiar as acções nacionais tendentes à assistência jurídica gratuita nos Estados-Membros a título do Fundo Europeu de Regresso 2008-2013 (Decisão N.º 575/2007/CE).

Transposição para a legislação nacional

O Conselho de Ministros da UE deverá oficializar o acordo sobre a directiva do retorno em Julho. Depois, os Estados-Membros terão 24 meses após a data de publicação da directiva no Jornal Oficial da UE para transpô-la para o direito nacional. No caso das regras relativas à assistência jurídica, o prazo de transposição é de 36 meses.

Esta é a primeira de três directivas sobre uma política comum de imigração a ser submetida à votação do plenário: a proposta de directiva que estabelece sanções contra os empregadores de imigrantes ilegais e a proposta relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado estão neste momento a ser examinadas na comissão parlamentar das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos, devendo chegar a plenário em Outubro ou Novembro.

Voto dos eurodeputados portugueses

A favor: Carlos Coelho, Assunção Esteves, Duarte Freitas, Vasco Graça Moura, Sérgio Marques, João de Deus Pinheiro, Luís Queiró, José Ribeiro e Castro, José Silva Peneda (todos do PPE/DE) e Sérgio Sousa Pinto (do PSE).

Contra: Francisco Assis, Luís Capoulas Santos, Paulo Casaca, Emanuel Jardim Fernandes, Elisa Ferreira, Armando França, Joel Hasse Ferreira, Jamila Madeira, Manuel António dos Santos (do PSE), Ilda Figueiredo, Pedro Guerreiro e Miguel Portas (do CEUE/EVN).


Contacto

Isabel NADKARNI

Serviço de Imprensa - Sector Português

REF.: 20080616IPR31785

Para saber mais :

Enfim Seu

O tempo, esse escasso recurso não renovável, abriu um precedente em sua pressa e escorreu naquele dia lentamente entre seus dedos. E que delícia esse vagar liquefeito, que deslumbre nesse poderio. Viu que ele, o sisudo regente dos ponteiros, era melado e viscoso, descobriu nele a saliva doce das virgens que deixara de beijar por achar que a elas devia compostura em seu cheiro de recato e em suas roupas de muitos botões. Qual o quê..

O tempo tomou forma de nuvens, tantas e de sortidos contornos, aquelas que deixou de apreciar por justamente não ter tempo. Foi quando decidiu encaixotá-lo, em forte compartimento – com cadeado, segredo e tudo, a fim de que doravante fosse o tempo estacionado, sem razão de ir-se esgotando. E que não prosseguisse em slow-motion, e sim pausado ficasse, suspenso pelo cansaço de não passar mais e gritasse revolto, de dentro da caixa, para voltar a correr. Mas agora ele era o amo do ingrato ir-se das horas, manteria-o criança e seu refém até segunda ordem, e estaria em suas mãos deixar ou não o tempo tornar a marcar o tempo, criar as rugas, delimitar começos e finitudes dos amores dos homens, das estações do ano, dos trabalhos enfadonhos e das esperas nas filas. O tempo seqüestrado guardaria forçosamente o frescor da pétala em viço pleno, a tez de pêssego das moças não mais desembocaria na aridez das velhas. Era dele, enfim, a caixa do bem e do mal, o termo de toda vã filosofia, o relógio que ao adiantar-se ou atrasar-se, da forma que bem entendesse, iria do nascimento ao velório e do velório ao nascimento. Divertia-se, ria o riso destravado ao viver o que não fora. Agora era brincar de vice-versa, no cerne do inesgotar-se.


Lições de Abismo Aqui e Agora

O livro de Gustavo Corção, Lições de Abismo (Livraria Agir Editora, 13a edição, 1973), é a obra literária mais famosa deste esquecido pensador e artista católico. As inúmeras edições desde a primeira em 1953 fazem pensar que Corção tinha um público significativo. Ficaram famosas suas polêmicas com Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athaíde, partidário de um catolicismo mais liberal, enquanto o de Corção era duramente tradicionalista. Corção foi chamado até de “satã” pelo Pasquim, e antipatizado por uma geração que mergulhara, como o padre Nando de Quarup, no catolicismo de esquerda, fazendo a opção preferencial pelos pobres.

Antes de analisar o romance, será preciso contextualizar o catolicismo de Corção. Enquanto intelectuais católicos como Tristão de Athaíde passaram da direita nos anos 30/40 para a esquerda na década de 60, quando do surgimento da Teologia da Libertação, Corção era um ex-ateu, e, quando retornou ao catolicismo, reafirmou furiosamente os dogmas. Diante da polarização da Guerra Fria, acabou resvalando para a postura de apoio ao regime militar brasileiro. Tornou-se, junto com Nelson Rodrigues (embora sem a grosseria ostensiva deste) o reacionário, o direitista que toda a geração marcada por 1968 identificou e atacou. Mas vale a pena reexaminar uma obra literária do intelectual católico Gustavo Corção, que se inscreve numa linhagem de pensadores católicos que se afigura uma de nossas duas únicas tradições de pensamento enraizadas (a outra é a vertente marxista). Distante das metáforas sexuais e das frases de mau-gosto que atrapalham mesmo as melhores obras de Nelson, Corção é um escritor provido de sensibilidade estética: ao falar de morte, passa longe da morbidez e do cinismo.

Em Lições de Abismo, um professor de filosofia chamado José Maria descobre que está acometido de um câncer no sangue. Amante de ópera, culto e ilustrado, José mergulha na obsessão da idéia de morte, pensando constantemente no fim. Em meio a devaneios e especulações metafísicas, José Maria se sente desagregar. Está curiosamente próximo do existencialismo cristão, embora faça a seguinte observação:
Chego a dizer, com Kierkegaard, que ‘quanto mais me demonstrarem a imortalidade da alma menos creio nela.’ Que quer isto dizer? Terei eu um ceticismo que me leva a descrer das operações da inteligência, e que prefira a penumbra à claridade, como parece que seja o gosto de um Heidegger, e mesmo de Kierkegaard? Não. Não é bem essa a dificuldade. Se realmente me repugna a iluminação crua do cartesianismo, não me atraem as obscuridades dos filósofos germânicos. (CORÇÃO, Gustavo. 1973, p.55)

A personagem operística Kundry simboliza, daí por diante, a morte anunciada. A partir de então José Maria vive experiências existenciais que lembram as de Antoine Roquentin em A Náusea. Faz então a famosa experiência do negativo, que perpassa a filosofia de Sartre e Heidegger e os textos de Camus. Caindo nos abismos da subjetividade, José Maria vivencia momentos de extrema delicadeza e de sensibilidade muito apurada:

‘A descoberta do eu –li hoje nas páginas de um filósofo – se completa nos abismos da subjetividade.’ Esse é o documento cifrado, escrito em caracteres rúnicos, que me caiu nas mãos por acaso, e que indica de modo tão conciso o caminho do centro da Terra. Eia, Axel, chegou a hora. Despede-te da bela Gräuben. Vamos descer aos abismos. (CORÇAO, 1973, p. 234)

O romance faz um movimento de mergulho e volta à tona, em busca da sala do trono no castelo encantado de si mesmo. José Maria contesta Freud, quer achar o eu cartesiano, onde o eu estava como um rei em seu castelo, mas só encontra silêncio, escuridão, sente-se estrangeiro de si mesmo, vê o próprio dedo como “um pau de cerca derrubado, que o triste dono deste solar arruinado calcula como e quando consertará” (CORÇAO, 1973, P. 237). Nada o consola, revolvendo a memória, sente-se um prisioneiro melancólico que folheia um álbum; não se encontra na própria imaginação, essa “câmara de projeçõescombinadas, que superpõe espetáculos, aproximando vulcões, estrelas e rosas.” (CORÇÃO, 1973, p.238) Cai, despenca no vazio, acorda gritando, agarrando-se ao título de professor. Imagina o dia em que partirá para o outro mundo, “vendo o mundo afastar-se devagar, como um cais com muita gente agradecida, com muitos lenços”. (CORÇÃO, 1973, p.239)
Em outros momentos, no entanto, José Maria demonstra um elitismo aristocrático, criticando posturas nacionalistas e socialistas por seu coletivismo, que ele julga abjeto, tendo assimilado ao seu cristianismo a crítica de Nietzsche à “moral dos escravos”. José Maria possui uma visão olímpica do mundo:
No trecho supracitado, o personagem é um “esteta do absurdo” que encontra um nacionalista romântico e boêmio. Surge hostilidade entre os dois, pois José Maria está vivenciando profundamente o negativo. O que o eleva dos abismos da subjetividade é sempre a experiência do belo. Ostensivamente influenciado por Machado de Assis, Corção cita o conto A Missa do Galo e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Consta que publicou, inclusive, um ensaio sobre Machado.

