sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Controle Corporativo e a Teoria da Libertação


CONTROLE CORPORATIVO E A TEORIA DA LIBERTAÇÃO



Montréal (Canadá) - Nos Estados Unidos, as coisas são muito simples. Os terroristas são o demônio, os americanos são bons e nossos líderes corporativos cuidam do resto. Eles decidem tudo por nós, desde como será a nossa política externa até quais países estão na agenda para serem invadidos e, é claro, quem dará a palavra final na Casa Branca. Essa oligarquia é impenetrável e implacável e somente aqueles que estão comprometidos com ela e ajoelhados diante de seus deuses neo-liberais têm a chance de serem eleitos Presidente.

A oligarquia controla a opinião pública através dos meios de comunicação social e sempre que algum candidato por alguma razão inexplicável tropeça e sem querer fala a verdade, seja sobre os bancos ou relações raciais ou sobre a história de atrocidades da América imperial, esse alguém é considerado “não suficientemente sério” ou “não presidenciável” ou é simplesmente ignorado. Para ganhar, você tem que ter o cuidado de não dizer nada que possa ser usado contra você.

Barack Obama é um candidato que até recentemente estava indo bem, dizia as coisas certas e evitava qualquer gafe política. No início, ele não era a favor da invasão do Iraque, mas percebeu que se continuasse um candidato anti-guerra a oligarquia não o aceitaria, então ele logo adotou uma posição de mais “realismo politico” e votou várias vezes pela manutenção de fundos para a ocupação do Iraque. Como qualquer outro sério candidato à presidência, ele é contra o “pagador único” ou a gerência do estado nos cuidados de saúde (sua campanha é fortemnete apoiada pelos principais laboratórios farmacêuticos dos EUA) e ele declarou sua posição a favor de bombardear o Irã, se necessário, para proteger Israel.

Infelizmente para Obama, seus inimgos são muitos e eles têm feito o dever de casa. Investigando seus amigos e conhecidos, descobriram um de especial valor. Jeremiah Wright, o pastor que casou Obama e batizou suas duas filhas, é um homem que gosta de falar a verdade, como ele a vê, e encontraram um vídeo de um de seus sermões onde ele diz: “Deus condena os EUA pelo que ele tem feito” (referindo-se à invasão do Iraque). Esta citação, ao lado de outras, foi imediatamente imortalizada no YouTube, onde dezenas de milhares de pessoas podem ver o reverendo em ação. Obama, temendo ser atingido por tabela e sentindo que precisava controlar a situação, logo tratou de fazer seu primeiro discurso sobre relações raciais na América e isso parece que funcionou. A tempestade passou e todos, com a possível exceção de Hillary Clinton, esqueceram o reverendo.

Isso foi em fevereiro, mas ontem, depois de um discurso do Reverendo Wright no Clube Nacional da Imprensa, em Washington, Obama foi novamente forçado a distanciar-se de seu ex-pastor. Ele disse que sentia últrajado pelas palavras de Wright. “Quando classifico como chocantes os comentários dele, quero dizer isso mesmo”, disse Obama aos repórteres em tom firme e sombrio. "Isso contradiz tudo em que eu acredito e quem eu sou. E quem já trabalhou comigo, que conhece a minha vida, que leu os meus livros, que tem visto o que esta campanha significa vai entender que isso é completamente oposto ao que eu penso, pelo que estou lutando e para onde quero levar este país. Depois de ver o desempenho do Rev. Wright, senti que houve um total desrespeito por aquilo que o povo norte-americano está passando e a necessidade de trabalharmos em conjunto para resolver estes problemas. Agora é o momento em que não devemos nos distrair”.

Para acabar com isso e estar certo de que todos entenderam que ele é radicalmente diferente de seu velho amigo, Obama disse que quando Wright "declara e, em seguida, amplifica essas proposições ridículas como a de que o governo dos EUA está envolvido com a AIDS, quando sugere que o ministro Farrakhan representa uma das maiores vozes dos séculos 20 e 21, quando ele equipara os os esforços de guerra dos Estados Unidos com o terrorismo, não há desculpas. Essas declarações me ofendem. Ofendem a todos os americanos”.

Curioso, decidi ir adiante e ver por mim mesmo o que tinha causado tanto pânico em Obama. Lendo a intervenção de Wright (http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2008/04/28/AR2008042801511_pf.html), não consegui encontrar qualquer coisa especialmente ofensiva ou odiosa. Se alguma coisa ficou clara para mim é que Wright pareceu um homem inteligente e compassivo, interessado primeiramente na reconciliação entre raças e povos. Explicando a Teologia da Libertação Negra, que sua igreja defende, ele disse: "O desejo de Deus é por mudanças positivas, permanentes e significativas. Deus não quer pessoas se achando superiores a outras. Deus não quer que as pessoas impotentes, pobres, viúvas, marginalizadas e aquelas subatendidas pelos poucos que detêm o poder fiquem presas a sistemas ineficientes que tratam alguns na sociedade como sendo mais iguais do que outros na mesma sociedade".

Em outra referência à sua igreja ele afirmou: "A nossa congregação ficou solidária com os camponeses em El Salvador e Nicarágua, ao mesmo tempo que o nosso governo, através de Ollie North e do escândalo Irã-Contras, apoiava os contras, que matavam os camponeses e os índios Miskito nesses dois países. A nossa congregação enviou dezenas de rapazes e moças para lutar na guerra do Vietnã, na primeira Guerra do Golfo e nas duas guerras atuais, no Afeganistão e no Iraque. A unidade da minha afilhada acabou de chegar ao Iraque, enquanto que aqueles que me chamam de impatriota têm utilizado suas posições privilegiadas para evitar o serviço militar, mandam mais de 4000 rapazes e moças americanos para morrer por uma mentira”. A propósito, o Reverendo Wright serviu no Vietnam, como marine dos EUA.

Não havia nada “chocante” ou terrivelmente radical sobre o discurso de Wright, pelo menos para alguém que tenha lido um pouco de história. Ele disse que os EUA sempre utilizaram o terror para obter o que queriam, ora matando os índios americanos, ora escravizando os africanos, ora invadindo outros países, mas estes são fatos históricos e não algo que ele tenha inventado.

O que é difícil para muitos na América, incluindo o senador Obama, é enfrentar estes fatos. Não queremos encarar nossa verdade histórica e enxergar uma nação que foi fundada sobre a idéia da "supremacia branca". Isso é feio e não faz parte da mito americano da igualdade e da generosidade. Mas, como o Reverendo Wright diria, o desejo de Deus para mudanças positivas, significativas e permanentes não irá acontecer se não o fizermos.

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