quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Análise do filme Quando Nietzsche Chorou

Quando Nietzsche chorou



1. Primeira Parte

Ficha técnica


Diretor: Pinchas Perry
Idioma: inglês
País: Estados Unidos, 2007, cor
Duração: 105 minutos
Roteiro: Pinchas Perry/Irvin D. Yalom (livro)

Elenco original :

* Armand Assante: Friedrich Nietzsche
* Ben Cross: Josef Breuer
* Katheryn Winnick: Lou Salome
* Jamie Elman: Sigmund Freud
* Rachel O'Meara: Frau Becker
* Joanna Pacula: Mathilda
* Michal Yannai: Bertha
* Andreas Beckett: Zaratustra

Trilha Sonora: excertos de óperas. Foram citadas A Valquíria, de Wagner; Carmen, de Bizet; foram citadas também as composições Danúbio Azul e Assim Falou Zaratustra, de Strauss.

Gênero: drama

O filme é uma adaptação do romance Quando Nietzsche Chorou, por sua vez uma abordagem ficcional de um encontro que nunca aconteceu, mas poderia ter acontecido: Freud e Nietzsche. A ação situa-se na Viena do século XIX, na primavera de 1882. Lou Salomé é a mulher que faz essa ligação, pois na realidade ela foi amante de Breuer (no tempo em que estava casada com o professor Andreas) e chegou a conhecer Freud e formar-se psicanalista. Alguns anos antes, Lou tinha se envolvido com Nietzsche e, embora isso seja controverso, Lou chegou a insinuar ter tido relações sexuais com ele em artigos de jornal publicados após sua morte em 1900. O filme concentra-se na relação possível entre Joseph Breuer e Friedrich Nietzsche, um representando a nascente psicologia e Nietzsche, os lampejos de sua filosofia sobre a mente e o comportamento, que adiantam muito da psicologia que lhe foi contemporânea sem que nunca houvesse efetivo diálogo. O romance e o filme fornecem, através da ficção, esse diálogo.
O filme se vale de episódios reais para criar a narrativa. De fato, Lou e Nietzsche foram apresentados e Nietzsche comentou que ambos haviam caído de uma mesma estrela; no filme, tal acontece numa sala de aula onde ele ensina que Deus está morto. Tal não poderia acontecer, pois Nietzsche era professor de Filologia Grega e não de sua própria filosofia, que não chegou a ser estudada em universidades antes de seu enlouquecimento (effondrement).

Diálogo do filme: Breuer tenta convencer Nietzsche a tratar-se.

Breuer: minha sugestão é que vá à Clínica Lauzon, para curar o estresse. Eu vou te visitar diariamente.

Nietzsche: Não estou apto a pagar por esses serviços.

Breuer: Eu o farei gratuitamente.

Nietzsche: Isso nada tem a ver com a motivação humana. Quais são suas motivações, doutor?

Breuer: O sapateiro faz sapatos, o médico medica. Por que você filosofa, se não ganha dinheiro?

Nietzsche: Eu não filosofo para você. Diga-me quais são suas motivações!

Breuer: Você é um grande filósofo, quero fazer com que você se torne o que é!

Nietzsche: E assim se engrandecer, sendo meu salvador.

Breuer: Eu trato as pessoas mais famosas de Viena.

Nietzsche: e quer me usar os nomes deles para ganhar poder sobre mim.

Breuer: Seu nome não será revelado!

(Nietzsche lhe vira as costas e sai, negando-se a tomar parte no tratamento).

2. Segunda parte

Protagonista: Friedrich Nietzsche é um filósofo em crise por ter tido negados os seus pedidos de casamento junto de Lou Salomé, escritora que busca ajudá-lo a se tratar, uma vez que ele se encontra rompido com ela, doente de enxaquecas e desesperado. Salomé procura Breuer para ajudar Nietzsche a tratar seu desespero e parar de mandar as cartas angustiadas que ele está mandando para ela.

Tensão principal, culminância e conclusão: a tensão principal é que Nietzsche, mesmo estando pobre, marginalizado, doente e desesperado, não aceita o tratamento de cura pela fala que Breuer lhe propõe, ainda mais que tal tratamento está seria gratuito. Ele desconfia que está sendo traído por Breuer, por já ter sido traído por Wagner (que o ofendeu com comentários maldosos), Paul Rée e Lou Salomé (que, sendo amigos dele, relacionavam-se secretamente, mas para consolá-lo, estavam lhe propondo morar os três numa mesma casa).

Características dos personagens: Nietzsche é um filósofo brilhante que está vivendo uma grande crise em sua vida, estando em desespero, pois rompeu com seu melhor amigo e com a mulher por quem se apaixonou. Buscando tratamento médico para sua enxaquecas violentas e outros problemas de saúde, ele se encontra com Breuer, que é médico e também estava vivendo a crise de seu casamento com Mathilda. A crise com Mathilda foi motivada principalmente por ter se apaixonado por Bertha Pappenhein, uma de suas pacientes, que teve um ataque histérico e disse à sua mulher, Mathilda, que estava grávida de um filho do Dr. Breuer. Lou Salomé é uma mulher sedutora, inteligente, mas também uma mulher de gênio forte, dominadora e manipuladora. Bertha Pappenhein é caricaturada como uma histérica delirante, a quem não falta até mesmo o tapa na cara. Ela é o objeto de desejo obsessivo de Breuer, o que lhe traz enorme sofrimento. Sigmund Freud é um jovem médico e ex-aluno de Breuer que auxilia o médico no caso.