Mais sobre Gustavo Corção

Sem referendar as posições de Corção sobre a Igreja, que não são de forma alguma as minhas -- estou com os progressistas que ele deplora, desde a Espanha republicana até o Pasquim, mas acho curioso e útil conhecermos suas posições. Minha simpatia maior com ele fica com a provocação de Glauber e a indicação do Oswald.

http://gustavocorcao.permanencia.org.br/index.htm

Uma Passagem de Lições de Abismo: Natal

Description:
Natal

Ingredients:
"Estamos em véspera de Natal. O movimento das ruas dobrou; triplicou. Os automóveis buzinam, imobilizados nas esquinas entupidas; as lojas regurgitam; os vendedores não têm mãos a medir; e as pessoas, os clientes, entram, saem, escolhem, regateiam, comprimem-se, acotovelam-se, mas sorriem, sim, sorriem - porque parece que todo o mundo está muito contente.

Todo o mundo, menos o velho Scrooge. O amargo e triste usurário só pensa em si mesmo, e não lhe sobram ouvidos para as vozes cordiais que cruzam os ares com votos de Natal venturoso. Christmas! Merru, merry Christmas!

Passa o funcionário letra O, o funcionário letra N, o funcionário letra M; e passam as esposas, as virtuosíssimos esposas dos funcionários, cada uma com sua alegria embrulhada num papel sarapintado de sinos e velas. Boas festas! Boas festas! Todo o mundo está alegre. Todo o mundo parece ter na alma hinos e luzes.

Todo o mundo, menos o velho Scrooge, que vê com olho mau e oblíquo essa inconveniente profusão de gastos inúteis.

As mães se cruzam com as mães; tias esbarram em tias. Anda no ar um milhão de cálculos secretos envolvendo bonecas, espingardas e triciclos. E o cálculo mitiga o júbilo. As mães do padrão M param pensativas nas portas das casas de brinquedos; e ali na porta fazem-se mais densos cálculos, as cifras, as suputações, as somas, as subtrações. A espingarda então encolhe e vira revólver de rolha; ou diminui ainda mais e se reduz a um engenhoso brinquedo de matéria plástica, que só funciona bem, como ficará provado mais tarde, nas mãos habilidosas dos vendedores. Os sonhos, tratados com o reagente das cifras, dão um precipitado cor de cinza. Os vendedores embrulham em papéis sarapintados a espingarda que virou matéria plástica. Embrulham decepções. Caixa! Caixa! Caixa! O triciclo fica para o ano que vem, quando vier o aumento. Aliás, Toninho ainda é pequeno para o triciclo. E o vendedor embrulha aquilo em que se transformou o triciclo. Caixa! Caixa! Mamãe, olha ali, que amor de boneca! E a mãe puxa a menina padrão M que deseja a boneca padrão O. Caixa!

O brinquedo resultante da judiciosa combinação entre um sonho e um orçamento vai agora escondido no embrulho; e a mãe M, longe dos outros brinquedos da loja, que doem pela comparação, reata o fio do sonho. Raciocina para reconquistar a pureza do sonho. Toninho vai gostar, Toninho vai ficar radiante.

Passam embrulhos; embrulhos levando pessoas pelo dedo. Vejam! Apareceu no sangue da cidade essa acúmulo de células imaturas. Onde está a espingarda? onde está o tricilo? Viraram mieloblastos, detritos de sonhos, jovens, bastões, segmentados. Façam o exame de sangue da cidade!! E eu quero ver o jogo fisionômico do dr. Aquiles quando abrir o papel.

Boas festas, dr. Aquiles! Merry, merry Christmas! Todo o mundo está contente. A mãe de Toninho, a múltipla mãe do coletivo Toninho, que mora em Copacabana, em Itapiru, em Jacarepaguá, divide-se, ramifica-se, decompõe-se numa densa multidão de dorsos femininos. Os bondes passam cheios de pernas, pernas letra M, pernas letra N, e os festivos mieloblastos embrulhados com sinos e velas entram a circular pela cidade. Todo o mundo está contente, menos o velho Scrooge.

Mas será mesmo verdade, ó amável Dickens, que todo o mundo esteja contente? E a espingarda que virou celulóide? E o triciclo que ficou para o ano que vem? Embora antipático, quem tem razão é o velho Scrooge. Embora mesquinho, ele ao menos compreende uma coisa de capital importância: que é muito difícil dar. É a última coisa que se aprende; e é a primeira que se exige para um mundo habitável. E é por isso que eu vejo com melancolia essa procissão de equívocos embrulhados. Quem terá o coração tão duro que dê uma pedra ao filho que pediu um peixe? Mas a dificuldade se resolve desde que se embrulhe a pedra em papéis festivos; e as mães letras L, M, N, conseguem convencer-se de que a pedra é uma nova espécie de peixe. E é isso que dói, e como dói! A alegria falsificada, a alegria que virou matéria plástica.

Não digo que seja impossível uma alegria verdadeira, uma alegria de criança, com um brinquedo truncado e pobre. Não. É claro que uma alegria de criança pode nascer à toa; é claro que um pedaço desconjuntado de celulóide pode fazer feliz uma criança; é claríssimo que ainda não conseguiram secar, por mais que o tentem, as fontes vivas da infância, as riquezas de um coração menino que com pouco se contenta. Não. Continuem assim, por séculos e séculos, a enganar as crianças e os pobres. Sempre haverá pobres; sempre haverá crianças. Mas não é isso que mais me aflige. É também evidente que escolheram o dia do nascimento de Jesus para infligir uma festiva humilhação à pobreza. Basta pensar no Natal dos Pobres. As ruas se enchem de miseráveis em filas nos portões dos palácios. Se chove, fica ainda mais perfeito o espetáculo. Mas não é isso, ó Dickens, que mais me dói.

O que me dói é a falsificação, é o espírito de praxe que preside as tristes festividades dos homens. É dia de dar. A folhinha marcou o dia de comprar presentes. A vizinha da direita comprou, a vizinha da esquerda comprou. Eu preciso comprar. É praxe. É uso. É costume. E todo o mundo fica contente de entrar na equação de um uso, de um costume. Da praxe. Todo o mundo, menos o antipático Scrooge.

Que Natal é esse que acentua as injustiças, que exaspera as paixões, que alarga os equívocos? Admitamos a festa da cidade, do país, do gênero humano. Admitamos a celebração de algum feito que a todos interesse. Admitamos que depois de amanhã o mundo se lembre da natividade do Salvador, que nasce de uma Virgem, na gruta de Belém, porque não havia lugar para eles nas hospedarias. Mas nesta hipótese, meu caro Dickens, eu exijo, em nome da mesma lógica que me mata, que a alegria seja de uma outra ordem, e que não dependa assim, em primeira linha, dos cálculos e dos orçamentos. Há alegria e alegria; há graus de alegria; espécies de alegria: desde a cócega no pé da criança até a paz que nasce de uma concórdia perfeita; desde a estrepitosa bomba cabeça-de-negro até a gratidão silenciosa que desabrocha na quietude das almas.

Exijo uma outra alegria, apoiada sem dúvida nas coisas visíveis, no celulóide se quiserem, porque os homens vivem de sinais visíveis. Mas apoiada de leve, como convém às coisas do puro amor. Não é assim que fazem os namorados quando guardam pequeninas lembranças? Não seria melhor dar de presente pétalas de rosas, leves pétalas, levíssimos hóstias de amizade perfeita?


Chamou-me a atenção o diálogo travado à porta de uma casa de brinquedos. A dama de azul, majestosa e autoritária, discutia com o vendedor obsequioso, que já dava mostras de impaciência. Passando de um para outro, ora nas mãos profissionais do vendedor, ora nas mãos finas e cheias de anéis da abastada freguesa, uma bonequinha preta de olho arregalado, e com uma cestinha de bananas na cabeça, parecia alheia à discussão:

- É muito cara.

- Foi remarcada, madame. A senhora não encontrará uma boneca destas por menos de cem cruzeiros... Mas se a senhora quiser temos outras bonecas mais baratas. Qual é o seu orçamento, madame?

A dama de azul franziu ligeiramente os sobrolhos.

- É para uma menina pobre. A filha da empregada.

Ela não podia, evidentemente, marcar em cem cruzeiros o limite de "seu orçamento" como queria o desajeitado vendedor; assim, dizendo que era para uma menina pobre, explicava-se melhor. Não era para ela; para filha dela, para sobrinha dela, para alguma criança de sua espécie, dela; de sua qualidade, de sua classe, de sua condição: era para a filha da criada.

