sábado, 28 de janeiro de 2012

Presidenta, quero os haitianos, não Yoani

Presidenta Dilma, quero visto para os imigrantes haitianos, não para a aliada da Veja e de Reinaldo Azevedo Yoani Sanchéz.

No blog da Yoani tem linque para a Veja e tem um nick chamado Dirceu que, se não é o Reinaldo Azevedo, é alguém que usa o mesmo vocabulário: "esquerdopata", "che guevara porco fedorento assassino", etc.

Quando denunciei isso em meu antigo blog Penetrália e no blog de Yoani, muitos petistas passaram a protestar lá e Yoani, para se defender, fingiu ter sido agredida por partidários de Fidel. Ela tem acesso à web, não é censurada, os cubanos a leem, sim. Só que lá ela não é uma escritora famosa, não tem carreira consolidada, é alguém que apareceu turbinada pelo apoio da mídia ocidental. O seu marido, Reinaldo, está juntamente com ela e seu grupo (afinal, só pode ser um grupo que a apoia, o blog é traduzido em vários idiomas).


É esse pessoal que Eduardo Suplicy e Jaime Pinsky defendem, inspirados, quem sabe, na ideia trotsca de liquidar o socialismo na periferia para fazer florescer o verdadeiro socialismo (sabe lá onde). Yoani virá a propósito do lançamento de um filme que se chama Conexão Cuba-Honduras. Ou melhor, para detratar os acertos da política internacional do governo Lula, comparando o golpista micheletti e Fidel. Ou seja, ela vem difamar a política de Lula.

Diretor Dado Bobalhão, Yoani NÃO repudiou o golpe em Honduras! Eu acompanho o blog dela! Yoani não se manifesta contra o bloqueio norte-americano. Segundo o wikileaks, Yoani está a serviço da embaixada norte-americana.


Eu quero é que entrem no Brasil os imigrantes haitianos, não Yoani. Temos responsabilidade com o Haiti, temos uma missão lá. Se um cubano apoiador de Fidel denunciar o horror dos presídios brasileiros, os brasileiros vão aceitar essa intromissão? E se Ahmadinejad denunciasse a violência contra a mulher no Brasil? Será que no Irã homens matam mulheres tranquilamente como aqui no Brasil, ou batem e aleijam? Com certeza, não. E se Fidel vier se encontrar com dirigentes do PCB? Imaginem a grita dessa imprensa!

Aliás, os parentes dos nossos onze soldados mortos no terremoto já receberam indenização? Porque eu soube que as famílias estavam aguardando há meses sem um centavo.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

solidariedade com pinheirinho

Uma denúncia grave, que é mais um retrato da lamentável postura da Prefeitura de São José dos Campos (comandada por Eduardo Cury, do PSDB) na questão do Pinheirinho.

Tratores da Urbam (Urbanizadora Municipal), empresa da Prefeitura de São José dos Campos, estão sendo utilizados para derrubar as casas no Pinheirinho, medida que deveria ser realizada e paga por quem reivindica a área, ou seja, a massa falida da Selecta, de Naji Nahas. Essa determinação consta na própria determinação judicial.

Com a medida, a Prefeitura utiliza recursos públicos para atender a interesses privados. Aliás, conduta do governo municipal utilizada há tempos na questão Pinheirinho.

Para o advogado do movimento, Antonio Donizete Ferreira, a Prefeitura, além de atuar em favor de Naji Nahas, desrespeita a própria Constituição Brasileira, em seu artigo 37.

O movimento deve contestar mais esta ação ilegal da Prefeitura de Eduardo Cury.

Não custa lembrar: antes da reintegração, a costura do acordo entre os governos federal e estadual previa que a Prefeitura não precisaria colocar nenhum centavo para regularizar o Pinheirinho, mas agora gasta muito dinheiro público para beneficiar Naji Nahas e para manter uma política fascista que oferece passagens rodoviárias a pessoas que "queiram voltar às cidades de origem".



http://solidariedadepinheirinho.blogspot.com/

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=NBjjtc9BXXY

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Ghiraldelli, o Ron Jeremy da Filosofia Brasileira



O divulgador colonizado de filosofia norte-americana Paulo Ghiraldelli escreveu um artigo em seu site que, coincidentemente, aproveita o filme O Leitor para falar do BBB, tal que eu fiz no artigo A Vida Alheia: E se Adorno tivesse um celular? Ao contrário de mim, no entanto, Pombaghiradelli aproveita para defender o BBB de quem o critica. Em suma, ele diz que quem critica o BBB é um imaturo, ainda que tenha idade, ficou na fase anal, etc. Eu penso que é totalmente autobiográfica essa análise. Pragmático, quem sabe relativize o BBB como relativiza a pedofilia. O que acontece com Ghiradelli foi claramente explicado por Olavo de Carvalho a propósito de Nietzsche, mas que serve mesmo é para Olavo e Ghiradelli e não para Nietzsche:

Do fenômeno que denomino paralaxe conceitual -- o deslocamento entre o eixo da concepção teórica e o da perspectiva existencial concreta do pensador --, os exemplos são tantos, nos últimos séculos, que não me parece exagerado ver nele o traço mais geral e permanente do pensamento moderno. As idéias tornam-se aí a racionalização ficcional com que um intelectual se esforça para camuflar, legitimar ou mesmo impor como lei universal sua inaptidão de se conhecer, de arcar com suas responsabilidades morais, de se posicionar como homem perante a vida. Nas culturas européias ou mesmo nos EUA, esse impacto alienante é amortecido pela barreira residual da tradição cristã e clássica. Mas, num país como o Brasil, psicologicamente indefeso entre os muros de geléia de uma cultura verbosa e superficial, qualquer autor que faça algum barulho no mundo [da mídia] adquire as dimensões de uma potência demiúrgica, cultuada com temor reverencial. Suas mais gritantes fragilidades passam despercebidas, e qualquer tentativa de apontá-las é condenada como pretensão megalômana ou insolência blasfema.

