segunda-feira, 21 de março de 2022

Um Artigo de 2003 Sobre Lula

 

Em dezembro de 2002 fui a uma peça de teatro infantil aqui em Bom Despacho, interior de Minas. A peça, de autoria do professor Júnior Souza e chamava-se De Quem É Esse Reino. Porém, não pretendo fazer quaisquer observações estéticas a respeito da obra, tarefa que deixo para um entendedor ou crítico especializado. O que me interessa aqui é um insuspeito elo que verifico existir, entre o cenário político nacional e aquela peça teatral.

 

De Quem É Esse Reino tratou das relações de poder num reino imaginário, a Sorbônia. Num dado momento ficava claro que a Sorbônia era o espelho do Brasil. Neste reino, que nos fazia lembrar aquele da novela Que Rei Sou Eu (comentada posteriormente pelo sociólogo Gilberto Vasconcellos como sendo uma novela favorável a Collor), existia uma trama para levar uma serviçal do palácio (negra e acima de seu peso ideal) ao trono, aproveitando-se da velhice da rainha Dinorah. A serviçal (operária?) conseguia, após alguns ardis de “Malvina”, sua colaboradora, chegar ao poder, fazendo-se passar por homem (insinuando o tema do travestismo). O verdadeiro príncipe estava retido por asseclas dos usurpadores. A “serviçal”, uma vez no poder, cometeu a gafe de tentar falar em línguas estrangeiras sem saber: “Murchas graxas”, arranhou em portunhol. A seguir, a “ex-operária” expôs seu programa de governo, explicitamente cortando os direitos dos “serviçais”, e, pelo que me lembro, falou em cortar o décimo terceiro salário, etc. Logo sua “corte” se irritou com os descaminhos do príncipe gritalhão. Enquanto isso, o príncipe herdeiro se libertou daqueles que estavam em seu caminho e veio salvar o reino das mãos da plebe, retomando a linhagem nobre. E a peça se encerrou com a serviçal voltando a servir no palácio.

 

Pois então: o governo Lula, agora em andamento, lembra a passagem que comentei acima sobre a pessoa que, vinda do povo, ascende ao poder e se volta contra aqueles de sua classe de origem. Confirmei, com Lula, não é só o pobre que entende o pobre, não é o só o negro que entende o negro, não é só o gay que entende o gay. Neste governo, a classe trabalhadora, iludida para pensar que chegou ao poder com Lula, está numa “aliança interclassista” que só faz aprofundar seu jugo, ganhando mais exploração e mais ilusão – e só.

 

E, em termos de alianças interclassistas, essa que o PT agora fez é muito pior do que aquela que fez o partidão (PCB) com Vargas e Adhemar de Barros no tempo de Stálin, e que foi motivo da saída de muitos intelectuais do partido comunista. Aquela tinha algum lastro na realidade, e foi melhor discutida em sua teorização. A finalidade era reformar o capitalismo no Brasil, encerrando a fase colonial ou semi-colonial; nessa fase, segundo Stálin, a burguesia se cindiria em burguesia associada com o imperialismo e outra mitológica “burguesia nacional progressista”. Um exemplo: Apesar de fraco nos momentos de decisão e outros defeitos, João Goulart, enquanto ministro do trabalho de Vargas, deu aumento de cem por cento para os trabalhadores. Então esse homem não era homem de esquerda? Era “a última lava do vulcão varguista?”, como disse Glauber Rocha? Será que um dia veremos Jacques Wagner dando um aumento desse?

 

Um dado que me deixa perplexo: o partido que carrega a herança de Vargas, o PDT, está no poder junto com Lula. Penso que o interesse deles é a sobrevivência política, além do apetite por cargos e por poder. Quando Lula chegou ao poder, e até um pouco antes, um historiador respeitado como José Murilo de Carvalho escreveu a sério comparando Lula a Getúlio, de “populista” e “pai dos pobres”. Porém, Lula já deu sinais de anti-varguismo explícito em inúmeras oportunidades, a partir do início de sua carreira, em que dizia que “a CLT é o AI-5 dos trabalhadores”. Numa reportagem na Folha de São Paulo, recentemente, ele se posicionou a respeito da CLT. Luiz Inácio, como ultimamente tem agido e falado, não é nem totalmente nem totalmente a favor. Agora ele discorda de algumas coisas na CLT e concorda com outras. Parece uma atitude ponderada, mas não é. Penso que essa é uma das mais curiosas características de seu discurso atual. O que o governo encaminha, sem buscar tornar consensual entre as centrais sindicais, é a retirada (e não a ampliação) dos direitos.