O vendedor compreendeu logo que o problema se deslocava para um novo sistema de micro-unidades. Ninguém, evidentemente, mede em quilômetros o diâmetro de um glóbulo de sangue, nem mede em milímetros a distância de Sírius. Há o mícron para o glóbulo e o ano-luz para os astros. Tudo tem suas dimensões, suas escalas adequadas, neste harmonioso universo.

Enquanto o novo sistema de unidades se estabelecia entre o vendedor e a majestosa senhora, eu olhava na vitrina um urso de astracã que comigo jogava o sério com seus olhos parados de contas azuis.

- Urso, amigo urso, diga-me, por favor, onde é que esconderam o menino Jesus?


O menino Jesus estava na esquina de Assembléia com Quitanda, no colo de uma mendiga. Ninguém desconfiava. As pessoas que passavam (Merry, merry Christmas) não viam o menino Jesus instalado no seu nicho de miséria. E tinham razão. O menino Jesus escondia-se no pobre. Amarelado, encardido, manchado, dir-se-ia que a mendiga o tirara de uma lata de despejo.

Quando eu passei, ele tentava pegar a chupeta caída nos trapos sujos da mãe. Levava-a à boca, sem jeito, metendo os dedinhos nos lábios, de onde corria uma saliva clara e inocente. A mãe, de braço estendido, pedia uma esmola pelo amor de Deus. Seria mãe de verdade? Dizem que se alugam crianças para mendigar. A mendiga é falsa. A criança é falsa. A mãe é falsa. E dessa falsidade todo o mundo desconfia.

A chupeta caía de novo e perdia-se no seio miserável. Nesse momento, quando eu já me afastava, o menino olhou para mim. Seus olhos pousaram em meus olhos. Sim, lá dos abismos de sua inocência seus olhos subiram. E o menino sorriu. Para mim!"

Directions:
Copyright Agir Editora, 2004.

Prev: "13 LÍNEAS PARA VIVIR" - Gabriel Garcia Marquez

Leituras do Giba: ESCRITORES JAPONESES PUBLICADOS NO BRASIL

Leituras do Giba: ESCRITORES JAPONESES PUBLICADOS NO BRASIL

Um Blog Muito Bacana que Descobri

Eu tenho inúmeros diários guardados, que ainda quero transformar em livro ou blog. E tem muitos blogs simpáticos que gostaria de divulgar, pois não merecem ficar à margem e não ser lidos e comentados.

Do Giba veio a dica de um belo artigo de uma escritora que me toca muito: Maura Lopes Cançado. Fiquei sabendo dela ao ler Torquato Neto. Vou buscar a passagem, está no Engenho de Dentro. Mas o fato é que essa mineirinha doida e genial, parente da minha cunhada Felisa Anaya, confirma as teorias de Freud de que a loucura passa perto da geografia literária.

E me deixa feliz saber que Bom Despacho, lugar culturalmente tão desolado e hostil, tenha visto um dia a passagem de Maura Lopes Cançado. Vou postar também uma carta dela aqui.

Ainda estou descobrindo o blog do Giba, mas lá já descobri outro ensaio muito simpático, sobre Lições de Abismo, do Gustavo Corção. Esse li por recomendação do Oswald de Andrade. E passei para a mãe do Ramon, uma católica maravilhosamente simpática, que me contou inclusive que seus colegas católicos do Clube Bíblico se espantaram por seus leituras estarem tão conservadoras. Corção assumiu um papel que ninguém queria nos anos 70 e pagou caro por isso.


http://leiturasdogiba.blogspot.com/

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Sobre Gilbertos

SOBRE GILBERTOS

Não me refiro aos gilbertos passados,

digo dos presentes em palavras soadas

na exatidão da terra e da vontade

persistente. Não digo dos gilbertos idos,

falo sobre os apresentados em obras

permanentes. Não falo dos gilbertos

ausentes, escrevo sobre os residentes

na perpetuidade da amizade.

(Pedro Du Bois, inédito)

Hai Kai Palocci

Carta de demissão.
Sim ou não?
Mantega

Filosofia

Ascenso Ferreira
(A José Pereira de Araújo -
"Doutorzinho de Escada").


Hora de comer — comer!

Hora de dormir — dormir!

Hora de vadiar — vadiar!

Hora de trabalhar?

— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!


Axel Honneth escreverá um livro sobre Bob Dylan, Um Filósofo da Liberdade

BOB-DYLAN-FORSCHUNG

Auf Songwriters Spuren

Von Mareike Knoke

Habermas-Nachfolger Axel Honneth lebt in einer völlig anderen Welt als Bob Dylan. Dennoch rief der Frankfurter Sozialphilosoph zu einem Dylan-Kongress und veröffentlichte dazu ein Buch - für Honneth ist die Folk- und Rock-Legende ein Philosoph der Freiheit.

ANZEIGE

Bob Dylan? Einige Kollegen waren, gelinde gesagt, irritiert, als sie von seinem Vorhaben hörten. Wie, um alles in der Welt, kam der Sozialphilosoph und Habermas-Schüler Prof. Dr. Axel Honneth, Lehrstuhlinhalber und geschäftsführender Direktor am weltberühmten Frankfurter Institut für Sozialforschung, auf die Idee, dem US-amerikanischen Folk- und Rocksänger einen Kongress zu widmen? Und nicht nur das: Die Früchte dieses internationalen Meetings im Mai 2006 an der Universität Frankfurt sind seit Ende Oktober in einem von Honneth mitherausgegebenen Band schwarz auf weiß zu genießen: "Bringing It All Back Home – Internationaler Bob Dylan-Kongress".

Der junge Dylan (1969): Songs mit philosophischem Gehalt
Zur Großansicht
AP

Der junge Dylan (1969): Songs mit philosophischem Gehalt

Warum denn nicht?, fragt Axel Honneth gelassen zurück. "Mich hat immer interessiert, herauszufinden, ob meine Faszination für die Musik von Bob Dylan auch irgendetwas mit meinen philosophischen Interessen zu tun haben könnte." Diese Frage kann der 1949 in Essen Geborene – also fast noch ein Altersgenosse von Dylan, geboren 1941 in Duluth, Minnesota – inzwischen mit "Ja" beantworten. Wohl auch deshalb, sagt Honneth, "weil ich schon immer – im Gegensatz zu Adorno und Horkheimer – der Ansicht war, dass die Kluft zwischen Populärkultur und ernster ästhetischer Kultur so groß gar nicht ist, auf jeden Fall aber überwindbar."

"Auch bei Bob Dylan", fährt Honneth nachdenklich fort, "geht es um die Artikulation von verschiedenen, sich ausschließenden Freiheitsbegriffen. Das berührt eng meine eigene philosophische Arbeit." Kritiker bescheinigen Bob Dylan stets, dass die sozialkritischen Liedertexte auf seinen 60er-Jahre-Alben wie "Bringing It All Back Home" – das dem Kongress den Namen gab – eine Komplexität und literarische Qualität erreichten, die es bis dahin in der Populärmusik nicht gegeben hatte. Interessant genug, scheint es, für den interdisziplinären sozialwissenschaftlichen Kongress.

Dylan als Philosoph

Als Kongressteilnehmer und Mitherausgeber für den nun erscheinenden Dylan-Band konnte Honneth namhafte internationale Kollegen und Experten gewinnen: unter anderem Prof. Dr. Susan Neiman (Moralphilosophie), Prof. Diedrich Diederichsen (Popkultur) und Dr. Günter Amendt (Sex und Drogen). In den USA, sagt Honneth, sei es nichts Ungewöhnliches, Dylans Songtexten praktischen philosophischen Gehalt zuzubilligen und sich mit Klassikern wie "Blowin‘ in the Wind" ernsthaft auseinanderzusetzen.

GEFUNDEN IN...

duz
Das unabhängige Hochschulmagazin
Heft 10/2007
"Dort gibt es sogar Werke der philosophischen Fachliteratur, die, wo es passend erscheint, Zitate aus Dylans Texten als Motto voranstellen", sagt Honneth. Dass auch er keine Berühungsängste hat, wirft ein freundliches Licht auf ihn. Aus ihm spricht jedoch nicht nur der begeisterte Bob-Dylan-Fan, der er seit seinem 16. Lebensjahr ist, sondern der Praktische Philosoph, der sich in seiner Arbeit mit den Phänomen der Gesellschaft, mit Gerechtigkeit und Anerkennung beschäftigt. Und die Tradition der Kritischen Theorie der Frankfurter Schule von Theodor W. Adorno-Max Horkheimer-Jürgen Habermas weiterführt.

