segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A Morte de J. D. S. em Paris

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior (Bom Despacho/MG)


Enfim, o sucesso. J. D. tivera seu primeiro livro lançado em Paris. J. D. chegava finalmente à França. Na juventude, em Minas, era amigo de Roberto Drummond e papeava sobre literatura em bares no bairro da Savassi, mas afastou-se de Roberto por associar sempre a sua figura à do palhaço Bozo.
Pouco depois de chegar a Paris, ele quis ir ao cinema. Primeira decepção com Paris: descobriu que Godard é contra o imperialismo cultural americano. Dégoutant. J. D. era colunista elitizado de uma revista de classe média decadente e autor de um blog de sucesso na internet: “Entre Tapas e Gargalhadas”. Ao ligar a TV em Paris, viu uma atriz da Globo entre os negros do subúrbio parisiense de Clichy, dançando e cantando o funk da pi-pi-pi-ri-gueeeete! Que abuso daquela “crioulada”, estragando suas seqüências parisienses!
Dias depois, J. D. foi ao supermercado Bon Marché. Em Paris, ele não podia pagar empregadas domésticas para irem ao supermercado para ele. Quando escutou a música que tocava, um arrepio de pavor: tocava Axé Music no Bon Marché! Ele queria descansar do Brasil, mas aquele paisinho porcaria o perseguia.
De pernas bambas, deitou no sofá em seu apartamento num dos mais chiques arrondissements e arriscou a TV novamente, sem acreditar no que estava vendo: as videocassetadas também existem na França! Doente, tossindo muito, acamado, J. D. era só ajudado por um vizinho de apartamento, o comunista Jean Phillipe Noiry. “Comunistas, gauche caviar, nem aqui estou livre dessa raça”, pensava ele, enquanto pedia para que Noiry lhe trouxesse copos d´ água e remédios. Em seu blog, J. D. jamais publicava comentários dos petistas, que ele chamava “petelhos” e “burros”, inspirado em Paulo Francis. Detestava “Marxilena Xuxaí” e se dizia arrogantemente golpista e macartista. Desesperado, ligou para a mulher, que deixara na cidade de Arapiraca:
--Genalva, vem me buscar que eu estou odiando.
No entanto, um som alto de música breganeja soava ao fundo, impedindo que ele ouvisse o que Genalva estava dizendo. Genalva, livre dele, escutava o que não podia escutar a seu lado. Suas piores suspeitas foram confirmadas. Bateu o telefone: lágrimas de esguicho.
Quando parava de soluçar, sentiu uma vertigem terrível e tombou fulminado. O raio de seu amigo comunista colocara um disco, não da Internacional Comunista, mas dos Mamonas Assassinas, que ele “conhecera numa revista francesa quando eles morreram”. Naquela noite, o Paris Connection teve todos seus integrantes trajando luto. E foi o mais formal deles, um mineiro, quem deu o boa noite, dizendo: “adeus, J. D. !”

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Entre Ocê e O Ser: Caetano Anti-Caetano

Mas todo este fulgor esmaece e se apaga. /Tímido, o olhar do sol bóia de vaga em vaga, /Porque uma sombra investe a sua concha enorme./É a noite: como um polvo, insidiosa, se eleva./ Desenrola os seus mil tentáculos de treva: /E o sol, vendo-a crescer, fecha as valvas e dorme.

