quarta-feira, 20 de março de 2024

Elzenir Apolinário: Releituras de Mundo

Elzenir Apolinário: Releituras de Mundo Nesse Dia Internacional da Mulher, quero apresentar um talento de poeta que talvez vocês não conheçam: minha amiga e colega de trabalho Elzenir Apolinário. De origem humilde, Elza, como nós a chamamos no dia a dia, combina de forma rara o talento de gestora, professora e poeta. Ela fala de forma muito terna e maravilhosa sobre as mulheres. Talentosa e chique com ela só, Elza escreveu esse texto originalmente em francês (excelente aluna que ela é de Brigitte Paredaens, essa professora tão chique quanto discreta), mas gentilmente colocou a tradução em seu blog: Canção das mulheres As mulheres são belas como rosas elas encantam silenciosas os caminhos por que passam mesmo as flores selvagens sob seus grossos espinhos que lhes protegem de que elas sejam colhidas perfumam o ar. Suas almas carregam seus sonhos tão azuis seus olhos às vezes tão tristes escondem os sofrimentos que somente uma mulher sente seus tênues sorrisos brilham para esconder suas solitárias noites Seus lábios não dizem as palavras porque o mundo não as compreende e não respeita elas seguem o curso do tempo que também é seu antagonista ninguém quer saber de seus desejos E elas caminham apesar das dores que fere seus corações porque elas são muito fortes, elas são mulheres!!! Há alguns anos Elza contou-me, com certo pudor, que tinha um blog onde escreve textos e poemas, mas não passou o endereço. Nesse dia internacional da mulher, é com muitíssimo prazer que encontrou seus textos e recomendo a vocês, pois trazem importantíssimas reflexões, como nessa postagem Elas Usam a Cor Púrpura, com data de 8 de março de 2015, mas ainda muitíssimo atual. Não resisto a reproduzir a crônica na íntegra: Você já terminou? Ouviu a menina que se dividia entre as atividades da escola, o choro do irmão caçula e os afazeres domésticos enquanto seu irmão se divertia em frente à televisão. A mãe acreditava que o menino não deveria se envolver com as tarefas do lar, pois poderia afeminar-se causando a tragédia da família. Assim, cresciam as meninas em tempos remotos e a história se repete hodiernamente. O sexo feminino se acua entre a família e a sociedade machista e não avista a saída para a sua ascensão pessoal e profissional. Estamos no século XXI e ainda se veem mulheres bem sucedidas que se acorrentam a relações tóxicas por submissão ou dependência emocional. O olhar duro da sociedade ainda as espreita minando seus sonhos e elas fingem que estão felizes, mas seus olhos são tristes como os dos pássaros cativos. Recolhem-se em sua fatídica condição de serem mulheres neste mundo de homens e se resignam à espera de que algumas delas, em atitude de coragem, possam reverter este quadro ou mesmo acreditam ser sua sina irreversível e seguem sem esperanças. Fala-se em emancipação feminina, mas na calada da noite, em cantos escuros, meninas, mulheres são violentadas e agredidas em sua integridade física e moral como se fossem apenas um pedaço de carne ou desvalorizadas em sua capacidade mesmo proferindo belos discursos vestidas com seus taillers. Não importam suas considerações, estão fadadas ao desrespeito por sua condição de mulher, é o fardo que terão que carregar em todos os meios sociais. Quando agraciadas pela beleza, tornam-se objeto de desejo sexual masculino e perdem ainda mais seu vínculo com o cordão umbilical da humanidade. São bonecas de luxo para se