Tropicalista:
A busca da saúde ou o canto da debilidade?
Fausto Wolf
Tribuna da Imprensa, 17 de outubro de 1968
o tropicalismo se define
símbolo da mais burra alienação
tropicalistas, empatia e pretensão
a torquatália
saúde ou canto da debilidade?
Assim é que, com a curiosidade despertada pelos comentários de alguns jornalistas e pelo entusiasmo de alguns amigos, fui domingo de noite até a boate de Ricardo Amaral, A Sucata, para ver o show de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Os Mutantes, dois rapazes e uma jovem que cantam e tocam diversos instrumentos com um fabuloso poder de descoberta de sons e de uma impressionante sonoridade vocal. Vi um rapaz cabeludo, dono de uma voz suave e bonita, a cantar letras inteligentes, na medida em que possuem
um sarcasmo paternalista como tônica, umoutro rapaz com uma voz não tão trabalhada, mas com
um formidável poder de uso e de saturação “a
(...)
De tudo que vi na boate Sucata, o que me parece positivo é a constatação do caos, da anarquia ignorante em que estamos envolvidos. Muito bem: o caos foi capturado e apresentado aos olhos perplexos
da burguesia. Mas o caos funciona como a penicilina. No princípio tonteia os germes, mas em seguida
os fortifica. Resultado: ao fim de pouco tempo a burguesia, a princípio agredida, digere (como, aliás, digere tudo que não fira economicamente) a agressão e a recebe como um galanteio ou uma carícia. Caetano Veloso fez a cama e deitou-se na cama e a partir de agora, enquanto perdurar o modismo, ele tem
um diploma que lhe permite fazer tudo, inclusive deitar-se na cama em pleno palco e de vez em quando dar um ou outro urro. O fenômeno mais próximo de Veloso e seus pares parece-me ser o de Hélio Oiticica, nas artes plásticas, que, depois da fama, mandou um “abat-jour” para a bienal de Tóquio.
Mas, dialeticamente, a que conduz a Tropicália? Constatado o caos, habituada a platéia ao caos, o que fazer depois? Qual a síntese para a antítese? Embora eu não me coloque numa posição tão maniqueísta como Augusto Boal, por exemplo, sou obrigado a concordar com ele quando ele diz que “o Tropicalismo pretende destruir a cafonice, endossando a cafonice, pretende criticar o Chacrinha participando dos seus programas de auditório, pretende epatér, mas consegue apenas enchanter les bourgeois. Termina dizendo: “Eu vou passar a acreditar nos tropicalistas no dia que um deles tiver a coragem de fazer o que Baudelaire
(trata-se de um poeta, rapazes, que continua falando aos homens do nosso tempo uma linguagem
de dimensão universal) já fazia no século passado: tingir os cabelosde verde e andar com uma tartaruga colorida atada por uma fitinha cor-de-rosa.” Concordo que a criação precisa de um maior espaço e para tanto é preciso destruir as convenções. Mas estas se destrói com bofetadas éticas e não fazendo cócegas com uma peninha sob as axilas da burguesia.
Parece-me que qualquer expressão de arte, para ser válida, precisa conter em sua essência um caráter revolucionário, que pode não ser ético, mas que precisa, pelo menos, ser dinâmico. Respeito os tropicalistas na medida que sua sanha destruidora tenta emancipá-la dos laços de sangue, solo, pai, mãe, lealdade para com o Estado, classe, raça, partido, religião, na medida em que suspeita das ideologias como disfarce de realidades indesejáveis, na medida em que diz “não” ao status quo. Mas um “não” pede
um “sim” a princípios genuínos seus, e esse “sim” está faltando ao Tropicalismo. Revolucionário é o homem sadio num mundo insano. O homem sadio, o revolucionário, tenta espalhar saúde, e, por enquanto,
o tropicalista, apesar dos seus filósofos, limita-se a cantar a debilidade. Artisticamente, e um acontecimento, até mesmo importante, mas, politicamente, façam-me o favor, não passa de uma piada.
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