Ocaso no Mar, Arthur Gonçalves de Sales

O novo disco de Caetano Veloso, Cê (Universal), contêm no título uma apócope. É a linha evolutiva do “vossa mercê” de Machado de Assis, tornado “você” no tempo de Oswald de Andrade, evoluindo para o “ocê” do dialeto caipira e agora o “cê” de Caetano e do nosso cotidiano. Um strip-tease fonético. O disco, assim como o pronome, nos deixa numa inquietação em que podemos perguntar: o que virá depois?
Caetano contou, num especial de 93, a propósito de seus cinqüenta anos (na rede Manchete) que viu uma grande vitalidade no programa de Roberto Carlos e na Jovem Guarda em geral. Suponho que agora Caetano busca no rock um elixir da juventude. A canção “Rocks”, do novo disco, proclamou que foi uma personagem feminina que, tatuada e usando botox, exigiu os tais rocks letais e totais.O eu-lírico deslocou, portanto, o desejo de fazer rock como vindo de um Outro.
Caetano Veloso disse a João Gordo na cadeira de entrevistado no Gordo A Go-Go, da MTV que, se ele não tivesse feito a tropicália, não existira o Sepultura. Essa banda de trash metal virou, no imaginário de Caetano, um fetiche do gosto jovem (inacessível aos pais). No entanto, Dick Farney já fazia músicas em inglês nos anos 50. A indústria é muito forte. De uma forma ou de outra, o rock viria a partir da política das multinacionais de divulgar por todo o mundo a música do país onde está a matriz ou uma música mais próxima daquela produzida na matriz. Vale a ressalva que, se não ficaríamos sem Sepultura, com certeza sem a tropicália a banda não teria a grande aceitação que obteve no início dos anos 90.
Há algum tempo, Caetano inverteu aquele canto da musa presente em Tigresa e Você é Linda e, no disco Livro, a canção que exorcizou a figura feminina foi dedicada à imprensa: “vagaba, vampira...” Em Cê, o refrão também reage com inimizade à sua musa: “Cê foi mó rata comigo”. É uma queixa aguda. Ora, como dizia Nietzsche, somos ratos e seremos super-homens. Musicalmente, o som desse disco reproduz o que há de mais característico no rock: o grito, a estridência das guitarras elétricas, as letras cruas, o sexo: “feliz e mau como um pau duro”. O disco oscilou entre a exaltação sexual e a melancolia, que seria o anti-romance existente no rock. Caetas afastou-se da postura de Glauber na Veja de 1977, para quem ele e Gil eram os anti-Beatles, anti-Rolling Stones. Caê agora é pró-Nirvana, pró-Pixies. Os rapazes da banda provavelmente ficariam orgulhosos se alguém dissesse que fazem uma variante cabocla e complexa do grunge ou do britpop.
A base estética de Caetano, no entanto, é a bossa nova. Cê, disco do cantor baiano, está chamando a atenção por suscitar discussões sempre com um único tom: isso é rock? Agora Caetano se reinventou como roqueiro, mas sempre dá sinais, nas entrevistas, que pode “trair”, fazer discos com boleros e sambas novamente. Numa entrevista recente, lembrou-nos que, quando estava no exílio em Londres, veio ao Brasil para um show e decepcionou bastante a platéia ao tocar Adeus, Batucada: eles estavam esperando Led Zeppelin. Isso pode, portanto, acontecer de novo.
Quem sabe, nessa nova reencarnação rock de Caetano, ele possa, paradoxalmente, esclarecer que a verdadeira crítica da MPB e da esquerda estudantil a Caetano era o apoio à Jovem Guarda e não contra as “guitarras elétricas” em si, o que seria uma revolta reacionária contra a tecnologia. Sérgio Ricardo, em seu livro Quem Quebrou meu Violão, afirmou que tocou guitarra em seu programa na TV Globo nos anos 70, justamente para provar que o problema não era o instrumento em si. A oposição desencadeada era basicamente contra a onda de versões de rocks estrangeiros que tomava conta das rádios, repletas muitas vezes de vozes infantilóides e letras pobres que não faziam jus a seus equivalentes internacionais. Satisfaction, dos Stones, ganhou uma versão cujo refrão dizia: “não tem jeito, sou direito!”, por exemplo. Yellow River virava “e ela é horrível”, com a maior facilidade. Quando Caetano, bossa-novista formado, passou a se apresentar com uma banda de iê-iê-iê, pareceu a muita gente uma traição ao universo emepebista do qual ele saíra. E sua atitude foi um golpe também para a Jovem Guarda. Ronnie Von fez em 1968 um disco tropicalista, com o grupo de músicos eruditos que fizera os arranjos de Panem et Circensis, do grupo tropicalista, com certeza para não se sentir superado, mas o disco foi um fracasso retumbante. Aliás, Roberto Carlos foi rock algum tempo, mas logo voltou às origens, com os bolerões e guarânias dos anos 70. Velha Guarda.
Hoje os maiores inimigos de Caetano não são os nacionalistas de esquerda, os quais ele se orgulha de ter derrotado. Tanto que Verdade Tropical falou insistentemente neles, esquecendo de fazer qualquer referência à AIDS ou ao PT, por exemplo. São neoliberais à la Paulo Francis, partidários de uma total “americanização” do Brasil. Na internet eles são legião: Diogo Mainardi, Bruno Garschagen, Olavo de Carvalho, entre outros.
E por falar em golpe, o de 64 foi um “preparador de clima” muito importante para o tropicalismo. Sem o clima de angústia, medo e busca de rumos, o “movimento” tropicalista não teria tanta repercussão; um movimento que buscava conciliar rock e MPB, num outro contexto, talvez se apresentasse bem mais conciliador. Raramente Caetano parece perceber que foi preso em 1969 porque ocorreu o golpe de 64. As parcerias e letristas fizeram falta a Caetano, que soube se cercar de músicos jovens, mas não de jovens poetas e letristas. Ele poderia musicar poemas de Eucanaã Ferraz ou mesmo chamar o excelente Marcelo Camelo, ex-Los Hermanos, para compor junto a eles. Outra sugestão seria regravar canções como É Um Tempo de Guerra, fazendo uma homenagem (já que se homenageou justamente Waly e Raul) a Gianfrancesco Guarnieri. A canção brechtiana, embora não seja rock, foi incluída no filme cinema-novista O Desafio e tinha uma batida pesada e uma letra agressiva, bem precursora do tropicalismo: “É um tempo de guerra, é um tempo sem sol”. Assim como nosso tempo.
Curiosamente, o disco coletivo do qual Raul Seixas participou em 1971, Sociedade da Grã Ordem Kavernista, nunca foi valorizado pelo grupo tropicalista. Caetano, ao tornar-se mais roqueiro, fica menos Glauber Rocha e João Gilberto para se tornar Raul Seixas. Compartilha com Raul um certo pseudo-revolucionarismo tal como definido por Lukács a respeito de Nietzsche: é alguém que contestou o sistema capitalista com os valores do capitalismo (competição, livre iniciativa, etc.), não porque quisesse um sistema socialista e sim um capitalismo desenvolvido. Nietzsche não é só isso (nem Caetano e Raul), seu romantismo o leva a ser anti-burguês, mas essa é uma explicação interessante para a extinção dos hippies, do esfriamento da “revolução pop” e para que possamos entender determinadas posturas dos músicos brasileiros.
Caetano colocou-se como interlocutor do rock and roll como Raul Seixas, a quem “homenageou” na canção Rock and Raul. Inclusive, nessa canção ele caricaturou o que Raul tinha de pior: as drogas, a rejeição da cultura regional (Oxóssis e não sei o quê...), uma suposta vontade de ser norte-americano. Deixou de lado a face positiva de Raul Seixas: sua tendência ao surrealismo, sua contestação risonha e mística, seu saudável anarquismo.
