terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Gastroplastifilosofia: Jô é a mais esganada das esganadas

O que é a obesidade em termos filosóficos?

Penso que, socialmente, ela pode ser descrita como maldade (perversão da vontade), como fez Santo Agostinho em suas confissões:

"Indaguei sobre a maldade e não encontrei uma substância, mas si a perversão da vontade afastada de Vós, o ser supremo, tendendo em direção às coisas inferiores, expelindo suas entranhas e inchando-se toda."

Tanto a obesidade quanto a anorexia fundamentam-se no problema do idealismo subjetivo. A anoréxica tem a imagem do corpo como gorda, a obesa tem a imagem de si como magra. O terror da primeira vem de que essa fixação, que é o que ela teme, crie a realidade, essa imagem passa a persegui-la. Ela assume um comportamento masoquista. Já no caso da obesa, ela tem uma imagem de si que gostaria que instaurasse a realidade, está em paz com sua auto-imagem, o que lhe hostiliza é o mundo, que lhe ataca opondo a outra imagem, a real, dela que "se incha toda". Isso gera a agressividade e o sadismo.

Tanto no caso da obesa quanto da anoréxica, o que as assusta e assombra é o desejo sexual da mulher (devorar homens). A anoréxica vê esse desejo despudorado e sem limites na sua imagem mental e se pune, deixando de desejar e de comer.

A obesa tem uma auto-imagem ideal e não vê seu "corpo em evidência". A sociedade vê na obesidade da mulher uma exposição obscena de seu desejo e clama para que a mulher se "desinche toda", mas ela não consegue (tem uma imagem ideal de si que ela sonha que irá instaurar a realidade).

Se a anoréxica sofre com esse desejo despudorado fixado em uma imagem, a obesa sofre com esse desejo figurado na sociedade.

Pantagruel e Gargântua eram gigantes comilões e sensuais; Sade morreu obeso e tornou-se o símbolo do desejo exacerbado; o carnaval, explosão do desejo, tem como um dos símbolos o Rei Momo, ou seja, a entronização do desejo.

Jô Soares lançou o seu romance As Esganadas. Viva o gordo, abaixo a gorda, poderia ser o lema de Jô Soares. O gordo sofre da mesma exacerbação do desejo que a gorda, mas não sofre a mesma punição que a gorda: que o digam Datena, Faustão e o próprio Jô Soares.

Jô, no entanto, exibe desejo exacerbado de ser cultuado como personalidade, desejos narcísicos extremados, criando um programa onde tudo gira em torno de seu ego, motivando inclusive uma paródia, o Jô Suado.

O desejo do ego de Jô, que em sua gula derruba os limites do narrador como alguém dissociado do autor, volta-se para o desejo de uma "esganada", ou seja, o desejo exacerbado, chegando até mesmo ao desejo canibal (devorar homens). Ao mesmo tempo, pode-se dizer que ele deseja o desejo de morte do matador das esganadas (matar o desejo de devorar homens dentro de si).

Jô não é gordo, ele é obeso e tem a psicopatologia do obseso aqui descrita: tem uma imagem ideal de si. Ao criar um romance, cria um mundo narsícico, onde o homem magro é que representa (também) a sua auto-imagem, a quem ele não deseja punição ou destruição.

Ele deseja a destruição dessa gorda sociedade real que conflita com sua auto-imagem ideal, daí ele cria esse universo ficcional onde luta o desejo de devorar homens das gordas e o desejo de matar o desejo de devorar homens, que é a arena onde seu desejo atua, produzindo uma prosa untosa, adjetivosa, que parece expelida das entranhas, "inchando-se toda". O que há de mais obscuro e sombrio no exibicionismo de um Jô, de um Datena, de um Faustão é que o desejo bissexual é o seu Mefistófeles.

Essa luta dos contrários é a refiguração do desejo de Jô, o que o faz ser "a" esganada-autor, ou seja, ser mais esganada do que as esganadas.

domingo, 25 de dezembro de 2011

O sistema filosófico de Nietzsche

Sistematizo aqui, de forma didática, alguns conceitos de Nietzsche. Considero Nietzsche um pensador sistemático. Pode-se supor que sua filosofia se origina de sua perda de crença em Deus na adolescência. A partir daí, ele elabora todo um sistema de pensamento para substituir a visão de mundo anterior.


Eterno retorno: Era um ensinamento ilustrativo, no fundo, moral: deve-se viver cada momento da vida como se ele tivesse que ser vivido infinitas outras vezes, até a eternidade. Pensado como uma imagem ilustrativa de um novo sistema valorativo, o conceito dá um sentido à vida, acabando com a sensação de vazio, de falta de sentido. Passa a haver o sentimento de continuidade que a religião busca na vida eterna, mas numa perspectiva valorativa diferente. Se no sistema judaico-cristão a promessa de um mundo perfeito (céu) onde se vive a vida eterna degradava esse mundo (“vale de lágrimas”), essa inversão de perspectivas inverte e valoriza essa vida presente, aqui e agora.


Ressentimento: Seria o rancor destrutivo que aquele que segue a moral da coletividade sente por quem se desvia dele. Quando colocado numa situação desfavorável, o espírito livre não fica ressentido, aceita o seu destino com amor à fatalidade, pois acredita, inclusive, que poderá ter que repetir essa fatalidade.

Amor fati: é o nome da aceitação de seu destino que o espírito livre deve ter. Se o crente aceita seu destino em nome da vontade de Deus, o espírito livre o aceita em nome de dizer sim à vida. Negar o sofrimento seria tentar fugir da vida. O certo seria buscar ser espectador de sua própria tragédia (criar arte) e divertir-se com ela.


Niilismo: É o estado de espírito do dogmático ou do fanático religioso, é o oposto do espírito livre. Para Nietzsche, o niilista é quem sacrifica a vida em nome do nada (preceitos religosos), de cultos onde o que a verdadeira divindade é a morte. A acepção de Nietzsche é o contrário do senso comum, que chama de niilista quem não acredita em nada. Duvidar do que é dito, colocar tudo em perspectiva, ou seja, contextualizar tudo, é a atitude do espírito livre para Nietzsche.


Vida: Fenômeno marcado pela moral como doutrina das relações de poder.


Gaia Ciência: Seria o verdadeiro saber. A verdadeira ciência seria alegre, gaiata, brincalhona, erótica, lúdica. Seria uma ciência integrada com a arte e com a religião. Deve-se rir de todo mestre e de si também. Seria a ciência que prevaleceria junto ao novo sistema valorativo, superando a ciência positivista. O humanismo, para ele ligado ao sistema valorativo judaico-cristão, estaria obsoleto, pois o homem diria sim à vida e teria um novo sistema valorativo.



Super-homem: É uma imagem claramente inspirada em Cristo. Esse termo é melhor justamente por possibilitar um contraste com o mito do super-homem de massa, que é um problema a ser enfrentado. O mito do super-homem de massa responde à indagação que fica na filosofia de Nietzsche sobre o que seria o super-homem: apresenta então uma raça de guardiães policialescos e super-poderosos do sistema social e político atual que mantém de forma subalterna os humanos. Trata-se de uma leitura oportunista que o poder fez do pensamento nietzschiano. O sistema de Nietzsche funciona assim: Nietzsche produziu o seu profeta (Zaratustra) para que os novos valores (que são os valores pagãos “tresvalorados”, ou seja, repensados) sejam transmitidos por experimentadores desses novos valores (novos filósofos) e então esses valores mudem o mundo para então redimir o mundo, fazendo com que homens redescubram a vida e até o estado funde uma ordem social na qual a idéia do Deus cristão não seria necessária, mas os deuses até então mortos, como Dionísio e Apolo, seriam novamente cultuados e repensados, mas principalmente na forma de um sistema valorativo e não de uma metafísica tratando de uma outra vida. O sistema do cristianismo funciona assim: Deus enviou o seu filho, Jesus, e ele, com poderes sobrenaturais, veio ao mundo e voltará no final dos tempos para julgar quem seguiu os seus ensinamentos, no fim da história. Por desconhecer economia e por elaborar seu pensamento a partir de um prisma aristocrático, Nietzsche imagina que o que está errado em nosso sistema social e político é apenas a não-criação de um sistema moral e ético alternativo ao cristianismo e que, se outro sistema alternativo entrar em cena, a história da humanidade se dividirá em antes e depois da filosofia de Nietzsche, fazendo com que a humanidade viva uma vida muito melhor.



Genealogia: Para poder criar novos valores, é preciso investigar como os valores são gerados. Por isso o filósofo dedica-se a estudar a ética e a moral, para superá-las e criar novos valores éticos e morais. Exemplificando a crítica genealógica, diante da frase: “Caio Blinder, judeu que vive em Nova York, se diz generoso”. A leitura genealógica deixa de lado a pergunta sobre a verdade da frase: será que ele é generoso mesmo? Ela se volta para outra questão: quem fala? Alguém que teme o estereótipo do judeu sovina, avarento. E por isso produz um enunciado afirmando o contrário. Colocando em perspectiva, a generosidade nasce da avareza, numa relação dialética que, no sistema de Nietzsche, assume o nome de perspectivismo.


Vontade de poder: vontade de renovar os valores do mundo, que são meros jogos de forças. O mundo é vontade corporificada, a música é expressão pura da vontade.


Morte de Deus: Seria a morte de um determinado sistema valorativo, o judaico-cristão. O sistema de valores do Deus cristão seria substituído por outro sistema de valores que diria sim à vida, sistema esse advindo de Dionísio, dentre outros deuses pré-cristãos.


Apolíneo: Ao inventar esses conceitos (apolíneo e dionisíaco), Nietzsche adianta um pouco do novo sistema valorativo que ele propõe, como escreve Lou, “lutando pelos deuses agonizantes”. Ser apolíneo é bom, dionisíaco também, conforme a perspectiva (contexto). Apolo é o deus da ordem, serenidade, harmonia, resplandecente, princípio da individuação, primado da forma e dos limites, bela aparência e sonho. O natal seria uma festa apolínea, pela reunião da família, ligada à ordem e à harmonia.


Diosiníaco: Dionísio ou Dioniso (Baco em Roma) era o deus do vinho, do sexo, da embriaguez. Festa, música, plenitude, dança, uno primordial, existindo uma busca de superar as formas e os limites, primado da desmedida, do domínio subterrâneo, da indiferenciação e da essência. O carnaval seria a festa dionisíaca por excelência.


Decadência: é o período em que acontece decadência do sistema de valores cristão, mas onde o novo sistema ainda não foi sistematizado e nem divulgado. O novo filósofo, do futuro, é quem supera o tempo onde prevalece o sistema de valores cristão e divulga esse novo sistema de valores, marcado por conceitos como apolíneo e dionisíaco.


Perspectivismo: Nome que a dialética assumiu no sistema de Nietzsche. Perspectivar algo é contextualizar esse algo. Conforme o contexto, ou seja, a perspectiva, a generosidade pode se transformar em avareza, ou seja, uma coisa pode se transformar em seu contrário.


Transvaloração dos valores: Grande transformação de valores anunciada por Nietzsche através de seu profeta Zaratustra, a ser realizada pela ação dos novos filósofos. Um novo sistema valorativo terá lugar a partir de Dionísio, Apolo, o budismo, os valores aristocráticos dos nobres europeus, dentre outros sistemas valorativos que forjarão esse novo sistema.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Crise na Eurozona: com o habermas entre as pernas

Blognovela: Crise na Eurozona: com o Habermas entre as pernas



(A crise na Cia Milkshakespeare se agrava com crise na eurozona. O Belo Adormecido volta da Inglaterra onde foi se encontrar com um representante da empresa Hamletdonald´s, que aceitou fazer um empréstimo. Para pagá-lo, Belo resolve transformar o teatro e a companhia em um cabaré com dançarinas que fazem strip. Francinny resiste, demite todos os blognomos, contrata Jô Weronyka de assistente e consegue convencer o Belo Adormecido a fazer uma peça sobre a crise na Eurozona chamada: Com o Habermas entre as pernas. Ensaio da peça. Entra um português de piada e outras nacionalidades com suas roupas nacionais, caricatas e kitsch).


Português: Pá, a crise na eurozona não é minha culpa.


Irlandês: Crise. Não. É. BECKETT.


Italiano: Non capisco niente. Europa tutti berlusconizzatto!


Habermas (apavorado, ofegante, faz atos de fala entrecortados): Solidariedade...É preciso pensar de forma....isso...isso...Merda, Merkel..o euro...o euro...é um ato de falha...digo, um ato de fala...desculpa, desculpa...é um ato...o euro... são atos éticos...discurso...sim, ética...discurso...o euro não...não...desculpe...como é que pode... aham...universalíssimo, intersubjetivo, intercomunicativo...não pode...Cameron irracional, irracionalista... o euro...(puf, puf), o euro...o euro não... não...era tão...tão...um dinheiro...universal...cosmopolita...o governo...o governo é mundial... é mundial....o euro..chamando terra...câmbio..câmbio (revira os olhos, ofega)...alô, alô, boy, xerife...Beckett, Kant, Houston, we got a problem...(curva-se, parece que vai desmaiar)


Irlandês: Euro. Faltar. Faltar melhor. Euro. Faltou BECKETT.


Jô para Francinny: gente do céu. Eles não são bons nem para comédia. Como é que vamos fazer?

Francinny: putz, Jô! Isso não tem graça nenhuma! Mas ou é isso ou o teatro vira um bordel.

Filósofo Louis Philippe Banzé apoia a enfermeira contra o terror politicamente correto






A contragosto, sou forçado a deixar minhas considerações teológicas e falar do "atentado de New Yorkshire", que segundo os politicamente corretos é mais terrível do que o de onze de setembro.

Nesse atentado, vimos a face do terror. A face do terror politicamente correto, no entanto, mostrou-se muito mais macabra, pois ela está no poder, nas universidades, etc.

Acontece que uma enfermeira, agente das instituições totais de Foucault, ergueu sua clava para matar, covardemente, um cachorrinho de raça Yorkshire que ela cognominou "Monstro". E levantou-se a ira dos politicamente corretos nas redes antissociais.