apresentar ao mundo, são seres vazios que apenas sorriem superficialmente escondendo um traço de amargura e ressentimento por não terem voz, por se aprisionarem na bela aparência que esconde o que se revolve em seu coração. São também escravas de padrões rígidos que determinam que elas têm um prazo de validade. Moramos em um país que machuca suas mulheres e as relega à cultura de inoperância e baixa autoestima. Cresceram sob a égide de uma educação castradora que limitou sua crença em seu próprio poder de decisões e escolhas. Certamente temeram seu potencial e as educaram para serem como os seres rastejantes, quando poderiam voar. Recearam sua potencialidade, pois estas saberiam guiar-se tanto pela inteligência, quanto pela emoção. Mulheres, ergam suas cabeças e lutem contra este sistema que faz uma execução sumária de suas vontades, enfrentem esta sociedade limitante, saíam desta submissão velada e assumam seu verdadeiro poder, o poder que existe em cada uma de nós e que pode transformar uma realidade, mudar o tom púrpura que nos colore as faces e nos deixa um traço de descontentamento com a vida. Firmem os passos em direção a um futuro glorioso para o sexo forte. Convido, então, vocês para conhecerem o blog dessa mulher maravilhosa que é Elzenir Apolinário: releiturasdemundo.blogspot.com

Uma Crônica de Futebol Bom-Despachense

Uma Crônica de Futebol Bom-Despachense Através do amigo Júlio Campos, “Júlio arquiteto”, recebi uma simpática crônica de autoria de Eduardo, o Dudu da Cambuá. Só faço dois adendos, golkeeper hoje é goleiro (quem sistematizou as regras do esporte foram os ingleses) e o Lucinho Bom-despachense aí não sou eu, pois sou perna de pau. Vamos ao texto: Marlúcio x Reinaldo, babys craques. No Brasil geralmente e sempre nossos ídolos não são valorizados como deveriam ser. Aqui em Bom Despacho segue a mesma regra. Falo do Mário Lúcio Quirino Costa, nosso popular Marlúcio, Lucinho para os íntimos. Na década de 70, precisamente 1974, o time de futebol de salão, hoje futsal, da Brahma foi convidado para jogar contra o Ponte Nova, MG. O time da Brahma era um timaço e familiar: Marlúcio e seu irmão Rona e os primos Gui e Mó. Goleiro!? Que nada, o time era tão bom que dispensavam um goleiro fixo. Onde iam convidavam um qualquer. Tem até um episódio interessante que merece registro: certa vez chegando pouco antes da partida tiveram dificuldade de encontrar um golkeeper, quase em cima do começo da partida e nada. O Gui viu que tinha um cego sentado na arquibancada. Correu até ele e o convenceu de jogar para o Brahma. Venceram por 4x0, pasmem, com um goleiro cego. Esse caso inusitado deve ser único no esporte mundial. O craque da companhia era sem qualquer dúvida e merecidamente nosso querido Mó, Mozinho para os mais chegados e familiares. Jogava demais, muito próximo da genialidade herdada do seu pai, o incrível centroavante Tio Quinzinho. Mas se o craque era o Mó, o ídolo era o Marlúcio. Artilheiro nato, excelente estatura e complexão física, ambidestro com chute fortíssimo e exímio cabeceador. Se não tinha a genialidade do Mó, sobrava-lhe ser um matador inqualificável e fenomenal. Nessa época o querido e exemplar Professor Calais era o Cônsul Vitalício do Galo aqui em Bom Despacho, hoje substituído pelo não menos querido, nosso José Carlos Gontijo, o Caiô, atleticano de quatro costados e ainda de lambuja irmão do lendário cracaço da Associação Bondespachense, o eterno ídolo Onório Antônio Gontijo, o inigualável