Ao contrário da tradição brasileira, na qual dialoga com Orestes Barbosa, Assis Valente e Ary Barroso, Mr. Veloso dialoga não com os gospels, spirituals, contry and westerns e blues das raízes. Caetano se aproxima do rock de Nirvana e Pixies: é preciso, para conhecer essa tradição, retornar a Leadbelly, Hank Williams, Woody Guthrie, para conhecer bem essa tradição musical estrangeira e melhor devorá-la.
A canção Aluga-se o Brasil, de Raul Seixas, surpreende ainda hoje, pois anunciou o neoliberalismo com dez anos de antecedência. Raul a cantava como um profeta à la Antônio Conselheiro e anunciava: “a solução para o nosso povo eu vou dar...” Era algo assim como um udenista de cabelos compridos, uma espécie de Carlos Lacerda anarquista. Os Titãs retomaram a canção, provavelmente pensando em seu potencial sarcástico em relação à atualidade, com o Brasil todo “hipotecado ao imperialismo estrangeiro”, como dizia Oswald de Andrade em O Rei da Vela.
Se entendesse a fundo de rock desde 66, Caetano poderia ter usado, como banda de apoio em Alegria e Alegria, Raulzito e os Panteras e não os obscuros Beat Boys, músicos que, sintomaticamente, só faziam covers. A banda que acompanhou Caetano em Cê foi a seguinte: Pedro Sá na guitarra e produção musical junto de Moreno Veloso, Ricardo Dias Gomes no baixo e piano Rhodes, Marcelo Callado na bateria, em uma espécie de diálogo com o cenário musical vigorante nos tempos de hoje. Caetano através desses jovens músicos lança mão de novas tecnologias e possibilidades sonoras: assimilação e apropriação da contemporaneidade. Quis tornar-se "apenas mais um membro da galera".
Caetano atualmente está voltado para ouvir o grunge, entoando o rock dançante Odeio Você, com um ódio insistente, descentrado, sem alvo, será o reverso de Eu Te Amo de Chico Buarque? Caetano cantando rock é um pouco como Elvis na fase final da vida resolvesse cantar George Gershwin e Cole Porter, ou seja, é alguém adentrando uma outra tradição musical e cortejando um público roqueiro na faixa dos vinte e trinta anos, quem sabe para evitar a situação atual de Roberto Carlos, que em boa parte envelheceu com seu público sem ter o mesmo prestígio diante das novas gerações.
A canção Minhas Lágrimas foi a melancólica visão de Los Angeles, com o pensamento no terremoto possível e no onze de setembro. O tapete cor de poeira é parente da mala que fedia e cheirava mal em O Dia em Que Eu Vim-me Embora, de 1967. Já a canção Porquê, que encenou um orgasmo lusitano, parece ser uma canção-piada, assim como Oswald de Andrade fazia poemas-piada.
O reverso do homem cordial é o antropófago. O conceito de homem cordial ou “homem bom” foi tomado por Sérgio Buarque do debate entre os antropofágicos e verde-amarelistas. Contra a radicalidade da antropofagia, os verde-amarelistas propuseram a “devoração cordial”. A cordialidade seria o fundo afetivo do comportamento brasileiro. Profundamente movidas pelos afetos e desafetos, as opiniões do Caetano maduro são descompensadas: “Osama Bin Laden é lindo”, “Fagner é uma besta”. Recentemente, Fagner deu uma entrevista, atacou Caetano e disse também que o ama. Caetano retrucou, numa entrevista para o Fantástico: “Nós somos cordiais, né?” O homem cordial aprendeu a manifestar-se contraditoriamente como Caetano e atacar Caetano.
Essas mudanças bruscas de identidade não são visíveis no disco, exceto em O Herói. Nessa canção, um negro narra, num rap de conteúdo anti-rap, sua trajetória, do black power imitado dos EUA ao homem cordial que faz apologia do desenho da democracia racial brasileira. Depois do medo e da esperança, ou seja, depois da vitória do sistema de babilônia e do garçom de costeleta, o “herói” se redescobre como o homem cordial, numa transformação pouco explicada em um tipo que antes antagonizara. A letra O Herói oscilou entre duas posições extremas: o radical black power que renegou o Brasil o e o mestiço conservador, conformado em não lutar contra o racismo para não quebrar a tão propalada “democracia racial”. A menção ao governo Lula talvez remeta à trajetória de Gilberto Gil, que assumiu cargo público para fazer, no Ministério da Cultura, do-in antropológico em partes sensíveis da cultura brasileira. No governo do mesmo Lula que, quando surgiu em 1978, respondeu contraditoriamente a respeito de Gil & Caê para a Playboy: "Ah, eu não gosto, não. Não é o tipo de música que me agrada. Mas acho que a música que eles fazem ajudou a modificar alguma coisa. Mexe muito com o pessoal mais jovem. Só que eu não perco tempo ouvindo...Mas eles têm algumas músicas maravilhosas."Se alguns vêem Gil, por ser músico e funcionário público, como mariandradino, “le petit lion” Caetano pode ser melhor aproximado não a Oswald, mas a um Augusto Frederico Schmidt mais talentoso e alegórico: alguém que era ao mesmo tempo poeta, rico empresário, ex-integralista e amigo do presidente Juscelino Kubitscheck. Quem ouviu e estudou Sergeant Pepper´s em 1967 precisa agora meditar sobre o disco-paródia de Frank Zappa: “We´ re only on it for the money”.
Se o Rock das origens era algo tosco e que moveu a juventude dos anos 50, talvez hoje em dia alguém possa dizer que não é possível o Rock and Roll como antigamente. No entanto, o gênero tornou-se muito bem sucedido no mercado do mundo inteiro.
No cenário um tanto caótico do mundo, em que um presidente norte-americano parece ter seguido o conselho de Che Guevara e criado muitos vietnãs (Afeganistão, Iraque, Coréia do Norte), emerge a banda belorizontina Dead Lover´s Twisted Heart, mostrando vitalidade com seu Folk-Rock Indie. Fazendo da possível precariedade um diferencial e uma possível demonstração de ligação com as raízes do gênero musical ao qual se filiam canções como Hey Babe, Have You Ever Been in Hell e All Night Long, as músicas fazem apelos primais & tribais ao desejo e à vontade de p(h)oder. A banda demonstra um transbordamento nietzschiano de vida.
Hey Babe faz uma descrição do inferno sentimental pelo qual a sua amada nunca passou, tal qual um Dante clamando por sua Beatriz. All Night Long faz a apologia do desejos do eu profundo (Kant com Sade), além do elogio do impulso instintivo de posse mais primitivo e brutal. E se há algo de que existe efetivamente posse é o domínio que essa banda exibe do estilo folk-rock. Há todo um discurso amoroso trágico à la Nelson Gonçalves que parece ter sido vertido em inglês.
Se há quem diga que a história da música popular é um amontoar de clichês, vale a pena notar como a Dead Lover´s não soa clichê como soavam Engenheiros do Havaí e Guns and Roses quando regravavam iê-iê-iê italiano e Bob Dylan, fazendo referência aos anos 60 que, essa sim, faz jus ao termo clichê no pior sentido: uma linguagem desgastada. As guitarras da Dead Lover´s soam emocionadas, selvagens e faiscantes, nunca chupadas dos Rolling Stones ou de algum bluesman de antes.
A Dead Lover´s harmoniosamente arranjou uma ligação entre os nervos e as cordas de aço, entre o desejo de morte e de dor e os Eagles do Death Metal. Os amore excluir