É portanto isso que fazem Ghiradelli e Olavo: barulho no mundo da mídia, o que os alça a um status de potência demiúrgica. Exibicionista como um Ron Jeremy da filosofia no Brasil, é claro que Ghiradelli gosta do BBB e é de direita, ou seja, do partido das organizações Globo. Ele há anos faz evasão de privacidade na web, tal qual fazem as celebridades como Paris Hilton.
Ghiraldelli, sem nenhum respeito ou interesse pela tradição brasileira ou por filósofos brasileiros tais como Álvaro Vieira Pinto, Vicente Carvalho e Silva, Mário Vieira de Mello e Mário Vieira dos Santos, provavelmente tem em sua casa um altar para Richard Rorty. Como Ghiradelli, os Rorty são patriotas norte-americanos. O Rorty pai lutou bravamente como intelectual a favor da Guerra Fria. O filho conta que cresceu entre os livros, especialmente os da Comissão Dewey, olhando sempre para elas como símbolo máximo da justiça e da verdade. Ghiraldelli também reverencia John Dewey.
Morri de rir quando li isso! Pobrezinho! A Comissão Dewey foi uma comissão composta por admiradores de Trotsky. No entanto, Trotsky mentiu para ela. Como mostra um artigo recente de Sven Eric Holmstrom, Trotsky encontrou-se com Leon Sedov na Dinamarca. Na época, alegaram que o Hotel Bristol, onde eles teriam se encontrado, tinha fechado as portas muitos anos antes. No entanto, Holmstrom mostra, num artigo que linquei abaixo (em inglês) com ilustrações e farta documentação, que o hotel tinha acabado, mas existia uma placa escrito Bristol e dois estabelecimentos logo abaixo. Assim, os dois se encontraram nesse local, ou seja, Trotsky fez contato, através do filho, com o bloco dos zinovievistas-trotsquistas.
Pobre Rorty, que sorte que não viveu não a ver isso! A referência de justiça e verdade de sua infância, uma mentira! Isto posto, o que será referência de justiça e verdade para Ghiradelli? Tomara que não seja o BBB!


Aqui está o artigo de Holmstrom:

http://marxism.halkcephesi.net/trotskyism/Holmstrom%20hotel%20bristol%20affair.pdf

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Heidegger, Trakl & Klee






Sétimo canto da morte

Georg Trakl


A primavera entardece azulada, sendo sugada entre as árvores

A forma escura da noite se insinua no meio do entardecer declinante,

Ouvindo o lamento leve de um pássaro negro.

Silenciosamente a noite aparece, um cervo sangrando,

Que lentamente afunda na colina.

No ar úmido ramos de macieira balançam

Formas labirínticas se soltam prateadas

Morrendo longe dos olhos noturnos; estrelas cadentes;

Música suave da infância.

O dorminhoco desceu a floresta negra como uma aparição,

E uma primavera azul murmurou a partir do solo,

De modo que o outro calmamente levantou as pálpebras pálidas

Sobre o seu rosto de neve;

E a lua perseguiu um animal vermelho

Desde sua caverna;

E em suspiros o lamento escuro das mulheres morreu.

O estranho branco levantou as mãos mais radiantes

Em direção à sua estrela;

Silenciosamente uma forma morta sai da casa deteriorada.

Ó apodrecida figura de homem: formada a partir de frios metais,

Noite e terror das florestas

Mistura no mesmo fundo

O deserto chamuscado de animal;

E o vento calmo da alma.

Em um barco negro o outro desceu rios brilhantes,

Cheio de estrelas roxas, e os ramos verdejantes

Afundaram pacificamente sobre ele,

Saltitando das nuvens de prata.




O filósofo Martin Heidegger considerava o poema de Trakl e os quadros de Klee acima "além de sua compreensão". Os quadros são: Morte e Fogo; Santa Através de um Vitral, de Paul Klee.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Nietzsche, genealogia e História

Para o Historiador Nietzschiano, História é Genealogia


Nesse texto, discuto o texto de Foucault Nietzsche, Genealogia e História. Nesse texto que é o único em que Foucault discute Nietzsche diretamente, ele analisa que Nietzsche fala em genealogia para se contrapor ao livro do amigo, o médico e filósofo Paul Rée (A Origem das Sensações Morais), que fala em origem. Nietzsche oporia a genealogia mítica à origem metafísica e ao “desenvolvimento” hegeliano. O artigo também faz uma análise filológica de alguns termos usados por Nietzsche: proveniência (herkunft), origem (ursprung) e desenvolvimento (entwicklung). Foucault substituiu essa última pelo termo “emergência” ou “surgimento”, para marcar uma diferenciação com a história supostamente contínua que seria inspirada por Hegel. Ele não cita Marx, apenas se opõe à história-antiguidade, a história de nomes e datas de grandes eventos. A idéia é fazer uma história demagógica num certo sentido, uma história para o povo e saída do povo.

Em seu livro, Origens das Sensações Morais, Paul Rée teoriza que os conceitos de “bem” e “mal” têm sentido nas comunidades. A comunidade criou esses conceitos porque os que mais contribuíssem para a comunidade seriam assim chamados bons e os que não contribuíssem seriam os maus. Os termos foram pensados em termos de utilidade, condicionamento e evolução. As comunidades que mais conseguissem organizar o impulso coletivo contra o impulso egoísta seriam selecionadas e sobreviveriam. Nietzsche diverge totalmente e analisa bem e mal em termos de relações de poder, opondo-se a Paul Rée. Paul Rée também criticou Nietzsche e em cartas exibiu o seu conceito de Nietzsche: uma pessoa vaidosa, egoísta, que corria atrás da fama. Para ele, o melhor seria ser desinteressado, não-egoísta.
A genealogia é uma outra proposta de escrever história que Foucault está fazendo – e de fato ele fez trabalhos nesse sentido. Essa história efetiva seria descontínua. Mas essa história não busca a origem, para ele na origem tudo era o caos, era informe e confuso. Foucault pesquisa história para abalar o presente, para questionar a origem e dissolver a identidade do sujeito de conhecimento.