Juntos e misturados, os politicamente corretos nem imaginam que a enfermeira pode ter agido de boa fé para proteger sua filha de um cão que, para a menina, pode muito bem ser um monstro.

Estamos vivendo na era da comissão da verdade stalinista, quando o stalinismo "pinhosol" gay maconhista e aborteiro nos observa e qualquer gesto politicamente correto pode ser colocado na web, esse novo grande irmão, e punido com um linchamento público.

O que vi foi uma feminista liberada, guerreira, atendendo a seus instintos naturais e defendendo sua filha. Vocês não queria uma presidenta? Uma mulher forte, guerreira? Pois sim. A enfermeira é o além-da-mulher, a super-mulher nietzschiana. Viu? Tomaram!

Mas antes de atirarem pedras na enfermeira, lembrem-se de Sakineh, lembrem-se do islamofascismo de Khadafi que vocês defenderam na Líbia, contra os direitos humanos garantidos pela Europa que vocês não querem salvar (mais uma vez, mais uma vez!), dos neostalinistas de Putin que fraudam eleições na Síria, no Irã e que vocês apoiam em nome de pintar o terrorismo islâmico de vermelho.

Aliás, os terroristas politicamente não lamentam o atentado do World Trade Center, pensam "bem feito" invejosamente e choram, raivosos, o atentado do "Yorkshire Center".

Aliás, os terroristas do politicamente correto choram e se lamentam, mas depois vão se tratar em bons hospitais fornidos de enfermeiras bonitas, loiras e politicamente incorretíssimas. Já repararam que mulher feia e sozinha é sempre politicamente correta?

A enfeimeira não agrediu: defendeu-se como todos nós politicamente incorretos devemos nos defender da conspiração gramsciana mundial, dos islamofascistas, dos petralhas, dos stalinistas saudosos e trotsquistas que não aprenderam a lição de Paulo Francis e Christopher Hitchens.


Então pensem de forma objetiva e científica: numa uma luta entre o animal e a humanidade, vocês escolherão quem? Os politicamente corretos já escolheram: querem a Arca sem Noé, querem promover o sexo anal e o aborto para provocarem o fim da humanidade!


Louis Phillippe Banzé escreve na Falha de São Paulo às quintas-feiras. É teólogo profissional e consultor nas horas vagas.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Dias de Nietzsche em Turim




Dias de Nietzsche em Turim, esse sofisticado filme de Júlio Bressane (2001) não é um filme sobre Nietzsche. É um filme-Nietzsche em Turim em 1888, onde o diretor é um ouvinte-artista, lugar onde muitas vezes a câmera assume o lugar da subjetividade do filósofo e a obra assume sua estética, marcada principalmente pelas cores amarelo ocre e azul. Lento, contemplativo, filosófico, causa estranhamento naqueles que estão acostumados com tiros e perseguição californicadoras e orgias emocionais vulgares, mas de fina estampa. É para paladares aguçados, para poucos. O roteiro é da esposa de Bressane, Rosa Dias, professora de estética na UERJ.
Mais do que “sobre Nietzsche”, o filme se faz “com Nietzsche”, é sua filosofia que se sobrepõem à obra, que também assume ângulos inusitados, fragmenta a narrativa com paisagens da natureza, imagens de chafarizes que se tornam mulheres sensuais, estátuas homéricas que evocam sons do mar, curvas de colunas que lembram curvas sensuais de mulheres, chegando a filmar do teto, do chão e finalmente, inverte-se todo um plano para ilustrar a filosofia de Nietzsche, mestre em inverter perspectivas. Não é o conteúdo que ilustra a filosofia de Nietzsche nesse filme, é a linguagem cinematográfica, que busca um “cinietzsche”. No período de Turim, Nietzsche escreve Ditirambos de Dionísio, Crepúsculo dos Ídolos e Anticristo, sentindo-se, ademais, realizado em escrever essas obras.
Fernando Eiras é um Nietzsche em estado “outonal”, Mariana Ximenes é Julia Fino, Leandra Leal é Julia Fino, Tina Novelli é Cândida Fino, Paulo José é David Fino, todos componentes da família italiana que hospedava o professor alemão em sua pensão e que foi o seu contato humano naqueles últimos tempos. Foi também Cândida Fino, dona da pensão em Turim, quem observou Nietzsche dançando enlouquecido em seu quarto, com um cacho de uvas na mão e uma máscara de Dioniso. Pascoal Villaboin é o alfaiate que o filósofo encontra, a propósito de vestir-se com um terno que se ajuste bem a seu corpo. A propósito de fazer um terno sob medida, o alfaiate se espanta com o terno malfeito que Nietzsche estava trazendo, não acreditando que existissem tão maus alfaiates. Nietzsche, a propósito dessa passagem, emite sua famosa reflexão: “toda a filosofia ocidental é um mal entendido a respeito do corpo. O corpo é o pensador.”
O filme em si é também uma enorme inversão de perspectivas, que conforma a ironia dramática: de início, mostra Nietzsche feliz com o início de sua repercussão, (tradução de Zaratustra para o francês, cartas de Karl Nortz, Strindberg, palestras de George Brandes em Kopenhague), com a saúde melhorada pelo clima de Turim e da cidade de Nice (que associa com a deusa vitória e com seu próprio nome; a cena em Nice ficou de fora do filme, mas entrou no DVD). Após muitas imagens idílicas, a narrativa cria ao final uma forte reversão negativa de perspectivas com o “effondrement” (enlouquecimento) de Nietzsche.
Como a estética de Nietzsche é muito voltada para a música (para ele a música é a expressão da vontade pura; as coisas são música corporificada), o filme é harmonizado pelas músicas de Nietzsche ao piano, imagens e sua própria voz, uma voz quente e irônica, na verdade uma conversa com o espectador. As imagens/vozes são também complementadas com árias de Wagner (Liebestod), que abre os passeios de filósofo pela bela cidade de Turim, ou por Carmen de Bizet, que ilustra reflexões do texto O Caso Wagner, dentre outros. A música é uma personagem do filme.
É um filme onde o personagem Nietzsche (Fernando Eiras) não fala, apenas dialoga em off numa livraria, com uma vendedora de frutas, mas nunca há diálogos, apenas monólogos, ressaltando a enorme solidão de Nietzsche, mas aproximando a narrativa do espectador, que sente que a voz em off é uma voz amiga, que fala para um ouvinte, é profundamente inspiradora. O motivo-guia do filme é a voz interior do filósofo, sempre lendo trechos de seus livros e cartas.
A respeito de Nietzsche, é sempre preciso interpretar e escolher a sua perspectiva. O meu Nietzsche é esse do filme de Bressane, um Nietzsche compatível com o humanismo marxista: dialética (no sistema de Nietzsche, foi recusada formalmente, mas está presente e rebatizada com o nome de perspectivismo. É a necessidade de contextualizar e relativizar o conhecimento humano); uma estética aristocrática e radical, para a qual tudo que é divino se aproxima com pés leves; uma ética tropicalista para qual um lugar de mistura de raças é lugar de grande cultura, por isso o antissemitismo e o racismo lhe dão vontade de vomitar; para essa ética, quem pode nos libertar das falhas trágicas de um sistema político e social decadente são os lá de baixo: os negros, os judeus alemães, os párias, os índios, as mulheres, os operários, os caipiras. Há subsídio em Nietzsche para contrariar esse meu Nietzsche? Há. Mas não me interessa e contra essa outra interpretação, se aparecer, vou oferecer agônica oposição. Finalizando, algumas de suas frases no decorrer do filme (todas tiradas de Ecce Uomo):

Não foi em vão que enterrei hoje o meu quadragésimo quarto ano, era lícito sepultá-lo –o que nele era vivo está salvo, é imortal. O primeiro livro da Tresvaloração de todos os valores, as Canções de Zaratustra, o Crepúsculo dos Ídolos, meu ensaio de filosofar com o martelo –tudo dádivas desse ano, aliás de seu último trimestre! Como não deveria ser grato à minha vida inteira? –E assim me conto minha vida.

A fortuna de minha existência, sua singularidade talvez, está em sua fatalidade: diria, em forma de enigma, que como meu pai já morri, e como minha mãe ainda vivo e envelheço. Essa dupla ascendência, como que do mais elevado e do mais rasteiro degrau da vida, a um tempo décadent e começo.

A idéia suprema de poeta lírico me foi dada por Heinrich Heine.

Naquele dia em caminhava pelos bosques perto do lago de Silvaplana: detive-me junto a um imponente bloco em forma de pirâmide, pouco distante de Surlei. Então veio-me esse pensamento [Do eterno retorno. O filme de Bressane ilustra essa passagem com uma imagem dos seios de Mariana Ximenes em preto e branco].

Conheço a minha sina. Um dia, meu nome será ligado à lembrança de algo tremendo –de uma crise como jamais houve sobre a terra, da mais profunda colisão de consciências, de uma decisão conjurada contra tudo o que até então foi acreditado, santificado, requerido. Eu não sou um homem, sou dinamite.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Carta a um Juiz

Uma carta inédita de Maura Lopes Cançado, publicada na tese de Maria Luisa Scaramello, UNICAMP, 2010.


Rio, 15 de agosto de 1974.
Quero antes de qualquer coisa, agradecer a V. Excia. pelo muito que me tem feito.
Sobretudo por me haverdes livrado da idéia infantil de que um Juiz não era exatamente um ser humano, mas qualquer coisa que se me escapava, algo acima de minha
compreensão, do meu alcance – e principalmente do meu afeto. Ao constatar vossa
humanidade, admiti também que, como ser humano eu vos podia amar. No sentido em
que os seres, verdadeiramente humanos, são amáveis. E V. Excia o sois, sei-o, e sinto-me muito feliz com isso porque assim não vos temo, quero-vos bem, muito bem – ainda vossa lembrança deixa-me comovida. Creio associá-lo ao “Grande Pai”, o Adam
Kadmon dos cabalistas, Aquêle que me pode dar minha própria e exata medida. Isto é
muito bonito. Sim, pois é ainda através de V. Excia. que novos caminhos se me abrem.
Descubro pessoas que me amam, têem-me como gente – e começo também a amá-las,
vendo-as e vendo-me, eu mesma, também assim. Isto é: gente. Ajudam-me a sair do meu
silencio e constatar o quanto estive perdida durante toda minha vida. Refiro-me
especialmente aos médicos da Biopsicologia, aos quais, recomendásteis-me [sic](...) Por mais paradoxal que vos possa parecer, tudo isto – quero dizer: o crime e suas
conseqüências – tornaram-me melhor. Aproximou-me de pessoas lindas (incluo quem
vos leva esta carta (...)), deu-me uma segurança que eu antes desconhecia. Não
imaginais V. Excia. o que significa para mim ouvir do Fernando: - Sua necessidade de
dar e receber foi e é tão grande, que você matou. Já que não podia conter durante mais tempo, dentro de você, tanto amor. Ele devia irromper-se de qualquer maneira. E o seu crime foi um gesto desesperado de amor, Maura. Então eu entendi. E admitindo a dor, parece também que comecei a admitir o amor. (...) Muito obrigada também por me haverdes apresentado o rosto de um Juiz que não saiu de um livro de Kafka. Obrigada porque sois gente. Tudo isso é deveras surpreendente. Eu esperava um Juiz terrível, um semi-deus, cruel em sua frieza. E vos associava a idéia de Deus que me foi imposta na infância. V. Excia. Aparecesteis-me. Julgáveis-me. Mas principalmente buscáveis entender-me. Eu que fui julgada cruel e injustamente durante toda minha vida, não sabia então como existir. As coisas sempre me vieram por caminhos imprevisíveis. Precisava dizer-vos tudo isto. Muito mais ainda. Não o faço para não cansar-vos. Falo-ei em meu livro. Peço-vos perdão por não conseguir manter-me reverente como geralmente se entende reverência. Perdoe-me dizer-vos o que sinto e ano pensais que vos adulo antes de fazer-vos um pedido. Não pode ser adulação porque é verdade. Sr. Juiz faça de conta que lhe escrevo outra carta. O tratamento Excelência limita-me, é-me insuportável, dispense-mo, lhe peço. Eu tentarei escrever como sei fazer porque assim sou mais eu. Há um curso de Tragédia e Comedia Gregas (envio-lhe o recorte). Eu amo a Grécia, sou apaixonada pelo teatro grego, tenho em casa as peças de Sófocles, Esquilo, Eurípedes e Aristófanes. Meus conhecimentos, adquiri-os sozinha, jamais tive alguém que me orientasse nesse sentido. Este curso me será útil em minha literatura e tudo mais. Ate
mesmo em minha vida cotidiana. O curso começa amanhã, sexta-feira, dia 16. É apenas
uma vez por semana, às sextas-feiras, de 14 às 16horas. Não creio que minha freqüência
a esse curso possa prejudicar o sistema disciplinar da casa, levando-se em conta que
algumas presas saem semanalmente e passam ate dois dias em casa. Uma delas tem seu
carro na porta da cadeia, dirige-o, inclusive viajando para outro Estado. É uma
infinidade de coisas verdadeiramente escandalosas – que prefiro não mencionar.
Segundo pedido: lá fora eu estudava línguas, interrompi ao ser presa. Queria continuar a estudar inglês e alemão (que me são demasiados necessários),os professores viriam aqui, duas vezes por semana. (...) Se o senhor não concordar com meus dois primeiros pedidos, atenda-me pelo menos um deles. (...)Escrever-lhe-ei outras cartas num livro. Já comecei, seu título é Cartas a um Juiz. Trata-se de um livro de contos, cada conto é uma carta dirigida a um Juiz. A propósito, tenho lutado para arranjar um local onde possa escrever aqui. Davam-me uma sela só para mim. Agora tiraram-ma. Meu filho está lutando para que ma dêem de novo. Mas isto é ainda secundário, não posso pedir-lhe mais. Não sou datilografa, escrevo às carreiras, a pessoa que deverá levar-lhe esta carta está esperando. Não posso passá-la a limpo, peço desculpas por estar bem escrita. Queira-me bem – é o meu pedido mais insistente. Maura Lopes Cançado (Processo
penal, fls. 157, 158 e 159).13

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Nietzsche e suas composições de Maturidade (1864-1882)

Introdução

Nos últimos anos tem ficado mais conhecido do público o fato de que Friedrich Nietzsche, o filósofo, também compunha canções. Nesse artigo ficaremos conhecendo um pouco mais sobre elas.