*Laurene & Lúcio 11/12/2006 11:21 Os amores de Erasmo (Carlos) aproximam-se das loucuras de Erasmo de Roterdã, uma vez colocados sob o império de David Bowie & Lou Reed. Referências literárias (Mark Twain) misturam-se a outras musicais (Franz Ferdinand) e em diálogo com outras artes (Laerte e Angeli). Deixando um pouco de lado os arroubos de rebeldia, desejo e melancolia, o bom humor fez uma aparição picaresca em Huckleberry Finn. Os dramas são levados a um ápice em No More Dramas: o drama musical iluminista dos tempos de Beethoven não tem como sobreviver na violência de um mundo em que a história da burguesia fundiu com a humanidade; todas as bandeiras estão em frangalhos e os dramas foram levados ao extremo para serem destruídos.
A destruição é a verdadeira Beatriz dos Amantes Mortos de Coração Balançado. Eles se assentam sobre todas as ruínas de um mundo superaquecido, tarde na História, mas cantam, dançando de alegria entre restolhos e relíquias para rasgar.

The Untapped Potential of Liberal Islam

The Untapped Potential of Liberal Islam



The recent groof of Anti-Americanism in the Muslim world has been a blow to American Democracy. The root of this urgent problem is America´s injust foreign policy as well as Islam´s created image of America and the West as globalizing immoral society, while Islam´s reinforced image has been made ever more God centered and just. This has caused hatred and violence.
Liberal Islam is the best solution to this radical Islam. Moderate Muslins conciliate modernity with Islamic principles while remaining their reason without distorting Islam.
However, like the radicals, they distorts the West image, an act which has been emphasized by a radical reading of Syd Qutb´s texts against modern Nasserite Egypt. But the West has also a misued Syd Qutb´s work. New York Times´s Paul Berman even acused Qutb´s ideology as the cause of Al Qaeda.
Yet, he recognizes that Qutb ´s was more interested in morality and society than with political battle.
As a matter of fact, Berman claims, this unrest has come from a difference in values between Islam and the West.
The potential of peace of a liberal reading of Qutb together with the interaction of Muslim moderates and the US is a visible light at the end of the tunnel.

D. A. Levy: Um Poeta Norte-Americano Concreto

D. A. Levy: Um Poeta Norte-Americano Concreto da Geração Mimeógrafo
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior


Há alguns anos, lendo o material organizado no site Literary Kicks (site sobre os beatniks organizado por Levi Asher), fiquei sabendo mais a respeito de Daryll Allan Levy (1942-1968), um poeta norte-americano que deveria ser mais conhecido do público brasileiro. Contemporâneo dos beatniks, autor de poemas concretos, Levy é talvez o maior nome da geração mimeógrafo norte-americana, equivalente da geração que produziu autores hoje consagrados como Chacal, Ana Cristina César e Cacaso. Em nosso País, no entanto, essas tendências que Levy sintetizou raramente se misturaram.
Até hoje, pelo que pude pesquisar, o Brasil soube de D. A. Levy apenas através do texto O Olho Dharma de D. A. Levy, traduzido numa coletânea de textos de Gary Snyder lançada pela editora L & PM nos anos 80. Num artigo que encontrei na Web, o nome de Levy, ligado ao Concretismo e à Geração Mimeógrafo, levou o autor do texto a comentar a apresentação do repentista Azulão, autor de poemas de cordel apresentados num festival nos EUA, com grande aceitação do público. Assim como os poetas de cordel, Levy também lia, publicava e vendia seus próprios livros nas ruas, em recitais, em todos os espaços possíveis.
Inexplicavelmente, as experiências de Levy com a poesia concreta permanecem desconhecidas no Brasil. Num ensaio disponível na Ubu Web, de autoria de Michael Basinki e intitulado O Novo Concretismo (The New Concrete, onde o autor citou tanto Levy quanto Augusto de Campos:

Com freqüência eu penso que a poesia Concreta está numa armadilha. Talvez essa poesia esteja perdida numa rua sem saída. Verdadeiramente, há alguns belos e provocativos trabalhos que podem ser encontrados ocasionalmente. Praticantes da poesia Concreta na atualidade colocam mais imaginação em seus poemas. Atualmente, a poesia, eu temo, como a iguana marinha das Galápagos, enfrenta uma rápida e completa extinção em cada tópico ultrapassado de um conservador ou mesmo revista progressista. A Era Dourada dos Concretos, os anos 60, produziu poesia visual de grande diversidade, inovação e propósito. Deixe-me mencionar, por exemplo, Ian Hamilton Finley que passou dos poemas concretos para as esculturas concretas, monumentos silenciosos para seu jardim concreto; Ronald Johnson que refinou seus concreções numa música com palavras; e D A Levy que utilizou o potencial da poesia concreta para sua agenda política. O mimeógrafo e as fotocópias se tornaram ferramentas para ir além do trabalho de mestres clássicos tais como Eugen Gomringer e Augusto de Campos e sua poesia concreta primordial. Inovação e variação era esperada. E então, a moda da poesia mudou e, então, por várias razões, concretismo tornou-se uma proletária e marginal forma de poesia. Praticantes atuais redescobriram o potencial poético do Concretismo e a grande reinvenção da poesia visual, uma Segunda Vinda, começou lentamente a soar de Belém. Após anos nessa renascença, depois de investigar alguns dos poetas, como B. P. Nicol, a poesia visual pode ser inovadora outra vez. No que consistirá essa inovação? Eu sugiro aqui quais devem ser as maneiras de compor e considerar o Novo Concretismo.

Nascido em 29 de outubro de 1942 em Cleveland, Ohio, e falecido na mesma cidade aos 26 anos, no dia 24 de novembro de 1968, D. A. Levy é um poeta norte-americano ainda desconhecido no Brasil, inclusive sua trágica história me fez lembrar a trajetória de Torquato Neto. Ganhou fama e notoriedade como escritor de panfletos, poeta e ícone contracultural. Influenciado pelos surrealistas europeus até mais do que pelos beats, Levy teve uma grande influência no movimento da imprensa alternativa, produzindo muitos pequenos livros e revistas, material que ele vendia nas ruas, usando primeiramente uma impressora manual e depois um mimeógrafo doado.
Filho de um vendedor de sapatos de Cleveland, Levy esteve na marinha, mas pouco tempo depois foi descartado por “tendências maníaco-depressivas”. Então, após sete anos, numa viagem ao México, ele comprou uma impressora manual e a instalou no porão do tio e tia.
Tempos depois, Levy disse que “em junho de 1963, tornei-me um poeta… um homem deixou de me odiar porque eu era um americano e me escutou porque eu era um poeta – e isso me deixou recebendo, por alguns minutos, o respeito que meu país me negava.”
Levy via como sua missão trazer cultura para a cidade de Cleveland. Para isso, estabeleceu a editora Renegade, mais tarde chamada editora Flowers, “imprimindo às vezes das 8 às 16 horas por dia, durante dias e dias”. Junto de seu trabalho, Levy imprimiu trabalhos de Charles Bukowski, Ed Sanders e outros; ele também produziu edições piratas de textos clássicos que o haviam influenciado, trabalhos de Rimbaud, Camus, W. Y, Evans-Wentz, Artaud, etc.
Em 1966, Levy ganhou notoriedade em Cleveland por manifestar-se publicamente pela legalização da maconha e contra a guerra do Vietnã. Naquele outono foi indiciado por distribuir materiais obscenos. Pouco depois, em janeiro de 1967, Levy foi preso junto de seu amigo James Lowell, dono de uma livraria alternativa que vendia o material que Levy imprimia. A fiança a ser paga era de 2500 dólares, dinheiro que Levy não possuía.
Um amigo, o físico Jack Ulmann, que Levy tinha encontrado em Nova York no ano anterior, soube do ocorrido e pagou a fiança. No mês de abril, Levy foi novamente preso, dessa vez por vender seus poemas (considerados novamente “material obsceno”) a dois adolescentes num recital de poesia num café. Dessa vez, um fundo em sua defesa foi organizado, doações vieram de todo o país; foram realizadas e uma manifestação de “libertem Levy” foi feita em Cleveland. Mesmo Allen Ginsberg e o The Fugs vieram a Cleveland para solidarizar-se com o poeta preso injustamente. Com toda a pressão de artistas e intelectuais pelos EUA afora, os processos contra Levy e Lowell foram retirados, mas a experiência deixou uma enorme mágoa na alma do artista. Ele tornou-se amargo, irritado, depressivo e suicida. Lamentou profundamente o fechamento conservador de Cleveland, cidade que não tinha produzido grandes artistas, escrevendo: “Cleveland, eu lhe dei meus poemas, mas você não me deu nada”.
Apesar disso, Levy continuou a produzir de maneira prolífica, experimentando com poesia concreta, empurrando as margens da expressão para além das palavras e de qualquer linguagem. Ingrid Swanberg, um amigo de Levy que editou uma coleção de seus trabalhos (Zen Concreto & etc., Ghost Pony Press, Madison, Wiscosin, 1991), escreveu que “Levy reduziu a palavra ao silêncio. Ele quebrou, cortou, queimou, fragmentou, pulverizou a palavra em poemas concretos, seu silêncio em erupção contra a morte da palavra e a morte da imagem, como se estivesse para atirar todo o pensável numa erupção”. Levy aparentemente viu uma conexão entre seu implícito niilismo de seus textos concretos e o budismo. As influências do último foram exploradas por Gary Snyder no referido ensaio chamado “Olho Dharma de D. A. Levy”, publicado pela L & PM nos anos 80, na onda do interesse pelos beatniks aceso no início dos anos 80.
Em 1968, Levy tinha publicado mais de 55 livros e próximo de 30 títulos de revistas. Em outubro daquele ano, foi convidado a passar um mês como artista residente na Universidade de Wisconsin em Madison. As coisas pareciam ter melhorado, mas ele retornou a Cleveland no início de novembro, cada vez mais perturbado. Aparecia na janela de seu apartamento com um rifle e perguntava aos passantes: “Seria muito simbólico se eu estourasse os miolos?”, queimou manuscritos de toda sua poesia, inclusive trezentas cópias de seu livro Tibetan Stroboscope (Estroboscópio Tibetano), uma coleção de poesia concreta e muitas de suas colagens originais, entregou seus bens, brigou com a mulher e separou-se, visitou amigos que não via para “apertar as mãos uma última vez” e disse às pessoas que estava deixando Cleveland e também o mundo. Obtive na Internet um fragmento de Estroboscópio Tibetano para ilustrar essa breve introdução à obra de D. A. Levy (e que, por ser poesia visual, já comunica ao ser olhado), assim como também providenciei uma tradução de um de seus belos poemas lexicais, que segue abaixo junto de outro intitulado Litania do Leão Verde:

Rosas que (Roses That, 1966)

Nós esperamos pelas rosas que
Desabrocham esperamos pelas rosas que
Desabrocham pelas rosas que
Desabrocham pelas rosas que desabrocham
Desabrocham rosas que desabrocham desabrocham
Desabrocham que desabrocham desabrocham desabrocham
Desabrocham
E as rosas que nunca
Desabrocham as rosas que nunca
Desabrocham que rosas que nunca
Desabrocham que nunca desabrocham
Desabrocham nunca desabrocham desabrocham
Desabrocham
As rosas nos sonhos?
Desabrocham rosas nos sonhos?
Desabrocham em sonhos? Desabrocham
Desabrocham sonhos? Desabrocham
Desabrocham
Enquanto nós nos sentamos na sombra
Elas fizeram um girassol
Que cobre cidades com
Cinzas rosas que cobrem
Cidades enquanto nós sentamos na sombra
Elas fazem o sol
Desabrocham rosas que desabrocham
Cidades cinzentas enquanto sentamos
O sol construiu uma rosa que nunca
Floresce
Inacreditável não é
Rosas que
Ficam na sombra enquanto nós
Construímos sonhos que nunca
Desabrocham nós construímos sonhos que
Nunca
Desabrocham desabrocham desabrocham desabrocham
Cidades de rosas que desabrocham
Para cinzas que viram sombra
Para rosas nas quais nos assentamos
Luz solar como rosas que
Nós nos tornamos cinzas como
Rosas que
Sonhos
Nunca
Desabrocham
Espere
Rosas







Litania do Leão Verde
Darryl Allen Levy

Uma litania de preparo rápido – preencha os espaços em branco com o nome de sua divindade particular, seu nome próprio ou deixe em branco.
Memorize e recite no momento antes de dormir, no momento antes do orgasmo, etc. A bruma do lago sagrado está escondida na mente.
O vapor do lago sagrado é como o hálito quente de um bueiro quando vê o lado inconsciente e suas formas.

Ave, __ leão do olho penetrante, leão do ouvido-relâmpago
& leão cujo olho abre a mente o Olho de __

Ave, __suas formas são o leão sem formas, o leão que move através do fogo como um ladrãozinho numa loja.

Ave, __na forma de um leão, o leão que não escuta a canção dos anjos da rua.

Ave, os raios laser de __& seus leões que rasgam o céu como águias & passam através do diafragma do sol

Ave, o leão na sala de inverno, o freezer do baixo mundo, o leão da orelha-caveira & o leão que anda com os quatro rios fluindo o ave depois da morte, o leão com orelhas sem escutar o som dos quatro rios.

Na rua Nada, os crianças de __ martelam ícones com fótons enquanto o vento está perdido & os ventos sobrevoam o mar de néon

Ave, __o leão com segunda vista, o leão que fica na porta de entrada do amanhã, o leão da precognição que nada vê.

