Os autores do livro de poemas Exemplar Disponível ao Roubo (Ed. Autêntica, 2011) criaram um interessante efeito de eu: um heterônimo composto por “telepatia sexual, musical e poética” como bem exemplifica Arnaldo Batista no prefácio. É Fernando Pessoa na primeira Pessoa, mas não o mesmo Pessoa, nem pessoa alguma. É todos, mas também não é ninguém. Miguel depõe: “Estamos quites para sempre, /Eu em pessoa/sou menos que um bem maior”.
Os seis ortônimos ocupados em fazer um heterônimo, invertendo o processo de Fernando Pessoa, demonstraram que o “eu” é um efeito e criaram um “eu”, Miguel, com um certo estilo. Os ortônimos são: Marcos Braccinni, Marcos Sarieddine, Rafael Fares, Rafael Ludicanti, Thiakov e Vinícius de Morais do Espírito Santo. Miguel Capobianco-Livorno chega a fazer a sua autopsicografia: “eu aqui sozinho/posto em mim/eu, anti-social/pois sou eu e os outros/o que é social é comum e o que é meu não é de mais ninguém/este sou eu, Miguel, essência do meu ser que se condena em unanimidades”.
O “eu” é social, afirmam eles, a contrapelo do eu do poeta, que é eu e anti-eu, sendo ao mesmo tempo eu e eles. O eu ficcional pode muito bem se rebelar contra o eu da sociedade: ele é eu e ao mesmo tempo é fruto da conjunção carnal e orgiástica de seis ortônimos. A poesia de Miguel é polifônica (claro!). Os capítulos onde ele deixa falar suas muitas vozes são principalmente “Casa na montanha”, “Provérbios” e “Naufrágios”. Esse último capítulo retoma o tema do “eu”: “Eu, idiota acordando a esmo, bêbado e desequilibrado, fico por isso mesmo com meu brado esquecido/que vai à parede/e volta pela metade/sem muita vontade”. O Naufrágio número 3: “O laço de ar do vendaval/é tão frágil quanto eu”.
Miguel é esse eu social, é também eu e vocês–eu-leitor, eu-crítico, eu-público, uma vez que afinal eu confiro sentido, junto da comunidade interpretativa leitor/autor/público. Donde decorre que Miguel é meu irmão, meu hipócrita leitor, meu semelhante. Somos todos Miguéis!
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