domingo, 31 de agosto de 2008

Blognovela Penetrália, Capítulo 6

Capítulo 6: “Círculos” & “Sapateado”

(Entra em cena Lúcio, sapateando. A platéia aplaude. É o início de uma carreira de dançarino de sapateado. Mariana entra em seguida, fica no escritório calada, andando em círculos. A platéia, constituída por participantes do blog do Gerald Thomas, aplaude de pé e depois vai saindo. Fica somente Lúcio sozinho, no escritório escuro, com uma luz sobre ele).

Lúcio: Alguém perguntou pela peça, pelo diretor, não foi? Eu sou um autor implícito aqui, mas essa é obra de acaso total. Não é a obra de arte total do Wagner. Eu arranquei peças e frases de textos esquecidos de um grupo de amigos meus, os sarapatetas. Eles nem ligaram e eu os transformei em bonecos inanimados. Schweitzer me escreveu perguntando de onde é que eu tirei aquela frase que postei aqui no começo da blognovela. Ele ficou um pouco assustado, perguntando se tinha dito aquela asneira. Claro que não falou, eu achei ele simpático e bem informado na entrevista que ele fez com vc no Táxi em Movimento e que está no Youtube. Só acho que o humor não pode estar imposto na pergunta, tem que rolar naturalmente na entrevista, pois assim é melhor.

A frase era algo como “Nietzsche é amigo do Otávio de Carvalho, é viado ou garanhão”? Pedi desculpas ao Schweitzer por ter inventado essa frase e “psicografado” ele aqui no blog. O fato é que do Olavo de Carvalho eu não gosto. Quanto à blognovela: vale Lenin sim, desde que seja uma referência à peça dele (Stoppard) que tinha o Lenin com o Tzara na Suíça, não sei se era Jumpers.Eu quero morrer na blognovela gritando: meu nome é o mesmo do Nero: Lúcio Domício Enobardo. Mate-me Gerald. Onde você estava quando caiu o Muro de Berlim?

Clown de Oswald: bati uma punheta.

Eu: e quando ocorreu a crise argentina e russa nos anos 90?

Clown: cat´s craddle.

Eu: e quando soube que Sontag montou Esperando Godot em Sarajevo?

Clown: mas-tur-ba-ción

Eu (gritando): e no 11 eleven, 2001?

Clown: quis montar a peça de Roberto Schwarz, A Lata de Lixo da História…Ou senão….bronha!

Lúcio: Talvez o Jango tenha sido assassinado. Allende. Ambos, se lutassem, seria para fazerem do Brasil e do Chile um, dois, três Vietnãs, nada menos. Essa barra não aguentaram segurar. Não acho que seja questão de cojones. Era questão de ir contra a própria natureza, a própria índole mesmo. Mesmo assim, prefiro a atitude final de Allende, afundando com o barco. Dizem que Jango se arrependeu de ter deixado o barco sem luta. Desapareceu na memória popular. Como a peça de Glauber: Jango, o Presidente que o Povo Comeu. Glauber se comparava com Jango: "todo mundo me traiu!" Realmente, Jango foi traído por Deus e mundo. Mas uma frase me chamou a atenção ontem: duas gêmeas estão atuando em A Serpente, de Nelson Rodrigues. Numa cena importante uma irmã “viúva de marido vivo” diz para a outra, happy histérica: “ontem quase me deflorei com um lápis ao ver você com seu marido”!

O Jô achou essa frase “Nelson Rodrigues puro”. Eu prefiro on the rocks. Por que não a mais clean: “ontem quase me deflorei com o desentupidor de pia!” Ou, quem sabe, uma versão gastronômica: “Amanhã de manhã você vai acordar outro pepino na feira…” Quem sabe eu dirija/transcrie uma peça teatral de Machado de Assis, que tal? Qualquer coisa que você colocar vai deixar a crítica perdidinha, pois ninguém conhece o teatro do Machadão, rá-rá-rá!

Francinny: Vc pergunta quem e o diretor,não temos diretor nossas historias são dirigidas por nós, nada de diretores, somos livres mesmo não que não vivemos em um país livre, mas temos a alma livre de tudo e todos,não quero ser um boneco grotesco que toma Prozac, quero ser livre não quero sapatear, ou falar o que todo mundo quer, eu queria vomitar na hipocresia do mundo mas não posso. Na verdade não fui procurar um livro fui procurar ser livre, Lucio tudo e uma loucura a vida e uma loucura, mas eu queria viver em um conto como os de Poe, vamos escrever um conto louco, para os loucos da vida moderna que tenha eu , vc Rodrigo Contrera, Corvo e mais outros loucos Ola para Corvo eu mandaria o retrato Oval eu achei, e a historia de um pintor que com o seu perfeccionismo, para com o retrato da esposa aos poucos em que ele coloria a tela, tirava a cor de sua esposa, e ao fim o retrato ficou perfeita, mas ele nem notou que ela morreu diante dos seus olhos, e isso está acontecendo diante de nós, estou vendo o diretor G.T. morrer diante de nós pois está impondo seu modo de vida, está trepudiando e sapateando diante das nossas criticas mediocres, achando que a razão e só dele como o Pintor diante da sua obra

Lúcio: Parte da minha família mora em Goldensbridge, são três tios que trabalham com um milionário, Mr. Max. Inclusive mamãe já foi lá: avisei-a para procurar algo off-broadway. Vou dar o toque do La Mama. Quando eu disse que converso com vc, mamãe comentou, alegre: “aquele moço que foi casado com aquela atriz bonita? Ele parece o John Lennon!” Em que consiste a estética em Thomas? (…) Trata-se de uma estética constantemente aberta, em processo de criação, em mestiçagem permanente. (…) A identidade de Thomas é múltipla e totalmente indefinível. Ele se definie em alemão, parafraseando Wagner, como “der fliegende Jude”, o judeu voador, ao invés de “der fliegende Hollender” . E essa fórmula caracteriza bem o senso inato de uma certa ubiqüidade de Thomas. (…) O gesto teatral de Thomas é ao mesmo tempo paródico e respeitoso de uma certa tradição teatral. É, antes de tudo lúdico e se fundamenta numa intenção de reteatralizar o teatro segundo os princípios instáveis da mistura de elementos aleatórios. Tocamos aqui na sua filosofia do acaso, que constitui a base principal de sua atividade teatral.. Para Thomas o acaso é um lance. Cada lance é imprevisível. Se para Mallarmé nenhum lance de dados jamais abolirá o acaso, para Gerald Thomas cada acaso desloca e perturba a sistemática e a lógica mímética do teatro. (…) Mulplicar os lances é fazer do teatro um campo de jogo onde tudo pode acontecer. (…) O que Wagner postulava como obra de arte total, torna-se ou deve tornar-se para Thomas uma “obra de arte de acasos reunidos”. (…) Mas o que é então o acaso para Thomas? (..) A obra teatral do acaso total é um discurso cênico onde nenhuma estabilidade, nenhuma identidade, nenhuma tradição resiste à força e à imprevisibilidade dos lances. O jogo, ou melhor, o panludismo, transtorna absoutamente tudo.(…) O teatro fica em estado de equilíbrio instável, em estado de tensão dialógica e provocadora que ironiza as estruturas estabelecidas. (…) Mas é, creio, uma interpretação parcial e não objetiva. É preciso compreender o sentido profundo do acaso em Thomas para explicar a originalidade e a dimensão vanguardista de seu processo. Parece-me que o acaso entendido como uma infinidade de lances é um postualdo estético original, mas não permite explicar o sentido de algumas constantes nas encenaçoes de Thomas. Não permite também comprender como seu estilo teatral se formou pela retradução em termos filosóficos e cênicos de certas tradições teatrais tomadas como pontos de rerfeência. O acaso seria então repetitivo e impaciente. Antes de desenrolar seu infinito, seria mais sensível a certos lances, sempre os mesmos, do que à multiçlicação de novos golpes. A estética cênica de Thomas se explica melhor e mais dialeticamnte quando tentamos comprender que sua teatralidade acontece entre os lances do acaso e processo estocástico. Ao programa da multiplicação dos lances aleatóreos é preciso acrescentar a necessidade de calcular as probabilidades de repetição, de previsão e de extrapolação de certas variáveis inseridas na criação cênica. Esta se compara a um processo estocástico, “função aleatória cujo argumento é o tempo, com desenrolar irreversível e inevitável. Devemos nos voltar para a evolução de um elemento cênico sobre o qual o “acaso” intervém a cada instante… ” (Wladimir Krisinky).