1992 veröffentlichte Honneth als Habilitationschrift das viel beachtete Werk "Kampf um Anerkennung. Zur moralischen Grammatik sozialer Konflikte". Eine von etlichen Publikationen, die international große Anerkennung fanden und ihm unter anderem 1995 die renommierte Theodor-Heuss-Gastprofessur am Institute for Social Research an der New School in New York eintrugen. Das Institut war 1933 von Max Horkheimer ursprünglich an der Columbia University gegründet worden und war Anziehungspunkt der aus dem Nazi-Deutschland geflüchteten Wissenschaftler. Noch heute fühlt man sich dort der Frankfurter Schule eng verbunden.

Einer Einsortierung in irgendwelche Schulen oder gar Zeitgeistschubladen, so Honneth, habe sich Bob Dylan immer gerne entzogen. An diesem Punkt – Honneth leugnet es nicht – gibt es Parallelen zur Biografie des Arztsohnes aus dem Ruhrgebiet. Seine Eltern schickten ihn auf ein Reformgymnasium, wo er die Schulbank gemeinsam mit Arbeiterkindern drückte – soziale Benachteiligung und den Wunsch nach Anerkennung erlebte er also hautnah mit. Axel Honneth erinnert sich: "Meine Mitschüler und ich schämten uns wechselseitig voreinander. Die einen für ihren Reichtum, die anderen für ihre Armut."

Zwischen den Lagern

Wie der junge Dylan wollte sich auch der junge Honneth während seiner Studienzeit und der Jahre als junger Nachwuchswissenschaftler nie für politische Strömungen oder Lager ganz und gar vereinnahmen lassen. In Bonn hat er sein Studium 1969 begonnen: Philosophie, Soziologie und Germanistik. Doch schon nach drei Semestern flüchtete der bekennende Jungsozialist von der "damals erzkonservativen" Bonner Uni an die neu gegründete Ruhr-Universität Bochum und promovierte später an der Freien Universität Berlin.

"Den ausgeprägten revolutionären Tendenzen meiner Kommilitonen dort stand ich allerdings eher skeptisch gegenüber", sagt er heute rückblickend. Das machte seine Zeit als wissenschaftlicher Assistent "zum Balanceakt zwischen politischem Engagement und gleichzeitiger Distanz zu irgendwelchen wilden studentischen Splittergruppen".

Damals kam Honneth auch erstmals in Kontakt mit Prof. Dr. Jürgen Habermas, der den überraschten Promovenden anrief und dessen wissenschaftlichen Aufsatz lobte. Honneth lacht bei der Erinnerung daran. "Ich war glücklich, aber auch ein wenig eingeschüchtert. Und hätte natürlich jeden für verrückt erklärt, der mir damals gesagt hätte, ich würde eines Tages Habermas auf seinen Lehrstuhl für Sozialphilosophie folgen." Zunächst aber folgte Honneth dem "Meister" ans Max-Planck-Institut für Sozialwissenschaften nach Starnberg und wurde dann sein Assistent an der Uni Frankfurt.

An diese Zeit erinnert sich auch Honneths Weggefährte Prof. Dr. Christoph Menke, Professor für Ethik/Ästethik an der Universität Potsdam: "Ich promovierte über Adorno und vertrat Ansichten, die Jürgen Habermas ziemlich verärgerten. Und Habermas konnte ja leicht aufbrausen. Axel Honneth hat damals in dem Kolloquim die Wogen geglättet und meine Thesen verteidigt." Man hört Menke heute noch an, wie dankbar er Honneth damals dafür war. Ein kleines Ereignis nur, aber für Christoph Menke sagte es viel über Axel Honneths Persönlichkeit aus – als Wissenschaftler und als Mensch.

Adornos Geist

Für Menke ist Honneth "nach Jürgen Habermas sicherlich der international bedeutendste lebende Vertreter der Kritischen Theorie." Und das wohl auch deshalb, weil Honneth sich früh von Habermas emanzipierte, auch inhaltlich. In den neunziger Jahren nahm er zunächst eine Professur in Konstanz an, wechselte dann aber an einen Lehrstuhl für Politische Theorie an die FU Berlin.

1996 kam das Angebot, Habermas Nachfolge anzutreten. "Einen Augenblick lang habe ich gezögert. Ich hatte natürlich großen Respekt vor dem Erbe, das in Frankfurt auf mir lasten würde", gibt Honneth zu. Und vor dem Ort, an dem die Geister von Adorno und Horkheimer immer noch durch die Gänge und Seminarräume zu huschen scheinen. Die Angst war unbegründet. Seit 2001 ist er Institutsdirektor und besitzt, abgesehen vom wissenschaftlichen Format, genug Charisma, um den Platz auszufüllen. Und er zieht, so wie vor ihm Habermas, quicklebendige junge Nachwuchswissenschaftler aus aller Welt an. Sie schätzen seinen interdisziplinären Ansatz in der Forschung - "und seine Offenheit und Toleranz gegenüber anderen Meinungen", schwärmt Honneths Assistentin Dr. Rahel Jaeggi, die auch bei ihm promovierte und ihm von Berlin nach Frankfurt folgte. "Ich hätte es nicht besser treffen können: Er ist da, wenn man ihn braucht. Lässt einen aber ansonsten eigene Wege gehen."

Denn eines, sagt Honneth, will er ganz bestimmt nicht sein: "Ein Guru, der kritiklose Jünger um sich schart." Und trotz biografischer Parallelen zu Bob Dylan: Dessen Starallüren teilt er nicht.

Insulto ao Público

Patrocine esse Autor Patrocine esse Texto envie este texto para um amigoveja outros textos deste autor
"Eu não tenho condições nem vontade de dizer o que quer que seja sobre mim ou, mesmo, sobre meu futuro, e, por meio deste, pela última vez vos conclamo a tomar conhecimento deste fato, seus cuzões."

["Ich bin nicht in der Lage noch willens irgendetwas ueber mich oder gar meine Zukunft zu sagen, und ich fordere euch hiermit zum letzten Mal auf, diese Tatsache zur Kenntniss zu nehmen, ihr Arschloecher."]

Entre nós, Peter Handke é mais conhecido como parceiro cinematográfico de Wim Wenders: "O medo do goleiro diante do pênalti" [Die Angst des Tormanns beim Elfmeter], "Movimento Errado" [Falsche Bewegung] e "Asas do Desejo" [Der Himmel über Berlin].

Pouca gente sabe que o próprio Handke filmou duas de suas narrativas: "A mulher canhota" [Die linkshändige Frau] e "A ausência" [Die Abwesenheit].

De Handke, no auge do boom translatício (1986/87), eu traduzi, para a Editora Brasiliense, "O medo do goleiro diante do pênalti" e "Bem-Aventurada Infelicidade" [Wunschloses Unglück], as duas narrativas enfeixadas num só volume. Foi um suor convencer o editor a usar na capa a palavra “narrativas”. Pensando em inglês, ele teria sapecado “novelas”.

É preciso dizer que, para nós, Handke foi trazido sem respeito à cronologia de sua obra, com os títulos sendo lançados a esmo, sem qualquer parâmetro crítico. Apenas mais um pós-moderno, poderia ter dito algum resenhista no calor da hora.

Só não podiam faltar, nas edições brasileiras dos autores alemães traduzidos, referências ao nazismo, aos horrores da guerra, ao holocausto e etc. Se possível, uma suástica na capa. Incluir o meu posfácio foi igualmente uma luta.

Os escritores de orelhas e contracapas, e os há, quase nunca sabem muito bem o que fazem. Por pouco, a contracapa de "O medo do goleiro diante do pênalti" não me sai com um Handke alemão, lutando ferozmente contra o nazismo e contra os horrores da guerra. A tempo, consegui alertar o escritor de contracapa (não foi tão simples, pois ele alardeava larga experiência no ramo): Handke é austríaco e nunca fez do nazismo ou dos horrores da guerra o seu assunto. Apenas acusava os autores do pós-guerra, os pais da pátria, os campeões da causa alemã - e isso lhes rendeu dois prêmios da Academia Sueca - de combaterem o nazismo e os horrores da guerra com a mesma linguagem que os havia produzido.

Handke foi menino prodígio. Suas peças-faladas foram êxitos incontestáveis. Sua importância para a geração de 68 está longe de poder ser devidamente equacionada.

Entre nós, pouca gente sabe que Handke foi um dos maiores nomes do teatro alemão do último quartel do século XX.