O genealogista teria também vontade de saber sobre a vontade de saber? Pode-se argumentar com Nietzsche e Foucault que nossa vontade de verdade e saber é determinada pelo nosso desejo de sobrevivência. Se soubermos a verdade, sobreviveremos. No entender dele, pesquisa-se história não para reforçar o presente, mas para descobrir que toda história é luta, é jogo de forças, mas ele não se prende ao referencial “classe social” e sim ao indivíduo, ao corpo, à mente (loucura), à história dos hospícios, hospitais, da sexualidade, etc. Não há um começo, apenas se pode verificar que existe um começo dentre os vários começos que existem.

O conceito de emergência ou de surgimento, usado para substituir o termo “desenvolvimento” (entwicklung) seria um determinado estado das forças. Analisando a proveniência, pode-se mostrar seu jogo, assim como a maneira como lutam as forças umas com as outras. Para Foucault, a relação de dominação não é mais de dominação, nem o lugar onde ela se exercer é um lugar. Existe um jogo da dominação. A genealogia é a história das morais, o jogo da história a investigar.
O corpo, nessa visão, não escapa à história. Ele opõe uma história diferente da tradicional e essa é uma história que não reconhece origem. O corpo não tem um eu e sim uma miríade de “eus”, de acontecimentos perdidos.

Diante das épocas nobres e elevadas, essa história busca uma perspectiva de rã. A história, assim pensada, adota um saber perspectivo. O historiador dessa nova história, que ele chama de história efetiva, não terá tanta preocupação com a objetividade, mas criticar o universal. O europeu, dessa perspectiva, é um homem mestiço, um homem de muitas almas. Nietzsche extrapola nesse ponto em Para Além do Bem e do Mal e Foucault não chega a criticar os aforismas onde Nietzsche escreve, bem ao gosto do século XIX, que o homem mestiço é “débil”. Isso ao meu ver é o ponto mais fraco e defasado desse texto de Foucault.

O historiador nietzschiano ou genealogista seria anti-platônico, mas faria uso da história para a vida, diferente do que Nietzsche mesmo afirmou em determinada altura. Seria mais uma palhaçada da história feita por bobos de Deus do que uma história-antiguidade.

A genealogia da história retomaria máscaras, fazendo a dissociação sistemática da individualidade. A identidade, para o historiador genealogista da história, ou seja, o historiador nietzschiano, identidade é uma máscara dentre várias máscaras, é uma paródia, uma disputa entre forças, também chamadas de inúmeras almas. Identidade não existe: existiriam identidades.

Para Foucault, o historiador nietzschiano, o conhecimento nasce da injustiça e o instinto de conhecimento é tido como mal. Ele opõe o querer-saber e a verdade universal. A paixão do conhecimento talvez mate a humanidade ou ela morrerá de fraqueza, essa é a oposição que ele coloca sobre o destino da humanidade. No entanto, o querer-saber nasce justamente do desejo da sobrevivência e da vontade de viver do ser humano.

Foucault mesmo observa que Nietzsche, com a investigação de Genealogia da Moral e Gaia Ciência, faz um uso da história que ele mesmo tinha criticado e não recomendado em Considerações Extemporâneas. Ele (e o historiador nietzschiano, nesse caso, vai contra Nietzsche) retoma as modalidades da história e seus usos. Assim, a vontade de saber só ela se ela colocar a si mesmo como problemática, assim como ela só faz sentido para esse historiador se ela dissolver continuidades, fizer dissociações sistemáticas e destruir o sujeito do conhecimento. Para ele, história é genealogia das morais, é história das forças em luta.

Efeitos Especiais de Georg Lukács

Artigo sobre Lukács que causou urticária nos lukacsianos:



http://comunidadestalin.blogspot.com/2012/01/efeitos-especiais-de-georg-lukacs.html

domingo, 15 de janeiro de 2012

O riso da mulher de Trácia

O livro O Riso da Mulher de Trácia, publicado na Alemanha em 1987, permanece até hoje inédito no Brasil, assim como Hans Blumenberg (1920-1996), seu autor, permanece pouco conhecido em nosso País. Blumenberg destacou-se pelo estudo das metáforas e da recepção.
No texto O Riso da Mulher de Trácia, Blumenberg investiga a recepção da imagem da queda de Tales num poço, seguida pelo riso da mulher logo ali perto. A mulher representa o senso comum. Essa piada tornou-se o símbolo do nascimento da divisão entre o mundo da teoria e o mundo da vida, entre a filosofia e o senso comum e os conflitos que daí decorrem. Blumenberg, embora estudando essa imagem um tanto quanto vaga, faz uma investigação séria, mobilizando sua erudição em latim e grego e seus conhecimentos sobre a antiguidade, conseguindo encontrar ecos dela de Platão até Heidegger. Aristóteles contou história em sentido contrário, narrando que Tales fez a previsão de uma grande colheita, alugou prensas de azeitonas e ficou rico. No entanto, como acreditar, se até hoje a pesquisa sobre o clima e sobre o ano produtivo é incerta?
O fundamento da pesquisa de Blumenberg é a seguinte teoria: ocorreu uma apropriação de uma fábula de Esopo que tratava de um astrólogo anônimo que, investigando o céu, caiu num poço. Platão e colocou Tales como personagem dela. E Platão o teria feito tendo em vista Sócrates, que também chegou a ser objeto de riso da população, ao ser colocado na peça As Nuvens, de Aristófanes –e em outras ocasiões. O infortúnio de Tales prenunciava o destino trágico de Sócrates: do riso da mulher de Trácia até a ira contra Sócrates, estaria ali uma história primordial da filosofia e da teoria em geral, destinada a se repetir ainda inúmeras vezes.
Como de Tales pouco se sabe, a piada a seu respeito acabou sendo uma metáfora rica de interpretações e recepções da recepção: ela representa o início da filosofia e é importante porque a filosofia já pensa sobre seu fim, e seu fim será, com certeza, pensado a partir de seu início. A Física, ao fazer experiências como o colisor de hádrons, parece também ter chegado ao mesmo ponto de chegada da filosofia: o mais misterioso é o mais próximo de nós e o infinitamente grande se liga com o infinitamente pequeno.
Para além do mero clichê do filósofo distraído, para Blumenberg o mito não se separa da teoria. A geração seguinte, a epicurista, deu razão à Trácia, que aliás é de uma região famosa por seu pessimismo. Dizia-se que os trácios choravam quando do nascimento de uma criança. Alguns historiadores da filosofia viram no esforço de Tales um avanço arriscado no sentido de investigar o sagrado e o inefável. No tempo do Iluminismo, Kant voltou ao assunto a propósito do terremoto de Lisboa: era importante conhecer o interior da terra. Blumenberg chega a especular se o argumento de Crítica da Razão Pura não estaria aí. Kant também associou o episódio da queda de Tales e a mulher de Trácia ao episódio em que o cocheiro do astrônomo Tycho Brahe criticou-o por sua experiência de tentar encontrar o caminho para a sua carruagem orientando-se pelas estrelas.
No tempo do Iluminismo surgiu também, no livro Ética para os Jovens, de Samuel Richardson, uma versão que colocava Tales no papel de um astrólogo que, de tanto investigar e prever o que acontecia nos céus, chegou um dia em casa e encontrou a mulher com outro, não reconhecendo nas estrelas o seu próprio infortúnio conjugal. O historiador Eduardo Gans, no século XIX, contemporâneo de Feuerbach, chega a supor que Tales caiu dentro de uma fonte e não de um poço. A fonte estava cheia de água, que para Tales era “a base de todas as coisas”.
As diversas recepções se sucedem na história da filosofia. Nietzsche opôs a participação política de Tales em seu tempo e seu abandono do mito. Num poema ao final do livro Gaia Ciência intitulado Declaração de Amor, pode-se supor que Nietzsche tratou do tema, acrescentando ao título do poema a frase “durante o qual o poeta caiu numa cova”:

“Ele vive no algo agora, que foge à vida, alvo da compaixão mesma da inveja./E voou alto aquele que apenas o vê pairar (...). Voou alto demais, agora eleva/o próprio céu o voador vitorioso/Agora descansa e paira/no esquecimento da vitória e do vitorioso”.

Finalmente, Blumenberg chega a Heidegger, para quem a queda do filósofo tornou-se critério para a certeza de se encontrar no caminho certo. Para Heidegger, o Seiende (sendo) que é o mais próximo, que somos nós próprios, é, do ponto de vista ontológico, o mais longínquo.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Um eu exemplar disponível ao roubo

Os autores do livro de poemas Exemplar Disponível ao Roubo (Ed. Autêntica, 2011) criaram um interessante efeito de eu: um heterônimo composto por “telepatia sexual, musical e poética” como bem exemplifica Arnaldo Batista no prefácio. É Fernando Pessoa na primeira Pessoa, mas não o mesmo Pessoa, nem pessoa alguma. É todos, mas também não é ninguém. Miguel depõe: “Estamos quites para sempre, /Eu em pessoa/sou menos que um bem maior”.
Os seis ortônimos ocupados em fazer um heterônimo, invertendo o processo de Fernando Pessoa, demonstraram que o “eu” é um efeito e criaram um “eu”, Miguel, com um certo estilo. Os ortônimos são: Marcos Braccinni, Marcos Sarieddine, Rafael Fares, Rafael Ludicanti, Thiakov e Vinícius de Morais do Espírito Santo. Miguel Capobianco-Livorno chega a fazer a sua autopsicografia: “eu aqui sozinho/posto em mim/eu, anti-social/pois sou eu e os outros/o que é social é comum e o que é meu não é de mais ninguém/este sou eu, Miguel, essência do meu ser que se condena em unanimidades”.
O “eu” é social, afirmam eles, a contrapelo do eu do poeta, que é eu e anti-eu, sendo ao mesmo tempo eu e eles. O eu ficcional pode muito bem se rebelar contra o eu da sociedade: ele é eu e ao mesmo tempo é fruto da conjunção carnal e orgiástica de seis ortônimos. A poesia de Miguel é polifônica (claro!). Os capítulos onde ele deixa falar suas muitas vozes são principalmente “Casa na montanha”, “Provérbios” e “Naufrágios”. Esse último capítulo retoma o tema do “eu”: “Eu, idiota acordando a esmo, bêbado e desequilibrado, fico por isso mesmo com meu brado esquecido/que vai à parede/e volta pela metade/sem muita vontade”. O Naufrágio número 3: “O laço de ar do vendaval/é tão frágil quanto eu”.
Miguel é esse eu social, é também eu e vocês–eu-leitor, eu-crítico, eu-público, uma vez que afinal eu confiro sentido, junto da comunidade interpretativa leitor/autor/público. Donde decorre que Miguel é meu irmão, meu hipócrita leitor, meu semelhante. Somos todos Miguéis!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Revolução em amor e revolução

O que teria essa novela Amor e Revolução de efetivamente revolucionário? Eu creio que é somente o fato de ter separado a história dos hippies da narrativa dos militantes de esquerda dos anos 60. Como usualmente se mistura as histórias dos boêmios com as dos militantes, as novas gerações acabam confundindo e pensam que um maoísta é um seguidor de Marcuse. Esse ponto é o único onde se avançou desde a minissérie Anos Rebeldes, a meu ver.

A novela, após um início não muito alentador onde apresentava imagens de tortura e depoimentos chocantes de ex-militantes, encaminhou-se cada vez para uma orgia emocional onde uma das principais personagens, Jandira, é claramente inspirada na presidenta Dilma Rousseff. Mais significativa da trajetória e da mentalidade da personagem de Dilma, a meu ver, é a personagem que é cindida e tem dupla personalidade: o PT é esquerdofrênico, faz duplo jogo o tempo todo: fala em socialismo democrático e faz privatizações de aeroportos, mas em época de campanha diz que privatizar patrimônio público é crime.

Na novela, ficamos a par de estripolias sexuais de personagens como “Chico Duarte” e da personagem inspirada em Dilma Rousseff, mas da história do PCB pacifista nos anos 60 e 70, absolutamente nada.