2. Composições dos anos de maturidade

Vamos nos concentrar, por questão de brevidade, nas composições dos anos de maturidade. No ano de 1864, Nietzsche completou seus estudos em Schulpforta e começou seus estudos de Filologia e Teologia na Universidade de Bonn. Foi o seu mais produtivo ano em sua carreira de compositor, em se considerando a quantidade de composições completadas. Isso inclui a única peça para música de câmara que ele chegou a completar, uma fantasia para piano e violino, assim como um ciclo de canções. A partir de sua entrada na universidade, Nietzsche passa a ter menos interesse em expressar-se através da música.
Ele também reconheceu que, para poder ser bem sucedido em música, precisaria estudar profissionalmente, inclusive para ter melhor conhecimento da técnica do contraponto. Então, numa carta para mãe em fevereiro de 1865, Nietzsche declarou que preferia concentrar-se totalmente na filologia, decidindo-se a abandonar a composição pelo menos por algum tempo. Durante seus estudos em Bonn e Leipzig, realizou somente pequenos trabalhos corais, assim como deixou esboços de trabalhos maiores.
Embora Nietzsche tenha sido muitíssimo estimulado em sua carreira literária por Wagner, sua carreira musical não apresenta grande influência dele, mesmo depois de seu encontro com Cosima e com Wagner em novembro de 1868.
Somente entre 1871 e 1874 é que Nietzsche retomou a música por um período, já então estabelecido como professor em Basiléia. Ele fazia muitos duetos no piano com seu colega de universidade, o professor Franz Overbeck. Essa amizade fez com que Nietzsche compusesse peças para dueto no piano, assim como composições para orquestra nunca orquestradas. Nietzsche mandou a ele, como um presente, a composição Nachklang einer Sylversternnacht. Essa composição foi dedicada a um amigo de infância de Nietzsche, Gustav Krug; ela reflete o espírito alegre dos feriados de inverno. Anos depois, Nietzsche usou essa introdução como princípio de dois de seus trabalhos, Nachlang einer Sylvesternacht e Manfred Meditation.
Essa última, ao ser enviada para Hans Von Bullow, músico do círculo de Wagner, foi fortemente criticada e Nietzsche até afirmou que não escreveria mais música. Meses depois, no entanto, escreveu um dueto para piano, Monodie a Deux, e começou cedo depois de seu maior e último trabalho, Himnus auf die Freundschaft. Esse trabalho surgiu num tempo em que Nietzsche estava em processo de afastamento de Wagner e demonstra desejo de afastar-se totalmente de seu estilo. A composição surgiu entre abril de 1873 e abril de 1874. A versão final, depois de muitos estágios, é um hino em três partes. O hino foi composto sem letra, originalmente. Nas composições de Nietzsche, a música tem primazia sobre a letra, assim como as palavras se combinam com a música de forma a violar a natural fluência da dicção. Para esse Hino à Amizade, Nietzsche tentou anos escrever um texto, assim como convidou amigos a escreverem um texto para a música, mas sem sucesso. Ele finalmente encontrou um texto no poema Oração à Vida, de Lou Salomé, no verão de 1882. Com esse texto, ele transformou essa peça orquestral em uma canção para voz e piano. Seu amigo Peter Gast, em 1887, fez um arranjo para cordas e orquestra para essa composição (essa era originalmente a idéia de Nietzsche). Nietzsche enviou essa composição a Von Bullow, sem mencionar a ajuda de Peter Gast, comentando que no futuro ela seria cantada em sua memória, em memória de um filósofo que não tinha um presente nem queria ter um. Ele também esperava que essa canção fosse usada para que se entendesse melhor seu pensamento filosófico. O poema é o seguinte:

Oração à Vida
Tão certo quanto o amigo ama o amigo,
Também te amo, vida-enigma
Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,
mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.

Eu te amo junto com teus pesares,
E mesmo que me devas destruir,
Desprender-me-ei de teus braços
Como o amigo se desprende do peito amigo.


Com toda força te abraço!
Deixa tuas chamas me inflamarem,
Deixa-me ainda no ardor da luta
Sondar mais fundo teu enigma.


Ser! Pensar milênios!
Fecha-me em teus braços:
Se já não tens felicidade a me dar
Vamos, ainda tens tua dor.


As composições de Nietzsche para orquestra não foram aqui estudadas. Fora Eine Sylvesternacht, da qual já tratamos acima, podemos tratar também de Nine Songs, Beschworung, Nachspiel, Standchen (Serenata, uma canção com texto de Sandor Petofi), Unendlich (Infinito), também um texto de Petofi; Verwelkt (Witted, de Petofi, também); Ungewitter (Tempestade), escrita a partir de um texto de Albert Von Chamisso (1781-1838). Outra é Gern und Gerner (Com Mais e Mais Prazer). Trata-se igualmente de uma canção com texto adaptado de Alberto Von Chamisso (1781-1838, poeta romântico e naturalista); Das Kind and die Erloschene Kerze (A Criança e o candelabro que se extingue), também uma adaptação desse último autor; Es Winkt und neigt sich (a autoria desse poema é desconhecida, sendo possivelmente de autoria de Nietzsche; não é possível que seja de Sandor Petofi); é curioso tratar de Petofi, pois é um poeta romântico húngaro (1823-1849) que é um ponto de convergência entre Nietzsche e Lukács. O crítico literário húngaro chamou Nietzsche de precursor de uma estética fascista em 1934, mas aparentemente também gostava de Petofi, uma vez que participou de um círculo nacionalista rebelde que o homenageava na Hungria, na época da contra-revolução de 1956. Felizmente, parece que no texto A Destruição da Razão Lukács reconheceu que Nietzsche é feliz em suas críticas de arte, passando a criticar determinadas passagens de sua obra que dão margem a uma interpretação a favor do imperialismo (ele falaria em decadência porque sentiria que o imperialismo é o capitalismo putrefato ou decadente, etc).
Prosseguindo no assunto da produção artística madura de Nietzsche, existem ainda as composições: Junge Fischerin (O Jovem Pescador), poema do próprio Nietzsche; Chore por aqueles (O Weint um sie), texto de Lord Byron, tirado de Melodias Hebraicas; Dias de Sol no Outono é um baseada num texto de Emanuel Geibel (1815-1884). Adeus, estou indo agora (Ade! Ich muss nun gehen), é para coro de vozes femininas. Outra é Fragment am sich, o Fragmento em si, peça para piano; Kirchengeschichtliches Responsorium (Responsório da História da Igreja); também peça para voz e piano. Monodie a Deux é um dueto para piano escrita em fevereiro como presente de casamento para Olga Herzen.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Hitler Terceiro Mundo

Hitler Terceiro Mundo

Análise fílmica

1. Primeira parte

Ficha técnica

Produção, direção e roteiro: José Agrippino de Paula

Fotografia: Jorge Bodanzky

Montagem: Rudá de Andrade e Walter Luís Rogério

Cenografia: Sebastião de Souza

Música: Ivan Mariotti e Judimar Ribeiro, Frank Zappa (free jazz), Charles Anjo 45 (Jorge Benjor)

Elenco: Jô Soares, José Ramalho, Eugênio Kusnet, Luiz Fernando Rezende, Túlio de Lemos, Sílvia Werneck, Maria Esther Stockler, Ruth Escobar, Jairo Salvini, Danielle Palumbo, Jonas Mello, Carlos Silveira, Fernando Benini, Manoel Domingos

Ano de produção: 1969.

São Paulo, 90 minutos, 16 mm, preto e branco.

O filme saiu em DVD em 2005 Heco Produções – Desenvolvimento: Finotti.com

Gênero: filme político

Hitler Terceiro Mundo é um filme político que, como Cara a Cara de Júlio Bressane e Manhã Cinzenta de Olny São Paulo, são inspirados no filme Terra em Transe de Glauber Rocha. Para tanto, há um recurso alegórico: Hitler e seus seguidores simbolizam a ditadura militar brasileira. O filme é sobre a ascensão de um imitador de Hitler ao poder em um país do Terceiro Mundo. Só que ele surpreende ao partir para a ficção científica, dando a entender que o terceiro mundo não é um país (como o Eldorado de Terra em Transe) e sim outro planeta inteiramente diferente, onde se seguem cenas bizarras e não-realistas como num filme de ficção científica.
Como em Terra em Transe, o som das cenas parece trocado e o que se passa em uma cena quase sempre não tem ligação com o som, apresentando, então, um distanciamento crítico. Os diálogos são em off e sempre entrecortados por sons de animais, free jazz, ponto de macumba (como em Terra em Transe, cuja trilha sonora mistura ao mesmo tempo macumba e ópera). O som é um personagem à parte, que comenta as imagens como se fosse um personagem externo, provocando um efeito de distanciamento crítico. O filme faz uma utilização absolutamente não-realista do som, assim como, para desenvolver a trajetória do ditador nazista que ascende ao poder, ele gera uma narrativa não-realista e fragmentária, contrapondo tanto aliados do ditador (um samurai japonês) quanto seus opositores (o rapaz que aparece na cozinha, numa sequência no início do filme, é carregado como uma peça de oficina enquanto a voz em off teoriza sobre tortura). Em outra cena, Hitler alia-se ao primeiro-ministro conservador do “Terceiro Mundo” e esse primeiro-ministro (com peruca de magistrado) manda decapitar, em nome do comitê central da moralidade, uma madame (mostrando a repressão moralista do fascismo).



Um diálogo do filme:

Voz em off: o golpe de estado será executado pelo robô. Adolf Hitler ainda é um conservador democrata. Morte ao primeiro-ministro! Fascismo radical!
Outra voz: Trata-se de um cientista de alto nível. Foi recomendado pela central de golpes de estado do terceiro mundo.
Voz em off: Ótimo. Liga o robô! Liga! Liga! (Som de soldados marchando, gritos marciais para apresentar armas).
Outra voz: Tem medo de barata? Não? Tem medo de avião? Tem medo de cobra? Não! Estou comendo cobra, tem gosto de peixe. Os japoneses preparavam cobras alho e óleo. Não! Adolf! O povo procurava isso, então surgiu ADOLF HITLEER! (O robô de Hitler sai marchando e atirando dentre de um prédio que insinua ambiente futurista. Ouvem-se ruídos estranhos, metálicos e entrecortados).

2. Segunda parte

Protagonista: Um caricatural Adolf Hitler sobe ao poder num golpe e suas consequências num planeta chamado Terceiro Mundo, protagonizando situações bizarras e surrealistas. O filme é composto de várias sequências que exploram diferentes situações ligadas a esse golpe nesse estranho “planeta” que simboliza o Brasil de 1968. Hitler Terceiro Mundo é uma ficção científica política.

Tensão principal, culminância e conclusão: a tensão principal é entre Hitler e os demais personagens: O Coisa, personagem de história em quadrinhos, que tenta pular de um prédio após o golpe, depois de participar de estranhos rituais junto de Hitler e de um pênis gigante; o caricato juiz que se dispõe a agradar Hitler; os vários personagens jovens, muitas vezes nus, que discutem, de forma entrecortada e oblíqua, o destino dos opositores de Hitler, que são chamados de “terroristas”. O Samurai japonês que, na favela e em outros ambientes, ameaça as pessoas com sua espada e aparentemente é aliado de Hitler. O clímax é quando Hitler afirma: “eu sentei de pijama na varanda de meu palácio e não vi nada, apenas o carnaval, miséria e morte”.

Ironia Dramática: Hitler Terceiro Mundo é um filme que trabalha com o distanciamento entre imagem e som, assim como rompe com a representação realista e a narrativa linear. O filme apresenta um interessante diálogo com a prosa de José Agrippino, representada por textos como Lugar Público e PanAmérica, publicados nos anos 60. São textos também fragmentados e não-realistas, misturando muitas vezes elementos culturais eruditos ou de massa e colocando-os em situações absurdas, o que dá a entender que José Agrippino (que é o diretor) buscou transpor sua escrita e suas preocupações literárias para a linguagem cinematográfica.

Características dos personagens: Hitler é uma paródia caricatural de um ditador pobre e mal-vestido. Ele é visto vestido com poucas roupas e somente a suástica no braço. Exceto Hitler, o Coisa e a Madame, os demais personagens não têm nome e encenam situações estranhas e inusitadas diante da câmera, que chega a filmar de cabeça para baixo. Hitler toma o poder através de um robô-Hitler; um dos guerrilheiros, no início do filme, fica paralisado e é levado como um objeto; o personagem A Coisa, após participar de rituais com um pênis gigante e Hitler, decide suicidar-se pulando de um prédio, mas é preso pela polícia. Numa das cenas, a mãe de um condenado político vem pedir clemência para Hitler dentro de um banheiro. Hitler a atende enquanto escova os dentes. E, no final, enquanto Hitler se decepciona com a miséria do “terceiro mundo”, o Samurai é atingido por um outro arrivista na favela e termina praticando um enfurecido haraquiri diante de uma televisão.