Fantasma de Maura Lopes Cançado: Eu nao frequentava obrigatoriamente o pátio. Á tarde, quando eu ia lá, pedia-lhe para cantar a ária da Bohéme, Valsa da Museta. Dona Georgiana recortada no meio do pátio, cantava — e era de doer o coração. As dementes, descalças e rasgadas, paravam em surpresa, rindo bonito em silêncio, os rostos transformados. Outras, sentadas no chão úmido, avançavam as faces inundadas de presença –elas que eram tão distantes. Os rostos fulgiam, por instantes, irisados e indestrutíveis. Me deixava imóvel, as lágrimas cegando-me. Dona Georgiana cantava: chia de graça, os olhos azuis sorrindo, aquele passado tão presente, ela que fora, ela que era, se elevando na limpidez das notas, minhas lágrimas descendo caladas, o pátio de mulheres existindo em dor e beleza. A beleza terríffica que Puccini não alcançou: uma mulher descalça, suja, gasta, louca, e as notas saindo-lhe em tragicidade difícil e bela demais — para existir fora de um hospício.

Rússia (tem a cara da Flora, Cláudia Raia): eu fingi de mortinha, de boazinha. A Ossétia é MINHA!

Ossétia (Lara, Mariana Ximenes, dividida): MAAAAE!

Geórgia (tem a cara da Patrícia Pillar, digo, da Flora): Você não é filha dela, Ossétia! Vocé é minha, filha! MINHA FILHA!

(Cai o pano. Trevas).

sábado, 30 de agosto de 2008

Resenha da Quinzena Vota Brasil

Quarta-feira, 27 de Agosto de 2008

RESENHA DA QUINZENA - VOTA BRASIL

Por Gustavo do Carmo

Toda época de eleição é a mesma coisa: somos bombeardos por campanhas que estimulam o voto consciente e responsável, nos convencendo a escolher o vereador certo que vai nos representar no governo da nossa cidade, estado ou país durante quatro anos. É inegável o valor e a necessidade dessas campanhas, mas já estamos cansados de saber disso (embora tenha gente que não saiba e para esses existem essas propagandas). Porém, enquanto os eleitores aprendem a votar os candidatos não aprendem a exercer o seu cargo.

O TSE, mantendo a tradição, lançou, para as eleições municipais deste ano, mais uma campanha de conscientização com a assinatura Vota Brasil. Depois de focar a família, os jovens e até as crianças, futuras eleitoras, o alvo desta vez parece ter sido os neuróticos. Brincadeira. Na verdade a intenção foi mostrar, em mensagens subliminares, o incômodo que o candidato errado pode trazer para o eleitor através de pessoas normais com problemas incomuns como andar em círculos na hora da pressa, conviver com uma abelha dentro do ouvido durante quatro anos, inconter o choro quando toca o telefone celular e sapatear durante o nervosismo. Ao final de cada vídeo uma dica falada de como votar bem.

A campanha, criada voluntariamente pela W/Brasil, na verdade, começou com outra temática: a perda da oportunidade. Com o mote "Perder uma oportunidade pode fazer você perder muito tempo nos próximos quatro anos", mostrava duas situações através de dois homens. Em "Cometa", um observador acampado para ver um cometa raro (provavelmente o Halley, que só passa a cada 76 anos, tendo passado a última em 1986) aguardava pela luneta sofisticada quando o vento apaga a lamparina. Enquanto tenta acender, o cometa vai passando lentamente atrás dele, sem que o astrônomo amador perceba. Em "Carro" o motorista é obrigado a parar e esperar um longo trem passar para atravessar a passagem de nível. Para se distrair decide ouvir uma música. Mas ao procurar o CD preferido no porta-luvas, caem vários no assoalho. Enquanto ele se abaixa para catá-los e procurar o disco que queria o trem termina de passar e a cancela se abre dando passagem, mas o rapaz ainda está procurando Quando o tal CD cai na sua cabeça ele volta a atenção para o trânsito, mas a cancela se fecha novamente para a passagem de outro trem. É uma idéia bem-humorada para retratar o tempo que o eleitor perde votando no candidato errado. Mas o tema oportunidade não é novo. Há alguns anos o banco HSBC fez um comercial do tipo mostrando um fã da jornalista Valéria Monteiro (ainda no auge do sucesso) viajando num carro cheio de fotos dela. Enquanto uma cai no chão e ele se abaixa para pegar, o carro passa pela estrada, impedindo que fã visse o seu ídolo parado no acostamento esperando alguém que a ajudasse a chamar o reboque ou trocar o pneu. Muito parecida com a do trem, lembra?
Coincidência ou não, logo depois estreou a outra série de filmes com o mote: "Quatro anos é muito tempo. Principalmente quando as coisas não vão bem". Foi então que entraram em cena quatro novos personagens que, ao contrário da primeira fase, ganharam nome e voz, dando depoimentos sobre como conviver com algo desagradável por quatro anos. No filme "Círculos" Mariana é uma executiva que anda em círculos quando está apressada. Ela tenta andar reto, mas seus pés simplesmente preferem fazer a volta. O episódio quer dizer que votando errado o cidadão ou mesmo o país não sai do lugar, não evolui. Em "Abelhas", Mário é um homem simples que estava no parque quando uma abelha entrou em seu ouvido. Ele quase enlouqueceu, mas se acostumou a ponto de colocar mel no próprio ouvido para acalmar a bichinha e mostrar que quem não votou direito vai ter que se acostumar com o incômodo do vereador errado te representando na sua cidade. Já João Paulo fez a escolha errada em "Emoções" e vai ficar chorando à toa por quatro anos com o toque do celular (ou o vereador, na mensagem). Por sua vez o envergonhado Lúcio começa a sapatear em ocasiões impróprias toda a vez que fica nervoso. Durante a apresentação do projeto no trabalho e no próprio casamento a situação é tão vexatória que ele reconhece que isso acaba com a reputação de um sujeito. A mensagem dentro do filme "Sapateado"? Quem não votou direito, dança!

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Marginal Pinheiros


MARGINAL PINHEIROS
28/08/2008 3:22 am

Estou tão enfronhado no Rio com esse projeto da Obra em Progresso que tenho me sentido longe à beça de São Paulo. Vim aqui fazer o show com o Rei no belo teatrinho do Niemeyer no Ibirapuera e senti o tamanho da saudade que eu estava de Sampa. O teatro é elegante e induz à quietude. Se o show fosse no Ginásio do Ibirapuera, o ruído dos aplausos assustaria a boba da Folha e o burro do Estadão que escreveram sobre o show. Há anos não leio nada tão errado sobre música brasileira - e, mais uma vez, envolvendo Roberto Carlos e este transblogueiro que vos fala. Se eu tivesse direito a convite, teria chamado Augusto de Campos para estar presente ao encontro: foi ele quem escreveu o primeiro texto de apoio crítico à Jovem Guarda, prefigurando o tropicalismo e opondo a energia da turma de Roberto e Erasmo à pretensão da turma de Elis. São Paulo é isso. Quando vi a Ponte Otávio Frias em frente aos prédios pós-modernos da Marginal Pinheiros (prefiro prédios pós-modernos aos chamados modernos que encheram nossas cidades de desarmonia, em nome da racionalidade) me senti esperançoso. Dei entrevista a Jô (onde disse isso) e segui para o lançamento do livro do Mangabeira na Casa das Rosas. Agora (já às duas e meia da manhã) o provincianismo fraco dos articulistas dos dois grandes jornais locais não conseguiu abalar essa sensação. O Brasil de Tom, que é o Brasil que precisa estar à altura da bossa nova, cresce para fora e para longe do Brasil dos débeis de cabeça e de coração.

Escrevo isso só para mostrar aos que comentaram as críticas hilárias da província paulistana que também li e que fiquei com pena dos dois fanfarrões que não sabem nem escrever. O do Estadão então é inacreditável. Como é que qualquer editor deixa sair um texto com tantos erros de português, tantas redundâncias e obscuridades, tamanha incapacidade de articular pensamentos? A da Folha não sabe pensar mas exprime de forma primária esse seu não-saber. O outro, nem isso. O texto dele é tão mal escrito que a gente tem de adivinhar o que ele pensa - e chega à evidência de que pensa errado. Mas de alguma forma o artigo da mulher parece ser mais prejudicial do que o do cara. Não respondo aqui a ela nem a ele. Nada digo aos jornais que os publicaram. Deixo aos leitores paulistanos que viram o show. Eles vão escrever protestando. Os jornais talvez publiquem algumas das cartas.

