O interesse de Oswald de Andrade pelo nacionalismo nas artes foi anterior ao momento publicamente mais agitado do Modernismo, como já explicou Mário da Silva Brito, na sua fundamental História do Modernismo Brasileiro. Em 1915, refletindo sobre a situação da pintura nacional, Oswald observou que, ao lado da aprendizagem técnica, era urgente proceder a incorporação da "cor local" à dinâmica cultural do país, como estratégia para se consolidar a identidade nacional. Para atingir esse objetivo, aconselhou a pesquisa da poesia e da arte brasileira na obra dos antepassados, na fundação e no manancial atávico da raça. Consciente da necessidade de se ajustar a contribuição estrangeira (a técnica) à exploração da nossa realidade, anunciou o projeto Pau Brasil, posto em letra de forma quase dez anos depois, em 1924: "incorporados ao nosso meio, a nossa vida, é dever deles tirar dos recursos imensos do país, dos tesouros de cor, de luz, de bastidores. que os circundam, a arte nossa que se afirma, ao lado do nosso intenso trabalho material de construção de cidades e desbravamento de terras, uma manifestação superior de nacionalidade" (1).
Portanto, as iniciativas de atualização do instrumento de trabalho e a reflexão sobre o Brasil estavam em andamento muito antes da Semana de 22. A supervalorização desse "minuto delirante de remodelação artística" se torna muito artificial, na medida em que este evento aparece como o fato mais importante do Modernismo. Esta semana tão comemorada não inaugurou o movimento modernista, foi apenas uma festa planejada que serviu para anunciar o processo de construção de uma nova mentalidade. Na intenção de minimizar o alcance dessa rebelião estética, críticos mais apressados e hostis às rajadas modernizantes analisam o movimento pelo tom do barulho destes dias de brincadeira. Ficam assim desfocadas todas as iniciativas daquela fase de preparação, onde se traçaram as idéias e as teorias responsáveis pelo verdadeiro amadurecimento do Modernismo.
Acreditamos que os dois grandes mentores do Modernismo - Oswald de Andrade e Mário de Andrade - pressentiram de imediato a necessidade de se encontrar, por meios próprios, um correlato das propostas de recuperação da identidade cultural posta em discussão pela Vanguarda histórica. Talvez, Oswald tenha se antecipado aos demais companheiros, mas este é um problema de pequena monta. O fato é que na comportada Conferência realizada na Sorbonne em 1923 - "L'effort intellectuel du Brésil contemporain" (2) _ Oswald sistematizou, ainda que numa exposição ornada de contradições e frases de efeito, o programa que traçaria poeticamente no Manifesto. Antecipou discussões posteriores tais como: aceno à retomada de um esforço anterior de criação d uma língua independente; a idéia de recuperação do primitivo, inspirada na revalorização das manifestações da arte negra, empreendida pela Vanguarda européia. O panorama realizado por Oswald foi superficial e ainda preso a padrões conservadores de avaliação; teve sua importância histórica por se constituir na primeira explanação para estrangeiros da vontade moderna dos brasileiros de buscar feição cultural própria.
Depois da tumultuada conferência de Graça Aranha na Academia Brasileira de Letras, recheada de idéias difíceis de serem comungados por todos os modernistas, era esperado um fato novo que explicitasse as posições conflitantes no seio do Modernismo. Posições estas relacionadas sobretudo com o grupo do Rio, liderado pelo autor de Canaã, a quem Mário de Andrade, dois anos depois daquela conferência, em carta aberta de 12 de janeiro de 1926, apontou os pontos de divergência: "cria e prega no seu ideário incurável um brasileiro com errata no rabo, talvez mais bonito, não discuto, mais ideal porém, integrado no cosmos e vivendo
Um dos mais argutos críticos dos anos 20-30, Sérgio Buarque de Hollanda, iluminou a discussão sobre as origens das primeiras dissenções modernistas. Manteve animada polêmica na imprensa da época juntamente com outro critico não menos importante - Prudente de Moraes, neto. No artigo "0 Lado Oposto e o Outro Lado" (6) foram revelados os verdadeiros "pontos de resistência" contra as chamadas "ideologias do construtivismo" e os primeiros "germens de atrofia", no seio do Modernismo brasileiro. Em pleno ano de 1926 dois anos depois de iniciada a onda cultural nacionalizante - Sérgio Buarque ainda apelava para a pesquisa de uma "Arte de expressão nacional", responsabilizando muitos escritores modernistas pelo incentivo à "literatura bibelô", praticada por aqueles que permaneciam "do lado oposto": os representantes deste lado - o Academicismo em todas as suas modalidades - "falam uma linguagem que a geração dos que vivem esqueceu há muito tempo". É oportuno destacar que nesse ano foram lançadas as principais obras modelos deste tipo de academicismo que Sérgio Buarque denunciava: Toda América de Ronald de Carvalho, Sherazade de Guilherme de Almeida. Nas resenhas sobre a obra de Oswald, a tônica das exigências era também a realização de uma arte "que traduzisse um anseio qualquer de construção". E nos comentários em torno da "poesia bibelô" foi Justamente esta atitude intelectualista também resente nos resenhistas do Miramar e do Pau Brasil, o que mais desagradou a Sérgio Buarque. Prudente de Moraes, neto, foi mais objetivo em relação à natureza das primeiras dissidências modernistas: "a poesia Pau Brasil perturbava os que mais se diziam modernistas, Pau Brasil para eles era uma pilhéria engraçada. Nada mais".