Nonóia. O Professor Calais com seu olhar e faro de lince já descobrira o talento do nosso craque comunicando com a diretoria do Galo em Belo Horizonte e solicitando que os olheiros do clube o observasse in loco. Pois bem, o Brahma foi convidado para jogar contra o Ponte Nova, MG e coincidiu que o juvenil do Galo estava por aquelas paragens. Avisados, Barbatana e Zé das Camisas foram ao ginásio observá-los (Marlúcio e o tal José Reinaldo de Lima). Ginásio lotado, começa a partida e com um gol relâmpago aos 16 segundos esse Reinaldo faz 1x0 Ponte Nova. Aos 17 minutos o mesmo Reinaldo faz 2x0. O time da Brahma, nervoso, não se encontrava na quadra. Com o passar dos minutos o time bom-despachense foi reorganizando e refazendo-se e com 1 minuto faltando para o término do primeiro tempo gol do Brahma. Gol não, golaço do Marlúcio. Chapelou o zagueiro e da meia lua com a perna esquerda, um balaço, um canhão. A bola bateu no travessão, o ginásio tremeu, antes de entrar chicoteou nas costas do guarda-metas que teve que ser substituído por não suportar a dor da bolada. 2x1 placar do primeiro tempo. Na etapa final o Brahma colocou o Ponte Nova na roda. Logo aos 6 minutos, Marlúcio fez 2x2 de cabeça depois de um cruzamento mamão com açúcar do Mó pela direita. O jogo foi seguindo e Reinaldo e o Ponte Nova viram que o visitante era muito forte. Aliás, Reinaldo sumiu da quadra. O Brahma cada vez mais se agigantava e aos 11 minutos o hat-tric do garoto Marlúcio, desta vez com uma caneta no seu marcador e na saída do goleiro um debochado giro de 180 graus e meteu de letra. Frenesi total!!! Todo ginásio gritando freneticamente: Marlúcio, Marlúcio, Marlúcio.... Barbatana e Zé das Camisas boquiabertos não acreditavam no que seus olhos viam. Juntaram-se aos gritos com a alegria de ver o despertar de tão promissor e jovem talento. Eles que tinham a maior expectativa de observar o José Reinaldo ficaram extasiados com o desempenho e a performance do jovem bondespachense. Faltando 2 minutos para o término da partida, em um rápido contra-ataque, Rona toca rápido para o Gui, este inteligentemente, de primeira lançou a bola na área, Marlúcio dividiu e ganhou pela esquerda, dribla 1,2,3, mas perdeu o ângulo. Faz um giro, com uma ginga de corpo um quarto estatela-se na quadra, avança rápido dá um lençol no guarda metas e agora faz um giro humilhante de 360 graus e de calcanhar dá um toque modorrento na pelota que mansamente ultrapassa a linha do gol para o desespero e esforço hercúleo do golkeeper adversário, não evitando assim o histórico placar de 4x2, quatro golos do nosso genial craque, nosso Lucinho bondespachense. Terminando a partida, Barbatana corre ao vestiário com o contrato na mão para nosso menino craque assinar e de quebra também contrata o José Reinaldo. Os destinos opostos desses dois craques serão contados em uma próxima crônica. Aguardem.

O Triunfo de Maria Celeste e do Vovô Índio

O Triunfo de Maria Celeste e do Vovô Índio A inauguração das luzes de natal é sempre um momento mágico na nossa cidade. Não foi diferente esse ano. Minha filha fez uma linda foto no Flora Photos, mostrando o reflexo das luzes no chão molhado pela chuva. Papai Noel também fez sua aparição. Meu amigo Lucas “Lobera” comentou comigo que o Papai Noel esteve ano esteve na Praça da Matriz vestido de verde e amarelo, evitando o vermelho e suas associações políticas. Fui procurar uma foto e vi que de fato ele veio com cor dourada, mas assim mesmo ainda