Chega de verdade. “Lobão tem razão” vai ficando muito bonita dentro de mim. Cada vez que a canto ela parece melhor. Fui cantar um trechinho no Jô e fiquei emocionado. “Lapa” nos pareceu - a mim e aos caras da Banda Cê - boa de cara. “Lobão tem razão” cresce com o tempo (em nós, pelo menos). Agora vamos começar o trabalho de estúdio: três dias de ensaio e, na segunda, começa a gravação do CD. O DVD, feito de números em construção, tirados das apresentações no Vivo Rio e no Oi Casa Grande, vai ser um documento da Obra em Progresso. Mas o CD será a prova dos noves (é dos noves, sim: a gente parece que tem medo de pôr os numerais no plural! - até o Oswald de Andrade, naquela grande frase de um dos seus manifestos, escreveu “a alegria é a prova dos nove”; bem, não está errado, mas a própria prova é sempre feita com o uso da expressão “noves fora…”; e como eu já gosto de nove, essa idéia de noves - muitos, múltiplos noves - me dá enlevo). Muito aprenderemos sobre essas canções e suas concepções sonoras quando as ouvirmos gravadas em estúdio. De minha parte, estou curioso e um tanto impaciente. Suponho que a gente vai lançar o CD ainda este ano. O DVD, como recordação do processo que chegou até ele, fica para um pouco depois. Depois do carnaval?

Acho que todo o mundo devia ler o livro “O Que a Esquerda Deve Propor”, de Roberto Mangabeira Unger. É um livro pequeno, denso mas muito claro, que faz renascer o sentimento de “ser de esquerda” em nós. Há propostas concretas interessantes e sobretudo uma visão do mundo hoje que nos liberta para pensar. De minha parte, vejo ali formuladas muitas das idéias que tentei eu próprio encontrar dentro de mim. O capítulo sobre os Estados Unidos e seu papel no mundo hoje é obrigatório - e independe de você querer ou não apostar nas sugestões de mudanças institucionais que Mangabeira oferece. Leiam e vejam se não está ali tudo o que precisamos saber agora sobre a morte das formas de política de esquerda que conhecíamos - sem que seja necessário passarmos a ser conservadores. Há décadas que venho dizendo que Brasil não pode jogar fora a contribição que nos quer dar esse pensador. Agora vejo que o Brasil não vai fazer isso. Temos um dever de originalidade. Temos algo a dizer ao mundo. Mesmo que nunca o disséssemos - mesmo que nunca o digamos - nós o temos. Mesmo que o calemos ou nos recusemos a articulá-lo, temo-lo (e é com prazer que o digo assim, homenageando o português lusitano, que também é nosso e que não devemos ignorar: um dia desses vou escrever sobre lingüistas que agridem os gramáticos em nome de uma demagógica receptividade ao que às vezes é mera limitação opressora dos falantes - mas não vou voltar aos erros do carinha do Estadão).

Estou escrevendo qualquer coisa hoje porque fiquei muito pegado com os shows de Tom/Roberto e nunca mais tinha escrito nada. Mas voltarei.

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Direto da edição: atrás do transamba
22/08/2008 1:05 am

AQUI FALA O HERMANO: Quito Ribeiro é parceiro de longa data. Acho que nos conhecemos quando ele era adolescente. Era um dos amigos do Moreno, que se tornaram também meus amigos queridos e hoje têm carreiras artísticas/intelectuais tão interessantes e diversificadas, algumas já ilustres: Pedro Sá, Kassin, Lucas Santtana, João Miguel, Pedro Süssekind e muita gente mais. Turma bacana essa… Quito é músico, produz seu próprio transamba baiano/jamaicano. Disco e shows excelentes e poderosos. Mas é também roteirista, editor etc. Fizemos juntos o roteiro de Tempo Rei, documentário sobre Gil. Ele participou da edição do Música do Brasil, do Central da Periferia. Montou O Maior Amor do Mundo, filme de Cacá Diegues. Etc. Etc. Agora está editando as entrevistas de Obra em Progresso, para o DVD. Da ilha de edição da Natasha, no seu segundo dia de trabalho, ele manda este texto, cheio de boas questões de quem está mergulhado nas horas e horas de material filmado por Toni Vanzolini:

“Estou aqui começando a editar o material de entrevistas que vai ser incluído no DVD. Faz parte deste processo inicial a idealização de um roteiro, ou de vários, à medida que vamos tomando conhecimento do material que dispomos. Um ou vários, todos são, em geral, diferentes do roteiro que foi escrito antes do material ser filmado ou gravado.

Neste caso específico nunca houve um roteiro. Estamos fazendo o que em linguagem cinematográfica chama-se cinema direto. Seguindo os passos dos nossos “personagens” sem fazer maiores interferências.

Resolvemos em conjunto tentar falar sobre o transamba.

Fico então aqui na ilha de edição, montando estes roteiros virtuais, tentando tornar o transamba compreensível. E as perguntas não param de aparecer. Seja para tentar fazer conexões entre as partes do material; ou forçá-las; ou tentar cobrir buracos onde eles eventualmente surgem.

A edição de um material sempre carrega consigo certa insatisfação com o material que foi obtido. O que é natural porque uma dose de insatisfação é inerente ao próprio processo; ou seja: ao fazer as perguntas, não quer dizer que eu esteja levantando as questões fundamentais para que o filme tenha uma narrativa fluida e coerente ao final.

Enfim, como este trabalho permite este tipo de situação, resolvi compartilhar essas questões aqui no blog e publicar as perguntas que em outros trabalhos não tenho a oportunidade de fazer.

Não sei se essas respostas, se vierem, estarão melhor no blog ou nesta sequência que estou montando (no momento essas respostas me ajudariam sobremaneira), mas seguindo o mantra da Obra em Progresso…

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Uma vez ouvi Caetano dizer que pensou, junto com Pedro Sá, antes do Cê, em fazer um disco meio anônimo, mas que seu lado leonino não deixou e eles acabaram fazendo o Cê. Fico pensando em “Todo errado”, em “Lobão tem razão”, em Caetano e Moreno cantando “Be kind to your parents”… E pra mim isso tudo por algum caminho soa meio lado B de um Caetano que faz do seu show um ritual todo marcado, todo solar. Jacques Morelembaun e Arto Lindsay falaram algo disso nas suas entrevistas. Ao mesmo tempo penso no samba como um lado B de um ritual religioso. E aí me dá vontade de saber: porque que Caetano escolheu o samba para ser o mote desta Obra em Progresso?

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Agora ouvi Moreno dizer na entrevista, que também é atitude de um leonino, se quisermos continuar nestes termos astrológicos, expor o processo inacabado. Ele conhece o pai dele melhor do que ninguém. Donde concluo que o lado B de um leonino é tão solar quanto o lado A. Eu, da minha parte, tenho consciência que este transamba que estou procurando no material filmado, de alguma maneira é transcaetano. Ele já está presente aqui e ali ao longo da carreira dele. Já esteve iluminado aqui e ali, por assim dizer. Mas agora ele resolveu nomear. Que situação ou situações levaram Caetano a querer fazer isto agora? Ainda não encontrei no material a resposta.

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Estou aqui vendo a entrevista de Ricardo e chego a mais uma conclusão. Transamba é um apelido, a elaboração de algo que surgiu naturalmente. Surgiu a partir da coincidência de gostos estéticos testados pelo tempo, pelos ensaios, pelas passagens de som, pelas turnês. Essa coincidência na concepção dos arranjos gerou o que se costuma chamar “soar como banda”. Essa maneira como a banda soou e os músicos começaram a querer que ela continuasse a soar a partir daí, gerou o transamba. Desde o momento primeiro de preparação, quando Caetano tomou a decisão de compor para esta banda. Será? É a procura deste tipo de material que estou indo atrás: a banda Cê elaborando o transamba. Conversei com Henrique Alqualo, que está trabalhando aqui comigo e ele diz que temos. Será que isto vai dar caldo?