Sérgio Buarque fez restrições às críticas de Mário de Andrade ("quando estas coincidem com as idéias de Tristão de Athayde") e as de seus discípulos mineiros de A Revista, por contribuírem para o culto da poesia brilhante. Identificou e apoiou o "outro lado", aquele da resistência à ideologia do construtivismo: Oswald de Andrade "um dos sujeitos mais extraordinários do Modernismo brasileiro, ao lado de nomes como Alcântara Machado, Prudente de Moraes, neto e Couto de Barros". A atuação do crítico modernista Tristão de Athayde foi analisada nos anos 50 por Oswald e duramente criticado também: "retardou a nossa posição intelectual e forneceu vitaminas a certo denuncialismo gratuito, teimoso e inútil". Inegavelmente a polêmica criada pelos dois críticos estava ligada à recepção do projeto Pau Brasil. Censurou os escritores mais envolvidos com o Modernismo - Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Tristão de Athayde - por se comportarem em relação a este projeto, como os acadêmicos de retórica vazia. Tristão, por sua vez, respondeu as objeções de Sérgio Buarque no artigo "Construtivismo/Destrutivismo" (7).
Examinando o panorama da poesia da década de 20, observamos afinidades com o roteiro traçado por Oswald, a fim de dar a nossa criação o "status" de poesia de exportação. Foi este programa estético, quê, a nível de Brasil, determinou a fisionomia nova da literatura moderna. O "Manifesto Pau Brasil", além de ter provocado discussões sobre o surgimento da consciência nacional, conseguiu atualizá-la; rediscutindo a realidade com uma linguagem novíssima. E o esquema poético traçado para tornar a poesia ágil, objetiva e sintética constitui-se num roteiro seguido, até contra vontade, pelos poetas mais jovens. Na análise da poesia dessa época levamos em conta uma história de mudanças. E algumas obras são símbolos dessa história: Paulicéia Desvairada, no primeiro momento do Modernismo e Pau Brasil na fase em que o movimento acentua o interesse pelo nacionalismo. Uma amostragem colhida aleatoriamente nas principais revistas do Modernismo é suficiente para ilustrar o que caracterizou a nossa poesia antes do Pau Brasil: da poesia penumbrista de Ronald de Carvalho de "Jardim tropical" à exteriorização dos índices de modernidade e do cotidiano, que marcou as produções do Mário e mais radicalmente à paisagem urbana do universo temático de "Crepúsculo" e de outros poemas de Luis Aranha, todos lançados pela revista Klaxon (l922). A poesia modernista até 1924, ano marco do projeto Pau Brasil, esteve enfaticamente ocupada em expressar o cotidiano, o progresso, a vida moderna, por meios expressivos novos, utilizando-se dos recursos de associações e da simultaneidade, chegando em muitos casos a um virtuoso formalismo. Foram as primeiras tentativas, sem fisionomia própria, de acertar o passo com a marcha do mundo ocidental de atualização estética. Uma produção poética que se caracterizou por uma comunhão feliz com o presente; por uma aceitação passiva e idolatrada de sua época. O poeta modernista ficou de bem com o presente, como lembrou Tristão de Athayde. A preocupação com a brasilidade ainda muito tímida, perdida na vontade de apontar os prenúncios da ingerência dessa modernidade no comportamento e na paisagem urbana, começou evidentemente no Modernismo com a Paulicéia Desvairada.