tinha a cor vermelha e não tinha o verde. A fantasia de Lucas me fez pensar, por negação, em um curioso programa escrito por um policial civil carioca chamado Rivaldo, que conheci na internet e que por volta de 2018 elaborou com ideias inovadoras assim, ainda que em uma vertente de pensamento totalmente oposta, um programa para um partido que ele queria legalizar, tal como por exemplo: “Fundação da empresa pública Mc Lenin, que será uma rede de restaurantes vegetarianos distribuídos pelo país a fornecer hambúrgueres e lanches nutritivos adaptados à culinária local” e também uma outra bem inovadora: “Criação do Exército Popular Brasileiro, simbolizado pela Onça Pintada, Marinha Popular Brasileira, representada pelo Tubarão e Aeronáutica Popular Brasileira, simbolizada com uma Harpia”. Particularmente vanguardista achei o seguinte ponto: “Substituição da velha bandeira positivista pela bandeira vermelha da Vitória dos Trabalhadores [em obras]”. Ainda bem que ele colocou “em obras”. Nossa bandeira nunca será vermelha, quem diria? Isto posto, sugeri a ele a substituição do Hino Nacional pela nossa Marselhesa, a canção Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré... Este ano fui também ao recital de natal organizado pelo coral Voz e Vida. Curiosamente minha mãe sabia “todas as letras”. Mamãe cantou o tempo todo a versão de Flávio Venturini para o Ariosto de Bach e a versão de Vinícius de Morais para Jesus Alegria dos Homens, de João Sebastian Bach. Quando mamãe foi transferida de Uberaba para Belo Horizonte, ainda como uma professora de Português, foi lotada num bairro periférico chamado Céu Azul. Ela ficou indignada, mas eu completei: “mãe, lugar de Maria Celeste é no Céu Azul”! Esse tipo de proposta fez com que eu me lembrasse da tentativa fracassada, nos anos 30, da vertente política que originalmente propôs como lema “Deus, Pátria e Família” (agora reciclada) de substituir o Papai Noel pelo Vovô Índio. Consta que até Getúlio Vargas apoiou. Em uma das versões, o Vovô Índio nascia diretamente de um Pau-Brasil. Inspirado nessas considerações, a respeito transcrevi o poema abaixo que encontrei num site: Triunfo do Vovô Índio, de Sylvia Patrícia Esse ano, o velhinho estrangeiro para as neves longínquas fugiu Porque esse ano no Brasil inteiro vovô índio triunfante surgiu Vovô índio é belo, é moreno e o sol sua pele tostou Vovô índio se veste de penas, qual as aves das nossas florestas, onde sempre com elas morou Vovô Índio não vem de outras terras, ele é nosso, bem nosso, é daqui Tem arco e flexa, sabe mil histórias, do caipora, do boto e saci Vovô Índio não é dos países onde morrem de frio os pequeninos Ele é dessa terra formosa onde há sol e calor o ano inteiro Onde as folhas, as cigarras boêmias cantam hinos Onde nascem no chão as esmeraldas, como nascem as flores num canteiro Vovô Índio é bom e ingênuo, porque longe dos brancos viveu Ele gosta das crianças e dos pobres, dos bichos lá da mata onde nasceu E no Natal quando vem à cidade, não procura do luxo o brilho falso Vovô Índio às palhoças também vai um brinquedo levar E os meninos que não tem sapato, não precisam chorar Vovô não crê em lendas europeias, chaminés e sapatos para quê Vovô Índio sorri dessas ideias Se natureza sempre lhe deu frutos Se os ramos sempre lhe deram sombra E Vovô índio sempre andou descalço Vovô Índio com penas de cores mil Vovô índio, você é o mais lindo mito Porque você é o Brasil É o triunfo de Vovô Índio e de Maria Celeste.