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Na entrevista de Arto Lindsay, ele situa o transamba entre o transa e um R&B contemporâneo feito por gente como Raphael Saadiq. Por este ponto de vista transamba seria “samba atravessado”, ou um samba que traz em si a sobreposição de vários sambas. Ao mesmo tempo, ouvindo as musicas novas nos shows, vejo citações nas letras de Guinga, Pedro Sá, Kassin, Francisco Alves, Seu Jorge, Los Hermanos. Cabe a pergunta: Transamba tem uma linhagem?”

VOLTA O HERMANO: Como dá para perceber vai ser também bacana acompanhar o progresso da edição também por aqui. Toda fez que Quito for encontrando as respostas ou novas perguntas, haverá novos posts no blog Obra em Progresso.

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Caetas no Jô


"Toda vez que Lobão falou mal de mim eu gostei", diz Caetano

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MIGUEL ARCANJO PRADO
da Folha Online

Caetano Veloso é a atração do "Programa do Jô" (Globo) na noite desta quinta-feira (28), após o "Jornal da Globo". A entrevista com o cantor baiano vai ocupar toda atração, que faz parte da série comemorativa de 20 anos de Jô Soares no comando do talk show --contando com o período no SBT, onde ficou de 1988 até 2000, ano em que foi para a Globo.

João Paulo Valadares/Folha Imagem
Caetano canta com Banda Cê, no "Programa do Jô", na Globo
Baiano Caetano Veloso canta com Banda Cê, no "Programa do Jô", na Globo, em São Paulo

A Folha Online acompanhou a gravação, na tarde desta quarta (27), na sede da TV Globo em São Paulo. Durante a conversa, Caetano cantou a música "Lobão Tem Razão", que vai entrar em seu próximo disco. A canção é uma resposta ao cantor, que já falou mal de Caetano muitas vezes em entrevistas.

"O Lobão falou tanto mal de mim através das décadas e depois fez a música 'Para o Mano Caetano' [2001]. Aí me veio na cabeça fazer um negócio para ele. Toda vez que ele falou mal de mim eu gostei", afirmou Caetano Veloso, que não dava entrevistas a Jô Soares havia quatro anos.

O cantor disse que seu som atual é uma mistura de rock com samba. No palco, foi acompanhado da Banda Cê, formada por Marcelo Callado (bateria), Pedro Sá (guitarra) --que foi amigo de infância dos filhos de Caetano-- e Ricardo Dias Gomes (baixo e teclados). Caetano cantou músicas como "Desde que o Samba É Samba", com a platéia, formada majoritariamente por jovens, fazendo coro.

Durante a conversa com Jô, acompanhado por seu violão, o músico também deu algumas canjas, como "Alegria, Alegria" e "Sampa", música-homenagem a São Paulo que tocou a pedido de Jô Soares. "'Sampa' bate direto no coração", disse o apresentador, emocionado.

Caetano elogiou a cidade e disse ter achado "muito bonita" a ponte Octavio Frias de Oliveira, que fica em frente ao prédio da Globo.

Ex-tímido

Jô Soares lembrou Caetano seu comportamento tímido nos anos 60, quando, antes da fama, o músico freqüentou o programa de TV "Jô Show", ao lado da irmã Maria Bethânia.

João Paulo Valadares/Folha Imagem
Caetano acerta posição com o diretor do "Programa do Jô", Willem Van Weerelt, na Globo
Caetano acerta posição com o diretor do "Programa do Jô", Willem van Weerelt

"Eu sou um ex-tímido", disse Caetano, provocando gargalhada no baixista Bira, do Sexteto. Jô ainda quis saber como está a mãe do músico, dona Canô Velloso, que completará 101 anos no próximo 16 de setembro. "Ela está bem. Mas, esse ano, só vi minha mãe em março. Estou há um tempão sem ir à Bahia", disse o cantor.

Ele ainda afirmou escrever sempre que pode no blog "Obra em Progresso", que apresenta o processo criativo de seu novo CD, intitulado de "Transamba".

Caetano ainda falou sobre tentativas de parceria em canções com Tom Jobim, a quem homenageou nos últimos dias com um show ao lado de Roberto Carlos. Segundo ele, era praticamente impossível compor ao lado do maestro.

"O Tom atrapalhava, metia o bedelho, eu não consegui". Ele disse ainda ter timidez em compor na frente dos outros. "Fico com pudor". E elogiou Chico Buarque. "O Chico é deslumbrante, ele é bom improvisador, é rápido em rima, tem um talento para poesia inacreditável", contou, lembrando os tempos em que disputava quem mais lembrava letras de músicas com Chico no programa "Essa Noite se Improvisa", na TV Record dos anos 60.


João Paulo Valadares/Folha Imagem
Caetano conversa com Jô Soares, no "Programa do Jô", na Globo
Caetano Veloso conversa com Jô Soares, no "Programa do Jô", na Globo; compositor baiano falou sobre a música que fez para Lobão e disse ter gostado de todas as vezes que o roqueiro falou mal dele na imprensa

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Especial

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Poema

VISÕES

Recebe a visão

do todo

e não se assusta

o todo no pouco

demonstrado

fôssemos

a inteira parte

de quase nada

o nada na resolução

afeita ao ponto de vista

onde seqüências

se bifurcam

e de todos os lados

surgem horizontes

a visão abarca a transferência

entre os caminhos: o andar lento

das inconseqüências, as incertezas

demonstradas em nossos olhares

olhares: o que vê

resulta na dúvida original

de que o todo e o nada

sejam entre os caminhos

irresolutos modos

de nos perdermos.

(Pedro Du Bois, inédito)

meu blog:

http://www.globoonliners.com.br/icox.php?mdl=pagina&op=listar&usuario=5812

Castelas de Areia


CASTELOS DE AREIA



E no fim, os castelos feitos de areia deslizarão para o mar (Jimi Hendrix)

Montréal (Canadá) - Sábado de manhã, encontrei um homem que fazia castelos de areia para viver. Seu nome era Mark e ele marcava a área de sua última criação em Huntington Beach. Ele tinha sido contratado pelo hotel em que nós estávamos, e me disse que no verão ele trabalhava do lado de fora quase todo fim de semana. Ele perguntou se éramos da Califórnia e quando eu lhe disse que não, que nós éramos de Montréal, ele disse que nós poderíamos ajudá-lo, se quiséssemos. Deu à minha filha e ao meu filho uma espécie de pá de plástico e colocou-os trabalhando numa das quatro torres que limitavam a área.

Mark levava a sério seu trabalho, mas era extremamente paciente e gentil quando explicava os pontos mais delicados de sua arte. Nós éramos as primeiras pessoas naquela manhã e ele disse que gostava do jeito como meus filhos trabalhavam. “Você sabe”, ele me disse, “com os problemas econômicos que estamos vivendo agora, temos tido mais turistas estrangeiros do que americanos no hotel e observei que as crianças estrangeiras são mais independentes e não tão agressivas quanto as americanas”.

Eu tentei amenizar a situação e lhe disse que minhas crianças estavam longe de serem pequenos anjos, mas ele insistiu: “eu não sei, talvez nós estejamos fazendo alguma coisa errada”.

Eu não soube o que dizer a ele. Eu poderia somente falar dos meus próprios filhos. Eu não vivo nos Estados Unidos desde 1985, mas admito que provavelmente ele estava certo. A agressividade tornou-se uma marca registrada americana. Nós somos os "hooligans" do planeta e eu perguntei a ele o que as pessoas de Huntington Beach pensavam sobre a guerra no Iraque. Ele me disse que ele e seus amigos eram contra e olhando pra ele eu senti que ele pensava do mesmo jeito que eu. Que nós dois, sem ajuda, não poderíamos mudar muita coisa e que votar num ou noutro candidato na próxima eleição não interromperia a guerra nem a arrogância imperial de nosso país. O sistema está montado de tal forma que alguém que seja a favor da paz e de um mundo diferente jamais chegará a presidente. Esse era o fato e você não precisaria ser nenhum gênio para ver como nossa democracia se deteriorou. Com nossa “guerra contra o terror” e as centenas de milhares que matamos no Iraque e no Afeganistão, nós tínhamos nos desonrado para sempre. O império americano teria que cair, como acontece finalmente a todos os impérios, antes que nós possamos começar a pagar pelos danos que causamos.

O único consolo, pensei comigo mesmo, era que nem todos tinham engolido a propaganda do regime e que pessoas criativas como Mark estarão lá para consertar as coisas quando o tempo chegar.