"Insulto ao Público" [Publikumsbeschimpfung] ficou cinco anos em cartaz num teatro em Frankfurt. Até que Handke proibiu sua encenação por tempo indeterminado, considerando superado o efeito de choque que fizera o seu êxito. E para evitar, suponho, sua agatachristianização. Só voltou a liberá-la nos anos 90.

Vi "Insulto ao Público", na encenação de um grupo amador de Porto Alegre, em 1973. Foi no Teatro São Pedro, em São Paulo, com o apoio do Instituto Goethe. Eu não sabia quem era Handke. E o Brasil já passava a receber um escândalo europeu daqueles anos revolucionários, sem saber que ele era isso. Ter chegado tão rapidamente ao país é um feito que fala em favor de seu autor.

Vi "Insulto ao Público" mais duas vezes, na Berlim pós-queda-do-muro, em 1993, nas encenações, diametralmente opostas, de um grupo de Berlim e de um grupo polonês.

Um artigo comemorativo dos trinta anos de Handke, publicado na internet por Celeste Aída Galeão (tese sobre "Die Hornissen", USP, início dos anos 70), ignora as minhas traduções de "O medo do goleiro diante do pênalti" e de "Bem-Aventurada Infelicidade". A autora ficou livre de ter de levar em conta a minha releitura de Handke, para o Brasil, no posfácio: "O mundo é velho, não é verdade, Sr. Loser?" Quinze anos se passaram e, lamentavelmente, é esse o texto mais completo e crítico já escrito sobre Peter Handke entre nós. O boom translatício foi bom enquanto durou. Hoje, a nossa defasagem em relação à literatura alemã, é só conferir, aumentou de 20 para 30 anos.

Sobre "O medo do goleiro diante do pênalti", sobre esse título que já era o título do filme que o Instituto Goethe fazia circular pelos bolsões cult da nossa intelectualidade, alguns gostariam que ele fosse diferente. Gostaria de brindá-los com um excesso: "O cagaço do guarda-redes no instante em que se vai bater o tiro de onze jardas".

Handke ficou sendo, para nós, um autor de narrativas meio esquisitas. Nós, os tradutores, poderíamos ser culpados por isso, em vários sentidos. Uma vez, na Brasiliense, alguém lamentava ser Handke ilegível para brasileiros. Alguém sugeriu ser demasiado Europa Central para o nosso paladar tropicaliente. Quem sabe ainda me refaça, em futuro próximo, do arrevezamento estilístico que me foi atribuído na época do lançamento. Tinha e não tinha razão o único resenhista do livro quando do lançamento: Erwin Theodor Rosenthal. Ainda volto ao tema.

Pouca gente sabe que Handke escreveu poemas em prosa, contos curtos, ensaios que ainda continuam atuais. Que contribuiu com a radiodifusão austríaca antes de se tornar uma celebridade. Peitou o Grupo 47, apontando para o equívoco de sua opção pelo realismo. Relatar realisticamente os horrores da guerra, é preciso que se diga, também faria prolongar os "horrores do pós-guerra", para usar a expressão feliz de Hubert Fichte. A instituição literária achou ótimo. Heinrich Böll foi prêmio Nobel de Literatura em 1972. Günther Grass foi laureado em 1989.

Só em 1993, estando em Berlim, pude compreender a razão pela qual, subitamente, tanto Wenders como Handke passaram a ser malvistos, personas non gratas para a inteligência brasileira. Haviam pecado contra a mídia internacional a serviço da globalização. Haviam desafiado, mais uma vez, o stablishment. Tudo como nos velhos tempos. Ou, se quiserem, como no velho oeste. A mídia divide o mundo em bandidos e mocinhos. A nova intelectualidade francesa saliva fartamente. E a periferia engole e balança o rabicó. Ter denunciado, durante a Guerra da Bósnia, a "demonização dos sérvios", pode ter custado a Peter Handke a perda da própria paciência. O menino prodígio dos anos 60, que não perdoava a burrice da esquerda universitária, fez por não merecer o lugar que lhe caberia na história da literatura alemã do pós-guerra e das guerras localizadas que passaram a proliferar pelo mundo. A frase que encabeça este artigo é Handke em seu estado mais característico: indignação pura.

Enquanto isso, um bando de cuzões continua a fazer sermões pios contra os horrores da guerra, contra o nazismo e contra o genocídio, e a dormir (serenos?) sobre todos os horrores que pairam sobre uma cultura administrada em seus mínimos escaninhos.

É preciso rever, com urgência, a história da literatura alemã, senhores germanistas pelo mundo afora. Urge reler Peter Handke, para não nos esquecermos de que a indignação é hoje artigo em falta. E terá de ser reconquistada.

Em "Insulto ao Público", Handke dava o seu grito de liberdade, propondo, aos fanáticos por conteúdos, a consciência aguda e revolucionária de que a linguagem é sobretudo jogo, que não se deve ficar boiando a esmo, à superfície das palavras e das frases.

Handke propõe um mergulho em profundidade. Contra a crença no realismo da representação, usava a imagem do pássaro que bica uma natureza-morta. Em "Insulto ao Público", quatro atores conversam longamente com os espectadores sobre tudo o que diz respeito à instituição do teatro, declarando ser a platéia o acontecimento da noite: "Vocês são impagáveis." Nessa conversa com o público, perpassam todas as grandes teorias do teatro. Isso toma dois terços do texto, quando uma frase introduz a sessão de xingamento: "Mas, antes disso, vocês serão insultados. Porque insultar é também uma maneira de nos comunicarmos."

Como diz Celeste Aída Galeão, em seu desinformado artigo na internet, Handke é o autor do pós-guerra que mais traduções mereceu no Brasil. Mas, como ela e com ela, o público brasileiro ficou sem saber quem é mesmo esse tal de Peter Handke.

Handke continua atual. Um dia será preciso dizer isso com bastante firmeza. Por enquanto, os adeptos do realismo ainda podem prosseguir em seu sono de mais de um século. Mas a realidade jamais os perdoará por terem-na reduzido a um único modelo de interpretação: o modelo realista.

Qualquer semelhança com o "pensamento único" destes nossos tempos globalizantes, não é, nunca foi apenas uma coincidência. Alguns quiseram que assim fosse.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Fórum Soletrando:“Eu Acho Imbecil Esse Tipo de Concurso de Nerds”

Pesquisando sobre o caráter educativo do concurso Soletrando, organizado pelo apresentador Luciano Huck na Rede Globo, encontrei as seguintes palavras, num fórum de discussão: “Concurso de spelling (“soletrar”) é comum nos EUA. Eu acho meio imbecil este tipo de concurso de nerds (palavra inglesa para CDFs) (esse debatedor, usando o nome de “Cool”, explicou a desigualdade que marcou a final entre Aurélio (menino rico) e Alef (menino pobre). Palavras para um candidato (Aurélio):

glossário

pan-americano

supracitado

Comparemos com as palavras para o outro candidato (Alef):

opúsculo

pterópode

qüingentésimo

logaritmo

A maioria das postagens nesse fórum, no entanto, era favorável ao programa. Outra postagem desfavorável dizia: “as pessoas só aprendem palavras que não irão usar, tal como psicroestesia.” No entanto, Cristovam Buarque, ex-professor da UNB e político brasiliense que já foi do PDT de Brizola, mas que, diferente de Brizola, nunca teve problemas com a Globo, afirma que está lançando o “educacionismo”, e vê caráter altamente educativo no programa.

Mirisola chama Nassif e Azevedo de Palhaços

Grande circo místico (um tributo a Arrelia e Carequinha)

Marcelo Mirisola*

Teve uma época em que eu acompanhava o blogue de Reinaldo Azevedo com mais interesse. O homem enfrentava os adversários com argumentos incisivos, e uma boa dose de sarcasmo e humor. Jamais refugava. Gosto disso. No episódio em que tive minhas palavras mutiladas por Paulo Markun, no programa Roda-Viva, Azevedo abriu seu blogue para que eu pudesse contar minha versão dos fatos. Decente. A mesma versão que publiquei no site Observatório da Imprensa e no Jornal de Debates. Uma pena que a coisa mudou. Não que eu tenha perdido completamente o interesse: o blogueiro continua ferino e sarcástico, e sempre é garantia de bom entretenimento... mas já não consigo levá-lo a sério, não como antes.

Tudo começou com a foto dele. Pensei: esse cara sabe calcular; ele sabe que os seus desafetos ficarão entorpecidos diante de sua figura: Reinaldo Azevedo – não dá para negar – alimenta um tipo asqueroso, carnívoro. Parece que se diverte. Que sorri para dentro. Para mim foi fácil associá-lo à figura da harpia. Ou melhor: previsível.