Dois Escritores Bom-Despachenses: Denise e Vivalde Brandão

Dois Escritores Bom-Despachenses: Denise e Vivalde Brandão Nascida em 1965, em Bom Despacho, Minas Gerais. Psicóloga graduada e pós-graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membra ocupante da cadeira 21 da Academia Bom-Despachense de Letras, tendo Hilda Hilst como patronesse. Denise Coimbra, literalmente, esteve em Coimbra: Sinto que nasci no dia 5 de outubro de 1143, quando D. Afonso Henriques venceu a guerra contra os mouros, embora a certidão registre 28 de outubro, em Bom Despacho, Minas Gerais, há 48 anos. É que Portugal está tão presente na escritora, que trago em minha bagagem, além de pratos e azulejos, memórias vividas e inventadas pelos meus personagens. Revelo assim as suas dores e aventuras, registradas durante minhas viagens para Óbidos, Coimbra, Sintra, Porto e Lisboa. Subterfúgio, refúgio, não defino, senão deforma. Denise já fez crônicas para esse Jornal de Negócios, com suas observações sempre refinadas e politizadas. Em 2007 participou do Concurso de Contos do SENAC Minas e teve o conto “A Primeira Vez” publicado na revista eletrônica do SENAC. Ela publicou em 2014 o livro de contos 54, Rua da Alfândega. Desde 2020 é presidenta da Academia Bom-despachense de Letras. O prefácio de Melânia Costa traz uma passagem que descreve muito bem a sua “alma encantadora”: Em seu primeiro livro de contos, Denise ambientou as histórias no Rio de Janeiro e nem notamos que é um livro de uma mineira e não uma carioca. O próprio nome do livro deriva de uma rua do Rio de Janeiro. Denise utilizou muito bem o gênero cartas para ajudar a contar suas histórias. Também adoro receber e escrever cartas. Rua 54, os contos Renascimento e Recomeço são reflexões de Denise sobre como a vida é trágica: todo início traz em si o fim. Mas Denise também trabalha com o otimismo dialético do renascimento. Seus textos trazem intertexto com as Artes Plásticas (Pablo Picasso, Leonardo Da Vinci e a obra Guernica em A Primeira Vez) e outros autores (Tchécov, escritor e dramaturgo russo), em A Pensão e a Senhora, bem como a Bíblia no conto Os Fios da Memória. Denise, além de psicóloga, escritora, é importante ativista e agitadora cultural em nossa cidade. Destaco sua atitude iluminada durante a pandemia, lutando por vacina no braço, comida no prato, vida ao SUS. E recentemente atuou maravilhosamente um sarau poético no Memorial Nossa Senhora do Bom Despacho. O que produziu a foto que ilustra essa crônica. Vivalde Brandão lançou o livro Mínimo Campos (ed Sete Letras, 2023) em Bom Despacho no dia 18 de novembro de 2023. Anos atrás, conheci o Vivalde como letrista de belas canções populares, em parceria com Ronniere Menezes e agora conheço a musicalidade de sua prosa: Canção do Copo Azul de Araújos, Primeira Moda de Viola, Segunda Moda de Viola. A canção é a canção da vida cotidiana e a morte está no bicabornato, ao fisgar uma sucuri como se fisga um peixe. Vivalde, como a coruja, domina com sabedoria o espaço poético. Ele está em volta das cruzes, em meio às igrejas e as estrelas. São palavras assim que ele saboreia. Saborosa é a prosa de Vivalde ao falar do bar Flor de Liz: “O Flor de Lis pertencia ao Seu Ari que naquela época andava ganhando dinheiro com cristal. Em frente ao Flor de Lis onde tem a pracinha arborizada com um largo grande cascalhado com muita pedrinha de cristal que brilhava quase o dia inteiro”. O livro pode ser analisado em três polos a partir dos quais ele estruturou-se: o olhar da criança, o do poeta e o olhar do “Juca Doido”, o olhar do louco. Há um Juca sábio, Juca Rufino, a quem o livro é dedicado, e o seu duplo, o Juca Doido. O Juca Doido é um personagem apresentado em meio a um mundo mágico que aparentemente opera fora da lógica comum: “Juca Doido deu um tiro no ouvido. A bala entrou numa orelha e saiu na outra”. É um universo em que a criança, o