CASTLES MADE OF SAND

And so castles made of sand slips into the sea, eventually (Jimi Hendrix)

Saturday morning I met a man who makes sand castles for a living. His name was Mark and I saw him when he was setting up the perimeter of his latest creation on Huntington Beach. He’d been hired by the hotel that we were staying at, and he told me that in the summer he was out there almost every weekend. He asked if we were from California and when I told him that we weren’t, that we were visiting from Montreal, he said that we could help him if we wanted. He gave both my daughter and my son a plastic chisel and he put them to work carving a passageway into one of the four towers of the perimeter.Mark was very serious about his job but extremely patient and gentle when it came to explaining the finer points of his art. We were the first people there that morning and he said that he liked the way my kids worked. “You know,” he told me, “with the economic problems we’re having now we get a lot more foreign tourists than Americans at the hotel and I’ve noticed that the foreign kids are more independent and not as aggressive as the Americans.”

I tried to make light of the situation and told him that my children were far from being little angels, but he insisted and said “I don’t know, maybe we’re doing something wrong.”

I didn’t know what to tell him. I could only speak for my own children. I hadn’t lived in the U.S. since 1985, but I suspected that he was probably right. Aggression has become an American trademark. We are the hoodlums of the planet and I asked him what the people in Huntington Beach thought about the war in Iraq. He said that he and his friends were against it and looking at him I could tell that he felt the same way that I did. That we were both helpless to change anything, and that voting for one candidate or the other in the next election wouldn’t stop the war or our country’s imperial arrogance. The system was rigged and anyone in favor of peace and creating a different world would never get close to the presidency. It was a fact and you didn’t have to be a genius to see how far our democracy had deteriorated. With our “war on terror” and the hundreds of thousands that we’ve killed in Iraq and Afghanistan, we had permanently disgraced ourselves. The American Empire would have to fall, as all empires eventually do, before we could even begin to make up for the damage that we’d done.

The only consolation, I thought to myself, was that not everyone had fallen for the regime’s propaganda and that creative people like Mark would be there to pick up the pieces when the time came.

Carta de Pedro Maciel

Caro Lúcio,
obrigado pelo generoso retorno.
O seu comentário é muito oportuno e bem-vindo.
Oswaldo inaugura a modernidade brasileira. É, talvez, o primeiro a
ter 'saudades do futuro', como gostava dizer Gide.
Lancei recentemente o romance "A Hora dos Náufragos", Ed. Bertrand Brasil.
Gostaria de tê-lo como leitor. Para mim, o leitor é mais importante do que o autor.
Segundo o poeta e tradutor Ivo Barroso, "Pedro Maciel nos faz acreditar na possibilidade de que a literatura brasileira possa ainda nos apresentar alguma coisa de novo que, curiosamente, remonta à própria arte de escrever: o estilo. Seu livro "A Hora dos Náufragos" nos perturba pela força de sua linguagem. O que há de mais próximo desse livro seriam os famosos "fusées" de Baudelaire".

abraçosempre,
Pedro Maciel

PS: os sites www.cronopios.com.br www.digestivocultural , entre outros, apenas reproduzem os meus brevíssimos ensaios que os editores de jornais 'achavam' ser resenhas. Publiquei também entrevistas com personagens que admirava. Comentava só livros que gostaria de ter escrito. Mas desde o ano de 2002 que voltei-me totalmente para a literatura. Há uma fala do meu personagem em "A Hora dos Náufragos" que diz o seguinte: 'Sinto-me profundamente na superfície'. Era assim que eu me sentia quando exercia o jornalismo. O jornalismo é bom pra o escritor mas ele tem que saber a hora de parar.

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BLOG: Entrevista com Haroldo de Campos

26/8/2008 18:00:08


Oi, Pedro! Gostei da entrevista, interessei-me especialmente pela parte que trata do Oswald. Acho que o esquecimento dele é parte disso. Tem uma frase dele que entraria no Beco do Escarro que diz: "Eu não espero mais as glórias". Estou preparando um novo artigo, pois tenho em mãos alguns fragmentos de Beco do Escarro que permanecem inéditos.
No final da vida dele, o momento político e artístico era de refluxo para o neoclassicismo e de opção clara entre capitalismo conservador e ditadura do proletariado: ele nunca recuou e jamais optou. Ao continuar de vanguarda -- essa é a tese que estou fazendo, Marco Zero ainda é fortemente de vanguarda, nem sequer tem um protagonista definido e foi concebido a partir de uma reflexão sobre Joyce -- Oswald não recebeu as glórias que um escritor em fim de carreira costuma receber: reedição de seus livros, entrevistas, adaptações, tudo o que um Ariano Suassuna teve, por exemplo.
Abraços do Lúcio Jr.

Lúcio Jr | lucio@bdonline.com.br

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Blognovela Penetrália, Capítulo 5

Blognovela Penetrália, capítulo 5: O PONTO G, DE GERALD

(Lúcio recolhe todos os bonecos e recolhe-os dentro de sacos pretos de plástico, com destino ao lixo. Recolhe também os restos da Talk-box de Marcos Xavier. Ele está com um rosto sério, concentrado. Ele recolhe do lixo folhas soltas, com anotações de falas de um amigo como a que fechou o capítulo acima).

Francinny Chequer: Oi, eu queria dar um conto de Poe para o Corvo, você tem? Aliás, quem dirige essa blognovela, Gerald Thomas?

Lúcio (deixando os sacos plásticos a um canto e voltando-se para ela): Não, não tem diretor não. É um processo sem sujeito. Ela seria bem melhor se fosse dirigida pelo Gerald! Mas aqui cada um chega e se dirige. O blog é self-service. Aliás, soube que o grupo teatral dele abandonou-o em Trinidad e Tobago. Depois disso, ele despediu-se à la Humprey Bogart em Casablanca e nunca mais o vi. Ouvi dizer que São Paulo o está consumindo.

(De dentro de lixo, o boneco do Érico continua falando): Sampa de privada, bad trip...fumaça, poluição saindo da cuca do Lobo Prosa Sem Prozac...Seres humanos transformados em bonecos grotescos, estufados, quase informes, maquiados exageradamente, como que na antecipação de um solene funeral...Até mesmo seus olhos haviam sido substituídos por olhos de vidro, como se as vítimas fossem ursos pardos empalhados em um museu de história natural... O apelido medonho do assassino taxidermista invisível, “Assassino do Cofrinho de Porco”, surgiu com a vítima seguinte, um mês depois do segundo crime, quando o padrão das atrocidades se cristalizara; uma piada perversa que, de certa forma...Até te exclur do meu Orkut, Lúcio...

Lúcio (apertando o saco de lixo, voltando a sapatear): agora chega! Temos visita em casa!

Francinny: O que aconteceu?

Lúcio (sapateando, nervoso): Nada, nada, é só lixo, lixo. Velhos bonecos.

(O boneco de Érico): Gostaria de ensaiar, nessa pequena preleção, uma resposta às críticas que mentes obtusas e preconceituosas têm endereçado espalhafatosamente à minha pessoa. Notem bem: esses falastrões microcéfalos têm atacado antes a mim do que a minha obra, o que, de fato, comprova sua total incompetência argumentativa. Criticam-me por eu ser um cão. De fato, eu o sou...

Lúcio (dando uma vassourada no saco de lixo): Então, se é, pare de latir para a moça aqui!

(Francinny, no entanto, foi procurar um livro de Poe. Enquanto isso, entram em cena os personagens da propaganda do governo federal, mais Laerte Braga, Rio Maynart, Sandra, Guzik e Contrera, todos se limpando da lama que entrou no escritório):

Mário (personagem que tem uma abelha no ouvido): Me arruma um cigarro, porra!