3. Observações finais e conclusão

Hitler Terceiro Mundo, embora tenha relação com Terra em Transe de Glauber Rocha, é enquadrado geralmente como parte do chamado cinema marginal, pois sua proposta, embora também política, inclui elementos da cultura pop, foi um filme que não teve a distribuição comercial (só foi exibido numa mostra aberta ao público em 1984) e cujo protesto político é deslocado em prol da experimentação com a forma. Agrippino utilizou elementos da peça que estava montando então, Rito do Amor Selvagem e também tentou transpor seu universo dos livros para o cinema. Em comum com o cinema marginal, esse filme tem como locações prédios em construção, periferia de São Paulo (favelas, lotes vagos) e preferência por situações grotescas, fora da realidade, utilizando a paródia e o sarcasmo. Nesses filmes abundam citações, imagens recicladas; o humor e a sexualidade têm papel importante.
Pouco conhecido em seu tempo, o escritor multimídia José Agrippino de Paula, diretor desse filme realizado com baixo orçamento, de forma claramente precária, sem roteiro linear, mas com muita criatividade, foi reconhecido por Caetano Veloso como uma das grandes influências em suas canções da fase pioneira da tropicália.
Hitler Terceiro Mundo é a realização do projeto do diretor de fazer um filme na época da montagem da peça teatral Tarzan III Mundo: O Mustang Hibernado. O filme e a peça compartilharam várias cenas. Como curiosidade, o filme tem a participação de Jô Soares no papel de um samurai que se suicida. Jô não tem diálogos, só dá gritos e gemidos. O filme estabelece um interessante diálogo com seu estilo nos textos, para quem conhece os livros de José Agrippino de Paula.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Análise do filme Quando Nietzsche Chorou

Quando Nietzsche chorou



1. Primeira Parte

Ficha técnica


Diretor: Pinchas Perry
Idioma: inglês
País: Estados Unidos, 2007, cor
Duração: 105 minutos
Roteiro: Pinchas Perry/Irvin D. Yalom (livro)

Elenco original :

* Armand Assante: Friedrich Nietzsche
* Ben Cross: Josef Breuer
* Katheryn Winnick: Lou Salome
* Jamie Elman: Sigmund Freud
* Rachel O'Meara: Frau Becker
* Joanna Pacula: Mathilda
* Michal Yannai: Bertha
* Andreas Beckett: Zaratustra

Trilha Sonora: excertos de óperas. Foram citadas A Valquíria, de Wagner; Carmen, de Bizet; foram citadas também as composições Danúbio Azul e Assim Falou Zaratustra, de Strauss.

Gênero: drama

O filme é uma adaptação do romance Quando Nietzsche Chorou, por sua vez uma abordagem ficcional de um encontro que nunca aconteceu, mas poderia ter acontecido: Freud e Nietzsche. A ação situa-se na Viena do século XIX, na primavera de 1882. Lou Salomé é a mulher que faz essa ligação, pois na realidade ela foi amante de Breuer (no tempo em que estava casada com o professor Andreas) e chegou a conhecer Freud e formar-se psicanalista. Alguns anos antes, Lou tinha se envolvido com Nietzsche e, embora isso seja controverso, Lou chegou a insinuar ter tido relações sexuais com ele em artigos de jornal publicados após sua morte em 1900. O filme concentra-se na relação possível entre Joseph Breuer e Friedrich Nietzsche, um representando a nascente psicologia e Nietzsche, os lampejos de sua filosofia sobre a mente e o comportamento, que adiantam muito da psicologia que lhe foi contemporânea sem que nunca houvesse efetivo diálogo. O romance e o filme fornecem, através da ficção, esse diálogo.
O filme se vale de episódios reais para criar a narrativa. De fato, Lou e Nietzsche foram apresentados e Nietzsche comentou que ambos haviam caído de uma mesma estrela; no filme, tal acontece numa sala de aula onde ele ensina que Deus está morto. Tal não poderia acontecer, pois Nietzsche era professor de Filologia Grega e não de sua própria filosofia, que não chegou a ser estudada em universidades antes de seu enlouquecimento (effondrement).

Diálogo do filme: Breuer tenta convencer Nietzsche a tratar-se.

Breuer: minha sugestão é que vá à Clínica Lauzon, para curar o estresse. Eu vou te visitar diariamente.

Nietzsche: Não estou apto a pagar por esses serviços.

Breuer: Eu o farei gratuitamente.

Nietzsche: Isso nada tem a ver com a motivação humana. Quais são suas motivações, doutor?

Breuer: O sapateiro faz sapatos, o médico medica. Por que você filosofa, se não ganha dinheiro?

Nietzsche: Eu não filosofo para você. Diga-me quais são suas motivações!

Breuer: Você é um grande filósofo, quero fazer com que você se torne o que é!

Nietzsche: E assim se engrandecer, sendo meu salvador.

Breuer: Eu trato as pessoas mais famosas de Viena.

Nietzsche: e quer me usar os nomes deles para ganhar poder sobre mim.

Breuer: Seu nome não será revelado!

(Nietzsche lhe vira as costas e sai, negando-se a tomar parte no tratamento).

2. Segunda parte

Protagonista: Friedrich Nietzsche é um filósofo em crise por ter tido negados os seus pedidos de casamento junto de Lou Salomé, escritora que busca ajudá-lo a se tratar, uma vez que ele se encontra rompido com ela, doente de enxaquecas e desesperado. Salomé procura Breuer para ajudar Nietzsche a tratar seu desespero e parar de mandar as cartas angustiadas que ele está mandando para ela.

Tensão principal, culminância e conclusão: a tensão principal é que Nietzsche, mesmo estando pobre, marginalizado, doente e desesperado, não aceita o tratamento de cura pela fala que Breuer lhe propõe, ainda mais que tal tratamento está seria gratuito. Ele desconfia que está sendo traído por Breuer, por já ter sido traído por Wagner (que o ofendeu com comentários maldosos), Paul Rée e Lou Salomé (que, sendo amigos dele, relacionavam-se secretamente, mas para consolá-lo, estavam lhe propondo morar os três numa mesma casa).

Características dos personagens: Nietzsche é um filósofo brilhante que está vivendo uma grande crise em sua vida, estando em desespero, pois rompeu com seu melhor amigo e com a mulher por quem se apaixonou. Buscando tratamento médico para sua enxaquecas violentas e outros problemas de saúde, ele se encontra com Breuer, que é médico e também estava vivendo a crise de seu casamento com Mathilda. A crise com Mathilda foi motivada principalmente por ter se apaixonado por Bertha Pappenhein, uma de suas pacientes, que teve um ataque histérico e disse à sua mulher, Mathilda, que estava grávida de um filho do Dr. Breuer. Lou Salomé é uma mulher sedutora, inteligente, mas também uma mulher de gênio forte, dominadora e manipuladora. Bertha Pappenhein é caricaturada como uma histérica delirante, a quem não falta até mesmo o tapa na cara. Ela é o objeto de desejo obsessivo de Breuer, o que lhe traz enorme sofrimento. Sigmund Freud é um jovem médico e ex-aluno de Breuer que auxilia o médico no caso.


Ironia dramática: Nietzsche nunca conheceu Breuer nem a psicanálise, assim como Freud alegou conhecer posteriormente, mas não ter lido Nietzsche, mas de fato sua filosofia e a psicanálise têm muito em comum. Na realidade, Breuer chegou a ser amante de Lou Salomé, fato que está insinuado em um dos sonhos de Breuer (fantasia onde Bertha e Lou Salomé o disputam). No entanto, dificilmente Nietzsche aceitaria a psicanálise sem muitas críticas, dado o seu temperamento. O próprio filme demonstra reconhecer isso. E o filme mostra Nietzsche, ironicamente, sendo enganado por Lou Salomé e Breuer, o que seria mais uma grande traição em sua vida, se ele soubesse (fora as traições de Wagner, Paul Rée e Lou Salomé).


3. Terceira parte: Observações especiais e conclusão

O filme cita o livro de Nietzsche A Gaia Ciência (Die Frohliche Wissenschaft), que é mostrado em algumas cenas, que Nietzsche terminara de escrever e publicar, estando então planejando Assim Falou Zaratustra. A obra de Nietzsche costuma ser dividida em três fases: a primeira fase, aparentada ao romantismo; a segunda fase, com uma simpatia pela ilustração; uma terceira fase, já no final da vida, de retorno ao romantismo. Essa obra é uma das mais lidas do autor. A fase é uma das mais bem aceitas e inclui Humano, Demasiado Humano e Aurora. Em A Gaia Ciência, Zaratustra faz sua primeira aparição como personagem de Nietzsche, tendo sido retomado posteriormente. Nesse livro, Nietzsche também aborda dois temas-chave em sua obra: a morte de Deus e o eterno retorno. Ambos os temas são abordados no filme. Nietzsche fala sobre a morte de Deus na universidade, Lou ouve a aula atenta e vem até ele dizer que o que ele está dizendo não é que Deus nasceu e deixou de existir, mas sim que Deus é uma força que não pode mais ser levada em conta. E Nietzsche diz a ela, beijando sua mão: “de que estrela caímos juntos?” É o começou de um amor que terminará mal. A figura de Paul Rée, que foi quem realmente passou a morar com Lou (embora se diga que esse amor foi uma amizade), aparece sem muita relevância no filme, com poucas falas. Mas o médico judeu Paul Rée era seu melhor amigo e também era filósofo. Anos depois, aliás como comentou Nietzsche para Lou, Rée separou-se dela e terminou cometendo suicídio. Lou carregou o peso, socialmente, de ter sido a perdição não só de Paul Rée, mas também de Tarski, discípulo de Freud que também matou-se por ela. O eterno retorno, que para Nietzsche seria o oposto à dialética e à causa e efeito, seria um continuum, um ciclo eterno. Para preparar-se para ele, é preciso viver com autenticidade essa vida e seus momentos, pois eles se repetirão. Lou Salomé também chegou a ser namorada de Rilke e viajar com ele à Rússia. Também foi muito benquista nos círculos wagnerianos e freudianos. Mulher muito livre e controversa, escritora de talento, de origem nobre, casou-se, mas não ser relacionava com seu marido (que conquistou-a após também ameaçar o suicídio), o professor Carl Friedrich Andreas; Lou teve, então, vários amantes e o professor Andreas teve um filho com a governanta. No final da vida vivia reclusa e, após sua morte em 1937, sua biblioteca foi requisitada e queimada pelos nazistas, que não aceitavam a psicanálise, que chamavam “a ciência judia”.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Oswaldo Coggiola, Stálin e Ronnie Von

O professor Oswaldo Coggiola, que leciona História Contemporânea da USP, esteve ontem no programa televisivo do Ronnie Von para falar sobre Stálin/Trotsky, na série "Tiranos". Ele está lançando no Brasil, com um prefácio, a biografia que Trotsky fez de Stálin. Ela ficou incompleta porque o biografado matou o biógrafo. Ele deveria estar totalmente obcecado pelo seu adversário; imagino as canduras que escreveria, ele que acusava Stálin até de ter tentado matar Lênin. E antes de ler isso no livro Stálin, Um Outro Olhar, do Ludo Martens, eu li isso em uma pequena biografia de Trotsky que comprei em uma banca.

O maior equívoco de Coggiola é falar que, quando Stálin morreu, quem o sucedeu foi Malenkov. Não, professor, foi Laurenti Beria. E Beria foi preso logo depois, quando ocorreu uma rebelião na Alemanha, acusado de agente estrangeiro. Seu julgamento foi a quatro paredes e até hoje o filho reivindica a verdade sobre o que aconteceu, reclamando que supõe que, quando foi formalizado um julgamento, Beria já se encontrava morto.

Coggiola fez um percurso histórico falando nas mortes causadas por Stálin, começando na I Guerra Mundial. Errado. Ele, junto com o partido, foi um dos que mais se esforçaram por acabar com a matança. Depois ele fala em cinco milhões de mortos no "Grande Terror". Não; o certo seria falar de três milhões de mortos na fome da Ucrânia em 1933-34. Ocorreram muitas mortes mais, inclusive de comunistas, na violenta coletivização que se seguiu, justamente para evitar a repetição das fomes oriundas das más colheitas (que já aconteciam em anos anteriores). Essa fome, segundo o professor Mark Tauget, especialista no assunto que leciona em West Virginia (USA), não foi provocada pelo governo da URSS, como agora lhe atribuem, mas teve causas naturais.

Os grandes expurgos, que é o que ele está chamando de "grande terror", envolveram algumas dezenas de milhares de prisões e fuzilamentos, nunca milhões. Há um bom livro sobre isso: The Origins of Great Purges, também do historiador norte-americano Archie Getty. Infelizmente, não está traduzido em português: "As origens dos Grandes Expurgos". Nesse livro, Getty esclarece que os expurgos foram antes para organizar a estrutura caótica do partido do que totalitarismo. E não verifica provas e evidências históricas de que os Processos de Moscou, que foram os processos onde os expurgados do partido foram julgados por conspiração, tenham sido falsos ou as confissões obtidas sob tortura.

Outro ponto que está sendo pesquisado pela geração norte-americana de historiadores depois da Guerra Fria (Roberta Manning, Grover Furr, Archie Getty) é o papel de Trotsky. Existem evidências de que ele colaborou com autoridades militares alemãs e japonesas. Há, então, essa hipótese, que Coggiola deveria aventar. Ele nunca foi acusado de colaborar com ingleses e norte-americanos conforme a conveniência de Stálin. Ele foi julgado à revelia. Pelo que Coggiola fala, parece que foi Stálin o culpado das mudanças de país de Trotsky. Mas o fato é que ele não era aceito porque era um revolucionário russo e isso na época era muito combatido e nada aceito nos países capitalistas, mesmo nos democráticos.