Com o Manifesto e o livro Pau Brasil surgiram um novo conceito de nacionalismo e um tratamento de vanguarda em relação à linguagem: um programa e uma prática de recuperação de materiais desprezados e esquecidos da nossa tradição lírica e de fixação, com simplicidade, dos fatos poéticos da nacionalidade, Oswald repôs em discussão o velho problema da diferença da língua portuguesa, iniciado na sua Conferência de 1923, ou melhor, retomou o esforço de criação de uma língua independente, reivindicado de forma mais incisiva no Manifesto: "a contribuição milionária de todos os erros", "língua nacional, neológica", "como falamos". Na poesia nacional posterior ao "Manifesto Pau Brasil" predominou exatamente a idéia de recuperação de todos os elementos diferenciadores ali sugeridos: modismos populares, linguagem cotidiana, nacionalização do vocabulário, estrangeirismo, desobediência à gramática. Mário justificou a adesão a esse programa: "escrevo língua imbecil, penso ingênuo só para chamar atenção dos mais fortes (... ) pra este monstro mole e indeciso que é o Brasil" (8). Aliás, a princípio, foi um grande entusiasta do projeto Pau Brasil: "estou inteiramente Pau-Brasil e faço uma propaganda danada do pau-brasilismo" (9).
A simplicidade da poesia Pau Brasil foi a solução apontada para se erradicar "a praga da literatice que assolava a cultura nacional", segundo Paulo Prado e, como justificava Oswald, oposição ao "lntelectualismo falsificado e postiço". No meio da baboseira do discurso floreado, inconsistente e vazio de idéias, Paulo Prado via, nessa poesia, o verdadeiro roteiro de um começo de infindáveis realizações práticas, amornando o nosso indestrutível mal literário: a literatice (10). Nesse aspecto foram unânimes as observações dos críticos que admitiram realmente com a poesia Pau Brasil a libertação da poesia brasileira de todos os artifícios. Conquista esta tentada antes por Mário de Andrade
Por ocasião do lançamento do seu primeiro livro de poemas, seis resenhas se destacaram na imprensa especializada pela grande afinidade de idéias e pelo prestígio dos nomes: Tristão de Athayde, Mário de Andrade, Afonso Arinos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Martins de Almeida (11). Pelo elenco citado podemos vislumbrar a repercussão que certamente obteve entre seus contemporâneos essa obra. Ainda que sem concordar com a argamassa estético-ideológica que presidia seu projeto criativo, todos foram unânimes em evidenciar a novidade e a originalidade do Pau Brasil. Por outro lado, também coincidiram na tentativa de demonstrar que esse projeto poético pecava pela falta de lirismo, em decorrência do seu acentuado "formalismo", do "gosto pela forma" e "pelo efeito". Acreditamos que o despojamento da poética oswaldiana fosse demasiadamente radical e novo para a época. Desconcertante até, precisando de tempo para ser absorvido. Ainda hoje a poesia do Pau Brasil e o romance Memórias Sentimentais de João Miramar são arrolados como modelo e citados como exemplo de atitude radical de renovação da linguagem. É possível que alguns poemas-minuto, na ânsia de libertar a poesia brasileira de artifícios, se revelem material inacabado ou em processo de elaboração; ou melhor, se configurem apenas como exemplo/sugestão de proposta poética
De certo modo a celeuma em torno da reivindicação de uma atitude construtiva por parte dos intelectuais brasileiros é velha. No Brasil, os escritores sempre foram, antes de tudo, homens de ação, contribuintes e participantes do processo de formação da nacionalidade. A insistência em negar atributos construtivos à poesia Pau Brasil foi questionada brilhantemente na citada polêmica "0 Lado Oposto e o Outro Lado". Sérgio Buarque e Prudente de Moraes, neto colocaram o problema de forma correta. Não tinha sentido ignorar ou reduzir a validade e o alcance da "estética da necessidade" oswaldiana, apenas porque o projeto incomodava ou porque representava no momento "o ponto de resistência necessário, indispensável contra as ideologias do construtivismo".