A previsibilidade, aliás, é um tributo que os homens entrincheirados pagam para os inimigos na justa proporção das diferenças que cultivam. No caso de Azevedo, há humor, sagacidade, alto poder de destruição, porém jamais surpresa: os movimentos dele são sempre os mesmos, de certa forma, Azevedo é um alvo fácil – porque sabemos quem ele é.

Voltando à harpia. Reinaldo Azevedo meio que personifica, à guisa desse ser mitológico, as tempestades e a morte. Vejam só: a harpia era encarregada de raptar os seres humanos para oferecê-los ao Deus do Inferno (qualquer semelhança com o mundo virtual não é mera coincidência). Homero descreve esse “ser” na forma de uma sereia-harpia.

Reinaldo Azevedo é uma sereia que foi engendrada a partir da cabeça. Uma sereia lógica (às avessas)... como se isso fosse possível. Seduz pelo que tem de repugnante: um ar clerical mezzo hepático, mezzo ap. de 3 dorms. na Riviera de São Lourenço.

Eis que surge o “Tiozinho do Chapéu”.

Ele soube delimitar um território. E eu tiro o meu chapéu para qualquer um que saiba delimitar territórios. Isso pressupõe uma voz, um lugar (ou a simulação de uma voz... de um lugar). Tanto faz. No caso de Azevedo, o que conta – para o bem ou para o mal – é que estabeleceu uma trincheira destoante (embora previsível). Isso não é nada pouco se levarmos em conta a época bundona em que vivemos. Reinaldo Azevedo poderia ter optado por um distanciamento CDF metido a elegante, do tipo Daniel Piza. Ele, afinal, tem ideologia e verniz para isso. Mas, não! Em vez de ser um prosaico coxinha, optou pelo confronto direto. Não dá para negar que Reinaldo Azevedo é um estrategista: o Tiozinho do chapéu.

O problema é que surgiu uma pedra no caminho de Azevedo, cujo nome é bastante conhecido de todos, trata-se do jornalista Luis Nassif, o antípoda.

Se eu dissesse, aqui, que Reinaldo Azevedo o batizou de “ratazana”, estaria correndo um sério risco de ser desautorizado, e até processado. Eis a questão. Por causa desse entrave, o que antes era um jogo de inteligência acabou virando futrica, troca de recados. De ambos os lados.

Nassif publicou em seu blogue uma série de textos intrigantes, “O Caso Veja”: entre uma e outra notícia do mundo do samba (que eu dispenso), ele relata o suposto modus operandi de uma suposta “máfia de jornalistas” que tomou de assalto a redação da revista de maior circulação do país, a Veja.

Dizer que Nassif “desmonta” essa estrutura seria tomar partido de Nassif, coisa que eu sinceramente gostaria de fazer. Eu juro por Deus, queria tomar partido. Mas para isso precisaria que os lados em questão fossem francos, e que também tomassem partido. Como posso confiar num cara que manda recadinhos herméticos para o jornal em que trabalhava na forma de peidos de elefante? Pra começo de conversa: queria saber por que Nassif saiu da Folha de S. Paulo. Foi mandado embora? Uma certa “ratazana” teria cometido falcatruas? Depois de quase 15 anos de jornal, de um dia para o outro, Nassif desaparece, e o jornal não dá sequer uma nota? O que aconteceu, afinal?

Quanto mais Nassif manda recados (publicou em seu blogue a foto de Octavio Frias, falecido publisher da Folha de S. Paulo, dando a entender que “naquela época” as coisas eram diferentes), enfim, quanto mais Nassif fala de elefantes em salas de visita, mais minha desconfiança aumenta... é tudo muito esquisito, e suspeito. O leitor da Folha de S. Paulo teria consumido informações de um “lobista” ao longo de todos esses anos? – quem sugere é Reinaldo Azevedo. Se for isso mesmo, quero tomar partido de Azevedo. É isso mesmo? Seria o caso de acionar o ombudsman ou o Procon?

Uma alma quase isenta diria: “O problema é da Folha. Quando Bernardo Carvalho deixou de escrever, o jornal também não publicou nenhum comunicado”. Ora, a coluna de Bernardo Carvalho não provocava exatamente oscilações no pregão da bolsa de valores.

Enquanto essa situação não for esclarecida, simplesmente não posso confiar nos textos devastadores e implacáveis que Nassif publica em seu blogue. Da mesma forma que não posso acreditar no brilhantismo de Azevedo, uma vez que ele, em vez de nomes, chama os bois pelo apelido. Quem é quem nesse jogo? Quem ganhou e quem está perdendo os processos? Notícias de primeira instância me interessam.

Será que só os advogados é que podem se divertir a essa altura do campeonato? Agora que a chapa esquentou, o leitor vai ficar de fora? Para ser fofoqueiro, palpiteiro e canastrão, eu me basto. Às vezes penso que esses dois blogueiros não têm idéia do tamanho do circo que proporcionam aos seus leitores. E já que não dá para tomar partido, a única coisa que me resta é acompanhar o incêndio no picadeiro, e aplaudir as palhaçadas. A última, impagável, veio do blogue do Nassif.

Lembram da figura do velho canalha vendido a interesses escusos? (Ianques! Cuidado, os Ianques!); então, Nassif o substituiu pelo inocente cavalgado. Isso é muito engraçado.

Nassif é tão previsível quanto Azevedo, aliás.

Às vezes dá a impressão de um Big Brother incontrolável. Leitores enfurecidos de um lado, e de outro. Fla x Flu. Ameaças, injúrias, aulinhas de gramática e lenha nos opositores. Difamações generalizadas (porém, cuidadosamente em suspensão); interesses inconfessáveis, a defesa intransigente da verdade, da honra, das leis e da ordem. Indignação! Exemplos de conduta e civilização acompanham o câncer dos blogueiros e os respectivos desempenhos sexuais. Um coquetel folhetinesco servido à sanha da dona de casa internauta.

Ah, a dona de casa internauta! Essa é a grande personagem: ela participa com dedicação, e tem absoluta convicção de que o seu comentário vai alterar os rumos da eleição norte-americana... as mais modestas empenham-se em derrubar o Lula diariamente. Ah, meu Deus.

Reinaldo Azevedo e Luis Nassif aliciam pequenas multidões para suas causas. Comandam verdadeiros exércitos virtuais. E os soldados os abastecem de futricas, informações confidenciais, dossiês explosivos, estatísticas incontestáveis, citações eruditas e tudo, enfim, que caiba na algibeira ideológica do novo cruzado de um lado, ou do árabe explosivo de outro. Os generais agradecem a colaboração compungidos, exortando os fiéis a continuar na luta. Eita!

E eu me divirto. Nunca dei tanta risada como na ocasião em que Mario Sabino, editor da Veja e inimigo número um de Nassif, publicou uma carta no blogue de Reinaldo Azevedo para provar para as donas de casa – com todos os alvarás e certidões negativas – que ele, além de homem sério, ético e trabalhador, era também e sobretudo um gigante literário.

Nassif, claro, deitou e rolou. Quando abri os comentários no blogue de Nassif, achei uma pérola. Um internauta dizia mais ou menos que tinha pena de Mario Sabino porque ele “confundia a atividade executiva com imortalidade”... em seguida, o internauta traçou algo parecido com um perfil psicológico do escritor-editor, e diagnosticou “problemas primários de vaidade não correspondida”... ah, meu Deus... estou me contorcendo de tanto rir, e encerrava o comments dizendo que “nem Kafka, em seus delírios mais febris de rejeição”, enviaria uma carta aos seus leitores para provar que era o maior de todos... resultado, segundo o internauta: Sabino era “uma fraude como executivo, e um mico como escritor”.

Isso é muito engraçado. Suponho que a dona de casa e leitora da Veja deve ter estrilado e, é claro, imediatamente acionado seu blogueiro de confiança, cobrando reações imediatas. O Tiozinho do Chapéu corresponderia lavando a honra de Mario Sabino, o maior autor da língua portuguesa desde Camões, mas sobretudo lavaria a honra da dona de casa inconformada, e das amigas do Clube Pinheiros. Previsível, folhetinesco. Não dá pra levar a sério.

Quando Reinaldão Azevedo ficou amiguinho do “maconheiro” e “depravado” Gerald Thomas, algumas fiéis não perdoaram o deslize e ameaçaram abandonar o blogue. Oóóóóó. E agora? Fico pensando com meus botões: quem é que vai dar chutes e pontapés nas viúvas de Azevedo? Aliás, o sadomasoquismo explícito e doentio é moeda corrente no blogue do Tiozinho do Chapéu. Ele adora disciplinar e chutar traseiros (e usa a lógica, e a ética e a moral e os bons costumes, para penabundear os incautos que atravessam seu caminho). Assim conseguiu transformar o porra-louca Gerald Thomas num filho de Maria, isso é genial. Nassif faz a linha Vila Madalena, técnico-estatístico-ódoborogodó.