Essa narrativa da revolução fracassada é, na verdade, muito recorrente porque é a história de uma parte da burguesia brasileira, que, diante da terra arrasada do liberalismo, passou para a esquerda armada. Mas como explicar que pessoas como Fernando Gabeira, Pimentel e Pérsio Arida, liberais que falam do período com mistificação e cinismo, mas mesmo assim fizeram luta armada? Penso que viram --corretamente --grandes perspectivas de poder a partir daquela luta, fosse ela bem sucedida ou não, sendo essa a razão maior de sua participação. Ou seja, o que os atraiu foi a perspectiva de poder, não o marxismo-leninismo.

A perspectiva da novela é social-liberal: a luta dos dominicanos e da igreja progressista é reduzida a uma pornochancada dentro da igreja, sendo que muitos sofreram imensamente, como Frei Tito (que suicidou-se em Paris). No geral, as discussões de conteúdos de esquerda viram farofa diante da ambiência "Dercy Gonçalves".

Mais curioso é uma parte da direita simplesmente passar a apontar o determinismo da estrutura por parte da superestrutura: o resgate do banco de Sílvio Santos determinou a compra de uma "novela petista". Ora, então as novelas da Globo seriam novelas tucanas? São concedidas a troco de quê? É possível que elas sejam também narrativas da história da burguesia, só que a narrativa histórica fica invisível.

domingo, 8 de janeiro de 2012

A Nietzsche Romântico

Heraldo Barbuy

“Pois que tal é a sorte nossa: crescemos em altura, mesmo admitindo que seja este o nosso Infausto Destino: --pois que habitamos sempre mais próximos ao raio!

F. Nietzsche, Gaia Ciência, 371.

É como autor de ZARATUSTRA MORREU que venho nas linhas breves desta prefação ao “Viandante e sua Sombra”, prestar tributo leal da minha admiração ao doloroso gênio louco de ASSIM FALAVA ZARATUSTRA; quando levanto as catadupas da minha eloqüência contra Friedrich Nietzsche, é porque tomo conhecimento de que Ele existe, imóvel e soberbo nessa região tempestuosa que procuramos ambos, junto às granus profundas onde habitam os raios inquietantes da “inversão de todos os valores”: muitos deve haver, cuja existência não percebemos, pois que a extensão visual de nossos horizontes se delineia de montanhas demasiado altas para que nos sejam perceptíveis os pigmeus dessa literatice que a falência do estilo tenta impingir por literatura. Implacáveis e marmóreos, como gigantes eternamente plantados na estrada de suplícios que a humanidade percorre, há homens diante dos quais os séculos transitam humildes como rebanhos diante de pastores. Não confundamos, todavia: não são esses que apascentam o mundo acorrentando-o com o terror da desgraça eterna ou com os fetiches da eterna felicidade, os pastores verdadeiros da peregrina humanidade; o gênio não precisa engordar com promessas, nem aceita os redis da escravatura, não se nutre das carnes de suas ovelhas, nem é jamais com tosquias que se proteje dos invernos de sua miséria; os verdadeiros pastores são aqueles que SÃO e jamais os que simplesmente “parecem”. Não queremos báculos, nem custosas paramentas, nem nos arrogamos a filiação direta de divindade alguma; somos filhos da tempestade e nosso pai não tem necessidade de ministros; tantos milhares de anos passarão submissos ao pó de nós, quantos foram os milhares de anos que por sobre nós passaram opressores, na tortura dos males que nos foram inflitos; não é com seduções quiméricas que seduzimos e sim como gênio que assusta, com a lágrima que comove e com a verdade que espanta: somos heróis porque o nosso pessimismo nos faz rejeitar com desprezo a bem-aventurança dos paraísos e aceitar altivamente as amplidões do Nada, porque bem sabemos que somos nós a antítese de Tudo; de Tudo quanto há de cólera e revolta, de clamor anônimo e rebelião espetacular, de punho fechado que se eriça e de mão descarnada que se abre e suplica, de desespero, de soluço, de agonia, de tropel e conclusão; nós somos aqueles que assimilaram o passado, refletiram o presente, e projetaram a humanidade para os grandes arcanos do futuro; não foi o ventre de nossa mãe que nos engendrou e sim a Dor de Conúbio e com o Sonho. Os “outros” subiram à face da Terra e “nós” descemos a ela; eis a nossa diferença.
Nietzsche é mais do que um homem, porque é também uma catapulta; investe contra tudo, rebela-se contra todos, ergue-se sozinho como último e derradeiro marco do Grande Romantismo, calcado nos confins dum século que morre; sua luta é contra a história, contra a moral do prejuízo, contra os valores da rotina, contra os regimes de governo, contra o verbo dos profetas, contra o dogma das religiões, anárquico, rebelde, selvagem, utopista e sublime tal qual o traço psicológico da Originalidade.
É grande nas suas contradições, soberbo na sua humildade, gigantesco na sua pomposa simplicidade, filósofo na sua orgulhosa poesia, poema vivo que palpita como as cordas duma harpa ao sopro de todo vento. Sempre no antagonismo de si mesmo, impiedoso para com tudo, jamais teve piedade dos seus tormentos; amava tudo quanto odiava e arremetia contra tudo quanto amava; torturava-se e lutava contra sua própria luta, recebia as influências que recebia; Schopenhauer penetrou-lhe fundo com o todo e contingente por vezes inconcusso do seu sistema; mas Nietzsche, escudando-se na mesma Dor, em vez de pregar a “Negação da Vontade de Viver”, forja com tal suplício não sei que espantosa Alegria da Vida; tal como Beethoven transforma seu martírio em rebelião e sua rebelião em delírios diosiníacos; são gargalhadas satânicas da Alegria, mas de Alegria que dói; por isso é que frequentemente se contradizem; são prazer na forma, mas dor no conteúdo. “Forjam estrelas porque trazem um caos dentro do peito.
Friedrich Nietzsche sempre foi nas suas obras o maior inimigo de si mesmo; apologista da violência, viveu na doença e na debilidade; “humano, muito humano”, investiu contra os homens inventando o Super-Homem; sociável e carinhoso, errou pelas solidões e condenou-se ao desespero; paladino da aristocracia, viveu no desconforto e no abandono; chorava quando lia a Bíblia e acabou endereçando venenosas setas para o coração do cristianismo; teve a invulgaridade de erigir-se em “Anti-Cristo”; compreendia demais para que pudessem compreendê-lo; por isso não teve mulher, nem filhos, nem amor, nem pátria, nem fortuna, nem sossego, nem religião, exceto a si mesmo; tanto se viu detestado e repelido, solitário e incompreendido, que acabou acreditando na própria divindade; como todos os grandes homens foi dum egocentrismo que ultrajava a hipocrisia dos rebanhos medíocres. “Ecce Homo”, é um livro em que, como na Bíblia, um deus se faz elogios a si próprio; sobre o vácuo de todos os ninguéns, vinha criando o céu e as estrelas, para implantar sobre a face da terra a onipotência do seu prodigioso “Alguém”.