João Paulo (chorando ao ouvir o celular): Estou irado com o governo do PT. Arrependi-me de ter votado em Lula, deveria ter votado no PSTU e não dado carta branca para o Lula fazer a política herdada de FHC. Rompi totalmente, rompi com tudo. Lula para mim é um ex-operário, atual burguês com mentalidade de novo rico mesmo, emergente. Não é à toa que Vera Loyola deu o colar de sua cachorra para o fome zero. Sua ascensão não quer dizer que o sistema de castas implodiu. Não. O sistema de classes continua, mas Lula o ignora, imerso em sua incompetência histórica e intelectual. Lula ignora que existem as perdas internacionais, está cego para o imperialismo no momento em que ele se faz mais claro. O que se pode esperar de alguém que autografa cartazes de protesto contra si mesmo e frangos de borracha? É o Mr. Magoo da esquerda. Quem dera essa falsa esquerda pelega ficasse cinqüenta anos fora do poder e em seu lugar nascesse uma esquerda trabalhista, nacionalista, intelectualizada, literária, varguista! (Chuif!) A invasão do Iraque foi um lance colonialista estilo século XIX. O motor foi o desejo do capital financeiro de se expandir, tendo como molas principais as empresas petrolíferas interessadas no butim. Com Saddam, nacionalista panarabista e nasserista, defensor da causa palestina, autoritário e guerreiro que fosse, as riquezas do Iraque permaneciam no país. Agora serão exportadas via remessa de lucro das multinacionais. Mas não tem grilo. Teremos mais quatro anos de paz e amor, dando vivas ao presidente da Volkswagen, não é bicho? Só que se depender de mim, vou lutar, protestar, criticar. Não vou deixar barato. E não me furto nem de criticar o PSTU, que lançou como candidato o repetitivo Zé Maria, um candidato com o perfil do Lula antigamente, no começo dos anos 80. Sabiam que Lênin detestava sindicalismo? O PT, já disse antes, é leninista sem Lênin. Eles fazem centralismo democrático, impedindo que militantes discordem da linha do comitê central, mas já não têm nada da capacidade teórica e prática do Lênin. O PT ficou com os defeitos do leninismo e sem as qualidades (chuif!). E outra. Zé Dirceu é um autoritário, equivocado desde sempre. No movimento estudantil de onde ele saiu acusavam Prestes e o PC de terem sido dos culpados pelo golpe de 64, atacavam Jango e rejeitavam a Frente Ampla, única possibilidade real de restaurar o poder civil no pós-64. Eles foram radicais e bem mais porraloucas que a Heloísa Helena, que é uma figura que só tenta manter uma coerência mínima para não se perder na geléia geral. Além do mais, Dirceu já está escolado nisso de ter duas caras, e isso seu auto-exílio já mostrou. Ele é uma das figuras de proa de um governo que também veio para acabar com a Era Vargas (chuif, chuif!).

Laerte Braga: Vargas, Vargas não. Ele foi o pai dos pobres e a mãe dos ricos. Concordo com quase tudo o que você disse, tá certo? Mas aqui em Juiz de Fora o PSOL está próximo do PTB. Existe um golpe em marcha contra Lula. Você precisa ser menos radical, olhar a correlação de forças. Precisamos criar as condições para fazer essas reivindicações.

O HEAUTONTIMOROUMENOS (um estranho fantasma que entra em cena, aparentemente saído dos bonecos dos sapatetas): Sou fantasma de mim sentado

No semblante sangüíneo que mostro,

Assusta-me passos postos

Ecoando horas de si.

Sinto-me assombrado de calma

De ser tantos e nenhum agora,

Empresto às almas que imploram

Longas asas de moscas mortas.

Decomponho a música posta

Em ossos que ao fim da festa

Sentirei talhados profundos, elefantes.

Mau Fonseca: Cá vim, em crises alérrgicas e renites e o diabo. Fui ler outros capitulos…Imaginei essa blognovela num palco, em dado momento juro que imaginei que Gerald faria uma releitura de Da Vinci - em a Ultima ceia - e colocaria todo elenco como os Apostolos e Gerald como o Cristo - judeu - sem pátria (essa renite me afoga) nao consigo dormir com a cabeça cheia

Fantasma de Oswald de Andrade: vomite a própria cabeça! pense em raul! coma-a e vomite-a! seja realmente antropofágico! coma a si mesmo! e vomite-se!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Gerald Thomas na Revista Agulha

Gerald Thomas: "Não quero e não posso aparecer no Brasil tão cedo"
(entrevista)

Antonio Júnior


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Gerald ThomasEm janeiro de 1984, estréia a primeira versão de All Strange Away, de Samuel Beckett, no palco do histórico La MaMa Experimental Theatre Club, em Nova York. Na direção, um carioca que daria muito o que falar nas décadas seguintes: Gerald Thomas. De volta ao mesmo teatro este ano com Anchor Pectoris, ele lotou a casa e foi ovacionado pela crítica local. Em crise com os seus próprios valores e com o mundo que o rodeia, além de decepcionado com o processo e a polêmica gerados com a exposição de suas nádegas no final da estréia da ópera Tristão e Isolda, no Teatro Municipal (RJ), o diretor prepara uma nova montagem norte-americana em cima da popular figura de Dom Quixote e escreve sua autobiografia, Notas de Suicídio, onde promete nada esconder.

Aos 49 anos, Gerald Thomas já dirigiu 70 montagens em 12 países, trabalhou com ícones como Fernanda Montenegro e foi parceiro amoroso de atrizes do quilate de Giulia Gam, Fernanda Torres e Beth Coelho. A nossa conversa – e amizade – se desenvolveu on-line nos últimos dois meses. Teve como ponto de partida uma paixão mútua, o dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-89), que foi amigo pessoal do nosso entrevistado. [AJ]

AJ - Como situa ANCHOR PECTORIS em sua carreira?

GT - Olha, querido, foi uma volta e tanto ao lar, vamos dizer assim. La MaMa é o teatro onde comecei a minha carreira teatral, há mais de vinte anos. Então, foi uma emoção e tanto esse retorno nietzscheano. Fiz tudo lá, os Becketts, ou seja, as premiéres mundiais de Beckett. Depois viemos pro La MaMa com a Companhia Brasileira de Ópera Seca, com a Trilogia Kafka. Quando desembarcamos aqui com Flash and Crash no Lincoln Center, em 1992, foi uma catástrofe para Ellen Stewart, a fundadora do La MaMa, e isso foi tomado como uma ofensa pessoal. Demorou anos pra ser curado. Prometi um monte de espetáculos pra Ellen mas nunca consegui entregá-los por falta de verba. Ela nunca me perdoou. Então, quando ela, do nada, de repente me convida para (em 12 dias) criar, escrever, musicar e iluminar e dirigir um espetáculo com uma companhia nova, aceitei o convite na hora. Anchor Pectoris foi um estouro. O East Village veio em peso e a “volta ao lar” foi tudo o que tinha que ser. Mas me deixou num estado completamente melancólico e esse eterno retorno me atrofiou. Não tenho resposta pra isso.

AJ - O título é uma referência ao termo que ilustra a depressão também como uma âncora no peito. Esta obra é resultado de uma crise pessoal?

GT - Justamente o que estava dizendo. Crise total! Ao mesmo tempo, tendo delegá-la pra outros trabalhos de forma metafórica, analógica ou metalingüística. Exemplo? Dom Quixote – nesse momento ainda trabalho com o titulo provisório de Bloom’s Quixote’s Expedition (simplesmente porque as iniciais BQE também servem para a Brooklyn Queens Expressway, que é a maior via expressa que liga dois dos maiores bairros aqui em Nova York). O espetáculo será feito num terreno baldio debaixo dela (é uma via elevada) e o meu dom Quixote é o Arthur Bispo do Rosário, magnífico louco genial artista, o maior de todos, o dadá brasileiro, o Colombo brasileiro confinado a um manicômio e que via lá seus monstros assim como qualquer um vê os seus, assim como eu vejo os meus.

Carlos M. LuisAJ - O dramaturgo Samuel Beckett é a sua maior referência teatral?

GT - A maior de todas em texto, estética, mas não cenicamente. Cenicamente é Tadeuz Kantor e talvez o Robert Wilson. Ou Pina Bausch. Difícil dizer...as influências são muitas. Devo muito a Kafka e Dante por exemplo, mas até que ponto eles que não são teatro e sim literatura não me levaram até o teatro...entende? Nem sempre o teatro influência o teatro. Francis Bacon o pintor tem mais a ver com o meu teatro, assim como Marcel Duchamp também tem. Filosoficamente estou mais perto do cinema de Glauber do que de qualquer teatrólogo.

AJ - Como foi sua convivência com Beckett? Dizem que ele era um homem difícil.

GT - Nada difícil. Tímido, deprimido, retraído e não queria ver ninguém. Até hoje não acredito que ele me via com tanta freqüência. Conversávamos sobre absolutamente tudo, desde quem estava trepando com quem na classe teatral de NY até – ele me testava muito sobre o quanto eu sabia sobre sua obra – seus próprios textos. Citava de repente, uma frase solta de uma de suas peças e eu tinha que responder de qual peça se tratava, ano em que havia sido escrita etc. Alto, magro....parecia uma escultura de Giacometti, assim como seus personagens. Falava num irlandês baixíssimo. Ele era “O” Beckett, mas sempre fazia com que a gente fosse grande, nos os visitantes fossemos maiores do que ele. Estava sempre deprimido, não sabia se conseguiria continuar. Olhava, às vezes, pro vazio por horas a fio. Dava aflição. Abaixava a cabeça. Ficava lá, de cabeça baixa. A maior e mais generosa figura da minha vida.