Os resenhistas de Oswaid, principalmente o poeta Drummond (15), admitiam como solução para a poesia brasileira a reação contra o sentimentalismo e o romantismo pela cultura cada vez mais intensa. Drummond criticou muito este processo de primitivização e "desintelectualização" da arte e analisou o trabalho de Oswald dentro desse raciocínio, como um sacrifício, em prol de uma poesia com cor e cheiro de Brasil. Tristão de Athayde engrossou o coro dos descontentes. Posicionou-se veementemente contra aquele processo que a poesia Pau Brasil ameaçava instaurar, privilegiando os elementos instintivos, a vulgaridade, o puro balbuciamento, realizando as vezes uma "tolice engraçada e inofensiva", que como o Manifesto, no seu entender, iria passar inteiramente desapercebida. Tristão achava que Oswald, numa "forma pindorâmica de um anseio europeu", abolia todo esforço poético de beleza e construção: provou por a + b em 1925 que a "desintelectualização" da arte moderna não foi um privilégio dos nossos modernistas; muito antes, em 1904, os europeus deliravam de emoção diante da arte negra. Todavia, o crítico esqueceu de acrescentar um detalhe importante, isto é, que Oswald e os modernistas conseguiram erguer na hora certa e fazer vingar o sentimento de nacionalismo artístico de maneira muito criativa.
Em determinados momentos, a crítica se mostrou preconceituosa. Além do problema da erudição, os resenhistas, bateram consonantemente em outra tecla: a da piada. Não perceberam que Oswald usava e abusava da piada, mas como instrumento crítico e como artifício poético. Pouco antes da sua morte o escritor fez um balanço do alcance da sua obra e lembrou: "o que desconcertava meus adversários é que minha literatura fugia ao padrão cretino então dominante. E chamavam a isso de "Piada"...(16). Mesmo entre os escritores modernistas mais chegados a Oswald havia preconceito em relação à sua produção literária, Dizia Mário, "noto certa ignorância no público e na crítica em tomar a sério Oswald de Andrade" (17). A brincadeira, a blague, o sarcasmo marca de alguns dos seus textos tornaram-se uma espécie de estigma, prejudicando às vezes a recepção imparcial das suas idéias.
A proposta oswaldiana, mesmo visceralmente contrária em termos de roteiro àquela da "poesia bibelô", trouxe implícita na sua estética um empenho construtivo: "a primeira construção brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau Brasil". Oswald fixou os fatos poéticos da nacionalidade de forma simples, amoldando uma "expressão rude e nua da sensação e do sentimento numa sinceridade total e sintética". A poesia Pau Brasil, advertia, "dera o tom para a província (Carlos Drummond de Andrade - Jorge de Lima), para a pequena burguesia atarantada das cidades (Álvaro Moreyra - Murilo Mendes), mesmo para os carbonos racistas e políticos de Pau Brasil (Guilherme - Ronald - Menotti - Plínio Salgado)" (18). E, mais do que evidente, a valorização do conhecimento também esteve em pauta ~ "a alegria dos que não sabem e descobrem" - e foi proposta em termos mais equilibrados, recorrendo a outras fontes da sabedoria: "Aprendi com meu filho de 10 anos/Que a poesia é a descoberta/Das coisas que eu nunca vi."("3 de maio").