Ave, o leão que lê a sorte em bolhas & jornais horóscopos com discriminação

Ave, __o leão da sala de espelhos, o leão da orelha de capacho & o leão que vê de sua juba na orla do mar de néon

Ave, __o leão que senta no pé do conhecimento, sua forma é o escriba de __FORMAS liberam o sábio & estrangulam o ignorante. Ave, o leão que usa palavras na forma do sol, suas inscrições cegam o ignorante & libertam o sábio dos quartos de tortura e do baixo mundo, ave leão cujas canções são cantadas na mente & cujas abstrações são penetradas.

Ave, __o leão que anda com os passos de caveira e dispersa a si mesmo num chuveiro de luz, sua forma é a da liberação.

Ave, __o leão que anda nos pés da caveira, sua forma é a da criança voltando.

Ave, __o leão que muda sua forma com seus desejos, sua forma é a do leão com poderes solares.

Ave, __o leão verde, sua forma é a do poeta nauseado

Ave, __o poeta removendo band-aids psíquicos de seu Olho, sua forma é a do leão verde.

Ave, __o leão verde que se senta quietamente, sua forma é a do poeta-balão cheio de gás hélio.

Ave __, o poeta que anda sobre suas palavras, sua forma é a do leão verde piscando na selvageria, sua forma de o homem cego que vê.

Ave, __, na forma do leão verde, sua mente é como a do louco que é imune à terapia do choque externamente induzida, ele anda nas ruas do mundo de todo dia olhando curiosamente.

O leão que fica nas suas costas como um jabuti gritando “vire-me”, sua forma é a do Buda vendo seu reflexo atrás do espelho:

Ave, __o leão que gira em torno de si mesmo, sua forma é que o eterno manto portador de vida, sua forma é a do jabuti gritando, “pise em mim”

Nos enterros, o crematório dos carregadores de carne/sopradores de signos de vento, “jogue seus corpos aqui, mova-se para lá, mova-se para lá, etc” e aqueles com a orelha-interior viajam através das árvores flamejantes. PROTEGIDOS. O leão que fica nas paredes negras do crematório:

Ave, __o leão que viaja na Avenida Spansule. Sua forma é a de um INSTANTÃNEO profeta.

Ave, __ o leão do coração de navio, o leão da orelha cinza & o leão que queima com o anel de estrelas no coração de mar-eon.

Ave, __ o leão que queima na passagem, sua forma é do renascido

Ave, __ o leão que é consciente de suas formas, sua forma é a dos liberados.

Ave, __ o leão que não cruza os rios, sua forma é a da criança de __; sua forma é a do observador, do bodhisattva, o leão que viaja através do nulo sem tempo no bote da compaixão.

: as estrelas iluminam um micro-caçador no céu tumular & ouve com a orelha abaixada/o vento está perdido nos três rios:

Ave, __o leão do lótus, sua forma é o cavaleiro, o soldado cuja espada corta o mar-néon

Ave, __ o leão se aproximando do lótus, sua forma é a do estudante esperando, o soldado treinando, sua forma é a do sol levantando.

Ave, __o leão do lótus, que vê a si mesmo na forma do lótus, sua forma é de um aborte gestante com um sabre de luz.

Salve, __o leão com o lustre do cérebro, sua forma é a do arco-íris que divide o céu com seu riso, sua forma é aquele que o homem com a faca que corta através das ilusões & leva o barco das Ondas cerebrais

Salve, __o leão que senta-se no pé do conhecimento, o leão que canta para os anjos da rua, & o leão cujo som o leva sobre os quatro rios.

Ave, __ o leão que se vira, sua forma é a do professor atirando fósforos sobre suas costas enquanto se move em direção à luz.

Ave, __ o leão verde que gira, sua forma é da do poeta que coloca a si mesmo em chamas, numa tentativa de trazer luz ao baixo mundo.


Ave, __ o leão que gira, sua forma é a das crianças de amanhã.


E as três bênçãos: Amém, Mangalam & Sun-grope


Bibliografia:


www.deepcleveland. Com/levycenter.html
www.clevelandmemory.org/levy/7concrete.htm
www.ubu.com/contemps/basinski/concrete.html
www.en.wikipedia.org/wiki/ D. _A. _Levy
www.//poetry.about.com/library/weekly/aa05 1199.htm
http://www.clevelandmemory.org/levy/art.html (quadros)

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A Banda de Música da Revolução: Considerações Sobre o Ontem e o Hoje

“O movimento estudantil é um celeiro de revolucionários e a banda de música da Revolução.”
Trecho citado por José Alberto Saldanha de Oliveira