Teve um internauta que, a partir da foto postada por Nassif, chamou Mario Sabino de Tio Chico das letras. Tive câimbras de tanto rir. Não dava para negar, realmente o maior escritor do Brasil, inspirava... nada mais nada menos que... a carranca ameaçadora de Tio Chico! Aquele mesmo da família Adams! Seria assustador se não fosse absurdamente ridículo, e engraçado.

Já pensaram? As faces do mal. O Tiozinho do Chapéu e Tio Chico. Os dois tiozinhos, lá na torre do edifício Abril, arquitetando maldades inomináveis contra o direito dos fracos e oprimidos. Às margens da poluída marginal do rio Pinheiros. Um céu escuro cortado por trovões mefistotélicos. Cabrum!!

De qualquer forma, a foto tenebrosa coincidiria com os métodos de Mario Sabino – quem diz é o Nassif, hein? – de cavalgar subordinados. Segundo a lógica hípica de Nassif, o terceiro do eixo maléfico, Diogo Mainardi, seria cavalgado por banqueiros suspeitíssimos e defenderia interesses cabeludos de lobistas ameaçadores, e numa escala hierárquica de ferreiros e ferrados, a coisa descambaria para Jerônimo Teixeira, o boca maldita da Veja, ele mesmo, Jerônimo Teixeira: autor de um livro chamado Pedacinho de Céu (uiii que medo), essa fera temida pelo stablishment cultural brasileiro – diz o Nassif – seria cavalgada por Tio Chico em pessoa. Que, embora cavaleiro e adestrador dos mais implacáveis, não escaparia de oferecer o próprio lombo para algum figurão imediatamente acima dele, e assim por diante.

Ninguém estaria livre de cavalgar e ser cavalgado por uma estrada nada colorida. Nesse exato momento alguém estaria cobiçando a próxima garupa, talvez o lombo de Carlos Graieb, ou do pônei Miguel Sanches Netto: esse, coitado, deve ter ouvido o galo cantar, mas não sabe exatamente sobre qual costado.

As teorias eqüestres-conspiratórias de Luis Nassif realmente são muito divertidas, e até o José Padilha, cavalgado pelo Urso de Ouro, não escaparia dessa maldição. Os últimos cavalgados da lista, seguindo essa lógica delirante, seriam os incautos e ingênuos leitores da revista Veja, é um circo ou não é?

Definitivamente, esses blogueiros – talvez sem saber? – são os responsáveis diretos pela volta triunfante e pela inclusão irrevogável de Arrelia e Carequinha no debate nacional. Tem goiabada? Tem sim, senhor! Tem marmelada? Tem sim, senhor! E o palhaço, quem é?

*Marcelo Mirisola, 41, é paulistano, autor de O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros. Publica em revistas, sites e jornais de todo país. No prelo, Proibidão (Editora Demônio Negro).

PUBLICADO EM:10/03/2008

*

Envie para

um amigo

Comente

esta notícia

Leia os

comentários

Imprima

esta notícia

A Cara da Veja no Blog do Nassif

Slogan da nova campanha publicitária de Veja:

"Veja, indispensável para o país que queremos ser"

Clique aqui

A cara da Veja, para todos os leitores que freqüentam o portal da revista, é o Blog de Reinaldo Azevedo.

Assista à campanha institucional da revista. Repare nas imagens, mostrando os problemas nacionais, a miséria, as criancinhas, a violência. E confira, na prática, “qual o país” que Veja quer ser.

Uma revista é o que ela publica, não o que a publicidade imagina.

Azevedo foi um jornalista apagado até os 40 anos de idade. Depois, entrou para a revista “Primeira Leitura”, que cerrou as portas quando foi denunciado o esquema de patrocínios políticos que a mantinha.

Foi, então, contratado por Mario Sabino para se tornar o blogueiro da Veja, incumbido dos ataques aos adversários e da bajulação aos aliados e à empresa. Pratica ambos com notável desenvoltura.

Dedica a Sabino temor reverencial. Quando não recebe ordens diretas da direção, procura se antecipar ao que considera ser a opinião da revista.

Às vezes erra e entra em pânico.

Quando Barack Obama despontou nas pesquisas, escreveu comentário preconceituoso contra ele. No final de semana a edição da revista elogiava o candidato. Sua reação foi um e-mail temeroso a Sabino, perguntando das conseqüências do escorregão.

Acalmou-se quando recebeu o “nihil obstat”. Passou recibo no Blog, divulgando o e-mail súplice e a absolvição generosa.

Tenta reproduzir o ideal “yuppie” do grupo, como apregoar que sempre foi bem sucedido (até os 40 anos era jornalista apagado; até dois anos atrás, jornalista desempregado), gostar de uísque escocês e separar parte de suas cinco horas de sono para “fazer amor”. Aprecia quando comentários supostamente assinados por leitores (grande parte dos comentários é de "anônimos", que tanto podem ser leitores quanto o próprio blogueiro) realçam sua inteligência e charme.

Gosta de ser chamado de "meu Rei" e "tio Rei" pelos leitores. Esbanja preconceito contra negros, mulheres, abusa de um linguajar chulo, não tem limites para caluniar ou difamar críticos da revista.

Seu blog participa do circuito de blogs que fazem eco às "denúncias" lançadas pelo lobby de Daniel Dantas.

É reconhecidamente pessoa desequilibrada, com pendores homofóbicos. Tem obsessão por insinuações sexuais contra adversários e é especialmente agressivo com mulheres. Consegue saltar, sem nenhum filtro, da agressão mais escatológica contra os "inimigos" à bajulação mais rasteira às chefias.

Em qualquer publicação, independentemente do porte, seu desequilíbrio seria contido dentro de limites editoriais. Na Veja de Eurípedes-Sabino não só tem autorização para fazer o que quiser -até sugerir "boquetes" ao presidente - como é estimulado a isso.

Graças à falta de discernimento de Eurípedes e Sabino e à pouca importância que ambos - mais a Abril - dedicam ao trabalho de preservação da imagem da revista, Azevedo representa uma espécie de caricatura, a parte mais grotesca do processo de degradação editorial da revista. É um esgoto sem filtro. Todo o seu desequilíbrio é despejado diariamente no Blog e sua atuação festejada por Sabino.

Hoje em dia, junto ao universo crescente dos freqüentadores da Internet, a imagem de Veja tornou-se irremediavelmente ligada à de Azevedo, o "tio Rei". É o exemplo mais acabado do processo de deterioração moral e editorial que tomou conta da revista.

Confira a cara da Veja:

Por Reinaldo

“Ô Tomaiz, faiz um Bequéti aí pra mim vê se ocê é bão mesmo"

"Um momento lindo nos aguarda: o petralhismo filtrado pela ópera (e bunda) seca de Gerald Thomas. Seca, mas molhada pelo capilé oficial. Em visita ao “Hemisfério Sul” como diz, Thomas deveria ir ao Palácio do Planalto. Aí o Apedeuta poderia lhe dizer: “Ô Tomaiz, faiz um Bequéti aí pra mim vê se ocê é bão memo". E ele, claro, fará. Como sempre"

“Os publicadores de releases, batedores de carteira e caloteiros estão submetendo a tal premiação a um ridículo estupendo. E os cachorros loucos estão à solta. As cadelas também”

De uma tal Lais F., recebo o que segue. (...) Lais F? Seria a mãe intelectual de Christiane F?”

“Entrei no site da vereadora (…) Ali, a coroa (...) aparece num desenho simpático, todo catita, em que finge ter 13 anos. Essa imagem de Lolita — que já ficou tempo demais na grelha se você tem olhos para ver — é diligentemente cultivada pela vereadora, que gosta de falar aos jovens e sentar de um jeito descontraído. No que me diz respeito, eu escondo dela as minhas crianças. Eu não tenho nada contra coroas, deixo bem claro. Muito pelo contrário. Mesmo! Desde que não miem como gatinhas”.

"Imaginem o sujeito olhar a própria cara triste no espelho, todos os dias, e constatar: “Sou um vendido, um vagabundo, um pilantra”. Mais: “Não pago as minhas dívidas: nem as públicas nem as privadas”".