doido e o poeta têm mãos “tão poderosas quanto rosas”. Sérvulo fez um prefácio e Tadeu Teixeira fez o texto de apresentação que ficou nas “orelhas” do livro. Sérvulo destacou a fusão de poesia e prosa, de forma feérica (mágica), Vivalde desenvolve. Tadeu notou a presença da oralidade em um registro de vanguarda, tal como no poema Interlúdio. Para poder evocar imagens poéticas de sonho e fantasia, recriando a sensibilidade da infância, o poeta Vivalde enumera loucamente substantivos sem vírgula e ponto final para criar um clima onírico, um ambiente de sonho onde o louco sábio, o poeta e a criança convivem. No olhar da criança, “não existe onça e nem distância”. O Buíque do Sô Preto cruzou “todos os campos e várzeas e pontos que existiam na face da terra”. Vivalde investiu, em sua prosa poética, na liberdade de imaginação e em relação à gramática. Assim como ele não se atêm ao realismo, ele também está em busca de uma gramática própria. É um olhar que humaniza os animais e a natureza. Junto aos animais, estabelece uma relação intensa: “Lá estava Lucas igual a um sapinho”. A descrição dos sapatos marrons e brancos, mas com presença intensa, faz lembrar o quadro de Van Gogh em que dois sapatos usados brilham à luz de suas pinceladas, parecendo ser luminescentes, ou seja, produtores de uma luminosidade própria. A criança, por vezes, vê a si mesma de fora, de gravata borboleta, com uma garrafa de guaraná nas mãos. O olhar do poeta assume a iniciativa, fixando uma imagem de si mesmo. Estilo e luz própria são duas coisas que abundam no livro de Vivalde. Duas passagens, onde o caso (narrativo) e o poético se misturam: O Bilhete e Flor de Liz chamaram-me a atenção, por sua cor local: “a seca de 1887 foi brava e o Picão viro um tantinho onde a criação mal conseguia beber”. O desfecho de O Bilhete é muito emocionante: por vezes, entre farrapos, está embrulhado um sujeito de grande sorte. Vivalde nos faz, como adultos, rir lendo sua “desconversa” sobre a chuva, a luz na varanda. O poeta é como a criança, a felicidade está ao alcance dos olhos e do coração, algo tão difícil para nós, adultos: basta ver besouros enterrando a bosta das vacas. É fácil “virar Jesus”. Jesus está em meio às crianças, da cachorrada, do cotidiano. Mergulhemos então nesse universo feérico de Vivalde Brandão. Olhemos os lírios do campo e do contracampo.

Vida Eterna à Música: Sarah Mariana

Vida Eterna à Música: Sarah Mariana [Nessa coluna abro espaço para um texto de Sara Mariana, dezesseis anos, estudante do colégio Tiradentes, segundo ano do ensino médio, ilustrada por uma pintura de Gabriel Gaipo, artista e desenhista independente de Bom-Despacho]. Sara Mariana é artista e musicista de Bom Despacho, presente mais uma vez no Estação do Rock, admirando e prestigiando a coragem dos músicos bom-despachenses de fazerem esse evento se concretizar, proporcionando um espaço para artistas independentes, resultando em um momento especial, motivacional e significativo para muitos artistas, que, assim como eu, sentem a arte como o maior meio de disseminar a autenticidade, a verdade, a coragem e o amor entre as pessoas, construindo pontes indestrutíveis no ramo musical. Eu conheci Sara através de minha filha Isa. Sara narrou suas histórias: “iniciei meu processo de musicalização aos 7 anos de idade, desde a minha infância a arte em si tem um papel fundamental na minha vida, inclusive no processo individual de autoconhecimento. Ela foi essencial para toda minha estrutura pessoal, eu acredito. Meu pai atualmente faz parte da banda de música do sétimo batalhão e é uma pessoa extremamente significante na minha trajetória, o maior incentivador de todo esse processo desde que me conheço por gente. O nome dele é Alexandre Delgado Araújo. Minha mãe se chama Adriana Cristina da Silva, ela é vendedora/ empresária, dona da [loja] Adriana variedades. transmite uma energia