Por fim, creio que o objetivo da entrevista é vender a tal biografia de Stálin por Trotsky. Não fico ansioso. É como ler uma biografia de Getúlio Vargas escrita por Lacerda.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A difusora das vozes do além

Essa é uma história de fantasmas. Certa noite, depois de desligar o computador bem tarde, verifiquei que a caixinha de som ainda continuava transmitindo alguns sussurrados sons. Cheguei o ouvido bem perto, ouvi vozes que sussurravam sei lá que segredos, mas que ao meu ouvido permaneciam imperceptíveis. Mas pude notar que uma voz falava, dava uma pausa, continuava falando.
Imaginei, então, que seriam vozes do além, pessoas mortas tentando fazer algum contato com os vivos. A experiência talvez fosse como a da escritora Hilda Hilst, que há muito anos atrás arranjou um gravador (de tecnologia avançadíssima, suponho) através do qual conseguia captar as vozes do além. Hilda estava desatualizada: recentemente, ao assistir ao filme Nosso Lar, pude verificar que já existe até mesmo internet no além. Os médiuns serviriam como uma espécie de caixa de e-mail dos espíritos.
Inspirado por tais reflexões, decidi levar a questão das vozes dos espíritos a um amigo já iniciado nos mistérios desses outros mundos. Ele escutou atentamente meu relato e me disse que, sim, os mortos poderiam estar tentando um contato, pois no além há cientistas que estão buscando contato com esse mundo aqui, assim como nós buscamos o “continente desconhecido” que vem depois da morte.
Tempos depois, então, ele mandou alguém que seria algo como que um técnico em assuntos metafísicos para examinar a caixinha de meu computador. Ele ouviu e, logo, irritado, me esculachou:
--Que mané voz do além que nada! É a Rádio Difusora, sô!
Desconcertado, vi que realmente era a Rádio Difusora de Bom Despacho, que, com sua potência assustadora, tem a capacidade de “pegar” até mesmo em uma caixa de fósforos!

sábado, 22 de outubro de 2011

Condenados à Traição

[Improviso a partir do texto Condenados à Tradição, de Iuma Simon, publicado na última revista Piauí].

Eucanaã
Não encontrará
Sua Canaã

No midiático oficialismo
Na institucionalização progressiva
No highbrow calculismo

A poesia que Eucanaã
Escreve
Revencia a tradição
& se apropria dela

Carlito e Eucanaã
Temperam suas Canaãs geracionais
Com seus próprios paradigmas
Ao molho retradicionalizador
De uma tal
Maria Simon


Maria diz sem pietá:
Carlito Azedo é
Doce rigor construtivo
vertigem sintática &
escancarado esteticismo;
Carlito Carlitos
usa um dispositivo
Para a dissolução referencial
Das luzes da ribalta.

Maria, Maria, é um dom
Ela diz com certa magia
Contundente cabralismo;
Carlito se alimenta do espetáculo
Do texto indeterminado
Movido pelo desejo
De ornamento e beleza.


Já Eucanaã é Ferrabrás:
Emoção e beleza
curam as cicatrizes da construção
Cabralismo com afeto
Delicadeza e diálogo:
Autores portugueses.

O ritmo do desejo corrige e humaniza
(sentimentaliza?)
A racionalidade construtiva

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Bom Despacho no Top Five do CQC: Viva Bom Despacho!

http://www.youtube.com/watch?v=c9_XmrcGAFU&feature=player_embedded


Adorei esse vídeo acima.

Adorei, porque eu sou a Maria Francisca.

O revista cidade sol é o blog da Maria Francisca, movido pela estética do sonho.

A revolução, no mundo totalmente dominado pela razão, aparece como o milagre.

A outra saída encontrada pela maioria é o novo cangaço, a explosão irracional no crime.

Deus & e o Diabo traçando as linhas de uma cultura colonizada.

Eu sou Maria Francisca, eu tenho fome, eu tenho ser esse dedinho que fica aí incomodando, eu tenho muito para falar, atropelando a boa educação e a conveniência da mídia!


Minha vontade louca de ajudar aparece como absurda e cômica, senão loucura aos olhos dos jornalistas, que riem.


Mas o que move Maria Francisca e a revista cidade sol é a fome. Ela tem fome de ajudar. E Maria Francisca entendeu o recado: ocupar SBT. Colocar meu pedido lá, insistir, pedir. Vai parecer nonsense? Vai. Mas é a estética do sonho, a estética da fome, em movimento.


Maria Francisca produziu uma imagem símbolo, imagem com alto potencial revolucionário. O dedinho que, de fora do plano, incomoda o repórter.

"Minha terra natal é Bom Despacho"

Viva Maria-ia-ia-ia!

VIVA BOM DESPACHO, apontando caminhos para o Brasil!!!

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

João Paulo X Lúcio Jr: Uma crítica e Duas Réplicas

#1 João Paulo 11-10-2011 19:30


Chamar Marcelo Tas de iluminista como algo positivo partindo do princípio da Escola de Frankfurt, representada pela Dialética do Esclarecimento? O primeiro capítulo, Conceito de Esclarecimento, é a parte mais explícita do mal atribuído à Iluminação, que é explanado nos capítulos subseqüentes. Procure mais informações antes de vomitar autores para tentar enquadrar seu texto em um padrão de qualidade que (a) não é necessariamente requerente de fontes ou autores para qualificação e (b) não condizem ao conteúdo do seu texto e os argumentos claramente que não tem, nem em primera instância. Comparar o CQC aos contramovimento s ou qualquer outra categoria que nós já tenhamos conhecido é bobeira, porque na crítica da televisão, eles se fazem de isentos do meio. Não esqueça que no programa são veiculadas propagandas. Leia REALMENTE o livro citado, e vai entender o conceito de Indústria Cultural e o processo de cultura PARA massas.

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17 de outubro de 2011

João: Hoje resolvi fazer uma réplica mais dura para você.


Mas o convite melhor seria dizer que espero que você me oriente nessa leitura, que me ajude a não vomitar e a sim antropofagir, assimilar organicamente o que foi lido, pois esse é meu objetivo.

Eu leio Adorno e em parte vomito mesmo. Você me acusa de renegar o "pai", mas me enoja ouvir dizer que Adorno reprovou Walter Benjamin e depois usou sua tese (O Drama Barroco no Romantismo Alemão) como instrumento de trabalho em Frankfurt. Tendo em vista o sofrimento que Benjamin passou depois, essa desonestidade acadêmica, essa pequena crueldade me dá vontade de vomitar.

Tomara que seja só fofocagem.

Mas participará também Adorno dessa dialética que ele mesmo fala? É hora de enfrentar a questão imperiosa.

Eu PENSO que sim. Seu esquema político, em 1943, se assemelha ao de Friedrich Hayek, pai do neoliberalismo, em O Caminho da Servidão: ele assimila e agrupa o estado de bem-estar social norte-americano, o nazismo e o comunismo entre seus inimigos. Hayek e Adorno escreveram isso no mesmo ano. O esquema também é o mesmo de As Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt.

O conceito de totalitarismo, para mim, é um lixo. Iguala nazismo, comunismo e imperialismo.

O que eu vomito quando leio Adorno é sua obscuridade ao não tomar partido pela União Soviética e os aliados em 43. Tudo indica que não levou em conta as teses de Lênin sobre o imperialismo e pior, sobre o "stalinismo" o que ele sabe deve ter lido nos jornais e revistas. Revistas e jornais americanos como os de Randolph Hearst, coalhados de denúncias "antistalinistas" colhidas na Gestapo!

E Adorno, supremo crítico da indústria cultural, mostra-se obtuso ao ponto de separar as críticas de Marx em O Capital de seu projeto político, não reconhecendo esse projeto político na URSS dos anos 40 e pior: tomando um juízo que vai alimentar mais fascistas mais nojentos e que é repetido com rigor pela direita até hoje: o nazismo e o "stalinismo" são a mesma coisa!!!

Por isso, João Paulo, que usei o texto de Adorno como inspiração, mas não me deixou tutelar pelo pensamento dele. O que vale nessa carta é que aponto onde, na própria obra, está a dialética do esclarecimento e da obscuridade. Isso é um campo de pesquisa muito rico.

Abraços do Lúcio Jr!


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Pontuação do comentário 0 #2 Lúcio Jr 17-10-2011 04:44
Oi, João Paulo.

Vou reler os capítulos, mas sei que a tendência natural de um adorniano seria ver tudo na televisão como ruim e vomitar impropérios.

Realmente, em meu texto peguei só uma ideia principal, o avanço entre civilização e barbárie, o avanço de um lado para o retrocesso no outro.

"Contramovimento s", vc fala, situacionismo, maio de 68, Baade Meinhof? Ainda bem que vc mesmo reconhece que essa comparação é besteira, mas e vc quem a traz. Vc há de convir que a Indústria Cultural se autobservar é pelo menos curioso.

Isentos do meio? Ele deveriam se autocriticar? Citar Adorno? Se liga que hoje na Escola de Frankfurt tem Congresso para estudar Bob Dylan organizado pelo presidente! Procure no meu blog esse artigo.

Abs do Lúcio Jr!

sábado, 15 de outubro de 2011

A última carta de Olga a Luís Carlos Prestes e a filha

A última carta que Olga escreveu a Luís Carlos Prestes e а filha, ainda em Ravensbrück, na noite da viagem de ónibus que a levaria а morte em Bernburg




Queridos:



Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças - ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a ideia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte. Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-ia, mesmo se não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?

Querida Anita, meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que me esforço para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijos pela última vez.

Olga.



[Dedico essa postagem a Lara Campos Morais do Espírito Santo, *13/07/2005, +15/07/2005]

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Notas sobre os possíveis desdobramentos da crise mundial

A lei do valor é que, no capitalismo, determinaria as crises periódicas de superprodução, junto com a anarquia da produção e a lei da concorrência. O fim da produção capitalista é a obtenção de lucros. Ela não têm em vista o homem e suas necessidades. A produção não é social. O capitalismo só precisa do consumo quando ele garante lucros.

Busca-se não o produto, mas o sobre-produto. A massa do trabalho produtivo só tem interesse para o capital na medida em que aumenta o tempo do trabalho necessário. Se o trabalho não dá esse resultado, é sustado, pois é considerado supérfluo.

No entanto, qual é a lei do capitalismo contemporâneo? Para realizar uma reprodução ampliada mais ou menos regular, o capitalismo precisa de lucro máximo. Não do lucro normal, não do super-lucro, é o lucro máximo o motor do desenvolvimento capitalista.

O lucro médio não é suficiente. Ele é o mais baixo limite da rentabilidade, abaixo do qual a produção capitalista se torna impossível.

Sendo assim, o melhor business é a guerra, pois garante o lucro máximo. É de se esperar que a OTAN invada a Síria, o Irã, a Coreia do Norte, Cuba, etc. Os passos arriscados seriam dados porque ele precisa do lucro máximo ou não poderá se reproduzir.

Por buscar somente os maiores lucros, o capitalismo provoca interrupções no progresso da técnica, assim como destruição de forças produtivas na sociedade.

A crise aumentará as contradições entre China e os Estados Unidos, Inglaterra e a União Europeia, entre o mundo dependente e os países centrais, assim com os países centrais entre si.

A União Europeia continuará? É possível, mas creio que caminhará para ser uma União onde a Alemanha buscará tornar-se independente do domínio americano, desobedecendo suas ordens e buscando um desenvolvimento independente, assim como o Japão e outros países centrais.

Desde a II Guerra até agora, a Europa Ocidental tem sido mera extensão da economia norte-americana. De agora em diante, é de se esperar que Japão e a Alemanha tentem, de novo, um desenvolvimento independente da tutela dos Estados Unidos, mas também podem tentá-lo a França, Itália ou Inglaterra.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O Cqc e a Dialética do Esclarecimento: Rafinha & a Regressão

O programa Custe o que Custar, da Rede Bandeirantes, traz no título a negação do apego ao interesse material. No estágio atual da sociedade capitalista, o limite é justamente o quanto custa e o capital monopolista, nessa fase em que estamos, precisa é do lucro máximo para se manter, não do lucro normal, nem do superlucro. Daí que possamos esperar novas guerras, que afinal é o business que o capital precisa nessa fase de crise.


Adorno diz, na Dialética do Esclarecimento, que cada progresso na civilização atual tem o seu reverso de regresso e barbárie. É interessante buscar, dentro do programa Custe o Que Custar, onde é que começa o progresso, onde é que está o seu lado regressivo, pois o que sobressai é justamente o seu lado progressista. O programa traz eflúvios progressistas: os apresentadores são jovens, há quadros que observam a própria televisão brasileira em sentido crítico (a mídia raramente se autodenuncia), outros tratam de conscientizar o poder público quanto a mazelas, surgem colagens não-realistas, etc.


De início, a chacota um tanto grossseira com os gays é que fazia o papel regressivo no programa. Ao trazer o deputado Bolsonaro, de extrema-direita, para repetir estereótipos racistas e homofóbicos e ser repudiado pelo apresentador Marcelo Tas, o programa conseguiu dar uma volta em torno de si mesmo e fazer figura de campeão dos direitos civis.


Mas eis que surge a polêmica sobre frases a favor do estupro e o Golem do programa encarna, não no descendente de alemães Marcelo Tas (chamado pelos inimigos de “Marcelo Naz”, mas que, culto e carismático, representa o que há no CQC de mais iluminista, observei no dia em que ele faltou que o programa só tem aura por causa dele), mas no judeu Rafinha Bastos. Isso é sintomático, quem sabe, de um tempo em que, como diz o meu amigo Laerte Braga, a grande regressão no cenário internacional está no nacionalismo de direita agressivo que, em aliança com os USA, instalou-se em Israel e oprime o povo palestino. Como segundo ato do drama do imperialismo nazista, o imperialismo europeu e americano tornou o povo judeu seu aliado (foi seu maior bode expiatório entre 1933-1945) e seu sócio no Oriente Médio. Alimentado com leite de loba, Israel é agora uma grande naja americana e européia para controlar e envenenar os países do Oriente Médio, atuando inclusive fora de suas fronteiras.


E eis que vejo Rafinha Bastos no programa Provocações, da TV Cultura, dando surpreendente entrevista. Rafinha é o único da trupe do CQC a estrelar um programa de humor e entrevistas na mesma rede, levando ao limite a esquizofrênica dicotomia jornalismo-humor que parece ter dado certo com o Cqc e o programa Pânico na TV (paródia imunda e saneadora da cultura de celebridades). Nela, ele disse que participa de tudo, twitter, televisão, stand up comedy, tudo em busca de dividendos, pois é judeu e onde tem dinheiro ele está. A partir dessa entrevista autognóstica, pode-se supor que Rafinha se alinha com outros comunicadores judeus tais como Marília Gabriela, Gerald Thomas, Serginho Groisman, Luciano Huck e Boris Casoy, ou seja, parte de uma tribo que, embora seja uma religião pouco numerosa no Brasil, parece encontrado no rico e poderoso setor de comunicação do Brasil a sua Terra Prometida. Essa frase sobre a busca do dinheiro é justamente o contrário do lema de desprendimento do programa a partir do qual ele se celebrizou. Esse sinal no sentido inverso é indício claro do que estou supondo: é em Rafinha que vive o Golem do CQC, é ele que representa o papel o que há ali de mais reacionário e regressivo.


