Stalinismo: idealismo e praticismo

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Constantemente eu escuto ou leio stalinistas defenderem a falsa idéia de que Marx teria afirmado que a relação entre teoria e prática é de subordinação da primeira à segunda.


Erik, com quem vc dialoga?? Que stalinistas são esses??? Alguém disse, então, que a teoria se subordina à prática. Se vc observar que uma ideia fracassa na prática, você não a repensa, ou vc é burro e insiste, pensando na independência da teoria sem prática alguma? Eu tendo a apostar na hipótese da sua insistência no erro. Em sua tese, que também critiquei aqui, advogando para ela um lugar na lata de lixo da história, vc fazia o contrário: imaginava que a teoria não tinha valor, não se mudava o que se encontrava na prática.


Donde a autocomplacência com a própria pequenez intelectual gerar juízos contra o trabalho teórico de rigor, que não passaria de divagações ao vento, puro privilégio burguês.
 
Tanto é verdade que a teoria se subordina à prática quanto o contrário. E quem diz isso não sou eu, e sim Marx (p.ex., na Ideologia Alemã). Ou será que é possível haver prática revolucionária sem teoria revolucionária? Ou qualquer forma de ação sem um pensamento que a oriente?
 
A obviedade da resposta é tal que imediatamente se vê que os stalinistas apenas se autodesqualificam.
 
Ignorar o trânsito entre teoria e prática e postular uma via de mão única é cair em mecanicismo grosseiro: idealismo tacanho e praticismo ordinário. E o que melhor caracteriza o stalinismo em termos de pensamento?


Erik, idealismo seria pensamento religioso, enquanto praticismo seria oportunismo como o de Lula. Você está apenas projetando um adversário que não existe.

 
Só falta afirmarem que todos os anos que Marx gastou trancado no gabinete da biblioteca foram para fazer privilegiadas divagações burguesas ao vento. Mas, sem isso, não haveria sequer a vulgata que tais sectários sorvem a título de papinha teórica.
Marx produziu alguma vulgata que serve de papinha téorica? Isso é o Manifesto? 

Meu amigo Frederico Lambertucci explica:
Não podemos esquecer que para estes militantes leitores de cartilha de dez páginas o trabalhador tem sérias deficiências cognitivas, insuperáveis, de tal modo que é necessário vulgarizar o texto o máximo possível para que este seja acessível ao nível no qual eles põem a classe trabalhadora.
Os trabalhadores, por terem essa deficiência cognitiva, são incapazes de se apropriar da riqueza produzida pelo gênero humano, mesmo quando ela está apenas na forma de um texto que não reproduza a divisão sócio-técnica do pensamento e utilize de uma forma mais rebuscada de linguagem“.

Você quer defender que o trabalhador tem obrigação de entender seu jargão técnico hegeliano-marxista para ter contato com o marxismo?

Foi quando alguém protestou, dizendo: “É incrível como se criam espantalhos pra depois fazer acusações. Aonde tem dizendo que o ‘stalinismo’ despreza a teoria?”

É exatamente com o espantalho que você debate. Essa pessoa te entendeu.

Ele queria uma fonte primária. Pois bem, revirei o DiaMat (Materialismo Dialético e Materialismo Histórico) do próprio Stalin e acabei achando mais coisas.
Comecemos pelos dois primeiros parágrafos:
– “O materialismo dialético é a concepção filosófica do Partido marxista-leninista. Chama-se materialismo dialético, porque o seu modo de abordar os fenômenos da natureza, seu método de estudar esses fenômenos e de concebê-los, é dialético, e sua interpretação dos fenômenos da natureza, seu modo de focalizá-los, sua teoria, é materialista.
O materialismo histórico é a aplicação dos princípios do materialismo dialético ao estudo da vida social, aos fenômenos da vida da sociedade, ao estudo desta e de sua história“.
Logo de início já se vê uma linearidade entre “abordagem dos fenômenos da natureza” e “estudo da vida social”, ou, para usar o termo de Stalin, aaplicação de uma teoria da natureza sobre os fenômenos da sociedade.
Não, Erik, aprenda a ler, camarada! Ele denomina materialismo dialético o pensamento materialista aplicado às ciência da natureza e materialismo histórico o pensamento aplicado às ciências humanas. Ele não é esse tosco que você está pensando. Toscas são essas acusações suas...


O que ele reafirma pouco depois, ao dizer:
– “Ora, se o mundo é cognoscível e nossos conhecimentos sobre as leis que regem o desenvolvimento da natureza são conhecimentos verdadeiros, que têm valor de verdades objetivas, isto quer dizer que também a vida social, o desenvolvimento da sociedade são suscetíveis de serem conhecidos; e que os dados que a ciência nos proporciona sobre as leis do desenvolvimento social são dados verídicos, que têm valor de verdades objetivas“.
O que vai na contramão da sentença de Marx: “a anatomia do homem é uma chave para se conhecer a anatomia do macaco”, quer dizer, o entendimento do mais simples se pode adquirir por meio do entendimento do mais complexo. Ao contrário, se o ser social se desenvolveu a partir do ser orgânico e este do inorgânico, não será aplicando teorias da física, da química ou da biologia que nos será facultado compreender a sociedade e a subjetividade humanas, e muito menos nos dará qualquer garantia de objetividade do conhecimento.