 

E, como comecei a falar de cultura (e não irei falar sobre Gil, a quem José Ramos Tinhorão acusou de parvenu e arrivista), noto também a tendência para a “falsa ponderação” mais do que evidente quando Lula se encontrou com o pessoal do meio artístico recentemente, para assistir ao filme Amarelo Manga. Lula “ponderou” que não basta só ficar xingando [a hegemonia norte-americana] e também é preciso ter um produto competitivo”. Por que essa é uma falsa ponderação? Com essa fala, Lula se desincumbe, ele que seria o responsável por ajudar a viabilizar essa “arte industrial” que é cinema, e atira a responsabilidade sobre os artistas. E, a respeito do “produto competitivo”, o presidente não detêm conhecimento suficiente para ponderar. O filme brasileiro citado por ele como referência é “Sinhá Moça”, de 1953 e outras produções da Vera Cruz. Ora, vejamos. O homem que “compreendeu o Brasil” segundo um professor como Paulo Ghiraldelli, tem como sua referência cinematográfica a chanchada. Ao contrário do outro “pai dos pobres”, personagem suicida e trágico, esse que nos preside agora é gordinho e falastrão, vivendo uma gozada chanchada da vida real num país que produz menos filmes do que a Argentina.

sexta-feira, 18 de março de 2022

Bom Despacho, a Mulher e As Manifestações de Rua: De 1968 até 2013

 

Bom Despacho, a Mulher e As Manifestações de Rua: De 1968 até 2013

 

            Maria Celeste Morais, minha mãe, apresenta uma memória bastante curiosa: lembra-se sempre das manifestações estudantis em Bom Despacho, no ano de 1968. Mamãe é uma talentosa escritora que escreveu crônicas na imprensa bom-despachense, no passado, sob o elegante pseudônimo de Marcelle Siarom (curiosa montagem das letras de seu nome!). Nunca vi um artigo ou crônica sobre o assunto. Ela lembra-se de alguns fatos: o preço do Cine Regina aumentou. Isso detonou o protesto dos estudantes. Eles marcharam da escola até a praça e tiveram apoio do professor Geraldo Magela (o que é curioso, pois esse professor estava muito mais para Jânio Quadros, em termos de simpatia política, do que para Leonel Brizola). E foram cantando o hoje esquecido Hino do Estudante Brasileiro, celebrizada por Inezita Barroso:

Estudante do Brasil

Tua missão é a maior missão

Batalhar pela verdade

Impor a tua geração

Marchar, marchar para frente

Lutar incessantemente

A vida iluminar

Ideias avançar!

E assim tornar bem maior

Com todo amor varonil

A raça, o ouro, o esplendor

Do nosso imenso Brasil

Marchar, marchar para frente

Lutar incessantemente

A vida iluminar

Ideias avançar!

E assim tornar bem maior

Com todo amor varonil

A raça, o ouro, o esplendor

Do nosso imenso Brasil

Os desdobramentos de tal protesto não foram assim tão esplendorosos: diante da bilheteria, os estudantes faziam uma fila falsa, não compravam o ingresso e atrapalhavam a sessão. Houve vidros quebrados e pedradas. Logo a seguir, o cinema ficou um tempo fechado, como consequência dessa rebelião. Mamãe lembra-se de dois líderes: Zuca Lobato e Brasinha.

A minha geração, que veio depois da geração 68, viu as manifestações de 1992 contra Collor. Eu me lembro apenas de um carro de som com microfone ali na Praça da Inconfidência, cheio de petistas apenas, clamando porque o PMDB não tinha vindo. O hoje artista plástico e cineasta Pablo Lobato, filho do Zuca Lobato do PMDB, estava presente junto a mim e não achou nada bom. Isto posto, resolvemos deixar aquela manifestação. Posteriormente, havia uma moça bonita, de frente ao Gharif (que começou como restaurante árabe, servindo até kafta e que foi do meu tio Cláudio Morais) passando tinta verde e amarela no rosto dos jovens “carapintadas”.