Quanto à prosa de Oswald de Andrade, o seu tão esperado Memórias Sentimentais de João Miramar encontrou a crítica desprevenida em relação aos rumos que a moderna narrativa estava tomando. Foi unânime a perplexidade diante do desbaratamento da seqüência normal da sintaxe e da desarticulação geral do conjunto provocados pelo romance. Apesar das restrições, Miramar teve grande repercussão no meio modernista. As críticas de modo geral foram simpáticas ao livro. Dois mineiros, Carlos Drummond de Andrade e Martins de Almeida, escrevendo para jornais cariocas, se aproximaram na avaliação do trabalho pioneiro de Oswald de reformador do nosso romance e em admitir que Miramar foi "o único livro de prosa verdadeiramente moderna" (19). Tanto Drummond como Martins de Almeida não discutiram o problema do nacional, ou melhor, da contribuição do romance para a criação de uma consciência nacional como apontou Mário de Andrade. Drummond preferiu discutir no romance o "abrasileiramento exagerado" com laivos românticos; coincidiu com Mário ao observar os índices do tempo, a vontade de representar a época atual. Usaram quase a mesma expressão - sintoma do romantismo - para identificar características diferentes nessa obra. Mário dedicou um bom trecho de seu artigo examinando o trabalho expressivo da narrativa miramarina (20). Os dois resenhistas não associaram este procedimento ao da Vanguarda histórica, preocupada em retratar fielmente o seu tempo. O sintoma romântico correspondia ao desejo de abrasileirar-se, como mostrou Drummond, considerando positivo o fato de João Miramar viajar à Europa com olhos americanos e a cor local da narrativa repercutir na humanidade dos personagens. Por outro lado, considerou "a linguagem Pau Brasil, toda em vozes simples e puras, brotando do instinto, da sentimentalidade e da inteligência primitiva dos brasileiros", eminentemente artística e personalíssima. Para Mário, o artístico, o personalíssimo foi o caminho encontrado pelo romancista para a volta ao material, para apresentação da substância ficcional ou poética de forma pura e simples, isto é, "em toda sua infante virgindade". Na realidade esse achado da obra oswaldiana, assumindo criticamente a ingenuidade contida nas notícias dos cronistas, na tradição oral, revelou uma maneira alternativa de enfrentar "a obsessão lírica da matéria", diferente da fórmula encontrada pela Vanguarda européia. Operando, portanto, com a matéria lírica ainda em estado bruto, contribui Oswald, no entender do autor de Paulicéia Desvairada, para colocar a consciência nacional no presente do universo, permanecendo as Memórias eminentemente brasileiras pelo "colorido, ambiente, certa melancolia e inalterável bom humor", As resenhas de Mário de Andrade dissecaram criticamente o romance e a poesia Pau Brasil, mas por questão mesmo de justiça, não negaram a contribuição de Oswald. Uma atitude de simpatia aliada à vontade de análise crítica séria, que não dissimulou dúvidas como aquelas expressas num texto publicado postumamente em 1972: "Que divertem, não posso discutir. Nem atacar muito porque afinal das contas estas artes é um mudar de roupa sem parada e só... Estarei pessimista? Isso é impossível. Muito simples: tenho confiança nas roupas. De bom alfaiate. Oswald é alfaiate bom". Outros resenhistas também souberam avaliar o alcance dessa obra e o seu papel de orientação e de modelo. Plínio Salgado foi um deles. Sua avaliação não se limitou à análise do livro. Dois anos depois publicou O Estrangeiro, ao nível da linguagem, espelho da contribuição do trabalho de Oswald (21). Nem todos foram capazes de enxergar em Miramar uma realização definitiva, fadada ao sucesso e insistiram em definir o romance fundamentalmente como "uma tentativa curiosa de estilo". Prudente de Moraes, neto foi um dos poucos a perceber o acerto oswaldiano em reverter um processo poético equivocado: "Sua contribuição fundamental, que imprimiu ao espírito brasileiro uma direção decisiva, foi a conversão de valores até então havidos como negativos - porque eram diferentes dos valores cosmopolitas - em positivos, por uma aceitação que parecia impraticável" (22).
É preciso que se modifiquem opiniões cristalizadas por uma história e crítica literárias, cujo procedimento tem sido geralmente ignorar as fontes primárias, os textos de época. Por esta ótica, a obra de Oswald não teve a repercussão que era esperada entre os seus contemporâneos; sendo assim, não teria agido no processo de desenvolvimento do Modernismo, nem mesmo atuado como geradora de novos procedimentos e novas práticas de vanguarda na prosa e na poesia. Examinando-se essas fontes fica patente a influência decisiva de Oswald sobre sua geração. Nas entrelinhas dos poemas ou da ficção perpetrada pelos seus contemporâneos, nas declarações informais dos modernistas o eco do projeto Pau Brasil é bem perceptível.
Os companheiros modernistas também fizeram uma avaliação positiva sobre o alcance desse projeto e sua eficácia. Mário de Andrade foi um deles. Em carta a amigos admitia a sua condição inteiramente Pau Brasil e a disposição de fazer proselitismo, contaminando os mais brilhantes 'discípulos. Drummond, era um desses discípulos. E nessa época começava a dar forma ao seu primeiro livro de poemas, saído, na realidade, em 1930 - Alguma Poesia - que nos anos 24 e 25 tinha o "maravilhoso" título Minha Terra tem Palmeiras. (Muitos dos seus poemas foram publicados
Finalizando, a palavra mais uma vez fica com o crítico Prudente de Moraes, neto que sintetizou muito bem o papel de Oswald no cenário do Modernismo: com a aparência de uma "blague" literária sem maior significação, Oswald de Andrade nos convidava, pois, a uma revolução do espírito", pensando no renascimento do Brasil, nas novas expressões de pintura, de escultura, de poesia e de pensamento (23).