AJ - Seu mundo interior, Gerald, é uma resposta ao mundo externo?

GT - Cara... não sei mais diferenciar a imagem pública da privada. E isso é serio. Não sei mais se sofro na primeira ou na terceira pessoa. Não sei mais se a questão do ego ficou tão grande que o “ser humano” aqui dentro (e, portanto, seus problemas físicos, emotivos, etc.) ficou “on hold” ou negligenciado.Ou se só consigo me ver no planeta terra enquanto me justifico através da minha arte. Não me considero tendo valor nenhum enquanto não produzo. No entanto reconheço que isso não é normal. Mas não tendo o que dizer e como dizê-lo, me sinto “unworthy”, inútil, abaixo do nível do mundo. É o fim!

AJ - O livro que você está escrevendo, NOTAS DE SUICÌDIO, é uma autobiografia?

GT - Totalmente! Conto tudo sobre esses 49 anos que me trouxeram até aqui. E se chama Suicide Note porque eu começo onde Alan Schneider (o velho diretor de Beckett da década de 50, 60 e 70) foi morto em Londres atropelado por um ciclista, a 500 metros de onde eu morei, cruzando a rua. Ele era norte-americano e olhou pro lado errado no cruzamento de pedestres. Beckett havia me contado – em meados dos anos oitenta – que ele morria de rir com as mil e uma teses que os acadêmicos teciam sobre quem era Godot, e o que era Godot... quando na verdade, Godeaux era um ciclista no Tour de France que, em 1938, simplesmente não chegou até o Champs Elisées... e as pessoas ficaram lá esperando por dias e dias e dias... e ele jamais apareceu e nunca mais se ouviu falar do cara. Pra encurtar: Scheider teve seu Godot (ou Godeaux), seu ciclista, mesmo que 50 anos depois e mesmo que em Londres, pois ao postar uma carta pra Beckett em Paris, ele foi pego, caiu de mau jeito e morreu. Começo Suicide Note dizendo que estou andando naquela mesma rua 40 vezes ao dia, esperando que o meu Godot chegue também.

Carlos M. LuisAJ - No seu trabalho existe uma espécie de paixão pelo anticonformismo. É proposital?

GT - Sou assim na vida. Sou assim quando vou ao banheiro. Sou assim quando ouço notícias. Não agüento ir dormir. Mas também não agüento acordar.

AJ - Como é o seu processo de criação? Você é racional ou aposta no inconsciente?

GT - Não sei mais diferenciar um do outro, sinceramente. Nesse mundo em que vivo, não sei mais a diferença. Olha em volta, olha a loucura, olha o desespero! Ele é racional ou é inconsciente?

AJ - Já foi casado com várias atrizes. Como lida com elas no seu trabalho? A intimidade amorosa não interfere no processo criativo?

GT - Esse é um assunto tão delicado, mas tão delicado nesse momento que prefiro não entrar nele. Depois que li uma entrevista da Fernanda Torres no Globo faz umas duas semanas, percebi que somos todos uns alienígenas e que tenho mais é que calar a boca mesmo sobre meus casamentos e que somente quando Suicide Note sair é que as pessoas saberão o que se passou por trás do palco.

AJ - O que pensa dos críticos que dizem que o seu trabalho é provocador e visual, não valorizando o texto e os atores?

GT - Honestamente já não leio mais os críticos. Os mesmo que acabam comigo são os mesmos que me deram todos os prêmios Moliéres, etc. Ha uma relação tão intensa e tão antropofágica no Brasil que dá engulhos.

AJ - Quem apontaria como fundamental para o desenvolvimento do teatro brasileiro?

GT - O estudo profundo de toda a obra de Nelson Rodrigues como sendo matéria obrigatória em todos os colégios e faculdades. É incrível, mas nem mesmo o pessoal que faz teatro conhece a fundo a obra de Nelson, que definitivamente está entre as cinco maiores do mundo e de todas as épocas.

Carlos M. LuisAJ - O escritor francês Raymond Radiguet dizia que a vanguarda começa em pé e termina sentando muito rápido, ou seja, se referia à cadeira da Academia. Você se considera de vanguarda?

GT - É um tema delicado. No momento estamos todos estatelados olhando uns nos olhos dos outros nos perguntando o que fazer. Típico de virada de século, virada de milênio. Não há uma vanguarda parecida com a outra, porque não há uma época parecida com a outra. Nessa nossa época “virtual” terá que aparecer a resposta, digamos, adequada. Ela ainda não apareceu.

AJ - Quais os seus projetos? Algo para o Brasil?

GT - Não quero e não posso aparecer no Brasil tão cedo. Ainda não fui inocentado pelo tal ato obsceno. Além do mais, sofri de over exposure. Melhor dar um “tempo” de Brasil.

- obra selecionada de gerald thomas

All Strange Away (1984)
Trilogia Beckett (1985)
Quartett (1986)
Carmem com Filtro (1986)
Eletra com Creta (1986)
O Navio Fantasma (1987)
Trilogia Kafka: Um Processo - Uma Metamorfose - Praga (1988)
Mattogrosso (1989)
M.O.R.T.E. (1990)
Fim de Jogo (1990)
The Flash and Crash Days (1991)
Esperando Godot (1991)
Narcissus (1994)
O Sorriso do Gato de Alice (1994)
Unglauber (1994)
Doutor Fausto (1995)
Nowhere Man (1997)
Moises e Aarao (1998)
Tristão e Isolda (2003)
Anchor Pictoris (2004)

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Paixão

PAIXÃO

a paixão resume
o sentimento: estar preso
ao destino, distribuir
o fogo trazido ao sacrifício

ao fim o fogo
transubstanciado
em cinzas
ressurge ao estar preso

a paixão prende o corpo
em grades transversas
onde a carne é ofendida
em músicas: estar aqui
e se ver do lado de fora

do lado de fora, esqueço.


(Pedro Du Bois, em A CASA DAS GAIOLAS)

Brevíssimas Olímpicas

BREVÍSSIMAS OLÍMPICAS


Notas do nosso correspondente enviado a Pequim


Meu leal e benevolente leitor, posso até vê-lo daqui, do outro lado do mundo, à frente da sua TV adquirida em suaves parcelas nas Casas Bahia, acompanhando os certames de Pequim e detonando sua porção de pipoca de microondas com a voracidade de um leão a destroçar o alce. Adivinho também que o amigo deva estar no momento com ambas as mãos ocupadas, uma pilotando o controle remoto e outra segurando o copão de coca ou cerveja, o que me faz supor que se encontre com a cara enfiada nos piruás que ficaram lá no fundinho da tigela, tal qual ruminante no cocho.


Pois não seja eu a perturbar o seu televisivo espírito olímpico com minhas dispensáveis notas, tão sem encanto e interesse. Contudo, aí vão algumas delas, que sou forçado a parir por estar sendo (mal) pago para isso.


No cálculo em altura, deu a lógica: dona Oberici Guedes da Costa, angolana naturalizada portuguesa, que o Guiness Book of Records aponta como o ser humano do sexo feminino com maior quantidade de sardas por centímetro de pele, ficou com a medalha de ouro em conta de dividir com três casas decimais depois da vírgula – a sua especialidade, juntamente com a recitação de cor e salteada dos números primos até 859.663.002.984.351.935. Tal feito deixou boquiaberta toda a platéia do Ninho de Pássaro, naquela altura do campeonato já totalmente salpicado por cacas de pombas de variadas nacionalidades.


Grande expectativa marcava a final dos bocejos de praia, masculino e feminino. O público que lotava as arquibancadas ia ao delírio frente ao hipopotâmico esgarçar de mandíbulas dos moços e moças de Gana, que em espetaculares jogadas ensaiadas deixava os adversários desconcertados. Causou consternação geral o momento em que os medalhistas de prata deixaram a quadra de bocejos aos soluços, enxugando as lágrimas com a bandeira de seu país (que a bem da verdade não me lembro exatamente qual era).