Pouco tempo depois da polêmica Bolsonaro, Rafinha resolveu deu o ar da graça regressivo ao dizer algo como “mulher feia estuprada deveria ficar contente” e que os judeus de Higienópolis “só viram um metrô quando estiveram em Auschwitz”. O confronto de Rafinha, pelo que vi na web, ocorre principalmente com as mulheres. E, como li em uma coluna de Monica Bergamo, o programa humorístico de Rafinha apresentado numa boate de São Paulo, Comediants, aproveita-se justamente para fazer dividendos com essa polêmica, usando a seguinte chamada: “quer estupro? No comediants tem”. Essa frase sintetiza totalmente o que caracteriza essa cultura de celebridades em que a sociedade brasileira – e os jovens principalmente –estão chafurdando até a cabeça: não há qualquer importância, nessa cultura, com a ética ou a repercussão imensamente negativa do que você fizer ou disser, o importante é aparecer no meio. Como dizia Mchluhan, o meio é a mensagem: apareceu no meio (a mídia)? Ganha dividendos. Não apareceu? É um fracassado, um perdedor.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Encontro com dois personagens de Sabino à solta em Bom Despacho

O livro Encontro das Águas, de Fernando Sabino, me interessou muitíssimo porque conheço dois personagens desse livro de Sabino: eles moram na mesma cidade que eu, Bom Despacho: eles são Socorro e Nivaldo Santiago, ele maestro, ela professora. Eles me contaram que o texto de Sabino foi encomendado pela Sharp e recusado, pois não falou bem da Zona Franca de Manaus; Sabino transformou-o, então, em livro. A empresa ficou desgostosa, especialmente, com uma frase de Nivaldo:

Quando lhe digo que me sinto como se estivesse dentro d´água, Nivaldo Santiago sorri: --Nós temos aqui mesmo o cérebro meio aguado” (SABINO, 1977, p. 34).

Nivaldo me contou que falou isso com Sabino em meio a muitas outras conversas e ele pegou e colocou no livro. Essa frase foi considerada muito crítica e foi um dos motivos da recusa da empresa em adquiri-la para um encarte para seus clientes. O texto, em geral, é positivo quanto a Manaus, mas salga quando fala na Zona Franca. No livro, Nivaldo e Socorro são eles mesmos, ele maestro e ela professora, tal como numa reportagem de jornal. Nivaldo entra logo nas primeiras páginas:

“Encontro Márcio Souza e Nivaldo Santiago me esperando no aeroporto: --estamos aqui há mais de duas horas (...). Márcio Souza é escritor. Nivaldo Santiago é maestro. São ambos da Fundação Cultural, e a eles fui em boa hora recomendado (SABINO, 1977, p. 16).

Muitas de suas características curiosas são captadas: Nivaldo não dirige carro e sua esposa é que guia. Enquanto ela dirige, Santiago fica “orquestrando” o trânsito. Isso acontece quando se anda de carro com os dois, até hoje. Atualmente, Nivaldo rege o coral Voz e Vida, na cidade de Bom Despacho; Socorro também vive aqui e é professora do coral infantil.

Os dois “personagens” têm amplo destaque nesse texto. Além de servirem de interlocutores de Sabino, algumas das situações vividas com eles se repetem com outras pessoas da cidade, o que os torna como que símbolos ou modelos de comportamento para toda Manaus: ao pegar um táxi, Sabino encarna o maestro ao auxiliar o rapaz a enfrentar o confuso trânsito manauara; ao sair de barco para conhecer a floresta, saindo do porto cheio de outros barcos e canoas, Sabino encarna novamente o maestro preocupado com a orquestra que é o trânsito.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Blognovela revista cidade sol: onze setembro, tudo beckett?



(A propósito do aniversário do World Trade Center, Cláudio resolve se vingar de Hamlet-Nascimento. Ele promove um debate sobre os ataques de Onze de Setembro e Hamlet-Nascimento é obrigado a polemizar com um ele sobre World Trade Center. Cláudio assume posições comunistas, irritando Hamlet-Nascimento. Francinny e Ofélia interagem na plateia. A repórter do Sistema Brega de Tevê media o debate e faz perguntas tolas. Quando os dois polemizam, ela encerra o debate fechando as cortinas).


Repórter Sonsa: E então...Capitão Hamlet-Nascimento, pois é...o impacto da imagem segundo Stockhausen...

Hamlet-Nascimento: Ora, o impacto da imagem! Vá ler Barthes!

Cláudio: Hamlet, o ataque ao World Trade Center não foi um ato terrorista, querido. Foi um ataque de nossa guerra contra o conglomerrado terrorista e sionista Israel/USA.

Hamlet-Nascimento: Eu não vou responder essa pergunta. Ela não prova nada. Eu me alistaria nas forças armadas americanas naquele dia.

Cláudio: Ora, você sabe que o atentado foi porque existiam tropas americanas na Arábia Saudita e eles retiraram suas tropas de lá depois disso.

Hamlet-Nascimento: O ser humano é predador por natureza. Temos que deixar de comer carne e comer alface. Deixar de especismo e pensar nos direitos animais.

Dramatuto (da plateia): Na minha peça O Nascimento de um Palhaço...(o debate prossegue).

Cláudio: Vou cometer um ato canibal agora: George Bush sabia do atentado? Porque Gore Vidal...

Hamlet-Nascimento: Ih, não me fale desse cara. Ah, não. Achei que as perguntas fossem inteligentes, Cláudio...Olha, nesse dia eu fui bombeiro lá naquele buraco, sabe? Eu também estive no Woodstock, estive lá quando o Muro de Berlim caiu, eu sou onipresente, eu...eu...eu...


Cláudio: Quero ver suas fotos nesses lugares.


Repórter Sonsa: A soberania, a soberania americana sobre o mundo ficou abalada com a queda das Torres Gêmeas, Capitão?


Francinny (da plateia): Ô, Hamlet, responde senão você vai ter que devolver seu cachê.

Ofélia: Hamlet, responda, querido, senão vou ter que virar faxineira do teatro para pagar as contas.

Hamlet-Nascimento: O povo americano é o melhor povo do mundo. Eu quero lutar no Afeganistão!

Repórter Sonsa: Os talibãs tratam as mulheres muito mal...Obama Bin Laden está morto. Foi morto via teleconferência...

Ofélia (nervosa): Então vai! Que pena que você não estava nas Torres Gêmeas naquele dia.

Hamlet-Nascimento: Tirem o microfone da mão da Ofélia, por favor.

Repórter Sonsa: Na ponte do Brooklin você sente assim, um alívio por estar saindo de Nova York, onde podem ocorrer ataques terroristas?

Cláudio: Seu negócio é tomar cervejinha com Barack "Banana".

Francinny: Isso, Capitão Hamlet-Nascimento, continue, tá tudo Beckett...

Hamlet-Nascimento: Beckett? Tudo Beckett, Beckett, Beckett. Ora, Beckett é um GRAAANDE Beckett...Beckett me deu enorme força para continuar Beckett. Falou a palavra mágica.

Repórter Sonsa: Mas...saindo no metrô você não tem medo de árabes?

Ofélia (entediada): Não és Beckett, não és nada.

Dramatuto (exaltado, tenta pegar o microfone): O que eu penso sobre o Sete de Setembro...Olha, tem o Onze de Setembro do Chile...Mas o Setember Eleven...ah, não ligo a mínima. Choro. Rio. Enlouqueço. Sentia tesão. Estava só num quarto de hotel. Bati uma punheta...(Prossegue falando baixinho, enquanto os debatedores e a plateia continuam falando mais alto).

Hamlet-Nascimento (levantando-se para ir embora, causando comoção na plateia): Said some things I had never said before.

Ofélia (salta e fecha as cortinas).

Repórter Sonsa (triste por ter sido ignorada): Acaba por aqui mais uma reporcagem sobre o dia Onze de Setembro: o dia que não acabou.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Blognovela Revista Cidade Sol: O Nascimento de Hamlet



,
(Cenário: teatro da Companhia Milkshakespeare. Explode a rivalidade entre os atores brasileiros que ficaram e os que fugiram para Londres. Pagando o desfalque brasileiro com o dinheiro do desfalque londrino, eles são aceitos entre os atores brasileiros, mas em punição foram obrigados a fazer um treinamento com o BOPE. Ofélia tornou-se uma agressiva lésbica masculina e Hamlet ficou a cara do Wagner Moura representando o Capitão Nascimento. Francinny, vendo a enorme confusão em que se meteu, tenta enxertar uma cena de Hamlet-Nascimento nas S. A. Fadas, mas o resultado é um grande briga entre duas fadas).

(O palco de S. A. Fadas). Chega o Capitão Hamlet Nascimento em meio ao diálogo das fadas com o Belo Adormecido, como se S. A. Fadas fosse a peça que existe dentro da peça Hamlet. O rei Cláudio vê S. A. Fadas e, constrangido, sai para rezar. Nascimento-Hamlet vai atrás e vê Cláudio rezando junto a uma santa, num cantinho do teatro de El Senhor.


Hamlet-Nascimento (vê Cláudio rezando): Cláudio, Cláudio, você não me escapa agora. Você é culpado de tudo. Dessa peça de merda que fomos obrigados a ver. Foram idéia sua os desfalques que fizemos aqui e em Londres, tudo culpa sua, vagabundo.

Cláudio (parando de rezar): Não, eu não. Foi do grupo, minha não.


Hamlet-Nascimento (pega Cláudio pelos cabelos): Foi culpa sua Ofélia ter se tornado lésbica! Você é uma biba, falô, seu rei do plágio, seu bosta. Você é a pica do aspira.

Ofélia chega, vestida como uma “tiazinha” bregachique, brandindo um chicote: Vai-te aos homens, não esqueça o chicote!


Hamlet-Nascimento e Ofélia dão uma surra em Cláudio, que sai berrando inocência. As S. A. Fadas terminam a peça e chegam para ver o que está acontecendo. Elas encontram o Fantasma do Pai de Hamlet.

Fantasma do Rei Hamlet: Eu quero que vocês façam um blog. Poderia se chamar Blog do Vamp.

Sandra Paucanhoto: Arrasou!!!

Blognoma Mulher Q. Kerr: Que coisa mais brega!! E comunidade no Orkut: “eu vi o fantasma do pai do Hamlet”, você não quer que faça não?

(O Fantasma desaparece. Entra uma mulher vestida estranhamente. É a Maga Lynguystyka, pitonisa do oráculo de Gargólios. Ela dirige-se à diretora da S. A. Fadas, Francinny, e começa a fazer uma crítica tão enigmática como sua figura).

Maga Lynguystyka: Francinny, você podia corresponder mais, fazer de um espaço uma possibilidades de troca de Cyber-Cultura. Mas, a questão da Histeria e o Inconsciente e as manias das pessoas das pessoas que falam SEM ´MÍNIMO de CONSCIÊNCIA do que fala , mas fala com seus NARCISOS E EGOS, é foda. Nessa coisa chata, aborrecedora q é ter q ler o Inconsciente mais q consciência das pessoas - e o pior é q a gente é escritora experiente em linguagem e literaturas como VOCÊ, - descobri que no fundo mesmo, VOCÊ e nós somos JORNALISTAS, mais que só escritores.
Ter que q encarar uma relação ONLINE e essas ferramentas com o objetivo de escrever para JORNAIS. E os jornalistas são super tranquilos, apesar de eu encontrar montes de "hiperativos e estressados". Mas, você mostrou q é uma perfeita JORNALISTA colocando com super critérios suas peças S. A. Fadas aqui. E tendo a paciência de aguentar como uma professora "driblar" O JEITO das pessoas escreverem, e os mal-entendidos, e a falta de PERCEPÇÃO. OH COISA CHATA!!!
Pior q a gente vê gente que tem puta currículo e a gente escreve coisas idiotas, sem pensar!! Nossa, só congelando essa gente mesmo, ou "contornando" tipo passando por cima ao invés de considerar. Não levar a sério. e muito HUMOR. Já tive recentemente experiência de 'energia ruim mesmo' de ler e falar com pessoas q deveriam ter uma boa linguagem, transparência e flexibilidade, mas não tem , e muito paciente, como meu psicanalista, eu passo por cima ,e ouço considero, e tento conversar, mas a conversa não rende, cara!! então, há milhões de pessoas novas que podemos encontrar e jamais teríamos esta "coisa pesada de ter q aturar" uma pessoa arrogante e egóica. E tái as novas ferramentas e inovações p nos ajudar.

Francinny (sem saber o que dizer, tentando pegar uma vírgula): E sobre a peça, gostou, né?

Maga Lynguystyka (voltando a falar): Então, há milhões de pessoas novas que podemos encontrar e jamais teríamos esta "coisa pesada de ter q aturar" uma pessoa arrogante e egóica. E tái as novas ferramentas e inovações p nos ajudar.

p te dizer a verdade, eu não gostei tanto ás vezes, quando rolou de sentar, pq AS S. A. FADAS não tem IMAGENS e RECURSOS .É só a LETRA o DISCURSO. Então, eu fico pensando.ah vou ter q deixar o link até passar p minha WINDOW etc etcetc .É esse tempo PRESENTE mais aqui e agora q desta NOVA INTERNET q dinamiza e desafia a gente a repensar o USO de cada DISPOSITIVO/FERRAMENTA aqui entende?

Francinny (tenta falar, sufocada): Então você...