A Nietzsche Filósofo

Essencialmente Poeta, nunca foi, entretanto, em todo o rigor do termo, o que se deve entender por “filósofo”; o que há de soberbo na sua obra é a forma e não o conteúdo; sempre às voltas com suas dores de cabeça, com suas câimbras de estômago, sempre partindo e sempre chegando, gelando pelos invernos, matadores, perseguido pelos demônios da sua imaginação, arrastando-se continuamente por vagões de estradas de ferro, habitando trapeiras e vivendo de medicamentos, Nietzsche não teve nunca essa tranqüilidade simples, mas descuidada sem a qual não se elabora um sistema de filosofia; todos os seus livros são apaixonados, pessoais, robustos e todos, à exceção do “Renascimento da Tragédia”, são obras inacabadas; lançava mão do aforismo que não custo o sacrifício da paciência e da paz que não tinha e procura justificar-se declarando que o aforismo condensa mais sabedoria com menos palavras, mas esquece que deste modo não chegaria nunca a expor em linhas precisas e contorno que se descortinava das alturas em que vivia; e o maior de seus males devia consistir exatamente em sentir que a expressão das suas idéias sempre vária e sempre descontínua; frequentemente nublava-se, tornando-se obscuro, porque esse homem “que tinha muito de cego” possuía entretanto, olhares de lince que atingiam esse ponto longínquo do horizonte em que tudo se volve cósmico e confuso.
Contudo, nem sempre se deveu essa confusão à extensão dos panoramas abrangidos. Porque, como filósofo puro e na totalidade das suas teorias, Nietzsche não é apenas refutável como também absurdo; longe estava ele dessa precisão matemática e concisa com que, por exemplo, Kant, Fichte e Schopenhauer souberam expor suas teorias, corrigindo-se ou ampliando-se mutuamente; foi com paciência e longas meditações, cada vez mais profundas, que Schopenhauer conseguiu expor o seu admirável pessimismo, rigorosamente centrado na idéia pela qual todo mundo da forma é a objetivação da Vontade de Viver, a representação da “Idéia”, o correlativo da “coisa em si” de Kant; com segurança e raros desmaios de paixão, fechado dentro de si mesmo, na amargura das desilusões soube levar os fios da longa meada desde as catacumbas da Índia até os labirintos do Budismo e não abandonou a lógica pelo calor da poesia, nem a razão pelas “orgias de Dyonisos”. Nietzsche, ao contrário, nem se baseou como os filósofos na realidade fria dos fatos, nem soube tirar conclusões completas de suas descobertas originais. Em última análise, essa idéia do Super-Homem estava em germinação no cérebro do século criador do socialismo científico: devia ser, não apenas uma conseqüência do transformismo de Lamarck e Darwin, como também e principalmente uma reação sobre as teorias da igualdade e democracia; o Super-Homem devia ser de certo modo, uma Santa Aliança filosófica, uma reação sobre os ideais da Revolução Francesa; Nietzsche recebeu no seu consciente a necessidade dessa “reação” e preconizou o Super-Homem, sem que ele mesmo soubesse que esse decantado Fichte, outra coisa não podia ser senão o retrocesso para os regimens da tirania e do absolutismo: “tese de retorno sobre si mesma”.
O Super-Homem, como Nietzsche o pregou, vem todo envolto na linguagem poética dos estilos bíblicos, mas nunca deixou de ser uma profecia ainda mais amarga que todas as profecias catastróficas da velha filosofia da história e em particular do cristianismo, uma visão desse dia que era para o poeta da Genealogia da Moral, o “dia de amanhã” e que para nós é pura e simplesmente “o dia de hoje”.
No decurso dessa prefação, eu me sinto na contingência de responder dum só golpe a tantas inventivas lançadas a um Anti-Nietzsche da minha autoria, denominado “Zaratustra Morreu”: alhures este livro não foi recebido como no Brasil, onde não encontrou outra crítica além da linguagem despeitada de todos os que não foram capazes de compreendê-lo; ninguém soube ou ninguém quis atingir os verdadeiros fundamentos da minha teoria que é radicalmente oposta ao assim chamado Super-Homem: o fundamento da minha ética não é apenas a tese pela qual toda Moral é codificação da “utilidade social”, senão que reconhece também que essa utilidade é sempre e unicamente a utilidade da classe dominante e não é apenas o conteúdo que se contém na forma destas palavras.
Nós não podemos ter a pretensão de induzir a humanidade a regenerar-se para tal ou tal sentido, uma vez que não podemos racionalmente reconhecer fundamento algum nas teorias de livre arbítrio, inda que não fosse senão naquilo que concerne ao destino histórico da sociedade: ninguém pode traçar o destino da humanidade, senão procurar o destino para o qual a humanidade se dirige; pregar alguma cousa que dependa da livre vontade dos homens e reconhecer ao mesmo tempo que esses homens não têm liberdade de vontade, é incorrer numa contradição a que não soube esquivar-se o sublime estilista de “Assim Falava Zaratustra” –Dado que o desenvolvimento dum sistema se veja obrigado pela sua sequência a reconhecer que não é nenhum “liberum arbitrium indifferentiae” e a constatar logicamente e “inexistência do livre arbítrio”, esse sistema deve procurar o como “virá a ser” aquilo que é; proceder doutro modo é fazer religião e não filosofia. –Referimo-nos ao vir-a-ser do mundo da forma, porque bem sabemos que fora do mundo da forma, o tempo não existe, senão na sua expressão eterna que é o “presente”, o perpétuo. É, para além do princípio de individuação e do princípio da razão.
