Abraços.
Lá
Desbeauvoirizar é preciso
Quando eu tinha 17 anos, uma amiga querida me emprestou A Convidada, o primeiro romance de Simone de Beauvoir. Até hoje carrego o livro comigo, na memória e literalmente (foi mal!). Venho de uma família nos moldes tradicionais, onde o pai trabalhava fora e a mãe era “do lar”. Nunca quis o mesmo para mim. Aquele futuro de dona-de-casa me dava calafrios...
Mas o mundo de Simone tampouco me seduziu. A figura da mulher super-intelectualizada que pouca ou nenhuma importância dá ao amor e à realização de ter filhos me parecia incompleta. Quando li, então, o trecho em que a protagonista do livro mostra uma profunda frustração por não saber dançar, tive a certeza de que havia alguma coisa errada ali.
Françoise observava seu homem, Pierre, dançando com uma pupila. Uma música de se dançar junto, como tinha antigamente. O casal rodopiava pelo salão enquanto a heroína/Beauvoir, encostada num canto, se remoía diante da própria incapacidade de aceitar o pedido de um cavalheiro para acompanhá-lo numa contradança... Eu, hein?
Fico pensando se esse negócio de dançar separado não veio junto com a emancipação feminina, nos anos 60. Algo do tipo: “não toca em mim sem permissão!” É uma delícia dançar “solto”, mas dançar de rosto colado tinha lá sua magia, não tinha, não? Perdido o hábito, hoje em dia casais têm que fazer aulas para aprender a bailar enlaçados novamente. A dificuldade deve ser maior, creio, para as mulheres, que têm de reaprender a se deixar conduzir pelo homem.
Talvez, naquele cantinho do salão, Simone estivesse refletindo que deixar-se conduzir, de vez em quando, não é tão ruim. Nem faz a mulher perder seu lugar. Andar de braço dado. Deixar que o homem ajude na hora de atravessar a rua. A carregar os pacotes. A chamar o garçom. Que que tem?
Lembro que quando casei com o pai do meu filho mais velho, tudo era uma questão de honra, de defender meu espaço. Servi-lo, por exemplo, na hora das refeições. Nem pensar! Aquilo me fazia sentir como a minha mãe... O tempo passou e agora isso me parece uma atividade extremamente generosa. Cozinhar, dar de comer a quem a gente ama, ou até pregar um botão numa camisa, não nos faz menos independentes ou “inferiores”. É bobagem.
Meu filho tem 17 anos. Adoro quando ele gosta de algo que escrevi, adoro quando vejo que tem admiração intelectual por mim, que curte meus gostos literários, cinematográficos e musicais. Mas fico toda orgulhosa quando me olha (e faz isso desde os quatro) depois de comer e diz: “Mamãe, você é ótima cozinheira!”
Vou falar uma coisa para as mães modernas, que se sentem vitoriosas diante do machismo ao revelar que não sabem nem fritar um ovo: não há nada na maternidade que dê mais prazer do que preparar algo especial para o filho. Nem que seja um ovo mesmo, bem fritinho na manteiga, para que mais tarde ele possa alardear por aí que o seu é o melhor do mundo.
Simone de Beauvoir e as primeiras feministas foram geniais ao provar que homens e mulheres possuíam potencial idêntico, que um não era superior ao outro como se chegou a acreditar, inclusive com apoio pseudocientífico. Graças a elas, temos hoje, mulheres, a liberdade estimulante de enfrentar os homens em discussões de alto nível.
Duelos intelectuais entre os sexos são algo divertidíssimo. Principalmente quando conseguimos derrotar o contendente masculino. Uhu! Também gosto da idéia, popularizada por Simone e Jean-Paul Sartre, de morar sob tetos diferentes. Voltei a me casar, mas confesso ainda ter dúvidas se viver junto funciona mesmo. É que enquanto a rotina é um veneno, a saudade é um tempero tão saboroso para o amor...
Enfim, não pretendo aqui manifestar desrespeito pela militância feminista ao longo dos últimos 40 anos. Elas foram pioneiras e precisaram ser bravas para enfrentar tudo aquilo que ficou para trás. Mas não há dúvida que algumas exageraram na dose. Para mim, não tem nada a ver igualdade de direitos entre os sexos com igualdade entre os sexos. Somos diferentes. Temos necessidades diferentes. E outra ancestralidade.
Ser profissional, destacar-se no trabalho, ganhar salários compatíveis com o cargo e não com o gênero, galgar posições na política, não ser chamada de “dona Maria” ao volante... Tudo isso é ótimo. Ser mãe, mulher e amante, também. Deus me livre de não saber dançar!
Fico até desconfiada que, quando dizia “hay que endurecer pero sin perder la ternura”, Che Guevara não se referia aos revolucionários do planeta, mas às feministas...
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