Se 1968 me chegou como afetiva memória maternal, 1992 participei marginalmente, 2013 vi apenas pela internet e televisão. Aqui em Bom Despacho houve uma significativa manifestação, com umas 4.000 pessoas. Até hoje sou administrador de um grupo do facebook dessa época: Vem Pra Rua. Um médico que tem parentesco com a família Cabral aqui na cidade, Giovano Ianotti, foi uma figura muito marcante nas manifestações em Belo Horizonte. Petista, ele ajudava as manifestações feridos ou que passavam mal com o gás. Ele deu socorro ao Douglas, rapaz que caiu do vão no viaduto José de Alencar e morreu. Ele mesmo não tinha visto a foto do momento em que ele dava socorro ao rapaz e, em seu depoimento no facebook, colocou apenas um desenho do momento dramático. O momento da queda, no entanto, foi registrado em foto pelo MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário, de linha maoísta) e eu tive a honra de postá-la para que o Dr. Ianotti visse a nobreza de seu gesto. Nobreza da qual estamos tão carentes em nosso tempo..

E, por falar em nobreza de gestos, homenageio, nesse dia da mulher, minha mãe, Maria Celeste Morais, escritora de mão cheia, leitora sempre atenta e politizada dessas minhas crônicas, que ela critica com ironia machadiana. Feliz dia internacional da mulher, mãe!

sexta-feira, 4 de março de 2022

Mosaicos

 

Mosaicos



O título dessa coluna adveio da leitura dos textos de Paulo Teixeira Campos. Estou organizando um livro com suas crônicas e ele, ao tratar de assuntos vários, sempre usava esse título. Mosaico é uma composição de vários pequenos fragmentos. E é isso o que eu queria aqui, pois acumularam-se muitos assuntos. Mosaico também será o título do livro que lançaremos. Em breve, darei notícias a respeito, prometo.

O primeiro deles foi o falecimento de meu tio Luiz Negreiros. Major do exército, ele comandou o Tiro de Guerra aqui em Bom Despacho nos anos 90. Faleceu no Rio de Janeiro, onde há anos vivia em Cabo Frio e lutava contra um câncer no pulmão. Minha postagem no facebook trouxe inúmeras mensagens de conforto e pessoas que lembram-se dele com carinho: a Lilian, Fábio Mingau, a todos agradeço. Sérgio Cunha, jornalista e escritor, enviou inclusive uma coluna que já publicou a respeito dele no jornal Fique Sabendo. Sérgio é também escritor e passou-me uma de suas produções, 4 Pedaços E-mail, para que analisasse. Eu indiquei a ele Eduardo Lucas Andrade, meu editor. Outro falecimento foi o de minha tia avó Teresa, viúva de Alcino, que morava na rua atrás da rodoviária.

Outro assunto são os escritores e seus livros. Para comemorar os 200 anos da Semana de Arte Moderna, dia 11 de fevereiro fiz uma live sobre a Semana de 22 junto da Academia Bom-Despachense de Letras. Estou para lançar um livro meu, Museu de Grandes Novidades, contendo um inédito (Marco Zero III: Beco do Escarro, fragmentos inéditos de autoria de Oswald de Andrade que garimpei na UNICAMP em 2007). É Bom Despacho a produzir publicações relevantes a nível nacional. O evento online foi emocionante e só teve feras: Denise Coimbra (que também é escritora e que logo comentarei mais, realizou um livro chamado 54, Rua da Alfândega), Ronniere Menezes (que já falou de Chico Buarque em Paris e tocou bossa nova em Nova York, ficando na casa de meu tio Paulo em Goldensbridge), dentre muitos outros.

Ainda sobre os nossos fervilhantes escritores: Vander André Araújo, leitor assíduo desse Jornal de Negócios, autor do livro de contos Roupa Suja de Inconfidente, envia-me notícias. Esse livro resgatou parte importante da cultura de Bom Despacho. Lugares da cidade, como Praça São José, foram retratados nesse livro e viraram palco para seus personagens, num misto de crônica com literatura clássica. Vander irá lançar seu novo livro no dia 4 de março. Seu novo rebento intitula-se Pode Durar o Tempo de Uma Música, editora Adelante, no Espaço La Bluh, rua Chaves Maia, 15, Jardim dos Anjos, Bom Despacho (MG).