*Este texto faz parte de um ensaio mais amplo sobre Pau Brasil e Memórias Sentimentais de João Miramar.
01. Lanterna mágica. Em prol de uma pintura nacional. O Pirralho, São Paulo, 2 jan. 1915.
03. Carta Aberta a Graça Aranha. A Manhã, Rio de Janeiro, 12 jan. 1926. Cf. também Meu despacho com Graça Aranha. A Manhã, Rio de Janeiro, 3 fev. 1926.
05. Literatura de idéias. ln: Georgina Koifman, org. Cartas de Mário de Andrade a Prudente de Moraes, neto. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985. p.307-21. 06. Sergio Buarque de Hollanda. O lado oposto e outros lados. Revista do Brasil, São Paulo, 1(3), 15 out. 1926. Prudente de Moraes, neto. A Manhã, Rio de Janeiro, 30 out. 1926.
07. Estudos. Rio de Janeiro, A Ordem, 1929. p. 170-80. (série, I).
08
09. Carta de Mário para Tarsila - datada de São Paulo, l dez. 1924. ln: Aracy Amaral. Tarsila sua Obra e seu Tempo. São Paulo, Perspectiva/E DUSP, 1975. p.369-70.
10. Paulo Prado. O momento. Revista do Brasil, São Paulo, 25(100): 289-90, abr. 1924.
11. Afonso Arinos. Oswald de Andrade. Pau Brasil. Revista do Brasil, São Paulo, 30 set. 1926. Manuel Bandeira. Poesia Pau Brasil. O Mundo Literário, São Paulo, 26. 107-8, 1924. Mário de Andrade, Oswald de Andrade. Pau Brasil. ln: Marta R. Batista e outros. op. cit. p. 225- 32. Carlos Drummond de Andrade. O homem do Pau Brasil. ln: Marta R. Batista e outros. op. cit. p.238- 39. Martins de Almeida. Pau Brasil A Noite. 17 dez. 1925. ln: Marta R. Batista e outros. op. cit. p. 245- 7. Tristão de Athayde. Poesia Pau Brasil. O Mundo Literário. Rio de Janeiro, 4(40): 95-7, 5 ago. 1925.
12. Pau Brasil. Entrevista a O Jornal, Rio de Janeiro, jun. 1925.
13. Sergio Milliet. Jornal de S. Paulo, 26 mar. 1950.
14. Manuel Bandeira O humor na moderna poesia brasileira. ln: Poesia e Prosa. Rio,de Janeiro, Aguilar, 1958. v. 2.
15. O homem do Pau Brasil. A Noite, Rio de Janeiro, 14 dez. 1925. ln: Marta R. Batista e outros. op. cit. p. 238-9.
16 Oswald fala a posteridade. Entrevista ao Quincas Borba, São Paulo, 2(5): 1-2, jan. 1955.
17. Mário de Andrade. Oswald de Andrade. Pau Brasil. ln: Marta R. Batista e outros. op. cit. p. 225-32.
18. Texto incompleto, manuscrito a tinta, em folhas soltas de bloco. Centro de Documentação do IEL-UNICAMP. Acervo Oswald de Andrade.
19. Nacionalismo literário. O Jornal, Rio de Janeiro, 23 jan. 1925. Martins de Almeida. Pau Brasil. A Noite, Rio de Janeiro, 17 dez. 1925. ln: Marta R. Batista e outros. op. cit. p. 245-47.
20. Mário de Andrade. Oswald de Andrade. Pau Brasil. ln: Marta R. Batista e outros. op. cit. p. 225-32.
21. Prudente de Moraes, neto publicou uma resenha sobre o O Estrangeiro, mostrando a influência de Oswald de Andrade no romance de Plínio Salgado. Revista do Brasil, São Paulo, 1(4):41-2, 30 out. 1926.
22. Prudente de Moraes, neto. Literatura de idéias. op. cit. p. 317.
23. ld. lbid. p. 320-1.
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