Erik, sinto muito dizer, mas a anatomia do homem e do macaco são igualmente complexa, não se pode dizer que uma é simples e a outra complexa. Stálin não queria falar da Matemática do amor, por exemplo, nem da química das paixões...kkk


Mais à frente, Stalin diz que
– “o enlace entre a ciência e a atividade prática, entre a teoria e a prática, sua unidade, deve ser a estrela polar que guia o Partido do proletariado.
Prossigamos. Se a natureza, a existência, o mundo material são o primário, e a consciência, o pensamento, o secundário, o derivado; se o mundo material constitui a realidade objetiva, que existe independentemente da consciência do homem, e a consciência é a imagem refletida dessa realidade objetiva, daí se deduz que a vida material da sociedade, sua existência, é também o primário, e sua vida espiritual, o secundário, o derivado; que a vida material da sociedade é a realidade objetiva, que existe independentemente da vontade dos homens, e a vida espiritual da sociedade, o reflexo dessa realidade objetiva, o reflexo do ser“.
– “Até agora, nos temos referido unicamente à origem das idéias e teorias sociais e das concepções e instituições políticas, a seu nascimento, ao fato de que a vida espiritual da sociedade é o reflexo das condições de sua vida material. No tocante à importância das idéias e teorias sociais e das concepções e instituições políticas, no tocante ao papel que desempenham na história, o materialismo histórico não apenas não nega, mas, ao contrário, salienta a importância do papel e da significação que lhes correspondem na vida e na história da sociedade“.
Mas como ele entende a unidade entre teoria e prática? Qual a importância da teoria?
– “As idéias e teorias sociais não são porém todas iguais. Há idéias e teorias velhas que já cumpriram sua missão e que servem aos interesses de forças sociais caducas. Seu papel consiste em frear o desenvolvimento da sociedade, sua marcha progressiva. E há idéias e teorias novas, avançadas, que servem aos interesses das forças de vanguarda da sociedade. O papel destas consiste em facilitar o desenvolvimento da sociedade, sua marcha progressiva, sendo sua importância tanto maior quanto maior é a exatidão com que correspondam às exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade.
As novas idéias e teorias sociais só surgem depois que o desenvolvimento da vida material da sociedade coloca diante dela novas tarefas. Mas, depois de surgirem, convertem-se em uma força importante que facilita a execução dessas novas tarefas surgidas com o desenvolvimento da vida material da sociedade, facilitando o seu progresso. É aqui, precisamente, onde se evidencia a formidável importância organizadora, mobilizadora e transformadora das novas idéias, das novas teorias e das novas concepções políticas, das novas instituições políticas. Por isso, as novas idéias e teorias sociais surgem a rigor porque são necessárias à sociedade, porque sem seu trabalho organizador, mobilizador o transformador, seria impossível ultimar as tarefas que o desenvolvimento da vida material da sociedade faz surgir, e que já estão em tempo de ser cumpridas. E na base das novas tarefas formuladas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade, as novas idéias e teorias sociais surgem e abrem caminho, convertem-se em patrimônio das massas populares, mobilizam e organizam estas contra as forças sociais caducas, facilitando assim a derrocada dessas forças sociais que freiam o desenvolvimento da vida material da sociedade“.
– “A força e a vitalidade do marxismo-leninismo se estribam no fato de se apoiarem numa teoria de vanguarda que reflete fielmente as exigências do desenvolvimento da vida material da sociedade e que coloca a teoria à altura que lhe corresponde e considera seu dever utilizar integralmente sua força de mobilização, de organização e de transformação“.
A princípio, não parece haver nada de errado aí. Mas a linearidade entre natureza e sociedade reaparece entre prática e teoria. Teorias que não acompanham a “marcha progressiva” da prática caducam, e novas teorias surgem para “refletir” fielmente a prática, a serviço das “forças de vanguarda”.
Stalin imagina uma teoria que reproduz “com exatidão” a prática, de acordo com as exigências desta. É assim que, de acordo com Lukács, a teoria se torna “esquematismo escolástico-dogmático no plano formal e praticista no plano do conteúdo”, donde sua relação com a prática se mostra linear ou “causal”.

Mas você e Lambertucci não defenderam acima que dominar a escolástica marxiana não seria fundamental para o trabalhador? Se não é linear e causal, é o quê? Subjetiva, não-linear, não-causal???

Em consequência disso, Lukács diagnostica que
– “Só com Stalin é que passou a vigorar o mau costume teórico de “deduzir” toda decisão estratégica ou tática da doutrina marxista-leninista, como se fosse uma consequência logicamente necessária. Com isso, por um lado, os princípios eram mecanicamente adaptados à necessidade do momento e, assim, deformados; por outro, apagou-se a importante diferença entre leis gerais e decisões concretas, válidas apenas uma vez, deixando lugar para um dogmatismo voluntarista-praticista“.

Em suma, a teoria se torna utensílio para as conveniências de justificação do oportunismo prático.

Nossa, é mesmo? Stálin então é uma espécie de Lula que nasceu antes de Lula, por exemplo? E Lukács, que antes de 56 cantava Stálin em verso e prosa, depois passou a denegrir? Mas Lukács ainda é melhor do que você...Ele admite que falar que tudo que Stálin diz é errado é preconceito. 

 O próprio caráter tutorial dos textos de Stalin demonstra a concepção da teoria como instrumental de “aplicação” (e este é um termo profundamente revelador) na prática. E como confirmação da análise, nada melhor que ir para além do que se passava na cabeça de Stalin e avaliar a sua própria prática – o que fica pra depois, se for o caso.

O termo aplicar a teoria na prática para você revela o quê? Existe teoria que não demanda aplicação prática ou que, refutada, prossegue sendo teoria que não caducou? Avaliar a prática de Stálin é avaliar uma trajetória de sucessos. Se uma teoria errada leva a uma prática bem sucedida...Pode acontecer. Talvez você queira se valer dos sucessos do PT. Mas são momentâneos, veja esse momento de agora, por exemplo.

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