Somos os destruidores da Moral, porque reconhecemos que é a Moral que se destrói, visto que não há nada mais variável que essa Moral que vagueia ao sabor das forças que produzem a marcha histórica da sociedade humana. Toda história foi escrita pela hostilidade com que se contendem as três forças básicas de seu movimento: há uma força que procura o “retorno”, uma força que quer “permanência” e uma força que exige cegamente a transmutação e o “futuro”. Nietzsche que atacou a excessiva influência dos conhecimentos históricos, opunha-se à igualdade e tornara-se lógico quando exprimia a fatalidade da luta perpétua; mas o que Nietzsche não vislumbrou foi a possibilidade do “deslocamento do ponto em cujo derredor a luta gravita”; as leis evolutivas indicam que os homens se tornarão cada vez mais “indivíduos” e portanto, cada vez mais diferentes: --a nossa idéia de “igualdade” não repousa sobre uma simiesca coletivização do homem e sim sobre uma realidade que é o “indivíduo”; deveres iguais e direitos iguais, fora do campo econômico e administrativo, é coisa que a nossa idéia de igualdade repele, porque subentende a existência de outra coisa que do mesmo modo repelimos: isto é, a perpétua infantilidade humana, a perpétua necessidade de senhores e tiranos; a diferenciação cada vez mais sensível, age no domínio biológico da forma envolvente e elevando os códigos da Moral até sua extinção, acarretará precisamente o deslocamento desse ponto em torno do qual gira essa luta que hoje nos confrange pela insatisfação das necessidades vitais. A democracia legítima não depende nem da “piedade”, nem da bondade dos homens e sim da inexorabilidade das leis que determinam a marcha da história, que é a marcha da Evolução. O Super-homem geraria sempre a pressão, enquanto que a Super-Humanidade, tal como a expusemos, inda que de todo modo totalmente poético em nossa obra aludida, seria precisamente a inexistência de qualquer forma diretiva e coercitiva no campo da vida não econômica. Ao menos ao que me parece, tirania e anarquia mutuamente se repeliriam.
Inútil se torna refutar a “Vontade de Poder” que é o eixo sobre o qual se movem as teorias do Super-Homem e na generalidade as teorias de Friedrich Nietzsche; ele mesmo escreveu que há certos pensadores que se refutam a si mesmos; eis uma das afirmativas em que Nietzsche não se refuta, exatamente “porque se refuta”.
Do grande ciclo de livros que além de suas obras anteriores, “A Origem da Tragédia”, “As Inatuais”, o “Humano Demasiado Humano”, de que faz parte o “Viandante e sua Sombra”, a Aurora, “A Gaia Ciência”, “Além do Bem e do Mal”, “A Genealogia da Moral”, o “Crepúsculo dos Ídolos”, o “Caso Wagner” e o “Assim Falava Zaratustra”, do grande ciclo de livros que digo que deveria constituir a obra-prima científica de Nietzsche sob a denominação genérica de “A Vontade de Poder”, ele só nos deu em verdade “Anticristo” e na sua “Genealogia da Moral”, como em “O Caso Wagner” acena a um livro capital que deveria ter sido a “Fisiologia da Estética”, que ficou em mero esboço. Todo esse ciclo de obras ia desempenhar o papel de justificar suas idéia sobre a “Vontade de Poder” e a tentativa da “inversão de todos os valores”, mas infelizmente a doença e a loucura privaram o mundo desses futuros primores da arte premissa lógica que foi o Pessimismo, para chegar a uma conclusão ilógica que foi a Alegria do Poder. Schopenhauer não se deturpa quando expõe a Origem do Egoísmo com a naturalidade duma conseqüência da Vontade de Viver, que é o seu ponto de partida, o nómeno de todos os fenômenos; mas o autor do “Viandante e Sua Sombra”, para ocultar o seu pessimismo deu-lhe por máscara gaiata a Vontade do Poder e capitalizou assim uma das conseqüências de Schopenhauer fazendo-a o núcleo das variáveis doutrinas.
Mas a grandeza de Nietzsche, como homem invulgar, não repousa sobre sua pretensa irrefutabilidade e sim sobre a incomensurabilidade do seu mundo sensível, da sua Arte alemã, diante de cujo estilo o próprio Goethe recua vencido. Um dos méritos inalienáveis de Friedrich Nietzsche plasmou-se para sempre na audácia e no vigor com que soube arremeter contra Moral do Preconceito e a doentia civilização do cristianismo. Foi sozinho, na dor e no isolamento, na enfermidade e na incerteza amarga de seus dias, que se ergueu –qual novo Atlas, --suspendendo sobre os ombros uma nova ordem de coisas. –Quando não convence, comove, quando não comove, impõe. Irrompe sobre o panorama da literatura e da filosofia com o luxurioso despudor e a heróica violência das grandes vitalidades. –Estóico na vida e estóico nas intuições, sua teoria do “perpétuo Retorno”, simultaneamente formulada por Gustave Le Bon, sob a paternidade de Blanqui e de Heine, é fundamentalmente uma teoria estóica.
Como todos os homens leais e possuidores da própria consciência, não se oculta nunca sob a máscara hipócrita da moléstia e da humildade dos “Pregadores da Morte”. Tendo-se, desde a mocidade, rebelado contra a religião, erigiu o seu gênio em uma nova divindade: o Super-Homem é o produto desse gênio de cujos infinitos sofrimentos a Natureza um dia teve piedade dando-lhe a loucura. Ultrajado e desconhecido, sob o escárnio e o riso imbecil da mediocridade que reina em todos os lugares, foi preciso que Nietzsche se obumbrasse para sempre nos escuros desertos da irracionalidade, para que se visse à luz do dia seu imenso poder de raciocínio e de imaginação, sua espantosa capacidade expressiva.
--Foi sobre o ataúde dessa divindade morta que o vigésimo sexto Gautama ergueu a tristeza de sua voz sob a orquestra soturna que tangiam os devas do deserto. Doce era o crepúsculo e sonhadora a bruma que beijava os seios do horizonte. Então, vendo a “Sombra e seu Viandante” imóveis para sempre na estática postura duma estátua que mirava com vazios olhos a curva do ocidente, sobre um féretro de altura saudou-o deste modo:
---Saúdo-te, ó cordilheira minha irmã e minha inimiga, de monte em monte e de flanco em flanco; bem vês que não estremeço diante de ti e admiro-te porque tu não estremeceu diante de mim; minhas neves não foram desfeitas ainda pelo verão que sazona os frutos e tuas neves não foram desfeitas ainda pelo verão que sazona os frutos e tuas neves já foram colhidas pelo sopro de muitos ventos: eu conheço por isso a rispidez de teus rochedos e é sobre o estuário de teus rios que reflito o panorama das minhas rochas. Vê todavia como é profundo o abismo que nos separa: de tais furnas tenebrosas irromperão as grandes convulsões que hão de arremessar-nos uma sobre outra. E no fragor desta luta ouvirás ecoando pelas tuas catacumbas o claro duma Nova Humanidade.
Eu não quero o Super-Homem porque amo a Humanidade; eu quero a Super-Humanidade porque amos os homens.
Em verdade vos digo: --
Zaratustra morreu.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Blognovela revista cidade sol: crise na cia. Milkshakespeare