única e inspiradora, o que contribui pra essa sensibilidade marcante na minha vida. Para planos futuros, desejo explorar significativamente o ramo artístico; seja em composições musicais, instrumentos, textos acadêmicos, poesia ou outras variações artísticas. e recentemente, comecei a expor tudo isso no meu portfólio feito pelo Behance (aplicativo digital que disponibiliza textos e portfólios), porque nunca havia exibido ou apresentado minhas criações em nenhum lugar. A minha relação com a banda Devise, iniciou-se por meio das redes sociais, mas depois de um tempo, concretizou-se a partir do festival estação do rock, onde me apresentei com eles pela primeira vez. antes disso, já seguia a banda e apoiava em todo conteúdo, sempre serviu de inspiração por serem conterrâneos. O Luís Couto, em especial, criei um laço. Ele é extremamente inteligente e inspirador, é raro encontrar pessoas que transmitem tamanha confiança e otimismo.” Sara também escreve textos sobre música. Segue um deles, sobre a música War Pigs, da banda Black Sabbath: Na arte elaborada por Gabriel Gaipo, (informações técnicas da pintura: realizada a óleo feita sobre tela 60x60) retrata-se a obra “War Pigs”, uma das músicas mais importantes do metal, e a primeira canção do disco Paranoid, lançada em 1970, de Black Sabbath, banda britânica que definiu e revolucionou o Heavy Metal significativamente. Porcos de Guerra contém uma crítica social e geopolítica atemporal, que lamentavelmente continua presente, intacta e contextualizada no mundo em que vivemos atualmente, onde o capital e o poder, se sobressaem entre a índole e as virtudes dos seres humanos, afetando diretamente a vida de milhares de pessoas vítimas dessa ganância. Walpurgis: as raízes da inspiração de “War Pigs”, foi o título original da música, uma referência com o sabbat das bruxas. “Walpurgis é como o Natal para os satanistas. E para mim, a guerra era o grande Satanás", disse o baixista e letrista Geezer Butler, que também acrescentou: “Não era sobre política, governo ou qualquer coisa. Era [sobre] o mal. Então eu estava dizendo 'generais reunidos nas massas / assim como bruxas em missas negras' para fazer uma analogia. Mas quando trouxemos para a gravadora, pensaram que "Walpurgis" parecia muito satânico. E foi quando nós o transformamos em 'War Pigs'. Mas não mudamos as letras, porque elas já estavam finalizadas.” Black Sabbath incorporava histórias de terror em suas letras, compunham canções que tratavam e abordavam temas relacionados a instabilidade social, corrupção política, os perigos do abuso de drogas e profecias apocalípticas resultantes de guerras. Uma contribuição gigantesca para o Heavy Metal, formulando e definindo assim, um gênero musical de enorme importância e contribuição para a música/arte de protesto, tanto no exterior, como aqui, no Brasil. Com uma introdução obscura, extraordinária e extremamente admirável, com diversos sons de guerra e sirene, nos fazendo acreditar e passando a impressão de que estamos realmente em um campo de batalha, sentindo na pele as sensações de um clima tenso e sombrio que é viver um conflito que envolve vidas, a música, no decorrer dos seus quase 8 minutos de duração, retrata uma letra com a moral cristã, relacionada aos pecados cometidos pelos generais, políticos e demais responsáveis públicos causadores e promovedores das guerras, ressaltando a ideia de que um dia eles pagariam pelo o mal e dor que semeiam e disseminam constantemente. A música, com toda a sua riquíssima crítica e complexidade, também faz analogia a clássica obra “A Revolução dos Bichos”, do autor inglês George Orwell. O livro apresenta uma interpretação sobre como o dinheiro e o poder corrompem o ser humano, apresentando a moralidade e o totalitarismo uma de suas principais características. “Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível." - Andrzej Sapkowski.