Maga Lynguystyka: Pronto,é isso. Espero q vc mantenha seu e-mail. E que imigre p um NOVO VEÍCULO MEIO DE COMUNICAÇÃO melhor q vc se sinta com poder de intercãmbio profissional sempre e com seus amigos e amigas figuras públicas...sua grande REDE SOCIAL. beijos p o elenco de S. A. Fadas, Cláudio, Hamlet-Nascimento e toda família, byeeeee

Francinny (saindo da sala, um pouco saturada de tanto ouvir): byeeeeee!!!!

sábado, 20 de agosto de 2011

Blognovela revista cidade sol: S.A.Fadas no Reino de Troll

Cenário: o teatro de Elsenhor, meados de 2011. Francinny, com a dívida no exterior crescendo por estar com um empréstimo junto a Barack "Banana", resolve montar uma peça erótico-infanto-mitocomédia para ganhar dinheiro, chamada S. A. Fadas. O teatro lota. Ela fica na platéia observando as reações e vigiando Anonymus na bilheteria, temendo novo desfalque. Enquanto isso, a peça se desenrola no palco. No palco: Belo Adormecido e seus blognomos.


Blognoma Sandra Paucanhoto: eu quero mijar no seu rosto, Belo Adormecido.


Belo Adormecido (por detrás de uma redoma de vidro): Arrasou! De jeito nenhum, pervertida! Shrek!!!


Blognoma Sandra Paucanhoto: Menos pão de queijo, mais crucifixos!!! (diz ela eufórica, sempre defendendo uma causa conservadora, como o protesto contra o protesto contra a visita do Papa à Espanha).


Blognomo Bellaviola (feio e sujo): Lá vem o crítico de teatro Lancelot Eliodeia, o chato.

(Toda a tribo blognoma grita, escarnece, geme, vaia, ao mesmo tempo).

Blognoma Mulher Q. Kerr: Ele não aceita as regras sujismundas do reino Troll! Ele é contra nós! Cruel! Insistente! Renegado! Onde você estiver não estarei!

Belo Adormecido: Onde tiver mais de um de vocês, eu estarei no meio de vós.

Blognoma Mara Vilha: Somos ratas, mas seremos super-mulheres! Lancelot Eliodeia, eu te odeio, você poderia ser, seu bundinha seca, super ser, ser super mais do que essa sua coluna de crítica escrota!

Blognomo Dramatudo: Nossa, que fala forte. Eu queria um país só para mim, eu tenho que escrever, escrever, escrever, pois estou ficando louco, louco de vontade de adormecer no mesmo lugar que Belo Adormecido. Escrever um país só para mim, pois não suporto Elsenhor. Não suporto mais. Não consigo ir. Quero ir. Eca, eca, com Creta, com Creta, Electra. I can´t understand.

Blognomo João Grosso Jones: Yeah! Cai fora Lancelot, seu canalha. A guerra é a higiene suja do mundo Troll! Respeitem o Belo Adormecido, Fadas S. A.

Lancelot Eliodeia: Vocês querem só o beijo de Belo Adormecido, porque o beijo dele sai na mídia! Vocês cobiçam esse beijo-mídia, SAFADAS é o que vocês são!

Blognoma Mulher Q. Kerr: Não, estou borbulhando de amor por Belo! Eu olho os céus e fotografo Belo. Eu amo o belo e amo BELO! Amo Belo em si e fotografo o boneco de Belo, desfaleço por Belo, quero entrar na redoma de vidro e fazer amor com Belo! E você, seu criticuzinho de merda, seu parasita. Você vive vampirizando os artistas e produzindo suas merdas de colunas!

(De súbito,entram o elenco original de Hamlet, da Cia Milkshakespeare, vindos de Londres, onde tinham dado um desfalque. Francinny se enfurece).
Hamlet (sorrindo amarelo para Francinny, recita solene): Brazil, Fran, oh, this is the very ecstay of love...

Francinny: PARA A INGLATERRA JÁ! E QUERO MEU DINHEIRO DE VOLTA! DINHEIRO QUE VOCÊS ROUBARAM!

Hamlet: O mundo está fora dos trilhos! Maldita sorte! Nasci para colocá-lo em seu destino! (Sai empurrado aos gritos pela diretora).

Francinny (fala para os atores ao sair empurrando os atores): Quem disse que o teatro não era também uma câmara de tortura!!! Fiquem aí no palco que eu já volto para vigiar vocês, hein?

(O elenco das fadas, fica olhando, medusado, perplexo).

Dramatudo (eufórico): eureca, eureca, electra com Creta! Vamos encenar isso! Adorei! Foi como se o elenco de Sai de Baixo adotasse uma luz e figurino dark- emo-chic e encontrasse um encenador de uma estética trem fantasma!!! (Perplexidade entre o elenco da S. A. Fadas).














terça-feira, 9 de agosto de 2011

QUEBRANTOS, RELANCES E ABISMOS VISTOS À LUZ: notas sobre a poesia de Wilson Nanini






Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior

RESUMO


Esse artigo busca analisar a poesia de Wilson Nanini. Ao abordar um poeta ainda inédito no formato livro, editado apenas no hipertexto, o artigo assume a tarefa de apresentar esse autor, para em seguida focalizar a análise nos recursos poéticos por ele utilizados, ainda que de forma breve, buscando nem tanto um estudo aprofundado quanto uma apresentação crítica dessa obra nascente. Esse artigo representa um estudo pioneiro dos poemas desse talentoso artista, aguardando tanto sua publicação em livro quanto a edição em texto de seus poemas, visando ainda maiores estudos no futuro. Com os estudos sobre sua poesia ainda incipientes, mas já dando entrevistas e sendo objeto de artigos de outros poetas, Nanini atualmente publica seus poemas pela web através de revistas literárias e blogs.


Palavras-chave: poesia, Wilson Nanini, hipertexto, crítica literária, blogs, Botelhos


1 INTRODUÇÃO


Desde que lançou seu blog na rede mundial de computadores, em 2007, o poeta Wilson Torres Nanini vem chamando a atenção de diversas pessoas, entre elas, poetas conceituados e de renome e que exploram este moderno mundo das letras.
Intitulando-se um poeta em fase de berçário, Wilson Nanini busca nos versos de “Quebrantos, relances e abismos ao relento”, seu primeiro livro de poemas (e que permanece inédito em papel), uma poética que oscila entre o sagrado e o profano. Ainda pouco conhecido, o poeta mesmo se intitula “um poeta em fase de berçário”. No entanto, ele não é poeta aprendiz e já se apresentada dotado de maestria no terreno da palavra poética.
Wilson Nanini, nascido em Poços de Caldas, mas criado desde o berço em Botelhos, chegou a cursar Letras na Faculdade de São João da Boa Vista, mas, após fazer um curso para soldado da Polícia Militar, em Lavras, teve que abandonar a faculdade, só voltando para Botelhos em 2007.
E foi em ambiente familiar da pequena cidade de Botelhos, junto de sua mãe e suas tias, todas as professoras, que Wilson Nanini teve seus primeiros contados com a literatura. Livros de fábulas e de histórias cotidianas moldaram sua veia poética. Morando numa cidadezinha de dezesseis mil habitantes, Nanini tem como leitora sua esposa, sempre a primeira leitora crítica de seus poemas. Graças à internet, estabeleceu contato com poetas tais como Cláudio Daniel, Renato Mazzini, José Aloise Bahia e Micheliny Verunschk, por exemplo, cujos contatos foram tão fundamentais para seu aprendizado, tanto quanto seus versos.
No Ginásio, incentivado pelas professoras, Divina Moreira, Silvana Siqueira e Márcia Frazão, Wilson Nanini começou a colocar no papel seus primeiros versos. O poeta narra ter começado fazendo letras de músicas para uma banda, formada por amigos, inspiradas principalmente na poesia de Renato Russo, da Legião Urbana. Assim, fui aperfeiçoando e buscando nas referências nas letras do Renato, como por exemplo, os poetas Arthur Rimbaud e Carlos Drumonnd de Andrade. Em 2000, participou do Concurso de Poesia Falada da cidade de São Paulo, promovido pela Prefeitura e pelo Instituto Mario de Andrade. Ficou em segundo lugar, com a poesia O corpo cervo corpo.
Em 2001, na cidade de Machado participou do Primeiro Concurso Plínio Motta de Contos e Poesias, promovido pela Academia Machadense de Letras, no qual foi premiado com a edição em livro com o conto Farfalhas de coisas ambíguas. No Rio de Janeiro também participou de um concurso de poemas promovido pela Editora Líteres, cujo 20 melhores poemas, incluindo o seu, foi publicado em livro. Segundo Wilson Nanini, todos estes anos de leitura e produção resultou em uma coleção de poemas que já tem um destino certo: o livro “Quebrantos, relances e abismos ao relento”, que mesmo ainda sem data e edição para ser apresentado ao público, traz toda sua verve literária, trazendo a poesia como forma lúdica e de descarrego. Os “quebrantos” estão ligados ao sagrado e ao profano, das rezas, das benzedeiras, dos mal olhados, das curas do corpo e da alma. Relances são as cenas cotidianas, da sua vida como filho, marido, o poeta com o seu olhar mais singular. Os abismos aos relentos trazem toda sua vivência como soldado militar, que faz das letras e formas um ato de purificar a si mesmo.
Entrevistado pelo escritor e poeta Marcelo Novaes, em seu blog, Wilson se define como uma pessoa, até certo ponto, melancólica, nostálgica. Devedor da ancestralidade, da própria e da alheia, detém gosto ao saudosismo, mas apenas pela alegria já vivida. Enquanto policial militar, o poeta lida com a morte alheia e com a possibilidade da própria morte, rotineiramente. Centenas de vezes esteve diante de pessoas com arame farpado e sangue nos olhos. Como se estivesse produzindo artesanalmente um bálsamo, um considerável número de seus poemas foi esboçado de manhã, após noites de intensa labuta de seu ofício profissional. Seus poemas remetem, então, aos poderes curativos e angelicais das palavras desse poeta-guardião.


2 A POESIA ENTRE ABISMOS E QUEBRANTOS


Wilson é um poeta do extravio. Para falar utilizando a conceituação de Ezra Pound, que divide os tipos de poesia em fanopeia, melopeia ou logopeia, pode-se dizer que os poemas de Nanini ficam entre o primado da imagem (“fanopeia”) e do ritmo e da musicalidade (“melopéia”) mais do que o pensamento disposto nos poemas (“logopéia”). Não há tanta intelectualização em seus poemas, há uma entrega aos sentidos e ao mundo como um fenômeno estético. O mundo subjetivo e objetivo, em especial a natureza e esse eu do poeta, derramam-se frequentemente um no outro. Aliás, essa seria a metáfora preferencial do amor em seus poemas. O poeta é como um toureiro que é muito hábil e muito elegante em lidar com os touros, mas detesta a violência e a vulgaridade da tourada:

O Touro

o touro em seu arfar
de provocada fúria
mal sabe do espetáculo
de seu destino de carne crua

o touro,confinado entre touros,
conhece-se e se basta
– embora seu dia fareje
o martelo do abate

máscula fera/bela humilhada pelas
lições da infecção da castração

pelos ferrolhos
(arame farpado e ferro em brasa)

agora, a meio-instante da
perícia do cutelo, o touro
– acaso, com seu berro reza? –
com as narinas dilatadas para
farejar o prazer de outras épocas (NANINI, 2010).

A escrita dele dá a sensação de precisão e de entendimento, embora muitas das imagens sejam enigmáticas, tais como as “facas da sina” (em Espólios de Infância) e os “obstetras de contêineres” (em Interferência Urbana). Por vezes, ele se utiliza de sinestesias tais como “penumbra rosa”, por outras, um simples substantivo adjetivado de forma inusitada: “cerâmica inepta” (ambos em “Desdonzelamento”). Nota-se, então, que há em sua poética uma busca de uma simplicidade que ao mesmo tempo possa ser complexa e não simplória (NANINI, 2010).
A poética de Nanini é a de um poeta do extravio. Ele combina substantivos com adjetivos inusitados de forma a causar estranheza. A escrita dele dá a sensação de precisão e de entendimento, embora muitas das imagens sejam enigmáticas, tais como as “facas da sina” (em Espólios de Infância) e os “obstetras de contêineres” (em Interferência Urbana). Por vezes, ele se utiliza de sinestesias tais como “penumbra rosa”, por outro, um nome adjetivado de forma inusitada: “cerâmica inepta” (ambos em “Desdonzelamento”). Nota-se, então, que há em sua poética uma busca de simplicidade que ao mesmo tempo possa ser complexa e não simplória. Mas qual a natureza dessa complexidade? A essa altura surge-nos a pergunta: Wilson Nanini seria barroco? Se considerarmos as afirmações de Omar Calabrese, sim:

Por ‘barroco’ entenderemos categorizações que ‘excitam’ fortemente a ordenação do sistema e que o desestabilizam em algumas partes, que o submetem a turbulências e flutuações e que o suspendem quanto à resolubilidade dos valores (CALABRESE, 1988, p. 39).