Seria este repórter um relapso se deixasse de registrar a zebra por excelência destes jogos, no revezamento 4 x 400 sem barreiras. Como é do conhecimento de todos, essa prova consiste na participação de 400 atletas a percorrerem uma distância de 4 metros cada um, passando o bastão para o próximo, que corre seus 4 metros e assim sucessivamente. Os fundistas do Cazaquistão, favoritos pelo exímio preparo físico, foram vencidos pela equipe da Guiné Bissau, que no entanto teve que devolver as medalhas duas horas depois por dopping. Resultado: a China sagrou-se vencedora, sendo esta a única láurea conquistada pelo país anfitrião.


Last but not least, o nada sincronizado foi a modalidade de maior audiência do evento, calculada na fase eliminatória em 6,5 bilhões de pessoas ao redor do globo. Tivemos uma final arrebatadora, onde, em impecável sincronismo, 87 atletas nada faziam durante as cinco horas e trinta e cinco minutos de duração da prova. Um acontecimento que ficará gravado para sempre nos anais da história e que honrou sobejamente o ideal olímpico do Barão de Coubertin. Agora, é aguardar Londres 2012, onde juntos estaremos mais uma vez – se a sua paciência suportar e se de novo cometerem a imprudência de me enviar para a cobertura.


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Blognovela Penetrália: Capítulo 4

Capítulo 4: ANGELS IN AMERICA REZANDO CONTRA A CRUZ DO CRUZ & SOUSA

(Os bonecos dos sarapatetas e mais alguns participantes da blognovela flutuam em meio à lama. A Cruz do Cruz e Sousa parece muito à vontade naquela sala, na verdade o escritório de Lúcio, que tornou-se agora um mar de lama).

Lúcio (agora nadando, ao invés de sapatear, consegue acionar o boneco do Érico, que diz, com voz estranhamente mecânica): Você comprime seu abdômen contra a borda da mesa de escritório. Aspira o ar insalubre que nada lhe diz, graças à proteção de sua sinusite. Ajeita os óculos sobre as orelhas, as lentes refletindo o tumulto de pontos luminosos no enxame digital. Uma tomada liga sua espinha à caixa de abelhas do microcomputador: o choque, como uma chibatada seguida de um golpe de água fria, indica-lhe que o expediente se inicia.

(Fazendo o que o boneco lhe diz, Lúcio consegue abrir um ralo por onde sai a maior parte da lama).

Lúcio (sentado, segurando os pés, com a roupa suja): a solução para a Cruz do Cruz e Sousa é só uma: Elvis. E coloca uma gravação do roqueiro e crítico Sergei Chiodi: Os críticos nunca estiveram ao lado de Elvis Presley. Essa afirmação jogada assim ao vácuo das indagações pode parecer sem propósito. Será? Talvez o grande problema Elvis x críticos seja simplesmente o fato de que ele nunca se prendeu a um estilo: gravava os blues, da sua maneira sui generis, que ele tanto amava, os countries que o remetiam ao universo fosforescente dos festivais itinerantes de música do Tennessee e as baladonas pop de qualquer época que ouvia quando era criança. Tudo isso mostra que o afamado Rei do Rock era antes de tudo Rei do Pop. Sim, Rei do Pop porque sempre houve lugar na sua personalidade de grande intérprete e produtor (Sim! ele produzia seus discos) para todos os estilos de música, do gospel ao blues, do country a baladas de qualquer lugar do mundo.

Nos anos 50, Elvis não podia ter o apoio da crítica musical porque quem escrevia sobre música, na época, eram pessoas que tinham como referências musicais Nat “King” Cole, Sinatra e Bing Crosby; ou seja, pessoas que não podiam entender o porquê de um garoto branco de 19 anos, ainda por cima sulista, cantar blues. Sendo assim, os críticos não poderiam avaliar o trabalho de Presley como grande estilizador do blues urbano e do country, ou seja, o criador do que se convencionou chamar de rockabilly: ouça That’s All Right de 1954 (Toca-se a música bastante alta).

A Cruz do Cruz & Sousa: Ah, a vida antes da indústria cultural, antes de Adriana Calcanhoto e Arnaldo Antunes. Antes da revolução, como disse Talleyrand, a vida era doce. A vida antes de Elvis, como disse Francis...

Lúcio (volta a sapatear, mas põe os dedos em cruz): reacionário! Saudosista! Que bobagem é essa de antes da indústria cultural! A indústria cultural começou na Idade Média, quando surgiu a primeira ópera. Isso é uma desculpa sua, uma besteira. VADE RETRO, RETRÓGRADO!

A Cruz do Cruz & Sousa: Tudo bem, se você não me quer aqui, eu também não suporto essa sua mania chata de sapatear, tá bem? Sou poeta, editor dos maiores do Ocidente. Só não aceito que você fale da masculinidade do Hemingway. Aí é palhaçada e eu saio no braço, entendeu? Sou destemido e polêmico como Marcelo Mirisola e...

John Hemingway: Yes, he wrote a very long rebuttal of Calligaris' article, but I doubt that he has actually read my book, Strange Tribe, nor is he aware of the academic research that in the last 20 years (since the publication of the "garden of eden") has revolutionized academia's vision of my grandfather. Mind you, these are not people who "hate" Ernest or who wish in some way to denigrate him, quite the contrary. They consider him an extraordinarily complex and modern writer. Even the feminist scholars have changed their tune and now see Hemingway as a writer who was very much interested in women and in their realistic characterization. As I've said before, anyone who wishes to understand Ernest Hemingway and his writing has to be aware of his "other side."

Lúcio: John, I have this article contesting Calligaris on my blog: I guess it´s an example of a negative reaction of a young Hemingway´s fan. The title can be translated as something agressive: "The logic of the faggot catched on the dead-end". I don´t agree, it´s only a curiosity.

(A Cruz do Cruz e Sousa ergue-se e desaparece, levada por um dos anjos de Angels in America. Lúcio faz o nome-do-pai e retira uma caixa falante do boneco do Marcos Xavier, arrebentando a barriga do boneco todo sujo de lama. A caixa começa a falar sem parar, narrando um conto): Boa noite, meu nome é Talk Box. Por onde deseja começar? Neste conjunto de teclas que você vê em meu corpo, selecione o assunto desejado, pressionando a tecla correspondente. Pode me tocar, não seja tímido!

(Lúcio passou os olhos timidamente pelo corpo de Talk Box e, meio trêmulo, pressionou a tecla "História do Teatro", ao que a sofisticada máquina prontamente se manifestou):

Talk Box do Marcos Xavier-- Você escolheu um assunto muito interessante!

Lúcio-- Aposto que você diz isso para todos, pensou Malone.

Talk Box do Marcos Xavier-- Descreva-me, agora, qual a imagem que lhe vem à mente, a princípio, do teatro na antiga Grécia - murmurou, sedutora, Talk Box, silenciando-se por um minuto, para que ele pudesse falar.

Lúcio-- Bem, imagino-me no topo de um grande teatro de pedra. Ao fundo, um impressionante cenário natural. No palco, vejo uma encenação de Antígona, de Sófocles...

(Sem hesitar um segundo, tomado por uma ira incontrolável, Lúcio sacou de seu revólver calibre 38 e disparou cinco tiros contra a vagabunda...)

Uma série de pequenas explosões e faíscas iluminaram todo o escritório, enquanto frases desconexas começaram a ser emitidas desordenadamente pela Talk Box do Marcos Xavier, tais como "O Sendero Luminoso, de inspiração maoísta ... (cleng!) ... O Uruguai foi o vencedor da 1a. Copa do Mundo ... (cleng!) ... Boa noite, meu nome é Talk Box DO MARCOS XAVIER... (cleng!) ... Baudelaire criou uma nova técnica poética ... (cleng!) ... Pode me tocar, não seja tímido! ... (cleng!)". Aos poucos, entretanto, suas luzes foram-se apagando, ao passo que um denso óleo começou a escorrer de suas entranhas...

Fantasma do Pai de Hamlet: (aliviado pela saída do mar de lama): Um nariz de palhaço é muito mais do que apenas um nariz ou uma forma de esconder/revelar algo do/ao mundo. Este blog será minha tentativa de mostrar por que ser palhaço é uma forma de encarar definitivamente a liberdade de SER para os outr... puxa, pessoal.

descubro que deixo saudades.

será?

fico meio pasmo, sabem.

é como são as coisas, hoje.

ou apenas deixo uma espécie de vazio?

como um buraco negro?

não sei.