Uma Curitibana Bom Despachense Testemunha ocular da história: Maria Celeste de Morais

Uma Curitibana Bom Despachense Testemunha ocular da história: Maria Celeste de Morais Maria Lúcia nasceu na Rua Lambari, em uma casa simples que ainda resiste. Filha da bom-despachense Maria Madeira Gontijo, a Lia, uma jovem linda e brava que aportou no Rio de Janeiro nos anos trinta do século passado. Aprovada em um concurso para a Secretaria da Fazenda, Lia viajou sozinha, morou em pensionatos e casou-se com um colega de trabalho. Voltou a Bom Despacho para dar à luz sua primeira filha, Maria Lúcia. Desembarcou na Estação Ferroviária com um largo sorriso e enorme barriga. Toda a família a esperava e houve um entra e sai festivo na casinha da rua Lambari, onde dias depois a menina nasceu acolhida pelas mãos da parteira Dona Alma e sob os cuidados da avó Hermengarda. Foi a última vez que Lia, a mãe, esteve em Bom Despacho. A morte, estúpida e inexplicável, colheu-a menos de quatro anos depois. Deixou duas filhas pequenas, que foram criadas pela segunda esposa de Fernando, Ecéa –essa a verdadeira mãe que Maria Lúcia conheceu e para sempre admirou. Tanto desvelo e carinho só as “boas dastras” podem oferecer e foi assim amorosamente envolvida, que em agosto de 1954, logo após completar 6 anos, enquanto a madastra amamentava o irmãozinho recém-chegado e o rádio tocava músicas românticas, um hiato se estabeleceu: uma chamada urgente anunciava o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Maria Lúcia foi chamada por Ecéa, que lhe deu uma estranha ordem: vá à sede da Secretaria (Fazenda) e diga a seu pai que Getúlio suicidou. A menina ficou perplexa, não pela gravidade da notícia, mas pelo mistério que as ditas palavras encerravam. Ousou perguntar: “quem é o Getúlio?” A resposta breve: “depois lhe explico!” Outra intervenção da criança: “O que é suicidou?” O inusitado diálogo teve um rápido desfecho, com a mãe prometendo explicar tudo direitinho depois. Os caminhos que levavam à sede da Secretaria, em torno da qual erguia-se a pequena vila de casas idênticas onde moravam os empregados, eram formados por atalhos cercados pela erva úmida de uma chuvinha recente. Maria Lúcia percorreu a trilha dizendo a cada passo, para não esquecer a mensagem: “Getúlio suicidou, Getúlio suicidou...” e assim chegou com os tamancos molhados à porta da repartição onde o pai trabalhava. Cercado por mesas repletas de máquinas de escrever e de somar, com um lápis suspenso na orelha, Fernando revelou surpresa nos olhos azuis redondos, ao ver a filha se aproximar. Maria Lúcia tinha pressa de desincumbir-se, de livrar-se das palavras misteriosas e declarou-as em alto e bom som: --Pai, Getúlio suicidou! Por um breve momento pairou no ar o impacto de sua mensagem. Paralisação total. Todos os olhares se voltaram para a menina. Nenhuma máquina fez mais nem tic nem tac. Em câmera lenta um documento voltou à pilha, um arquivo se fechou, um lápis pendeu...Maria Lúcia experimentou uma sensação de importância que até então desconhecia. O pai aproximou-se devagar e perguntou atônito o que era, de onde ela ouvira aquilo. A pequena informou que a mãe escutara no rádio. Toda a repartição, que acompanhara a curta conversa, saiu do susto inicial. Gavetas se fecharam, cortinas se cerraram, todos se mexiam e um burburinho se fez no recinto. A Secretaria se preparava para o luto que se seguiria ao suicídio de Getúlio. Protagonista desse momento especial da nação, repórter responsável, Maria Lúcia seguiu e nunca esqueceu sua terra natal. Quando aqui aparece, cumpre uma extensa via-sacra para visitar parentes e amigos de quem nunca se desligou e permanece em contato via Whatsapp. Ama Bom Despacho, quer sempre rever cada pedacinho de sua história. Forte como as mulheres da família, enfrenta cada desafio com a certeza de que sempre haverá um amanhã, e que ele poderá ser sempre melhor. Morou no Rio, depois em Belo Horizonte (trabalhou na Escola Nossa Senhora d´Assumpção) e radicou-se finalmente em Curitiba, onde reside o seu núcleo familiar mais próximo. De lá, permanece atenta à vida bom-despachense. Nesse dia dedicado às mulheres, ofereço a essa prima valorosa e guerreira a minha homenagem, extensiva a todas as mulheres destemidas da nossa Bom Despacho, longe ou próximas. Força e resistência a essa galera vitoriosa!