Ironia dramática: Nietzsche nunca conheceu Breuer nem a psicanálise, assim como Freud alegou conhecer posteriormente, mas não ter lido Nietzsche, mas de fato sua filosofia e a psicanálise têm muito em comum. Na realidade, Breuer chegou a ser amante de Lou Salomé, fato que está insinuado em um dos sonhos de Breuer (fantasia onde Bertha e Lou Salomé o disputam). No entanto, dificilmente Nietzsche aceitaria a psicanálise sem muitas críticas, dado o seu temperamento. O próprio filme demonstra reconhecer isso. E o filme mostra Nietzsche, ironicamente, sendo enganado por Lou Salomé e Breuer, o que seria mais uma grande traição em sua vida, se ele soubesse (fora as traições de Wagner, Paul Rée e Lou Salomé).


3. Terceira parte: Observações especiais e conclusão

O filme cita o livro de Nietzsche A Gaia Ciência (Die Frohliche Wissenschaft), que é mostrado em algumas cenas, que Nietzsche terminara de escrever e publicar, estando então planejando Assim Falou Zaratustra. A obra de Nietzsche costuma ser dividida em três fases: a primeira fase, aparentada ao romantismo; a segunda fase, com uma simpatia pela ilustração; uma terceira fase, já no final da vida, de retorno ao romantismo. Essa obra é uma das mais lidas do autor. A fase é uma das mais bem aceitas e inclui Humano, Demasiado Humano e Aurora. Em A Gaia Ciência, Zaratustra faz sua primeira aparição como personagem de Nietzsche, tendo sido retomado posteriormente. Nesse livro, Nietzsche também aborda dois temas-chave em sua obra: a morte de Deus e o eterno retorno. Ambos os temas são abordados no filme. Nietzsche fala sobre a morte de Deus na universidade, Lou ouve a aula atenta e vem até ele dizer que o que ele está dizendo não é que Deus nasceu e deixou de existir, mas sim que Deus é uma força que não pode mais ser levada em conta. E Nietzsche diz a ela, beijando sua mão: “de que estrela caímos juntos?” É o começou de um amor que terminará mal. A figura de Paul Rée, que foi quem realmente passou a morar com Lou (embora se diga que esse amor foi uma amizade), aparece sem muita relevância no filme, com poucas falas. Mas o médico judeu Paul Rée era seu melhor amigo e também era filósofo. Anos depois, aliás como comentou Nietzsche para Lou, Rée separou-se dela e terminou cometendo suicídio. Lou carregou o peso, socialmente, de ter sido a perdição não só de Paul Rée, mas também de Tarski, discípulo de Freud que também matou-se por ela. O eterno retorno, que para Nietzsche seria o oposto à dialética e à causa e efeito, seria um continuum, um ciclo eterno. Para preparar-se para ele, é preciso viver com autenticidade essa vida e seus momentos, pois eles se repetirão. Lou Salomé também chegou a ser namorada de Rilke e viajar com ele à Rússia. Também foi muito benquista nos círculos wagnerianos e freudianos. Mulher muito livre e controversa, escritora de talento, de origem nobre, casou-se, mas não ser relacionava com seu marido (que conquistou-a após também ameaçar o suicídio), o professor Carl Friedrich Andreas; Lou teve, então, vários amantes e o professor Andreas teve um filho com a governanta. No final da vida vivia reclusa e, após sua morte em 1937, sua biblioteca foi requisitada e queimada pelos nazistas, que não aceitavam a psicanálise, que chamavam “a ciência judia”.

2 comentários:

Maxwell Soares disse...

Saudações amigo,

Acabei de ler o seu comentário. Muito pertinente o seu comentário e extremamente elucidativo com dicas de livro e filmes. Obrigado pela visita. Como você deve ter percebido além de postar temas pertinentes ao filósofo Nietzsche, o qual estou abrindo um leque para aquilo que chamo de "Sessão Nietzsche" um dos meu objetivo é produzir uma resenha deste filme, Quando Nietzche Chorou. Fazer resenhas de filmes dentro de um olhar filosófico é um dos objetivos do meu blogger. Voltemos, agora, ao assunto de sua especial análise: tanto o livro como o filme os vejo como de grande valia para se falar deste filósofo de uma maneira um pouco, talvez, despojada. Gosto da maneira como você tratou o filme, aqui, principalmente nas alusões os livros e as curiosidades acerca de Lou Salomé. Que confesso que não sabia de tantos detalhes a respeito da vida particular dela. A sua postagem está sendo responsável por isso. Vou ficando, por aqui, e um abraço...

Revistacidadesol disse...

Oi, Maxwell. As informações sobre Lou são desse livro:

http://eternamentelou.blogspot.com/2007/10/prefcio-ao-livro-lou-minha-irm-minha.html

Vale muito a pena.

Abs!