O livro “Mitologia Estudantil, Uma Abordagem Sobre o Movimento Estudantil Alagoano”, de José Alberto Saldanha de Oliveira, é o resultado final do curso de mestrado em História realizado pelo autor na Universidade Federal de Pernambuco de 1990 a maio de 94, onde ele alcançou o título de mestre através da defesa pública de sua dissertação.
Saldanha cita um outro autor, Barros(1991,38):“Cada vez mais embalados pelos sonhos de uma transformação cultural, reflexo da que se espalha pelo mundo inteiro, os estudantes brasileiros imaginavam que havia chegado a hora da revolução socialista. As principais lideranças universitárias de esquerda, rompidas há tempos com a linha pacifista do Partido Comunista Brasileiro (PCB), queriam não só reformular a ultrapassada universidade, mas concretizar propostas de derrubada de ditadura militar e de luta revolucionária. As trincheiras seriam as faculdades”.
Outro exemplo da mentalidade da época é a chamada “Carta Política” de julho de 67:
“A tarefa fundamental do Movimento estudantil é a luta política, que consiste numa preparação para aliar-se às classes que, historicamente, terão seu papel importante no processo de transformação social. A luta do movimento estudantil é a denúncia da ditadura e do imperialismo, sendo, além disso, uma luta concreta e prática contra a intervenção ditatorial e imperialista nas Universidades. O ponto principal nesta luta é o acordo MEC-USAID. A UNE luta contra a reforma universitária, uma falsa reforma. Promoverá seminários sobre o acordo MEC-USAID, sobre as lutas de Libertação Nacional, sobre a Internacionalização da Amazônia e sobre a aliança Operária-Camponesa-Estudantil. A UNE intensificará, também, sua luta contra o Decreto que proíbe greves estudantis.”
O livro é aconselhável pois faz um panorama da época, analisando a mitologia que circundava o movimento estudantil. A ditadura do proletariado permaneceu um conceito comum a várias daquelas organizações que tentaram a luta armada. O stalinismo pautava também o universo ideológico destes pequenos grupos, que no entanto tinham penetração, por seu discurso radical e seu culto à violência, em segmentos da classe média que sentiam frustradas as suas aspirações. A esquerda em Alagoas, questiona Saldanha logo na Introdução, “pouco produz distante de uma plataforma panfletária e, no mais das vezes, as revisões e as análises são para efeito interno, nutrindo as organizações de ‘auto-razões’ e dando-lhes, aí sim, uma suficiência imaginada e imaginária. São raras as contribuições mais ousadas e que se destinam a provocar uma polêmica salutar, capaz de rever os fundamentos da esperança e colocar termos de ação, enunciados de uma estratégia e de teses políticas e o mais que couber dentro do afã do partidarismo.” Sua crítica vale para a esquerda brasileira de ontem e hoje, de Alagoas e de todo o país.
Saldanha ressalta que no passado “a prática política refletia os desejos e ‘verdades’ nas quais as organizações de esquerda acreditavam: a estagnação do modelo capitalista brasileiro, o isolamento crescente do regime e o papel crítico dos estudantes para o ‘despertar’ da classe operária.” Com o passar do tempo, essas ‘verdades’ não se confirmaram.
Nos anos 60, como observou Alfredo Sirkis, autor do livro Os Carbonários, “os militantes sacrificavam tudo à atuação política. Hoje a perspectiva é mais sadia: os jovens querem intervir na vida do país sem abrir mão da formação profissional, da namorada, da família e do seu estilo de vida.” A socióloga Helena Abramo, em sua dissertação de mestrado com o tema Grupos Juvenis nos Anos 80 em São Paulo aponta que:
“Durante o Regime Militar, a universidade e, em particular, as entidades estudantis, eram quase o único espaço de expressão política, cultural e até existencial para os jovens. A parte mais visível da juventude era, então, a dos estudantes mobilizados, geralmente pertencentes à classe média. Com a abertura política e o renascimento da sociedade civil, as coisas mudaram: O movimento estudantil perdeu peso político, as entidades se esvaziaram, as lideranças tradicionais ficaram falando sozinhas. Paralelamente ao esvaziamento das entidades estudantis, ocorreu a emergência de outro universo juvenil, muito vinculado à indústria cultural, especialmente entre as classes populares de periferia, com seus bailes, seu culto de música negra americana. A parte mais visível da juventude passou a ser uma confederação de tribos- punks, darks, breakers, rappers, rastafaris - cada uma com seu estilo, suas roupas, seus símbolos e sua linguagem própria. Mudaram os parâmetros de identidade entre os jovens. (...) O processo de esvaziamento das entidades estudantis durante a década de 80 foi sintomático. Se antes a luta pela derrubada da Ditadura Militar conseguia unificar as lideranças e o estudantado, como a toda sociedade civil- tendo em vista o processo de cerceamento político, cultural e social vivenciado pelos brasileiros - a mudança de ordem institucional ocorrida com a eleição de Tancredo - Sarney, retirou a ‘exclusividade’ das entidades estudantis em serem o único espaço de expressão dos jovens universitários. Afastado o ‘monstro’ da repressão os ‘espíritos’ se soltam em busca de redefinir caminhos. Acontece que este espírito não foi decodificado pelas lideranças ligadas às tendências políticas, a atuação destes permaneceu presa não só às práticas organizativas das décadas de 60 e 70, como, principalmente, a uma concepção de ‘praxis’ ligada a uma visão catastrófica e teleológica do processo social. Para as organizações de esquerda o ME será sempre um terreno de luta aonde a ideologia proletária deve vencer. E a imposição do ‘estatuto de verdade’ às suas opiniões e conceitos continuará a alimentar o desconhecimento dos limites da chamada ‘ação radical dos estudantes’.”
Então, para reorganizar o ME será preciso repensar, como disse Ann Mischen, num artigo na T& D: “a necessidade de trabalhar de forma melhor a ligação entre o pessoal e o social como fonte de engajamento dos jovens. No movimento estudantil clássico (e na esquerda em geral) esta relação é deixada de lado em favor de uma ética militante de dedicação e sacrifício total. (...) Uma lição do movimento Fora Collor foi a necessidade de criar uma nova imagem, distinta daquela do militante intenso, barbudo, chato, e uma nova linguagem que fuja das velhas palavras de ordem da esquerda e incorpore os valores da ética, do prazer, da criatividade individual. A questão não é só o quase populismo de apelar, com festa, música e linguagem teen, à sensibilidade dos jovens despolitizados, mas de dar espaço às necessidades de crescimento e expressão pessoal, sem as quais o engajamento político acaba no vazio.”