Blognovela revista cidade sol: crise na Cia. Milkshakespeare



(Belo Adormecido contrata uma figurinista misteriosa, Maura Hari. Ela e Belo iniciam uma amizade. Salomé, dona da lanchonete do teatro, fica com ciúmes e busca seduzir Belo, causando uma disputa entre as duas. Belo Adormecido, além de ator, é um diretor decadente em sucesso e na idade).

Belo Adormecido: precisávamos de uma figurinista como você.

Maura Hari (embevecida): Obrigado...

Voz em off (interrompendo): O fantasma de Hélio Oiticica...Waly Salomão fumava maconha em New York na casa de mamãe...Mammy morreu e nem fui ao enterro...Quando Hélio e eu nos conhecemos, eu tinha quinze anos, ele quarenta e daí....Estava com outra...corneei Fernanda...Nasceu Daniela com meu nome...Separei....Waltinho...Waltinho não pelo amor de Deus...o Chezinho do Waltinho...

Maura Hari (assustada): Nossa, acho que ouvi vozes.

Belo Adormecido: Esse teatro é assim mesmo...

Maura Hari (encantada): Você é diretor?

Belo Adormecido: Escritor, diretor, sex simbol, ator....

Maura Hari (olhos brilhando): Noossa....Quero gravar sua voz.

Voz em Off (sem querer te interromper, mas interrompendo): Fernanda Torres curou uma dor de corno com Luiz Fernando Guimarães....E Coca....dormindo sobre pizzas...não foi Beckett não...papai...Patrick...Pai-trick. Papai...Hermes, Narcissus. Briguei com papai e escolhi outro pai...

Belo Adormecido (exaltado): Cale a boca, Lúcifer! Voz chata, caipira.


Noutra cena, e estão na lanchonete do teatro e chega Salomé, a dona.


Belo Adormecido (comendo ávido com a boca cheia de coxinhas): Salomé, Salomé, você quer a cabeça de São João Batista?

Maura Hari: Poderíamos fazer uma peça sobre celular, Belo. Eu monto o figurino, você escreve e dirige.

Belo (desatento, olha as coxas de Salomé): Salomé, Salomé....

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Carta aos participantes do Ocupar BH

Meus caros participantes do Ocupar BH:

Eu deixei um comentário aqui sobre uma proposta de palestra sobre a história do socialismo e ele não foi respondido (foi apagado, suponho). Enviei também a bibliografia que estou traduzindo sobre o período Stálin para vcs e não fui respondido. Eu suponho que isso decorre do pensamento de classe média que vcs produzem, com papos furados sobre anarquismo e Cristiânia, sobre não ter líderes e hierarquias, etc. Vcs são de classe média e estão num bairro de classe média. Eu sugiro que se desloquem para a Praça da Rodoviária e evoluam para um espaço soviético de discussão de experiências socialistas passadas, com os moradores e passantes participando e solidificando um espaço de educação popular socialista, que abracem a ideologia que apresenta o ponto de vista do povo: Marx, Lênin, Stálin, Mao, Ivan Pinheiro, Gilberto Vasconcellos, Laerte Braga; senão irão dar com os burros n´água. O programa de vocês não é viável no capitalismo: a democracia possível no capitalismo é essa e o sistema financeiro não tem salvação é daí para pior, não se iludam.

Atenciosamente,

Professor Lúcio Jr.

Blog do Ocupar BH: http://ocupabh.org/2011/12/31/feliz-ano-mundo-novo/#respond

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Gerald Trotsky contra o Fantasma de Stálin

(Penumbra. Gerald Thomas faz o jogo do copo para bater um papo com o fantasma de Hitchens. Tenta baixar o espírito, mas desce o espírito de Stálin para lhe dar um esporro).



Gerald: Hit, Hitchens, sou seu fã desde os anos 70. Você é o novo Trotsky...



(voz grave em off): Não. Ele achava que Trotsky era a cara do Bob Dylan...



Gerald: Não seja modesto, Hitinho, vc sabe que te adoro...



Voz off: o fantasma...Stálin...



Gerald: Sinto interromper, but...também sempre combati Stálin.



Voz off: Orwell foi informante do governo...



Gerald: really, Orwell me informou.



Voz off: não sou Hit.



Gerald: Vc é para poucos mesmo, darling. Adorei sua postura no onze setembro. Foi beckett!



voz off: Eu sou...O FANTASMA DE S-TÁ-LIN!!!



Gerald (apavorado, grita, faz gestos de exorcismo): VADE RETRO, SATANÁS!



(cortina de fumaça.)



Surge uma mulher síria vendendo coxinhas e kibes.



Gerald: Querida, eu quero te invadir.



Síria: Deixa de ser imperialista, Gerald.



(to be continued).