"Dizer o quê? O sujeito não seria um vendido, um vagabundo, um pilantra e um caloteiro se não fosse também invejoso e mentiroso. Ele conseguiria fazer um blog de sucesso como este? Não. É um analfabeto. Mas poderia ao menos tentar. Só que é preciso trabalhar em vez de bater a carteira alheia."

"Alguns sugeriram que eu peça emprestada àquele lá a botinha cor-de-rosa. Xiii, acho que não vai dar. Para usar aquilo é preciso ter um passado, hehe. Vai que o Alexandre Frota olhe pra mim e diga: "Huuummm, que matéria!". E cobre de mim aquele rodopio sensual e manemolente. Não estou preparado para emoções fortes com esta idade..."

Poema

PARÁBOLA

Atravessar o rio

submergir na terra

consumida pelos passos.

Repassar a lição de casa

no repetir à náusea

os quatro pontos cardeais.

Orar ao deus

que se apresenta

primeiro ao pensamento: atentar

ao demônio

a desconstrução

do tempo.

Arremessar o corpo

ao rio de águas turvas

e o purificar. Retirar da terra

o ressecamento e deixar o húmus

na passagem.
(Pedro Du Bois, inédito)

Check-List

CHECK-LIST


Veja só, parecia uma inocente listinha de supermercado. Pois saiba, sua cadela desavergonhada, que descobri os códigos secretos que você usa para se referir às suas escapadelas extra-conjugais e aos apetrechos a serem providenciados para os encontros com seu amante. Um verdadeiro dialeto cifrado, que você julgava inviolável mas que, sem grande dificuldade, consegui desvendar. Duvida? Vejamos.

FÓSFOROS
Não venha me dizer que é para acender vela para algum santo. Você sempre foi agnóstica. Só pode ser para um outro tipo de velas, aquelas de jantar romântico, que antecede o bem-bom. Nenhuma outra desculpa é válida: nosso fogão tem acendimento automático, amor.

CALDO DE CARNE
Permite mais de uma interpretação, das quais arrisco duas bastante prováveis.
Alternativa 1: você se refere a algo que auxilie sua carne dar um bom caldo, acertei? Provavelmente alguma novidade anti-celulite, que aliás você está mesmo precisando.
Alternativa 2: o referido produto é comercializado em cubos. Cubo é a terceira potência. Terceira potência mundial é a Inglaterra. Ou seja, encontro em algum bar estilo pub.

ALHO E CARÁ
Sem comentários, de tão óbvio: suprir o estoque de preservativos, certo? De outrem, pois sou vasectomizado.

CD COMPUTADOR
Mas pelo jeito você quer sem dor alguma. Não se trata do suprimento de informática, e sim de gel para práticas pouco ortodoxas.

COTONETES
Cotonete lembra ouvido, que está na cabeça, onde vai o boné, que protege do sol, que é vital para a vida na Terra, onde existem moitas pra fazer sem-vergonhice. Decifrando: hoje tem, e vai ser no meio do mato mesmo.

PILHAS
Leia-se Viagra e/ou catuaba e/ou ovo de codorna e/ou ginseng.

RODO
É odor ao contrário. Provavelmente algum produto para eliminar cheiros no quarto após a bacanal.

Pois é, querida, caem as máscaras. Disfarçada de prosaica listinha de compras, as intenções veladas de adultério e fetiche pecaminoso. Sinto-me um Champollion moderno, decifrando seu papelzinho de Roseta. Ou seria de rosetar? A diferença é que Champollion certamente teve muito mais trabalho, você foi previsível demais. É quase um passatempo desbaratar seus códigos cheios de associações imediatas, faltou sutileza e astúcia para acobertar seus afazeres sacanas. Mas a lista continua.

CHICÓRIA (5 MAÇOS), COLA TENAZ, TESOURA DE UNHA

Pegando a primeira sílaba de cada palavra, temos sua face sadomasoquista: chicote..

6 CAIXAS DE LEITE, 8 SACHÊS HIGIÊNICOS, 2 BOLACHAS MAIZENA, 7 EMBALAGENS DE OMO, 1 ATUM EM ÓLEO COMESTÍVEL, 3 QUEIJOS RALADOS, 8 LÂMPADAS 25W (por que essa luz tão fraca, heim?) 2 GOIABADAS CASCÃO

Liguei para 6827 1382 e caiu em um sex shop. O que tem a me dizer?

UMA PEÇA DE PATINHO
O pato, no caso, sou eu. A peça é o ingresso de teatro que você me deu, dizendo que tinha ganho na promoção da Rádio Difusora AM. Enquanto o patola aqui assiste à tragédia, você cai na comédia com o cafajeste.

PALHA DE AÇO
Palhaço, ou seja, eu de novo. Último item da lista. Daqui pra frente, nem isso. Inclua-me fora, da sua lista e da sua vida. Acabo de pedir uma inflável no Delivery.

© Direitos Reservados

Marcelo Sguassábia

Escritores da Liberdade

Escritores da Liberdade

Por Sérgio Vaz

Depois de muito tempo longe de tudo e de todos, por conta do livro da Cooperifa que eu estava escrevendo — acabei de escrever, mas depois eu falo disso —, a primeira coisa que cai em minhas mãos é o filme "Escritores da liberdade" que eu ganhei ontem de uma professora na escola onde eu fui dar oficina de poesia.

Fiquei feliz por dois motivos, primeiro porque adoro cinema, mas adorar de adorar mesmo, e não é papo furado ou idéia para agradar em mesa de barzinho, sou do tipo que coleciona, e se liga na história e tal, e também gosto de um monte de filmes e de um monte de lugares.

Sempre achei que na periferia deveria ter um cineclube para a gente assistir uns filmes que não passam no cinema ou na TV, tipo Machuca, Sacco e Vanzetti, Conta comigo, Jules and Jim, O Cangaceiro, Lúcio Flávio, El Cid, o Carteiro e o poeta, Um dia de Cão, Touro Indomável, e mais uma infinidade de clássicos cinematográficos tão importantes quanto os clássicos da literatura.

E segundo porque todo mundo que já tinha assistido estava me recomendando, porque achava que de alguma forma eu iria me identificar com a história. Acertaram. Eu estava resistindo, porque acho que esse tipo de filme, depois de

"Ao mestre com carinho" com Sidney Pottier, virou meio clichê. É. Essa história do professor bonzinho entrando na vida de adolescentes problemáticos, de comunidades problemáticas...

Mas aceitei assistir porque é sobre uma história real na cidade de Los Angeles, no turbulento início dos anos 90, pós Rodney King, lembram? E também porque há dois anos estou fazendo os saraus e oficinas nas escolas da quebrada e que poderia sugar alguma coisa para levar para os alunos do EJA (Educação de Jovens e Adultos). Ah, também porque curto a Hilary Swank (menina de ouro), ela é a dentuça mais charmosa que eu conheço.

Quando o filme terminou, eu pensei: "mas não é que o filme é legal mesmo?" Que história bacana de ser assistida, ainda mais sobre o ponto de vista da literatura sobre os jovens, e vice-versa, e do ponto de vista do preconceito que ainda assola o nosso mundo.

Lembrei dos Professores Rodrigo Ciríaco, do Maca, do Samuca, e de um monte de mestres que estão aí na periferia tentando educar a molecada que o estado não quer que seja educada. As escolas são analfabetas e a culpa não é do professor, eu sou testemunha ocular desse crime.

Para eu que só vou uma vez por semana nas escolas e não dou nota para nada do que eles fazem, é muito fácil trocar idéia e conseguir a simpatia gratuita da juventude, mas vai ver isso todo dia... Hoje tem marmanjo dando na cara de professora. Que deselegância.

Quer saber? O Professor é tipo meu herói! Aí, você pode falar: "é, mas tem uns...", mas tem "uns" em qualquer lugar, em qualquer tipo de profissão. Aliás, transmitir conhecimento não devia ser profissão, devia ser encantamento, e esses feiticeiros poderia ter todo o ouro que precisassem, quando o diamante acabasse.

Não abro mão, Professor devia ter capa e cinto de utilidade. Eu acho que Professor voa, tem superpoderes e visão de raios-X. Eu quando estou em perigo chamo um Professor, não quero nem saber se ele é da rua ou se é da escola, consulto sempre um mestre.

Bom, tirando meus efeitos especiais, e voltando ao cinema, o filme é bem piegas, mas confesso que funcionou comigo. Na calada da madruga, depois de um dia intenso de correria, uma emoçãozinha até que não foi mal. Se você não tiver lição pra fazer em casa, na hora do recreio é bem melhor, assista e depois comenta comigo.

Toda aula devia começar assim: LUZ, CÂMERA, AÇÃO. SONHANDO!