Wilson Nanini “desestabiliza” um modo de ver e sentir o mundo, criando uma obra que, tomada no seu conjunto, propõe uma nova ordenação da sensibilidade, sem deixar de produzir (através dessa nova ordenação) um sentimento de caoticidade (entendendo caoticidade como imprevisibilidade ou ininteligibilidade da informação estética) no momento da fruição dessa obra. Essa caoticidade é provocada justamente pela superposição das informações advindas dos poemas, que se configuram como labirintos de espelhos. Ao tentarmos compreender a lógica de um dos espelhos, o outro espelho modifica e complexifica a informação daquele, e assim ad infinitum (falar na poesia wilsoniana equivale a mergulhar num atordoante labirinto de espelhos). O labirinto, novamente segundo Calabrese, é apenas uma das formas do caos, entendido como complexidade, cuja ordem existe, mas é complicada ou oculta. Essa ordem "oculta" produz a perda do referencial acarretando o que Calabrese chama de "prazer da obnubilação", ou seja, o prazer de ver-se perdido e ser instigado a encontrar o centro do labirinto. O prazer motivado por essa desorientação e pelo "mistério do enigma" parece-nos semelhante ao prazer sentido por nós ao nos defrontarmos com a obra de Wilson Nanini (CALABRESE, 1998, p. 39).
Diante da criação labiríntica do autor de Quebrantos, os pontos de referência turvam-se e ocultam-se, fugindo de nossas mãos qualquer fio de Ariadne e causando em nosso espírito o prazer intelectual de descobrir uma ordem onde aparentemente não existe nenhuma, só caos e mistério. Novamente, seguindo Calabrese, poderíamos dizer que o labirinto wilsoniano cria um "saber aberto", posto que em seus meandros e intersecções podemos sempre descobrir novas ramificações e caminhos para novos e surpreendentes significados, deixando o leitor sempre sujeito ao risco da perda de orientação (CALABRESE, 1998, p. 39).
Para traçar essa simplicidade, os poemas encontram o sagrado no banal e o que há de cru naquilo que há de aparentemente sagrado, como nas freqüentes referências bíblicas e católicas de que se valem seus poemas, apontando, no entanto, para o catolicismo popular, onde há o contato direto com a divindade, deixando de lado intermediários e sacerdotes. A poesia é praticada, por Nanini, como um sacerdócio do extravio, uma “cerâmica das coisas simuladas”, como no poema “Lâmpada” (CALABRESE, 1998, p. 39).
E a poesia de Wilson transmite a impressão de alguém criando esculturas sublimes utilizando somente um barro ao qual ele atribui a leveza do sagrado, tal como nos quadros do artista contemporâneo vietnamita Duy Huynh, que representa um homem de chapéu vestido com formalidade, à la Magritte, mas com um carrossel infantil girando, transbordante, na cabeça. Alguns poemas misturam religiosidade e sensualidade com mitos universais, vendo a eternidade nos objetos e imagens mais transitórios ao mesmo tempo em que reafirmam o prazer dos sentidos como algo profundamente não superficial e sim sagrado (CALABRESE, 1998, p. 39).
Wilson é um poeta “ainda não de todo tocado de espelho e idioma", tateando a imagem-voz poética, ensaiando domar tempestades. Diante da tangibilidade do mal no mundo, o poeta responde que essa presença do mal provoca a poesia, a intima à sobrevivência, ainda que espremida entre uma rotina aterradora e alentos cada vez mais ineficientes (VERUNSCHK, 2010, p. 1).
O pano de fundo dessa poética de quebrantos é a quebra das instituições sociais, à constatação da falência de alicerces, antes imprescindíveis, e à tentativa frustrada de restaurar a espiritualidade religiosa dada à bancarrota, já há algum tempo. E diante desses impasses, o poeta, assim como os demais artistas, assume uma obrigação – quase social – pois testa em si ferramentas de transcendência, um caminho novo que perpasse ciladas, que perfure cegueiras, que dissolva obstáculos. Poesia é a possibilidade que ele tem de tirar o mérito do caos, interagir com as intempéries numa linguagem mágica, mítica, em pé de igualdade. Os poemas de Wilson são atos de solidariedade: só existem porque o poeta quer pôr no mundo o antídoto, a vacina que destilou dentro de si, de que foi a cobaia. Um de seus poemas, por exemplo, trata da alegria de ver uma mulher procurando a sombrinha pela casa. Esse pequeno encontro é algo sublime, é a esperança do encontro na vida, embora haja tanto desencontro no mundo:

Preces de um poeta em fase de berçário
que onde houver fronteira,
eu tenha muita asa!
que Carolina consiga encontrar
sua sombrinha cor-de-rosa
perdida pela casa!
pois, antes, em mim havia
um acúmulo de silêncios,
uma demora profunda
do punhal no peito,
uma dor-dor como a de um
caminhão de crianças
caindo na ribanceira,
mas hoje nada temo:
nem um trem de ferro dentro da insônia
nem um avião dentro da turbulência
embora eu não me veja como
um deus lembrado
das coisas ainda não-inventadas,
vou sendo um poeta impublicável:
à beira de ser tudo,
consigo ser só
quase
– embora, por vezes, feliz
como o primeiro cego
a ouvir gramofone (NANINI, 2010).

Poemas que falam do cotidiano são uma constância inevitável e muito apetecível na poesia de Nanini, cuja poesia tenta se dissociar de um discurso literário rebuscado – e, por vezes, vazio – e da visão caolha de que o poeta é o porta-voz do enlevo. O rumor de um avião captado em meio à insônia, a mulher correndo ao varal para salvar peças-íntimas da chuva, abraços recebidos da avó, sua esposa procurando sua sombrinha cor de rosa, e tantos outros sinais de superfície simples de sua poesia, mas que é, em seu cerne, riquíssima, aceita os oferendas que o mundo acena ao poeta, e elas, depois de deflagradas, passam a habitar nele, num lugar entre pele e alma e, além de lhe fornecerem um bom material poético (CUNHA, 2011, p. 1).
Guimarães Rosa dizia que escrever é um ato de empáfia, enquanto publicar requer humildade. O poeta, matéria escassa, concilia, na alma, "pedra e vidro", silêncio e petardo. Sua poesia se alimenta da sintaxe de riachos, falas feitas de uma mistura de arame farpado, roseiras e poentes, rezas de benzedeira, totens domésticos, gemidos de facas. Pois um poeta é um poeta em qualquer âmbito: a noite o habita. Wilson Nanini é uma pessoa, até certo ponto, melancólica, nostálgica, um devedor da ancestralidade, da própria e da alheia. Detêm um gosto ao saudosismo, mas apenas pela alegria já vivida (VERUNSCHK, 2011, p. 1).
Em termos de afinidades poéticas, demonstra paixão preponderante pela poesia criada por poetas mulheres: Adélia Prado, Orides Fontela e Micheliny Verunschk estão entre os cinco poetas que mais visita. Os outros dois são Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade. A mulher católica fervorosa tornou-se, para ele, um par perfeito para o comunista de Itabira. Ele parte de uma premissa familiar católica, já devidamente abandonada, e a poesia de Adélia, repleta de nudez e Bíblia, encontrou nele terreno propício para inspirar-lhe a eclosão de uma nova poética. Quem sabe seja aí, nessa comunhão onde os dois poetam copulam “catecismos e assombros”, esteja seu ponto de contato com Adélia Prado. Ele chega até a dedicar-lhe um poema em homenagem a esse conúbio em verso:

Poema para Adélia Prado

Estrelas!
no pomar celeste da boca conso-
lidá-las
foto-
grafar o avesso
da treva do ventre do ferro do trem de ferro
convertido em sentimento

o hieróglifos
numa brancura fecunda
de constelar escuros,
de transgredir o tempo

mas recito insonte-
mente: besouros são
sementes
de rinocerontes;

o lunático com um guarda-chuva,
a virgem com uma cabaça,
a beata com um calvário
atravessam a nado meu poema

num olor inato interno que mescla
bois borboletas
Deus: todos os
artefatos álacres
de escavar cosméticos
entre distúrbios
que concretos ou telúricos noitinvadem-me às vezes (NANINI, 2010).

Os poemas, mesmo os Poemínimos, possuem um "ritmo de procissão". Lendo-os, não há como não ouvir como que uma sanfona ao fundo, um coro de beatas ou ladainhas, haja ou não andor, ainda que o tema do poema seja uma procissão de insetos em direção a um cadáver. A poesia de Nanini tem como fundo uma musicalidade do interior mineiro: folia de reis, banda de coreto, fanfarra, circo, procissão de santos, desfiles cívicos, sanfonas e violas. Sua poesia é filha de tudo isso: é um circo em plena missa, uma missa em plena orgia, uma orgia em plena ciranda, uma ciranda em plena procissão (VERUNSCHK, 2011, p. 2).
Alguns poemas misturam religiosidade e sensualidade com mitos universais, vendo a eternidade nos objetos e imagens mais transitórios ao mesmo tempo em que reafirmam o prazer dos sentidos como algo profundamente não superficial e sim sagrado. Não há tanta intelectualização em seus poemas, há uma entrega aos sentidos e ao mundo como um fenômeno estético. O mundo subjetivo e objetivo, em especial a natureza e esse eu do poeta, derramam-se frequentemente um no outro. Aliás, essa seria a metáfora preferencial do amor em seus poemas (NOVAES, 2011, p. 2).
A respeito da poesia de Wilson, pode-se dizer que se trata de uma poesia madura, que encontrou sua voz e estilo próprios. Muito embora ele se refira a Michelyni Verschunk e Adélia Prado com admiração, sua lírica é muito própria e independente. Sua poesia tem imagens leves e com colorido. A forma como compõe cuidadosamente seus versos curtos e a separação de sílabas no enjambement é pessoalíssima. É uma poesia que expressa emoções de forma contida e intensamente trabalhada em seu artesanato poético. Ele apresenta preferência por palavras fetiche: “orquídea”, “borboleta”, “rosas”, palavras relativamente comuns em contexto lírico, mas que nas mãos de Wilson adquirem significado bastante diverso em cada poema, significado, aliás, que muitas vezes surpreende pela criatividade e pela associação misteriosa que sugerem. Outro tema que o fascina é o labirinto; sua poesia é, mesmo quando ele faz um poema que é de amor, claramente, é barroca e labiríntica. Muitas vezes, o poeta usa uma combinação hermética das palavras. A poesia de Wilson é bem mais barroca e labiríntica do que cartesiana e seca. O poeta utiliza-se do paradoxo: a febre é normalmente anúncio de uma doença e não pode ser dócil nem partilhada. Nanini utiliza-se de combinações inusitadas entre palavras, da ironia, do contraste e das antíteses (que também fazem lembrar o barroco). A “cópula de catecismos e assombros” também se mostra profícua com Micheliny Verunschk, como nesse poema dedicado a essa última poeta:

Melancolia

luz lâmpada de torre telefônica
– a escureza dissimula o pedestal que a sustenta –
e vermelha verde vermelha amarela
(intermitente farol/sentinela
de pássaros insones/sonâmbulos
de aviões desgovernados/incautos)
paira: pseudo-astro alumbrado

ah meus cantares – policio
cata-ventos pipas em céus de ferrugem
: a alegria, devagar,
acata seus carrascos

e a cidade envolta em
catástrofes sem reparo
: próteses dentárias extraviadas
relógios de pulso abduzidos

eu – poeta (matéria
escassa)? – nasci para
conciliar pedra e vidro

mas percorro uma distância subterrânea
subcutânea
subterfúgica
e o mundo (tudo tudo!) –
esta manhã vai ficando
cada vez mais noite ampla (NANINI, 2010).

O poema acima, em sua primeira linha, apresenta uma sequência sem preocupação gramatical, para enfatizar a urgência: “luz lâmpada de torre telefônica”. A seguir, ele se desenvolve em uma sequência sobre a tristeza solitária de um amanhecer numa cidade sem nome. A frase seguinte intercala-se comentando a escuridão que faz com que a luz pareça estar flutuando. Assim, encontra-se em Melancolia um poema típico da lavra wilsoniana. Entre seus recursos já citados anteriormente, ele experimenta outro: como Drummond, ele aproxima a palavra do próprio signo, que é um sinal de trânsito: “vermelha, verde, vermelha, amarela”. Assim, faz com que o ritmo das palavras imite a mudança de cores no semáforo luminoso, como se as palavras fossem o próprio objeto que elas têm como referente. A frase intercalada, além de introduzir uma quebra no ritmo do poema, introduz um neologismo: “escureza”. A primeira linha relaciona-se com a terceira. As duas frases têm, em comum, o fato de se organizarem mais pela semântica do que por sinais de pontuação. Com esse poema, Nanini demonstra habilidade para, ao mesmo tempo, copular assombros e catecismos, pedra e vidro, o canto para alegrar a cidade e o duro ofício de patrulhá-la. O poeta também policia “pipas e cata-ventos em céus de ferrugem”, num verso que define tanto sua criação quanto, de certa forma, seu diálogo com o diferente (no caso, o feminino) e, de certa forma, também o autor no sentido biográfico (NOVAES, 2011, p.1).



CONCLUSÃO


Os poemas de Nanini estão em constante transformação, ele os trata a poder de faca, a corte impassível. O que se analisou aqui é apenas uma amostra, realizando uma apresentação mais que necessária do poeta na forma de um artigo acadêmico. O blog é um modo fantástico de expor aos olhos alheios o avesso transformado em palavras. E, consequentemente, de aferir sua relevância, diante de observações muito, muito pertinentes. Alguns dos poemas (em especial os da primeira safra) que foram publicados em meu blog já tiveram toda sua estrutura modificada. O poeta acredita em uma obra dada pela vida. Sua poesia nasce da pedra bruta: há poemas que vem trabalhando há anos, e, não raras vezes, pouco após achá-los bem esculpidos, se percebe algum lapso, ele os “despoema”, os dilacera rapidamente.
Wilson Nanini, afinal um poeta de 28 anos, traz em seus poemas uma carga de paixão que é bem a cara da juventude em processo de descoberta – e desilusão – do mundo. Para traçar essa simplicidade, os poemas encontram o banal no sagrado e o que há de cru naquilo que há de aparentemente sagrado, como nas freqüentes referências bíblicas ou católicas de que se valem seus poemas, apontando para o catolicismo popular, onde há o contato direto com a divindade, deixando de lado intermediários e sacerdotes. A poesia é praticada, por Nanini, como um sacerdócio do extravio, uma “cerâmica das coisas simuladas”, como no poema “Lâmpada”. Como no catolicismo popular, é sem cerimônia que Nanini se refere ao sagrado. E sua poesia transmite a impressão de alguém criando esculturas sublimes utilizando somente um barro ao qual ele atribui a leveza do sagrado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CALABRESE, Omar. A Idade Neobarroca. São Paulo, Martins Fontes, 1988.


CUNHA, Pedro. Pensamentos e outras letras. Disponível em: >. Acesso em 17 de junho de 2011.


VERUNSCHK, Micheliny. O cotidiano sagrado da poética de Wilson Nanini. Revista Cronópios. Disponível em: . Acesso em 19 de junho de 2011.

NOVAES, Marcelo. Nota de rodapé. Disponível em: . Acesso em 16 de junho de 2011.